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Proc. nº 1149/98
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Praia da Vitória, em que figuram como recorrente o Ministério Público e como recorrido M... finda a instrução, requerida pelo assistente, foi proferida decisão de não pronúncia, que se alicerçou, além do mais, nas seguintes considerações:
'd) Inconstitucionalidade do artigo 25º da LARA. O artigo 25º da LARA mantém a redacção inicial dada pelo DR nº 11/77/A, de 20 de Maio, já que as reformas posteriores o mantiveram intocado. Tal DR é um diploma emanado pela Assembleia Regional dos Açores, cuja competência, em matéria legislativa, estava definida na conjugação dos artigos
229º e 233º, nº 3, da CRP, hoje artigos 227º e 232º, e só podia versar sobre matérias de interesse específico da Região que não estivessem reservadas à competência própria dos órgãos de soberania – artºs 229º, nº 1, a), 228º, 232º e112º, nº 4, da CRP vigente. Para evitar equívocos, diga-se desde já que «onde esteja uma matéria reservada à competência própria dos órgãos de soberania, não há interesse específico para as Regiões que legitime o poder legislativo das Regiões Autónomas» - Ac. do TC nº
160/86, DR, 2ª Série, de 1.8.86. Ora, a «definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal, é da exclusiva competência da Assembleia da República», só ela podendo legislar sobre essas matérias, salvo autorização ao Governo – art. 167º, nº 1, e), da CRP, hoje art. 165º, nº 1, c). Quer isto dizer que pertence exclusivamente à Assembleia da República a criminalização de condutas – cfr. Ac. do TC nº 56/84, DR, I série, de 9.8.84 -, pelo que só ela pode legislar sobre a matéria em apreço, isto é, criminalizar penalmente a fixação e cobrança de rendas em montante superior ao legalmente consentido pela LARA, não o podendo fazer a Assembleia Regional dos Açores. Assim, qualquer interpretação do artigo 25º da LARA que conduza a que as condutas aí previstas sejam punidas penalmente é inconstitucional, pois, se era esse o intento da Assembleia Regional dos Açores, violou o art. 229º, nº 1, a), conjugado com o art. 167º, nº 1, e), da CRP – hoje artºs 227º, nº 1, a), e 165º, nº 1, c) – a que está submetida. Inconstitucionalidade esta que, como se viu, ocorre logo na génese do diploma e se mantém nos dias de hoje. Aliás, situação análoga é tratada no Ac. do TC nº 431/94, DR, I Série-A, de
21.6.94, que se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 78º e 80º do Decreto aprovado pela Assembleia Regional dos Açores em 17 de Março de 1994, relativo ao Estatuto das Vias de Comunicação Terrestre da Região Autónoma dos Açores. Ora, os Tribunais não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados – art. 204º da CRP actual. Sendo inconstitucional a interpretação da norma do art. 25º da LARA no sentido de que com ela se pretende punir penalmente as condutas ali referidas, o Tribunal terá que recusar a sua aplicação.
2. É desta decisão, na parte em que recusou a aplicação da norma constante do artigo 25º do Decreto Regional nº 11/77/A, de 20 de Maio, que vem interposto pelo Magistrado do Ministério Público junto daquele Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 69º, 70º, nº 1, a), 71º, nº 1 e 72º, nºs 1 e 3, todos da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso de constitucionalidade.
3. Já neste Tribunal foi o Ministério Público (recorrente) notificado para alegar, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
'1º - Situa-se no âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia da República a definição dos crimes, não podendo obviamente um diploma legislativo regional estatuir sobre a incriminação de quaisquer condutas.
2º - É inconstitucional a norma constante do Decreto Regional nº 11/77/A, de 20 de Maio, enquanto interpretada em termos de conter norma incriminatória de certas condutas especulativas, imputadas ao senhorio.
3º - Termos em que se deverá confirmar o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida'.
4. Por parte do recorrido não foi apresentada, dentro do prazo legal, qualquer alegação. Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir II – Fundamentação.
5. A questão de constitucionalidade que agora vem colocada à consideração deste Tribunal pode enunciar-se nos seguintes termos: é inconstitucional, designadamente por violação dos artigos 229º, nº 1, alínea a) e 167º, alínea e), ambos da versão inicial da Constituição, a norma constante artigo 25º do Decreto Regional nº 11/77/A, de 20 de Maio ('Constitui conduta especulativa, punível nos termos da legislação respectiva, a exigência, pelo senhorio, de renda mais elevada do que a devida ou de qualquer outra quantia não autorizada pela lei ou, em termos regulares, pelo contrato'), quando interpretada em termos de tipificar como crime certas «condutas especulativas» a imputar ao senhorio ? A resposta afirmativa é, como vai ver-se, evidente. Como, bem, sublinha o Ministério Público nas suas alegações, já desde a versão originária da Constituição de 1976, em vigor à data em que foi editado o Decreto Regional nº 11/77/A, de 20 de Maio, que vigoram, em matéria de delimitação do
âmbito da competência legislativa das Regiões Autónomas e dos órgãos de soberania, dois princípios fundamentais:
- por um lado o de que as assembleias legislativas regionais apenas podem legislar em matérias não reservadas à competência própria dos órgãos de soberania (cfr. artigo 229º, nº 1, alínea a) da versão originária e artigo 227º, nº 1, alínea a) da actual redacção da Constituição);
- por outro lado, o de que a matéria relativa à 'definição de crimes e penas' se situa no âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República
(artigo 167º, alínea e), da versão inicial da Constituição de 1976 e artigo
165º, nº 1, alínea c), da actual redacção).
À luz destas regras torna-se evidente - não carecendo, por isso, de maiores considerações - que não cabia no âmbito da competência legislativa da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, tal como ele se encontrava definido em 1977, como não cabe ainda hoje, editar norma a tipificar como crime certas «condutas especulativas» a imputar ao senhorio. As Assembleias Regionais não têm – como não tinham em 1977 – competência legislativa para tipificar um comportamento como crime, por se tratar de matéria que se situa no âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 167º, alínea e), da versão inicial da Constituição de 1976 e artigo 165º, nº 1, alínea c), da actual redacção). Assim, é efectivamente de considerar inconstitucional, por violação dos artigos
229º, nº 1, alínea a) e 167º, alínea e), ambos da versão originária da Constituição, qualquer interpretação do disposto no artigo 25º do Decreto Regional nº 11/77/A, de 20 de Maio, que lhe confira o sentido de conter norma incriminatória. III - Decisão Em face do exposto, decide-se: a) julgar inconstitucional, por violação dos artigos 229º, nº 1, alínea a) e167º, alínea e), ambos da versão originária da Constituição, a norma constante do artigo 25º do Decreto Regional nº 11/77/A, de 20 de Maio, quando interpretada em termos de tipificar como crime certas condutas especulativas a imputar ao senhorio; b) consequentemente, negar provimento ao recurso. Lisboa, 21 de Setembro de 1999- José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento Luís Nunes de Almeida