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Processo n.º 109/97
1ª Secção Relator — Paulo Mota Pinto
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Em 16 de Junho de 1993, F... deduziu acusação particular - acompanhada pelo Ministério Público - e requereu julgamento de J.... em processo comum, por este, em entrevista conduzida por A... e publicada em 1 de Dezembro de 1992 no semanário O Diabo (dirigido à época por M...), ter proferido 'afirmações gravemente atentórias da honra, consideração e dignidade do ofendido', entretanto constituído assistente. Em 19 de Dezembro de 1995, na sequência de requerimento do representante do Ministério Público nesse sentido, foram os autos mandados arquivar em relação ao jornalista que conduziu a entrevista e à directora do jornal, por força da alteração introduzida no artigo 26º, n.º 5, da Lei de Imprensa (Decreto-Lei n.º
85-C/75, de 26 de Fevereiro) pela Lei n.º 15/95 de 25 de Maio. Em 15 de Março de 1996, o arguido J... apresentou no 2º Juízo Criminal de Lisboa, onde corriam os autos, requerimento de extinção do procedimento criminal, por prescrição, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 117º do Código Penal. Por despacho de 26 de Março de 1996, o juiz da causa indeferiu tal pretensão, o que determinou o arguido a apresentar recurso, que foi admitido para subir nos próprios autos conjuntamente com o que viesse a ser interposto da decisão que pusesse fim à causa.
2. Em 15 de Maio de 1996 foi proferida sentença condenando J.... a 4 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, e 80 dias de prisão subsidiária por crime de abuso de liberdade de imprensa, previsto e punido pelos artigos
25º, n.ºs 1 e 2, e 26º, n.º2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, e 180º e 183º, n.ºs 1, alínea a), e n.º2, do Código Penal de 1995, bem como numa indemnização cível no valor de 500000$00 a título de danos não patrimoniais. Perdoada a pena imposta, ao abrigo da Lei n.º 15/94, de 11 de Maio, sob a condição resolutiva prevista no seu artigo 11º, subsistia apenas a condenação cível. Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando, entre o mais:
· por um lado, que a interpretação acolhida no despacho de 26 de Março de 1996 implicaria a inconstitucionalidade material das normas conjugadas dos artigos 167º, n.º2, e 117º, n.º2, do Código Penal de 1982, uma vez que traduziria uma violação flagrante do princípio da igualdade, acolhido no artigo
13º da Constituição da República Portuguesa, e ainda do seu artigo 32º, n.º1; e
· por outro lado, que da sentença condenatória resultaria a inconstitucionalidade material dos artigos 25º, n.ºs 1 e 2 e 26º, n.º2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 85-C/75 e 180º e 183º, n.º1, alínea a), e n.º2, do Código Penal de 1995, por violação do artigo 13º, n.º1, da Constituição. No respeitante a este recurso da sentença, porém, o subsequente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Novembro de 1996, não se chegou a pronunciar sobre as invocadas questões de constitucionalidade por ter considerado que o despacho de arquivamento dos autos em relação ao entrevistador e à directora da publicação que publicara a entrevista - despacho em que se fundava a alegada inconstitucionalidade por violação do princípio de igualdade - fora 'devidamente notificado e não foi objecto de impugnação, pelo que passou em julgado.'
3. De tal Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa trouxe o arguido recurso para o Tribunal Constitucional, que após resposta ao despacho de aperfeiçoamento referido no n.º 5 do artigo 75º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, se estabeleceu vir interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do seu artigo 70º, ter por objecto a apreciação da constitucionalidade dos 'arts. 117º, n.º2 e
167º, n.º2 do Código Penal e [dos] arts. 25º, n.ºs 1 e 2 e 26º, n.º2, alínea a), do D.L. 85-C/75, de 26.02 e ainda [dos] arts. 180º e 183º, n.º1, a) e n.º2 do Código Penal de 1995', e basear-se na violação dos artigos 13º e 32º da Constituição. Nas suas alegações, concluía assim o recorrente:
'1. A agravante contida no art. 167º, n.º2, do C.P., não é agravante qualificativa, que faça parte dos elementos constitutivos do tipo de crime, razão porque nos termos do disposto art. 117º, n.º1, d) e n.º2, do C.P., o prazo prescricional, relativo ao crime pelo qual o arguido foi pronunciado e acabou condenado, é de dois anos, tendo em conta que a pena máxima em abstracto aplicável é de seis meses, tal como se estatui no art. 164º, n.º1, do C.P..
2. O interesse jurídico protegido é a honra ou consideração devidas a qualquer pessoa, interesse este que é lesado quando se imputam, mesmo sob a forma de suspeita, factos ou se formulam juízos ofensivos dessa honra ou consideração.
3. Os meios empregues para a consumação do crime, no caso dos autos de difamação, apenas relevam para a determinação da medida da pena aplicável ao caso concreto, não podendo entender-se que existam dois tipos de crime de difamação, um sem o recurso aos meios de comunicação social, punível com prisão até seis meses, e outro com o recurso a esses meios, punível com prisão até dois anos.
4. Consequentemente, ao contrário do decidido, a agravante do art. 167º, n.º2, do C.P., é apenas modificativa dos limites da pena, razão porque atento o disposto no art. 117º, n.º2, do C.P., o prazo de prescrição do procedimento criminal não se altera relativamente a difamação cometida sem recurso àqueles meios.
5. A interpretação resultante do despacho que indeferiu o requerido a fls. 297 dos autos, despacho este confirmado pela Relação, implica a inconstitucionalidade material das normas conjugadas dos art. 167º, n.º2 e 117º, n.º2, do C.P., por violação do principio da igualdade, previsto no art. 13º, da C.R.P., e das garantias de defesa em processo criminal, consignadas no art. 32º, n.º1, da mesma Lei Fundamental.
6. Por outro lado, o arguido foi acusado e pronunciado conjuntamente com outros dois arguidos pela prática, em co-autoria, dos crimes pelos quais acabou condenado.
7. A conduta criminosa foi imputada aos três arguidos mas, por virtude da entrada em vigor da lei 15/95, de 25 de Maio, foi a conduta dos arguidos A... e M... considerada descriminalizada, tendo-se, quanto a eles, mandado arquivar os autos.
8. Ora, sendo a conduta dos três arguidos a mesma e sendo os três acusados e pronunciados, devem os três ser tratados de forma igual quanto à censura social consubstanciada nas normas incriminadoras.
9. Ao julgar o arguido e condenar o arguido recorrente, e só este, pela prática dos factos por todos praticados, a sentença tratou de forma desigual o mesmo arguido.
10. Com esse tratamento desigual foi violada a norma do art. 13º, n.º1, da Constituição da Republica, sendo inconstitucionais, por esse motivo, as normas incriminadoras dos arts. 25º, n.ºs 1 e 2 e 26º, a) do D.L. 85-C/75, de 26.02 e
180º e 183º, n.º 1, a) e n.º 2, do C.P. de 1995, dado que para a mesma conduta estas normas apenas serviram para condenar o arguido João Santos.
11. Deve, consequentemente, declarar-se a inconstitucionalidade material das invocadas normas, com as legais consequências.' Por sua vez, o Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal concluiu as suas contra-alegações do seguinte modo:
'1. Não estando preenchido um dos pressupostos de admissibilidade do recurso da alínea b) do n.º1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - o de as normas questionadas (artigos 25º, n.ºs 1 e 2 e 26º. alínea a), do Decreto-Lei n.º 85-C/75, e 180º e 183º, n.º 1, alínea a) e n.º2 do Código Penal) terem sido objecto de aplicação pela decisão recorrida - não deve tomar-se conhecimento do recurso.
2. A interpretação, acolhida na decisão recorrida, das normas do artigo 167º, n.º 2, e do artigo 117º, n.º 2, ambas do Código Penal, não é merecedora de censura constitucional, pelo que deverá improceder o recurso.'
4. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - Fundamentos
5. O presente recurso de constitucionalidade compreende questões de constitucionalidade suscitadas em dois diferentes momentos e em dois diferentes recursos, de duas decisões distintas:
· o despacho que indeferiu o requerimento de extinção do processo por prescrição; e
· a decisão final da 2ª instância sobre o crime de abuso de liberdade de imprensa, na medida em que esta foi proferida apenas contra um dos três iniciais acusados e pronunciados por tal crime. Vejamos as normas envolvidas em cada um desses recursos. A) Recurso relativo ao artigos 25º, n.ºs 1 e 2 e 26º, n.º2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro e aos artigos 180º e 183º, n. º1, a) e n.º2, do Código Penal de 1995
6. As normas trazidas à apreciação do Tribunal Constitucional a propósito da decisão definitiva são as dos artigos 25º, n.ºs 1 e 2, e 26º, n.º2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 85-C/75, e 180º e 183º, n.º1, alínea a), e n.º2, do Código Penal de 1995 'dado que para a mesma conduta estas normas apenas serviram para condenar o arguido João Santos'. Essas não foram, porém, aplicadas pela decisão recorrida, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que o vício de inconstitucionalidade imputado ao diferente tratamento conferido aos iniciais três arguidos era consequência do despacho de arquivamento do processo em relação ao entrevistador e à directora da publicação, despacho, este, de que o arguido remanescente não recorrera e que, portanto, transitara em julgado. Contrapôs a este fundamento o recorrente 'que só com a sentença condenatória a inconstitucionalidade invocada se verificou em concreto, pois só nessa altura o arguido foi condenado pela prática dos actos aí descritos e só nessa altura se verificou concretamente o tratamento desigual perante a aplicação da norma incriminadora'. Sem razão, porém: a mera decisão de arquivar os autos em relação aos restantes arguidos, independentemente da condenação, já implicava o 'tratamento desigual' em relação ao entrevistador e à directora da publicação, de que o ora recorrente se queixa, uma vez que o processo prosseguiu apenas contra ele. Foi, aliás, esse despacho que, ordenando o arquivamento dos autos em relação apenas a alguns dos arguidos, constituiu a razão para esse alegado tratamento desigual. Assim, o momento próprio para suscitar a questão da eventual violação do princípio da igualdade teria sido no recurso de tal despacho, e, atente-se bem, a propósito do n.º 5 do artigo 26º da Lei de Imprensa introduzida pela Lei n.º
15/95, de 25 de Maio, com a seguinte redacção:
'Tratando-se de entrevistas, o jornalista que a tiver realizado e o director não podem ser criminalmente responsabilizados por afirmações produzidas pelo entrevistado, quando este esteja devidamente identificado.' Esta norma não foi, todavia, impugnada em fase alguma do processo e é da sua aplicação que resulta a questão de constitucionalidade - relativa ao arquivamento do processo para o jornalista que realizou a entrevista e para o director - suscitada pelo recorrente. Pelo que se tem de concluir que faltam os pressupostos específicos para que tal questão de constitucionalidade possa ser apreciada por este Tribunal ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82: não só não foi impugnada perante o Tribunal Constitucional e anteriormente, durante o processo, a norma
(artigo 26º, n.º 5, da Lei de Imprensa, introduzido pela Lei n.º 15/95, de 25 de Maio) que constitui a ratio decidendi para a questão de constitucionalidade suscitada, como não foi impugnada a decisão que originou essa alegada inconstitucionalidade, tendo transitado em julgado.
7. É certo que foi invocada a inconstitucionalidade de outras normas (artigos
25º, n.ºs 1 e 2 e 26º, n.º2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 85-C/75 e 180º e
183º, n.º1, alínea a), e n.º2, do Código Penal de 1995), durante o processo, e que tais normas forneceram o enquadramento da decisão. Porém, não sendo tais normas segmentáveis segundo destinatários (não distinguindo, designadamente, entre o jornalista que tiver realizado a entrevista e o director da publicação, por um lado, e o entrevistado, por outro lado), o resultado desigual e alegadamente censurável sub species constitutionis, que foi posto em causa, só podia resultar de outra norma - a do já referido n.º5 do artigo 26º da Lei de Imprensa, na redacção da Lei n.º 15/95. E esta não pode ser apreciada neste processo, estando o Tribunal Constitucional vinculado ao princípio do pedido no que toca às normas a cuja fiscalização pode proceder. Ao que acresce a já referida inaplicação de tais normas pela decisão recorrida, que se limitou a declarar já esgotada a competência jurisdicional para conhecer dessa matéria, resultante de anterior decisão. B) Recurso relativo aos artigos 167º, n.º2, e 117º, n.º2, do Código Penal de
1982
8. As normas trazidas à apreciação do Tribunal Constitucional a propósito do julgamento da invocada prescrição do procedimento criminal em relação ao recorrente dizem respeito à versão original do Código Penal de 1982
(correspondendo, com diferenças de redacção, aos actuais artigos 183º, n.º2, e
118º, n.º2, do Código Penal), e estavam assim redigidas:
'Artigo 167º
(Publicidade e calúnia)
1. (...)
2. Se o crime for cometido através dos meios de comunicação social, a prisão poderá elevar-se a 2 anos e a multa até 240 dias.'
'Artigo 117º
(Prazos e prescrição)
1. (...)
2. Para determinação do máximo da pena aplicável a cada crime a que se refere o número anterior, não contam as agravantes ou atenuantes que, dentro do mesmo tipo de crime, modifiquem os limites da pena.' As transcrições efectuadas logo mostram que o que o recorrente discute não é a simples conformidade constitucional das normas, em todos os seus sentidos, mas antes a de uma sua particular interpretação. Porém, como é sabido, não cabe a este Tribunal sindicar o acerto da aplicação do direito infra-constitucional em si mesmo (ver, por todos, o Acordão n.º 18/96, no Diário da República, II série, de 15 de Maio de 1996), só disso, verdadeiramente, tratando as alegações do recorrente quanto a este ponto (cfr. as suas primeiras cinco conclusões, supra transcritas). Assim, este Tribunal tem exigido, quando esteja em causa um certo sentido das normas reputado inconstitucional, que tal sentido seja claramente explicitado, por forma a que a questão possa reputar-se adequadamente posta perante o tribunal a quo, e para que, caso se chegue a uma decisão de inconstitucionalidade, o alcance dessa decisão possa ser claramente reconhecido (ver, por exemplo, os Acórdãos n.ºs
367/94 e 178/95, publicados respectivamente no Diário da República, II série, de
7 de Setembro de 1994 e de 21 de Junho de 1995). Tal dimensão interpretativa das normas em causa não foi fixada, de modo claro, perante este Tribunal nem perante o tribunal recorrido, afirmando-se apenas que não pode
'entender-se que existam dois tipos de crime de difamação, um sem recurso aos meios de comunicação social, punível com prisão até seis meses, e outro com o recurso a esses meios, punível com prisão até dois anos.' A admitir-se que é este o sentido da inconstitucionalidade apontada, há-de, todavia, reconhecer-se que tal sentido não passa pelas normas impugnadas - ou, pelo menos, não passa só por elas.
9. Supondo, ainda assim, que a invocação do princípio da igualdade podia iluminar a questão de constitucionalidade suscitada perante o Tribunal da Relação, e que uma tal questão de constitucionalidade se podia comportar nas normas cuja impugnação foi efectuada - o que, na dúvida, se admite para efeitos de se ter o presente recurso por admissível - o que há a decidir é apenas a legitimidade constitucional da existência - e, atento o que está em causa, apenas nas suas implicações sobre os prazos de prescrição - de dois distintos tipos de crime de difamação, um com recurso à 'publicação de textos ou imagens através da Imprensa' (artigo 25º, n.º1, da Lei de Imprensa) e outro sem tal recurso. Ora, a tal questão não se afigura difícil dar resposta: como refere Faria Costa
('O Círculo e a Circunferência', in Direito Penal da Comunicação – Alguns escritos, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pág. 41):
'se (os crimes de difamação e injúria) definem o centro do conteúdo e da intencionalidade do âmbito das condutas merecedoras de pena, porque violadoras de bens jurídicos com dignidade penal, estão, por seu turno, impossibilitadas de circunscrever (...) todo o universo das condutas susceptíveis de punição criminal, enquanto actos de pôr-em-perigo ou de lesão de bens jurídicos conexionados, já não com a comunicação em sentido primitivo ou lato, mas com a comunicação realizada através de precisos e particulares meios de comunicação.' E, adiante, referindo-se à especificidade do direito penal da comunicação, acrescenta:
'se observarmos as coisas à luz de uma exacta definição dogmática relativamente aos tipos legais de crime que estão aqui em apreço, de uma certa forma todos eles são tipos de realização vinculada. Por outras palavras: os bens jurídicos, para serem ofendidos ou postos em perigo nesta específica área da normatividade incriminadora, têm sempre que o ser por mor da utilização de determinado meio de comunicação, no sentido de instrumento técnico, no sentido de corpus physicum.'
(pág. 45). E Costa Andrade (Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal - Uma perspectiva jurídico-criminal, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, pág.56, nota
107), sublinha que:
'a subsistência da ilicitude criminal de condutas praticadas através da imprensa depende de um conjunto acrescido de exigências a nível de tipicidade (...).' Diga-se, aliás, que a jurisprudência dos tribunais superiores chegou a considerar que
'o dolo específico seria de exigir nas ofensas gerais à honra, previstas nos artigos 407º e 410º do Código Penal, (...) mas já não nas que tenham lugar por meio da imprensa.' (Jorge Figueiredo Dias, 'Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português', Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 115º, 1982-
-1983; a posição referida é, aliás, rejeitada pelo Autor citado, que reputava
'duvidoso' o argumento, a favor daquela posição, traduzido na equiparação dos crimes de abuso de liberdade de imprensa a crimes contra a ordem e a tranquilidade públicas, antes que a autênticos crimes contra a honra - cfr. ob.cit., nota 23). A esta luz, a invocação do princípio da igualdade para censurar constitucionalmente a existência, com implicações sobre os prazos de prescrição, de dois distintos tipos de crime de difamação, um deles com recurso à
'publicação de textos ou imagens através da Imprensa', não tem cabimento. Aquele princípio apenas veda as 'distinções arbitrárias ou irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante', como se escreveu no Acórdão deste Tribunal n.º 10/95, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Março de 1995, ou, noutra formulação, apenas proíbe 'a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional' (como se escreveu no Acórdão n.º 47/95, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º volume, 1995, págs.
393-394). E a sua invocação não tem cabimento, porquanto, para retomar as palavras deste último aresto, aplicável à diferença de regimes em causa,
'A diferenciação de regimes acima apontada não se baseia, assim, em motivos subjectivos ou arbitrários, nem é materialmente infundada.'.
10. Em suma: já pela sua configuração legal - e, constitucional: atente-se no disposto no artigo 37º da Constituição da República Portuguesa -, já pela específica natureza dos bens jurídicos envolvidos, já pela diferente amplitude dos efeitos da prática dos crimes em questão, pode encontrar-se justificação para que, para diversos efeitos (incluindo a pena aplicável, com implicações no prazo de prescrição do procedimento criminal), os crimes de difamação e os crimes de abuso de liberdade de imprensa sejam sujeitos a regimes diferenciados, sem que essa distinção implique a violação o princípio da igualdade. III Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a. Não tomar conhecimento do recurso em relação às normas dos artigos 25º n.ºs 1 e 2 e 26º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro e 180º e 183º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do Código Penal de 1995; b. Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 167º, n.º 2, e 117º, n.º 2, do Código Penal de 1982; c. Em consequência, confirmar a decisão recorrida enquanto respeitante a questões de constitucionalidade. Lisboa, 19 de Outubro de 1999 Paulo Mota Pinto Vítor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Artur Maurício Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa