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Processo n.º 1356/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público, B., LDA., foi interposto recurso ao abrigo das alíneas b) e i) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) do acórdão daquele Tribunal de 14 de maio de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 20/2014 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem, para o que agora releva, a seguinte fundamentação:
«2. O recorrente requer também a apreciação «da interpretação que se extraia do disposto nos artºs 127º, 399º, 400º a contrario, 412º nº3 e 4, 411 nº 1 e 4, 420º nº1 a) e b) e 428º do Código de Processo Penal, na versão que lhe foi dada pela Lei 48/07, no sentido de que o recorrente em recurso de matéria de facto não pode lançar mão da prova gravada para invocar a violação do princípio in dubio pro reo e atacar a valoração e a credibilidade da prova testemunhal na sentença da 1ª instância no confronto entre a prova gravada e os factos assentes, porquanto a matéria de facto não é sindicável por esta via, sob pena de rejeição do recurso por extemporaneidade quando interposto no prazo de 30 dias, acrescido dos 3 dias úteis previsto no artº 145º nº5 e 107º-A do Código de Processo Penal».
Um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é a aplicação, pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação é requerida. Ora, para decidir no sentido da extemporaneidade do recurso interposto, o Tribunal da Relação de Guimarães limitou-se a aplicar o artigo 411.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, segundo o qual o prazo de 20 dias (estabelecido no n.º 1) é elevado para 30 dias se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada. Como verificou que o recurso interposto, face ao seu teor, não implicava a reapreciação da prova gravada, não impugnava a matéria de facto impondo a reapreciação da prova gravada, o tribunal concluiu pela extemporaneidade do mesmo.
A não verificação daquele requisito obsta, também nesta parte, ao conhecimento do objeto do recurso interposto, justificando-se a presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
3. O recorrente requer também a apreciação da «interpretação que se extraia 127º, 399º, 400º a contrario, 412º nº3 e 4, 411 nº 1 e 4, 420º nº1 a) e b) e 428º do Código de Processo Penal, na versão que lhe foi dada pela Lei 48/07, no sentido de que não constitui impugnação da matéria de facto para efeito da aplicação do prazo de 30 dias de interposição de recurso, acrescido dos 3 dias úteis previsto no artº 145º nº5 e 107º-A do Código de Processo Penal, colocar-se em questão a credibilidade e autenticidade de um documento através de prova testemunhal (gravada), quando tais documentos são arguidos de falsos e não estão assinados».
Um dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é a suscitação prévia e de forma adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de inconstitucionalidade normativa cuja apreciação é requerida a este Tribunal (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC). Ora, perante o tribunal que proferiu o acórdão recorrido (é irrelevante o que tenha sustentado na resposta ao parecer do Ministério Público, antes da prolação da decisão sumária), não foi questionada a conformidade constitucional desta norma indicada pelo recorrente (cf. fl. 3019 e ss.), o que obsta, nesta parte, ao conhecimento do objeto do recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
(…)
5. O recorrente requer também a apreciação «da interpretação dos nºs 3 e 4 do artº 412º e do artº 411º nº1, 3 e 4 do Código de Processo Penal, no sentido de que só deve ser admitido o recurso no prazo de 30 dias para reapreciação da prova gravada se tal pedido de reapreciação se mostrar fundado».
Um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é a aplicação, pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação é requerida. Ora, para decidir no sentido da extemporaneidade do recurso interposto, o tribunal recorrido não interpretou aquelas disposições legais no sentido identificado pelo recorrente. Do acórdão recorrido não resulta, de todo, que a decisão no sentido da extemporaneidade tenha assentado na circunstância de o pedido de reapreciação da prova se mostrar infundado. O Tribunal da Relação de Guimarães limitou-se a aplicar o artigo 411.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, segundo o qual o prazo de 20 dias (estabelecido no n.º 1) é elevado para 30 dias se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, independentemente de tal pedido se mostrar ou não fundado.
A não verificação daquele requisito obsta, também nesta parte, ao conhecimento do objeto do recurso interposto, justificando-se a presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, nos seguintes termos:
«Quanto à questão colocada sob o primeiro parágrafo, o recorrente admite que, de facto, a mesma não foi colocada perante o Tribunal da Relação de Guimarães, pelo que da mesma não há aqui que curar em sede de reclamação.
Já o mesmo não se pode dizer quanto à terceira questão suscitada no recurso interposto para este Tribunal.
De facto, na reclamação para a conferência o recorrente na página 13 e 14 alegou-se o seguinte:
Por outro lado, nada impede que em recurso da matéria de facto o recorrente ataque a convicção a que chegou o Tribunal de 1ª instância. De facto, tal convicção há de ser formada livremente e de acordo com o disposto no artº 127º do Código de Processo Penal, no entanto, como bastas vezes se pronunciou a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, livre apreciação da prova não equivale à arbitrariedade, sendo certo que uma das formas que existem para que o recorrente demonstre que se fez um errado uso do princípio da livre apreciação da prova é, exatamente, a impugnação da matéria de facto com recurso à prova gravada.
Com efeito, a interpretação que se extraia do disposto nos artºs 127º, 399º, 400º a contrario, 412º nº3 e 4, 411º nº4, 420º nº1 a) e b) e 428º do Código de Processo Penal, no sentido de que o recorrente em recurso de matéria de facto não pode lançar mão da prova gravada para invocar a violação do princípio in dúbio pro reo e atacar a valoração e a credibilidade da prova testemunhal na sentença da 1ª instância no confronto entre a prova gravada e os factos assentes, porquanto a matéria de facto não é sindicável por esta via, sob pena de rejeição do recurso por extemporaneidade, é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito, do direito ao recurso e do princípio da presunção da inocência e da proporcionalidade, previstos nos artºs 2º, 18º nº2 e 32º nº1 e 2 da Constituição.
Ora, lido o penúltimo e o último parágrafo vindo de transcrever, a questão de constitucionalidade está aí colocada, tal como consta do terceiro motivo de recurso para este Tribunal sob o parágrafo 3 supra.
De facto, a única diferença entre tal motivo do recurso e o que se alega nos dois parágrafos mencionados é que se acrescentou entre vírgulas “acrescido dos 3 dias úteis previsto no artº 145º nº5 e 107º-A do Código de Processo Penal”.
Ora, tal acrescento não desvirtua a questão colocada nem aumenta o número de normas da lei ordinária questionadas por inconstitucionais.
Assim, quanto ao fundamento do recurso para este Tribunal constante do parágrafo 3) supra, deve considerar-se que, efetivamente, a questão foi colocada de modo processualmente adequado, por forma a que o Tribunal recorrido estivesse obrigado a dela conhecer.
Por outro lado, é certo que o não conhecimento por parte de um tribunal da inconstitucionalidade de uma norma, quando podia e devia fazê-lo, equivale à aplicação implícita da mesma (cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional nº 318/90).
No acórdão nº 318/90 veio a decidir-se Ora, demonstrado que o poder jurisdicional do Tribunal da Relação não se esgotou com o acórdão, de 17 de Maio de 1989, e que portanto aquele podia e devia ainda conhecer da questão de inconstitucionalidade do artigo 416.º do Código de Processo Penal, no acórdão de 20 de Setembro de 1989, que indeferiu a reclamação deduzida pelo recorrente contra aquele primeiro aresto, o não conhecimento daquela inconstitucionalidade por aquele tribunal deve ser considerado como equivalendo a aplicação implícita daquela norma, para o efeito de recurso para o Tribunal Constitucional.
Na verdade, tal como também ficou consignado no mencionado Acórdão nº 176/88, este Tribunal Constitucional «não pode ficar dependente de uma eventualmente indevida ‘omissão de pronúncia’ sobre a questão de constitucionalidade, por parte dos restantes tribunais».
Quer isto dizer que independentemente de o Tribunal a quo não se ter pronunciado, ou se ter pronunciado deficientemente (como foi o caso) quanto à questão de constitucionalidade quando devia tê-lo feito, o conhecimento dessa questão de constitucionalidade não escapa à sindicância deste Tribunal.
Por outro lado, ainda que se entendesse que existiu efetivo aditamento das normas dos artºs 145º nº5 e 107º-A do Código de Processo Penal, sempre este Tribunal deveria receber o recurso, excluindo a apreciação da constitucionalidade das normas aditadas.
Com efeito, se o recorrente suscita uma questão de constitucionalidade durante o processo, mas no requerimento de interposição de recurso adita normas da lei ordinária que não constavam da questão de constitucionalidade, conforme a havia colocado perante o Tribunal recorrido, o Tribunal Constitucional, deve receber o recurso, com exclusão das normas invocadas ex nuovo.
Aliás, nada impediria este Tribunal de rejeitar o recurso relativamente a parte das normas da lei ordinária invocadas como violadoras da Constituição e admiti-lo relativamente às restantes, tal como nada impede o recorrente de restringir o âmbito do recurso no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional ou mesmo nas alegações do recurso de constitucionalidade.
Na verdade, a outra conclusão não se chega através da leitura do artº 79º-C da LTC que diz que o Tribunal só pode julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida tenha aplicado ou haja recusado a aplicação, o que quer dizer que se se questiona a constitucionalidade de uma determinada interpretação de várias normas conjugadas, o Tribunal pode excluir alguma ou algumas delas da sua apreciação, por relativamente a estas não se verificarem os pressupostos do recurso de constitucionalidade.
Deve, assim, o recurso ser admitido nesta parte.
1.2. A APLICAÇÃO DAS NORMAS COMO RATIO DECIDENDI PELO TRIBUNAL RECORRIDO
Como supra se disse, o Tribunal a quo não fundamentou o indeferimento das questões de constitucionalidade suscitadas, afirmando apenas que “Não se verifica, assim, qualquer violação das disposições legais indicadas pelo arguido, nomeadamente no âmbito de eventuais inconstitucionalidades – cfr. nomeadamente o mencionado a este respeito a fls. 3031, parte final e fls. 3032, fls. 3036; fls. 3038, tudo aqui se dando como reproduzido. Pelo que também quanto a este ponto não lhe assiste razão”; no entanto, nada impede este Tribunal de conhecer tais questões por esta ordem de razões.
Efetivamente, o cerne do inconformismo do recorrente é a norma, entretanto já revogada, do artº 411 º nº 4 do Código de Processo Penal.
Tal norma tinha a seguinte redação: “Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, os prazos estabelecidos no nº 1 e 3 são elevados para 30 dias.”
No acórdão recorrido disse-se, entre o mais, que “Referidas as questões suscitadas afigura-se-nos que facilmente se concluirá que as mesmas se tivessem sido apresentadas atempadamente teriam de ser apreciadas com o recurso apenas à douta decisão proferida, sem o recurso a qualquer apreciação da prova gravada, pois mesmo nas situações em que o recorrente efetuou umas tantas transcrições das declarações prestadas, mais não coloca em causa senão a forma como o Tribunal ao princípio da livre apreciação da prova fez a sua valoração da prova produzida.
E acrescenta na pág. 45 que tendo a apreciação da prova, “(...) nomeadamente testemunhal, sido efetuada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova o Tribunal da Relação só tem de analisar na parte da fundamentação se o Tribunal da 1ª instância justifica de forma lógica e fundamentada a razão porque assim procedeu e não de outra norma. Mas para esta análise o Tribunal apenas se socorre da decisão proferida sem recurso à reapreciação da prova (n. prova gravada).
Mais à frente, pág. 46 diz-se “Todavia, em nosso entender, não há que fazer apelo ao prazo de 30 dias, dado que o recurso não impugna a matéria de facto impondo a reapreciação da prova gravada (e de acordo com as exigências da lei, tal impugnação obedece às regras precisas enunciadas nos nºs 3 e 4 do artº 412º do CPP).
- Neste sentido vide o Ac. Do TR do Porto, com o sumário seguinte:
Ainda mais à frente na pág. 49 da decisão recorrida, citando novo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, diz-se:
- No mesmo sentido o acórdão do TRP, com o sumário seguinte:
Dos trechos do acórdão recorrido vindos de transcrever é, do ponto de vista do reclamante, manifesto que o tribunal recorrido confunde os pressupostos de admissão de recurso com as causas da sua improcedência.
Ou seja, resulta da leitura do acórdão que, apesar de se dizer que o recorrente não impugna a matéria de facto, verdadeiramente o que o Tribunal entendeu é que o recorrente não impugnou de modo processualmente válido a matéria de facto, conforme demanda o artº 412º nº3 e 4 do Código de Processo Penal.
Tal convicção decorre claramente dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto citados na decisão recorrida e supra transcritos, por isso no acórdão se diz que tais acórdãos foram proferidos no “mesmo sentido”.
Daí a invocação do disposto no artº 412º nº3 e 4 do Código de Processo Penal nas questões de constitucionalidade colocadas no presente recurso, que regulam os pressupostos formais da impugnação da matéria de facto que impõem, nos termos do disposto no artº 411º nº4 do Código de Processo Penal a reapreciação da prova gravada.
Ou seja, o acórdão recorrido entendeu que o recurso da matéria de facto interposto pelo recorrente era infundado ou deveria ser rejeitado porque o recorrente sindicou matéria de facto abrangida pelo princípio da livre apreciação da prova (credibilidade dos depoimentos e valoração de documentos), concluindo, assim, erradamente, que o recurso não visava a reapreciação da matéria de facto.
Quer isto dizer que o recurso deveria ser admitido quanto à questão constante do parágrafo nº5, ou seja a interpretação dos nºs 3 e 4 do artº 412º e do artº 411º nº1, 3 e 4 do Código de Processo Penal, no sentido de que só deve ser admitido o recurso no prazo de 30 dias para reapreciação da prova gravada se tal pedido de reapreciação se mostrar fundado, tendo em conta que redundaria num acrescento às formalidades para que o recurso vise a reapreciação da matéria de facto, dado que se deve considerar inconstitucional por violação do disposto nos artºs 18º nº2, 20º nº1 e 4 e 32º nº1 da Constituição.
Tendo em conta o supra exposto, compreende-se também, da mesma forma que se tenha colocado entre as normas violadas o artº 127º do Código de Processo Penal que consagra o princípio da livre apreciação da prova, o artº 399º do Código de Processo Penal que consagra o direito ao recurso, o artº 420º do Código de Processo Penal que regula os casos em que o recurso deve ser rejeitado e o artº 428º do mesmo Código que diz que as Relação conhecem da matéria de facto.
Daí que fosse de admitir o recurso também quando à questão colocada sob o parágrafo 2 supra transcrito, ou seja a interpretação que se extraia do disposto nos artºs 127º, 399º, 400º a contrario, 412º nº3 e 4, 411º nº 1 e 4, 420º nº1 a) e b) e 428º do Código de Processo Penal, na versão que lhe foi dada pela Lei 48/07, no sentido de que o recorrente em recurso de matéria de facto não pode lançar mão da prova gravada para invocar a violação do princípio in dúbio pro reo e atacar a valoração e a credibilidade da prova testemunhal na sentença da 1ª instância no confronto entre a prova gravada e os factos assentes, porquanto a matéria de facto não é sindicável por esta via, sob pena de rejeição do recurso por extemporaneidade quando interposto no prazo de 30 dias, acrescido dos 3 dias úteis previsto no artº 145º nº5 e 107º-A do Código de Processo Penal, é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito, do direito ao recurso e do princípio da presunção da inocência e da proporcionalidade, previstos nos artºs 2º, 18º nº2 e 32º nº1 e 2 da Constituição.
O Tribunal recorrido ao não ser claro quanto à causa de rejeição deu azo a que o reclamante, visando que o seu posterior recurso para este Tribunal fosse admitido e não rejeitado por questões formais, teve, naturalmente, de invocar um arco abrangente de normas, sob pena de não conseguir antecipar o que viria ser decidido, o que não impede este Tribunal de restringir o objeto do recurso à questão de constitucionalidade sobre a interpretação que se extraiu do disposto nos artºs 411º nº1 e 4 do Código de Processo Penal na versão que lhe foi dada pela Lei 48/07, no sentido de que é extemporâneo o recurso interposto no 30º dia, quando venha a ser rejeitado o recurso sobre a matéria de facto, uma vez que se deve considerar inconstitucional por violação do princípio da confiança e segurança jurídicas e do Estado de Direito Democrático, do princípio do processo equitativo e das garantias de defesa do arguido consagrados nos artºs 2º, 20º nº4 e 32º nº1 da Constituição.
Na verdade, entre a questão de constitucionalidade supra e a que se arguiu no parágrafo 2 a única diferença é que o recorrente falou em recurso da matéria de facto infundado e a questão supra fala de recurso de matéria de facto rejeitado, o que, bem vistas as coisas, é equivalente.
Neste sentido sempre se deveria seguir a jurisprudência do acórdão nº 160/92 deste Tribunal no qual se decidiu:
Ora, num entendimento estrito das coisas, a questão de constitucionalidade, apreciada e decidida no acórdão recorrido, consistiu tão-somente na apreciação do argumento segundo o qual a ratificação operada pela Resolução 180/80 teria sanado a inconstitucionalidade orgânica de que padeceriam tanto o artigo 1.º do Decreto-Lei 356/79, de 31 de Agosto, como o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 10-A/80, de 18 de Fevereiro, que repristinou aquele. O acórdão do Pleno da Secção concluiu por uma resposta negativa.
O Tribunal Constitucional afirmou isto mesmo desde os seus primeiros acórdãos, maxime no Acórdão nº 2/84 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2.º Vol., p. 198) ao não se considerar vinculado pela qualificação dos institutos jurídicos operada nas decisões recorridas. E será também expressão desta particular feição da jurisdição constitucional a exigência que passou a formular-se com a Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, que veio alterar a Lei 28/82, de 15 de Novembro, da indicação da norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie, no artigo 75.º-A, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC). E é também a esta luz que se compreende o regime do artigo 79.º-C, da mesma Lei.
Nesta ordem de ideias, há que ter presente que, logo na petição de recurso, o recorrente tinha suscitado a questão da inconstitucionalidade orgânica do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 356/79, de 31 de Agosto, repristinado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei nº 10-A/80, de 18 de Fevereiro.
Visa ele a apreciação da recusa de aplicação das normas do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 356/79, de 31 de Agosto, e do Decreto-Lei n.º 10-A/80, de 18 de Fevereiro, que repristinou aquele, por inconstitucionalidade orgânica, derivada de violação do artigo 167.º alínea c), da Constituição (versão originária), não sanada pela Resolução nº 180/80, publicada em 2 de Junho.
De facto, como nos diz o precedente acórdão “não subsistem dúvidas de qualquer espécie quanto ao objeto do presente recurso.”, pelo que o recurso deve também ser recebido quanto às questões de constitucionalidade colocadas sob os parágrafos 2 e 5 supra.
Termos em que deve ser concedido provimento à presente reclamação e, em consequência, ser admitido o recurso relativamente às questões de constitucionalidade colocadas no parágrafo 2, 3 e 5 do requerimento de interposição de recurso e da presente reclamação».
4. Os recorridos foram notificados da presente reclamação, mas respondeu apenas o Ministério Público, dizendo, para o que agora releva, o seguinte:
«6º
Relativamente à segunda questão de constitucionalidade suscitada pelo arguido - sobre os artºs 127º, 399º, 400º a contrario, 412º, nºs 3 e 4, 411º, nºs 1 e 4, 420º, nº1, als. a) e b) e 428º do Código de Processo Penal, «no sentido de que o recorrente em recurso de matéria de facto não pode lançar mão da prova gravada para invocar a violação do princípio in dubio pro reo e atacar a valoração e a credibilidade da prova testemunhal na sentença da 1ª instância no confronto entre a prova gravada e os factos assentes, porquanto a matéria de facto não é sindicável por esta via, sob pena de rejeição do recurso por extemporaneidade quando interposto no prazo de 30 dias, acrescido dos 3 dias úteis previsto no artº 145º nº5 e 107º-A do Código de Processo Penal» -, entendeu a Ilustre Conselheira Relatora (cfr. fls. 3417-3418 dos autos) (destaques do signatário):
(…)
Concorda-se, também, naturalmente, com esta posição da Ilustre Conselheira Relatora, como se procurará comprovar mais adiante.
7º
Vejamos, agora, a terceira questão de constitucionalidade invocada pelo arguido, relativa aos artigos 127º, 399º, 400º a contrario, 412º, nºs 3 e 4, 411º, nºs 1 e 4, 420º, nº1, als. a) e b) e 428º do Código de Processo Penal, «no sentido de que não constitui impugnação da matéria de facto para efeito da aplicação do prazo de 30 dias de interposição de recurso, acrescido dos 3 dias úteis previsto no artº 145º nº5 e 107º-A do Código de Processo Penal, colocar-se em questão a credibilidade e autenticidade de um documento através de prova testemunhal (gravada), quando tais documentos são arguidos de falsos e não estão assinados».
Quanto a esta questão, considerou a Ilustre Conselheira Relatora (cfr. fls. 3418-3419 dos autos) (destaques do signatário):
(…)
Ora, também se afigura, ao Ministério Público, inteiramente correta esta conclusão da Ilustre Conselheira Relatora.
(…)
9º
A quinta questão de constitucionalidade, suscitada pelo arguido, respeita à «interpretação dos nºs 3 e 4 do artº 412º e do artº 411º nºs 1, 3 e 4 do Código de Processo Penal, no sentido de que só deve ser admitido o recurso no prazo de 30 dias para reapreciação da prova gravada se tal pedido de reapreciação se mostrar fundado».
A este propósito, a Ilustre Conselheira Relatora entendeu (cfr. fls. 3420 dos autos) (destaques do signatário):
(…)
Ora, esta conclusão da Ilustre Conselheira Relatora merece igualmente a inteira concordância do Ministério Público.
(…)
16º
Nessa medida, por todo o exposto, crê-se que a presente reclamação para a conferência não deverá merecer acolhimento por parte deste Tribunal Constitucional, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 20/14, de 14 de Janeiro, que determinou a respetiva apresentação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. O recorrente requereu a apreciação da «interpretação que se extraia 127º, 399º, 400º a contrario, 412º nº3 e 4, 411 nº 1 e 4, 420º nº1 a) e b) e 428º do Código de Processo Penal, na versão que lhe foi dada pela Lei 48/07, no sentido de que não constitui impugnação da matéria de facto para efeito da aplicação do prazo de 30 dias de interposição de recurso, acrescido dos 3 dias úteis previsto no artº 145º nº5 e 107º-A do Código de Processo Penal, colocar-se em questão a credibilidade e autenticidade de um documento através de prova testemunhal (gravada), quando tais documentos são arguidos de falsos e não estão assinados». Quanto a esta questão, a decisão reclamada concluiu no sentido do não conhecimento do objeto do recurso interposto, por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada de tal questão (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC).
Para contrariar o decidido, o reclamante alega que a questão foi suscitada durante o processo de forma adequada, com a diferença de ter acrescentado no requerimento de interposição de recurso o segmento «acrescido dos 3 dias úteis previsto no artº 145º nº5 e 107º-A do Código de Processo Penal», o que considera irrelevante.
Ainda que seja como o reclamante diz, o que é facto é que as passagens destacadas pelo reclamante – consideradas na decisão sumária – são inequívocas no sentido de não ter sido suscitada, previamente e de forma adequada, aquela questão de inconstitucionalidade.
Em suma, há que confirmar, nesta parte, a decisão reclamada.
2. O recorrente requereu também a apreciação «da interpretação que se extraia do disposto nos artºs 127º, 399º, 400º a contrario, 412º nº3 e 4, 411 nº 1 e 4, 420º nº1 a) e b) e 428º do Código de Processo Penal, na versão que lhe foi dada pela Lei 48/07, no sentido de que o recorrente em recurso de matéria de facto não pode lançar mão da prova gravada para invocar a violação do princípio in dubio pro reo e atacar a valoração e a credibilidade da prova testemunhal na sentença da 1ª instância no confronto entre a prova gravada e os factos assentes, porquanto a matéria de facto não é sindicável por esta via, sob pena de rejeição do recurso por extemporaneidade quando interposto no prazo de 30 dias, acrescido dos 3 dias úteis previsto no artº 145º nº5 e 107º-A do Código de Processo Penal». Bem como, ainda, «da interpretação dos nºs 3 e 4 do artº 412º e do artº 411º nº1, 3 e 4 do Código de Processo Penal, no sentido de que só deve ser admitido o recurso no prazo de 30 dias para reapreciação da prova gravada se tal pedido de reapreciação se mostrar fundado». Quanto a esta questão, a decisão reclamada concluiu no sentido do não conhecimento do objeto do recurso interposto, por não se poder dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, das normas cuja apreciação foi requerida (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC).
Da argumentação do reclamante nada resulta, porém, que contrarie o entendimento de que, para decidir no sentido da extemporaneidade do recurso interposto, o Tribunal da Relação de Guimarães se limitou a aplicar o artigo 411.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, segundo o qual o prazo de 20 dias (estabelecido no n.º 1) é elevado para 30 dias se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada. Como verificou que o recurso interposto, face ao seu teor, não implicava a reapreciação da prova gravada, não impugnava a matéria de facto impondo a reapreciação da prova gravada, o tribunal concluiu pela extemporaneidade do mesmo. O próprio reclamante reconhece que «o cerne do inconformismo do recorrente é a norma, entretanto já revogada, do artº 411º nº 4 do Código de Processo Penal».
Há que confirmar, pois, também nesta parte, a decisão que é objeto de reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 5 de março de 2014 – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral