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Processo n.º 223/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., S.A., intentou a presente ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra B., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 1.546,39, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento.
Na petição inicial, a autora suscitou, como questão prévia, a não aplicação das normas constantes do artigo 13.º n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais (adiante referido também pelo acrónimo RCP), e do n.º 6 do artigo 447.º-A do Código de Processo Civil (CPC), por desconformidade com os artigos 13.º e 20.º da Constituição
Por decisão proferida pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, em 15 de fevereiro de 2013, foi considerada improcedente a questão prévia suscitada, conferindo, ao abrigo do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, força executiva à petição inicial.
No que interessa ao presente recurso, a decisão fundou-se no seguinte:
«A alteração legislativa que resultou do D.L. n.º 34/2008, de 26 de fevereiro e da Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, implica para os litigantes em massa, isto é, os que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, a 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções, um agravamento de 50% na taxa de justiça.
Esta opção legislativa tenta atingir uma maior equidade na justiça, estabelecendo valores progressivos a quem mais recorre aos Tribunais, face ao caráter limitado dos recursos adstritos à função judicial, provenientes de todos os cidadãos pagantes de impostos.
Bem se vê que esta progressividade é conforme à Lei Fundamental, sendo que, no nosso entender, o legislador presumiu que quem mais recorre aos Tribunais tem, também, maior volume de negócios e, portanto, maior capacidade económica para pagar um serviço a que recorre abundantemente. Esta escolha legislativa espelha, no nosso entender, essa presunção, que se apresenta acertada no presente caso se atentarmos ao litigante em causa, ao seu volume de negócios e à sua capacidade económica.»
2. Inconformada, a autora recorreu para o Tribunal Constitucional, através de requerimento com o seguinte teor:
«A., S.A, Autora melhor identificada nos Autos à margem referenciados, tendo suscitado na sua Petição Inicial a inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 13.º, dos números 9 e 10 do artigo 17.º e do número 4 do artigo 26.º, todos do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 fevereiro, por violação do principio da igualdade, e do princípio da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais constantes da Constituição da República, constantes dos artigos 13.º e 20.º da Lei Fundamental.
Acresce a circunstância da afetação de metade da receita proveniente do agravamento da taxa de justiça devida ser afeta ao financiamento do Fundo para a Modernização da Justiça, criado pelo Decreto-Lei n.º 14/2011, de 25 de janeiro, e regulamentado pela Portaria n.º 119/2011, de 29 de janeiro, viola o princípio constitucional de legalidade tributária, tal como plasmado no artigo 8º da Lei Geral Tributária, por ser manifesto que na quantificação da Taxa não foi acautelado o custo do serviço, convertendo-se esta num verdadeiro imposto.
Tendo sido notificado a 21 de fevereiro de 2013 da Sentença do Tribunal Judicial de Penafiel, proferido a 15 do mesmo mês que considera conforme com a Constituição os preceitos legislativos supra mencionados e determina a sua aplicação, não se conformando com o teor da mesma e não sendo esta decisão passível de recurso ordinário,
Vem nos termos da alínea b) do n.º 1 do Artigo 280º da CRP e da alínea b) do n.º 1 e do n.º 2 do Artigo 70 da LTC, interpor Recurso da Decisão proferida quanto à supra mencionada inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, o qual tem os efeitos e o regime de subida do recurso que no caso caberia se o valor ou a alçada o permitissem. (Art.º 78 n.º 3 LTC), tendo subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.
Nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do Art.º 75-A da LTC, o presente recurso tem por objeto a apreciação da inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 13.º, dos números 9 e 10 do artigo 17.º e do número 4 do artigo 26.º, todos do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi dada peia Lei n.º 7/2012, de 13 fevereiro, por violação do principio da igualdade, e do principio da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais constantes da Constituição da República, constantes dos artigos 13.º e 20.º da Lei Fundamental, a que acresce a circunstância da afetação de metade da receita proveniente do agravamento da taxa de justiça devida ser afeta ao financiamento do Fundo para a Modernização da Justiça, criado pelo Decreto-Lei n.º 14/2011, de 25 de janeiro, e regulamentado pela Portaria n.º 119/2011, de 29 de janeiro, viola o princípio constitucional de legalidade tributária, tal como plasmado no artigo 8º da Lei Geral Tributária, por ser manifesto que na quantificação da Taxa não foi acautelado o custo do serviço, convertendo-se esta num verdadeiro imposto, tal como esta inconstitucionalidade foi suscitada pela Autora na sua Petição Inicial.»
O recurso foi admitido.
3. Neste Tribunal, a recorrente apresentou alegações, com o seguinte remate conclusivo:
«A. A 13 de agosto de 2012, A. S.A (adiante meramente designada autora ou recorrente) intentou Ação Especial para cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos contra B..
B. No âmbito da referida ação a A. efetuou, o pagamento da taxa de justiça inicial, em conformidade com o preceituado no regime das custas processuais constante do Decreto-lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, alterado e retificado pela Declaração n.º 22/2008, de 24 de abril que aprovou o Regulamento das Custas Processuais.
C. Tendo efetuado, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais, o pagamento da quantia de 137,00 a título de taxa de justiça agravada prevista para os Grandes Litigantes, de acordo com a tabela I-C do referido diploma, em virtude se tratar de uma sociedade comercial que deu entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções.
D. Sendo que a taxa de justiça normal para o processo em causa seria de 91,80 € nos termos do artigo 11.º e da Tabela I-A do mesmo diploma.
E. O presente recurso tem pois por objeto a apreciação da inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 13.º, dos números 9 e 10 do artigo 17.º e do número 4 do artigo 26.º, todos do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 fevereiro, por violação do princípio da igualdade, e do princípio da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais constantes da Constituição da República, constantes dos artigos 13.º e 20.º da Lei Fundamental a que acresce a circunstância da afetação de metade da receita proveniente do agravamento da taxa de justiça devida ser afeta ao financiamento do Fundo para a Modernização da Justiça, criado pelo Decreto-Lei n.º 14/2011, de 25 de janeiro, e regulamentado pela Portaria n.º 119/2011, de 29 de janeiro, viola o princípio constitucional de legalidade tributária, tal como plasmado no artigo 8º da Lei Geral Tributária, por ser manifesto que na quantificação da taxa não foi acautelado o custo do serviço, convertendo-se esta num verdadeiro imposto, tal como esta inconstitucionalidade foi suscitada pela Autora na sua Petição Inicial.
F. O conceito de custas, onde se integra a taxa de justiça, é, desde há longo tempo, utilizado na lei portuguesa e tem que ver, segundo SALVADOR DA COSTA (SALVADOR DA COSTA, Código das Custas Judiciais - Anotado e Comentado, Almedina, Coimbra, 1997), com a ideia «de custo ou custeio, com o significado de preço ou valor de uma coisa e de despesa necessária à manutenção de um serviço».
G. A taxa de justiça corresponde pois ao montante devido, como contrapartida relativa ao serviço de justiça envolvente, pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
H. A quantificação das custas encontra-se dependente de fatores equacionados em diversas normas processuais, designadamente das que se fixam o valor tributário das ações ou que fazem depender a taxa de justiça, da natureza da ação, da sua complexidade, da tramitação processual especificamente adotada em cada caso ou do momento processual em que a instância se extingue.
I. De acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 4º da Lei Geral Tributária, as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares,
J. Estando sujeitas a um princípio constitucional de legalidade tributária, conforme resulta expressamente do disposto no n.º 1 do art.º 8 da referida Lei.
K. Assim sendo, forçoso será considerarmos que a taxa de justiça, no seu sentido amplo, corresponderá ao preço exigido a um particular por um serviço público ou pela utilização do domínio público, constituindo uma relação sinalagmática que se estabelece entre o interveniente processual, e o Estado, surgindo a contraprestação (serviço público) associada ao quantitativo exigido ao particular.
L. Sucede porém que, nos termos do n.º 6 do art.º 447-A do CPC, 'Nas ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada nos termos do Regulamento das Custas Processuais.'
M. Sendo que o n.º 3 do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais dispõe que: 'Quando o responsável passivo da taxa de justiça seja uma sociedade comercial que tenha dado entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada, para qualquer providência cautelar, ação, procedimento ou execução intentado pela sociedade de acordo com a tabela i-C, salvo os casos expressamente referidos na tabela ii, em que a taxa de justiça é fixada de acordo com a tabela ii-B.'
N. Ora, é com este agravamento e com o critério que lhe subjaz que não pode a ora Recorrente compadecer-se, uma vez que considera que o agravamento da taxa de justiça previsto nesta norma representa um entorse injustificado no princípio da igualdade, e no princípio da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais constantes da Constituição da República.
O. Um dos princípios fundamentais do sistema jurídico português é o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, cujo n.º 1 dispõe que 'Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei';
P. e o n.º 2 que diz 'Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual'.
Q. O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Lei Básica, inculca as dimensões de proibição do arbítrio (inadmissibilidade de diferenciações de tratamento sem justificação razoável e de identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais), de discriminação (inadmissibilidade de tratamento dissemelhante de cidadãos baseado ou em razão de categorias meramente subjetivas) e obrigação de diferenciação (formas compensatórias das desigualdades fácticas de oportunidades) (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª ed., p. 149).
R. Do mesmo modo, deverá ainda considerar-se a norma constitucional plasmada no artigo 20.º, n.º 1 que diz “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicas'.
S. Não obstante as supra citadas disposições constitucionais, o legislador estabeleceu no diploma das Custas Processuais um regime diferenciado para litigantes com um volume de ações ou procedimentos superior a 200, considerando uma base anual.
T. Uma ação interposta, por um litigante que haja interposto mais de 200 ações no ano anterior, representa, para um determinado tribunal, o mesmo custo que uma ação semelhante, em função do valor e da forma de processo, mas que interposta por um litigante que não tenha interposto nenhuma outra ação no ano anterior.
U. O custo intrínseco, unitário, de uma ação judicial não é suscetível de se alterar pelo facto de aquele sujeito ter intentado mais 1, 50, ou 1000 ações.
V. O fundamento invocado pelo legislador para o estabelecimento de um regime agravado para os grandes litigantes foi o de considerar que o volume de ações intentadas consubstancia um uso abusivo dos tribunais.
W. Tal fundamento é ilícito, porquanto não tem qualquer relação com o custo do serviço, pelo que viola os princípios gerais da Lei Geral Tributária, e particularmente os princípios da Igualdade e do Acesso aos Tribunais, previstos nos artigos 13.º e 20.º da Constituição.
X. Constituindo um fundamento ilícito, por se basear em distinções arbitrárias ou irrazoáveis, que carecerem de fundamento jurídico-material bastante.
Y. O regime previsto no n.º 3 do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais penaliza o recurso aos tribunais por parte de um determinado tipo de cidadãos e, permite a possibilidade de aplicação, a dois cidadãos na mesmíssima situação, de regimes completamente distintos, unicamente em função de fatores totalmente estranhos a eles.
Z. Tal inconstitucionalidade é ainda mais notória quando, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 14/2011, de 25 de janeiro, regulamentado pela Portaria n.º 119/2011, de 29 de janeiro, uma parte substancial da receita do agravamento da taxa de justiça, se destina a financiar o Fundo para a Modernização da Justiça, sem qualquer ligação ao pleito em que ocorre.
AA. Pretendendo o Estado, com este agravamento reverter para as empresas a quem é imposto o pagamento de taxa de justiça agravada uma obrigação que é sua, e sob a capa de uma taxa, impor que as empresas suportem não só o custo dos seus próprios processos como também o custo de todo o sistema judicial!
BB. Sendo o agravamento da taxa de justiça uma sanção ilegítima, desproporcional e injustificada pelo exercício legítimo do direito de acesso aos tribunais!
CC. Onde o mesmo Estado que não cria alternativas e impõe o recurso à via judicial como única solução para a recuperação de créditos se arroga no direito de estabelecer um agravamento pelo facto de as empresas recorrerem à via que lhes é imposta!
DD. Por cada vez que recorrem à via judicial, as empresas, tal como qualquer cidadão, pagam já o valor justo por esse recurso: a taxa de justiça.
EE. Não se concebendo que um sujeito pague mais ou menos por um determinado ato processual apenas e só em função do número de ações a que deu entrada no ano anterior!
FF. Inexistindo, pois, qualquer justificação legal para o agravamento da taxa de justiça apenas e só pelo facto de ter dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, de 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções.
GG. O regime em causa é, pois, em causa é violador do princípio do acesso aos tribunais constante do n.º 1 do artigo 20.º da CRP, porquanto, ao aumentar drasticamente o valor da taxa de justiça para determinados litigantes em função do número de processos a que deram origem no ano anterior, e, em suma, à sua capacidade económica, ao desincentivar o recurso à via judicial tornando-a verdadeiramente incomportável ou demasiado onerosa, torna extremamente difícil aquele acesso, que não é uma simples prestação de serviço onerosa em que sinalagmaticamente se exige uma retribuição ou preço em troca.
HH. A mesma inconstitucionalidade e com os mesmos argumentos, incide sobre os normativos legais previstos nos números 9 e 10 do artigo 17.º e número 4 do artigo 26.º, ambos do Regulamento das Custas Processuais.
II. Além de estarem sujeitas ao agravamento da Taxa de justiça, estas empresas estão ainda sujeitas a uma penalização em sede de encargos, e estão impedidas de ser ressarcidas integralmente dos seus custos a título de custas de parte.
JJ. Constituindo também aqui uma discriminação injusta e injustificada deste tipo de empresas!
KK. Como regra, as custas em sede cível assentam no princípio da causalidade, na medida em que elas serão suportadas pela parte que a elas houver dado causa, entendendo-se como tal a parte vencida, na proporção em que o for, ou, subsidiariamente, no princípio da vantagem ou do proveito processual, quando, pela natureza da ação, não haja lugar a vencimento por qualquer das partes.
LL. O artigo 447.º-D, também aditado pelo Decreto-lei n.º 34/2008, estabelece no seu n.º 1 a regra segundo a qual as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previsto no Regulamento das Custas Processuais, uma consagração do designado princípio da justiça tendencialmente gratuita para o vencedor.
MM. Sucede porém que, mesmo ganhando a ação, a ora recorrente está impedida de cobrar, a título de custas de parte, a quantia paga a título de agravamento da taxa de justiça.
NN. Tal decorre do disposto no n.º 4 do artigo 26 do RCP, cuja inconstitucionalidade igualmente se invoca, o qual dispõe que 'no somatório das taxas de justiça referidas no número anterior contabilizam-se também as taxas dos procedimentos e outros incidentes, com exceção do valor de multas, de penalidades ou de taxa sancionatória, e do valor do agravamento pago pela sociedade comercial nos termos do n.º 6 do artigo 447.º-A do Código de Processo Civil e do n.º 3 do artigo 13.
OO. Como se não bastasse serem forçadas a suportar um agravamento da taxa de justiça, estas empresas, ainda que tenham ganho de causa, estão impedidas, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 26.º do RCP de recuperar o valor do agravamento a título de custas de parte!
PP. Sendo forçadas a suportar definitivamente esse montante mesmo que ganhem a ação!
QQ. Numa clara violação do princípio da igualdade e do acesso ao direito e aos tribunais, mas também do princípio que determina a gratuitidade do acesso à justiça para a parte vencedora.
RR. O mesmo sucede com a disposição constante dos números 9 e 10 do artigo 17.º do RCP, que estabelecem as remunerações dos serviços prestados por instituições, que apenas são devidas apenas nos casos em que o exequente seja uma sociedade comercial que tenha dado entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções.
SS. Sendo que nem sequer a título de custas de parte pode a parte ser ressarcida desses encargos, conforme disposto no número 14 do mesmo artigo que estabelece que as remunerações previstas nos n.ºs 9 e 10 são da responsabilidade exclusiva do exequente e não integram nem os honorários do agente de execução, nem as custas da execução, nem podem ser reclamadas a título de custas de parte.
TT. Além de serem ainda forçadas a suportar o pagamento de uma taxa de justiça agravada, os denominados 'grandes litigantes' vêm ainda ser-lhe impostos encargos mais elevados no caso de terem de recorrer à ação executiva para cobrança das quantias para as quais têm já título executivo e ainda se veem impedidos de ser ressarcidos dos mesmos mesmo que ganhem a ação!
UU. o que consubstancia uma penalização incompreensível, na medida em que não podem ser reembolsadas no quadro da normal responsabilidade dos executados.
VV. Sendo as únicas entidades que têm de pagar tais encargos, e suportando um triplo agravamento: na taxa de justiça da ação declarativa, na taxa de justiça da ação executiva e nos encargos desta mesma ação executiva!
WW. Verifica-se pois uma completa desproporcionalidade entre o serviço prestado e aquele custo, não existindo qualquer correspondência ou adequação com a atividade desenvolvida no processo e com a utilidade que a ora recorrente visava obter com o recurso ao Tribunal.
XX. Por tudo quanto antecede, vem a A. nos presentes autos requerer a não aplicação das normas constantes do n.º 3 do artigo 13.º, dos números 9 e 10 do artigo 17.º e do número 4 do artigo 26.º, todos do Regulamento das Custas Processuais e do n.º 6 do artigo 447.º-A do CPC, por desconformes à Constituição, e por da sua aplicação resultar um entorse injustificado ao princípio da igualdade, e ao principio da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais constantes da Constituição da República, constantes dos artigos 13.º e 20.º da Lei Fundamental, a que acresce a circunstância de a afetação de metade da receita proveniente do agravamento da taxa de justiça devida ser afetada ao financiamento do Fundo para a Modernização da Justiça, criado pelo Decreto-Lei n.º 14/2011, de 25 de janeiro, e regulamentado pela Portaria n.º 119/2011, de 29 de janeiro, viola o princípio constitucional de legalidade tributária, tal como plasmado no artigo 8º da Lei Geral Tributária, por ser manifesto que na quantificação da taxa não foi acautelado o custo do serviço, convertendo-se esta num verdadeiro imposto.
Nestes termos deve ser admitido o presente recurso, dando provimento ao mesmo em conformidade com as precedentes conclusões e em consequência ser determinada a não aplicação das normas constantes do n.º 3 do artigo 13.º, dos números 9 e 10 do artigo 17.º e do número 4 do artigo 26.º, todos do Regulamento das Custas Processuais e do n.º 6 do artigo 447.º-A do CPC, por desconforme à Constituição, e por da sua aplicação resultar um entorse injustificado ao princípio da igualdade, e ao princípio da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais constantes da Constituição da República, constantes dos artigos 13.º e 20.º da Lei Fundamental, a que acresce a circunstância de a afetação de metade da receita proveniente do agravamento da taxa de justiça devida ser afetada ao financiamento do Fundo para a Modernização da Justiça, criado pelo Decreto-Lei n.º 14/2011, de 25 de janeiro, e regulamentado pela Portaria n.º 119/2011, de 29 de janeiro, viola o principio constitucional de legalidade tributária, tal como plasmado no artigo 8º da Lei Geral Tributária, por ser manifesto que na quantificação da taxa não foi acautelado o custo do serviço, convertendo-se esta num verdadeiro imposto, com a consequente devolução à Autora da quantia paga a título de agravamento da taxa de justiça.»
4. O Ministério Público apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
«1. Segundo o artigo 13º, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais, “quando o responsável passivo da taxa de justiça seja uma sociedade comercial que tenha dado entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada, para qualquer providência cautelar, ação, procedimento ou execução intentado pela sociedade de acordo com a tabela I-C, salvo os casos expressamente referidos na tabela II, em que a taxa de justiça é fixada de acordo com a tabela II-B.”
2. Este regime especial que a que estão sujeitas aquelas sociedades, quando, como no caso dos autos, intentem ações declarativas especiais ao abrigo do “Regime dos Procedimentos Destinados a Exigir o Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos de Valor Não Superior à Alçada do Tribunal de 1.ª Instância” (Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro), tem fundamento real bastante.
3. Por outro lado, o montante, objetivamente considerado, não se mostra desproporcionado.
4. Assim, aquela norma não viola, nem o princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição), nem o da proporcionalidade (artigos 2º e 18º, nº 2, da Constituição), nem o direito de acesso aos tribunais (artigo 20º, nº 1, da Constituição), não sendo, por isso, inconstitucional.
5. Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso.»
5. Notificada a recorrente para se pronunciar, querendo, sobre a questão de não conhecimento do recurso quanto a normas reportadas ao preceituado nos n.ºs 9 e 10 do artigo 17.º e no n.º 4 do artigo 26.º do RCP, por não terem sido efetivamente aplicadas na decisão recorrida, veio dizer:
«1 - Não se negará que, tal como referido pelo ilustre Procurador Geral Adjunto, não há uma coincidência absoluta entre as normas indicadas quando foi peticionada a inconstitucionalidade junto do tribunal de primeira instância e, posteriormente, junto desse Colendo Tribunal.
2 - Não obstante a disparidade do pedido, considera a recorrente que tal disparidade não equivalerá a não ter sido suscitada a inconstitucionalidade das normas em apreço junto do Tribunal de primeira instância.
3 - Com efeito, logo nos artigos 47.º e 48.º da petição inicial apresentada junto do Tribunal da Comarca de Penafiel se refere que:
'Além de estarem sujeitas ao agravamento da Taxa de justiça, estas empresas estão ainda sujeitas a uma penalização em sede de encargos, conforme previsto nos números 9 e 10 do artigo 17.º e número 4 do artigo 26.º, ambos do Regulamento das Custas Processuais.
Normas legais que padecem exatamente dos mesmos vícios imputados ao n.º 3 do artigo 13.º do mesmo Regulamento.”
4 - Sendo que, apesar de não constarem do pedido final, desde logo na petição inicial se imputaram às normas previstas nos números 9 e 10 do artigo 17.º e número 4 do artigo 26.º exatamente os mesmos vícios que se imputaram ao n.º 3 do artigo 13.º do RCP.
5 - De todo o modo, não se negará que o objeto do recurso tem como objeto, em primeiro lugar, a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante no n.º 3 do artigo 13.º do RCP, por ser esta a norma que estabelece o agravamento da taxa de justiça previsto para os grandes litigantes.
6 - Isto é, a inconstitucionalidade imputada às normas previstas nos números 9 e 10 do artigo 17.º e número 4 do artigo 26.º apenas ocorre porque existe o n.º 3 do artigo 13.º do RCP, sendo que se esta norma não existisse ou não fosse aplicada também a inconstitucionalidade imputada às normas invocadas deixaria de existir.
7 - Assim, e caso a decisão a proferir no âmbito do presente recurso decida pela inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 13.º do RCP, tal decisão implicará, por si só, a inutilidade de decisão quanto à parte restante do recurso, uma vez que as quantias previstas nas referidas normas deixariam de existir pela não aplicação do n.º 3 do artigo 13.º do RCP.
8 - De todo o modo, tal não significa que as normas em causa não tenham sido, ou não venham ainda a ser aplicadas ao processo em causa, e daí se justificar o seu pedido de inconstitucionalidade.
9 - Com efeito, a decisão do juiz de primeira instância em aplicar a norma prevista no n.º 3 do artigo 13.º do RCP desencadeia a direta e necessária aplicação, em fase de requerimento de custas de parte, da norma prevista no n.º 4 do artigo 26.º.
10 - Norma esta que foi, ou será, aplicada ao caso em causa, fruto da decisão de aplicação de normas proferida pelo juiz de primeira instância.
11 - Sendo que havendo lugar ao pagamento da taxa de justiça agravada, a parte vencedora, logo que a decisão transite em julgado, nunca poderá reclamar em fase de custas de parte a devolução da quantia paga a título de agravamento.
12 - Tendo sido a decisão proferida em primeira instância quanto ao agravamento que determina a sua aplicação, e daí se justificar o presente recurso.
13 - O mesmo se dirá, em fase executiva, das normas previstas nos números 9 e 10 do artigo 17.º.
14 - Que, também elas têm, ou terão, aplicação no processo em causa com a decisão de aplicação da norma decidida pelo tribunal de primeira instância da qual se interpôs recurso.
15 - Isto é, a decisão de aplicação do n.º 3 do artigo 13.º do RCP determina a inerente aplicação dos números 9 e 10 do artigo 17.º e do n.º 4 do artigo 26.º.
16 - Motivo pelo qual logo com a petição inicial se suscitou a inconstitucionalidade quer do n.º 3 do artigo 13.º do RCP, quer dos números 9 e 10 do artigo 17.º e do n.º 4 do artigo 26.º.
17 - Sendo que face à decisão de manter a aplicação do n.º 3 do artigo 13.º do RCP, não restou à recorrente outra alternativa que não o recurso a esse tribunal, quer da aplicação da referida norma, quer da aplicação de outras normas cuja aplicação decorre da aplicação da norma recorrida.
18 - Tal justifica-se, apenas e só por critérios de economia processual, concentrando todas as questões no mesmo recurso uma vez que, apesar de não se conceber tal decisão, será possível esse colendo tribunal decidir pela constitucionalidade da norma prevista n.º 3 do artigo 13.º do RCP mas, mesmo nesse cenário, determinar igualmente que a quantia resultante do agravamento não deverá recair sobre a parte vencedora mas sobre a parte vencida, bem como que, apesar desse agravamento ser devido em sede de taxa de justiça, não é devido em sede de custas da ação executiva.
19 - Motivo pelo qual se considera que, apesar do presente recurso dever, em primeiro lugar, centrar-se na questão da aplicação do n.º 3 do artigo 13.º do RCP, o mesmo não poderá deixar de se debruçar sobre as normas previstas nos números 9 e 10 do artigo 17.º e do n.º 4 do artigo 26.º, quer como argumentos que reforçam a inconstitucionalidade, quer de forma autónoma, caso se entenda que a referida norma é constitucional, o que não se concebe, uma vez que a decisão de aplicação da norma sub judicio tem e terá influência na sua aplicação ou não no âmbito do processo em causa»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A) Da delimitação do objeto do recurso e da sua inadmissibilidade parcial
6. Nas suas contra-alegações, o Ministério Público suscitou a questão de não conhecimento do recurso no que respeita à dimensão normativa reportada aos n.ºs 9 e 10 do artigo 17.º e ao n.º 6 do artigo 26.º do RCP, em virtude da questão de constitucionalidade não ter sido suscitada perante o Tribunal a quo, e também no que concerne à norma alojada no n.º 6 do artigo 447.º-A, do Código de Processo Civil, de 1961, por não constar do requerimento de interposição de recurso. Na sua ótica, o mérito do recurso deverá ser conhecido tão somente no que respeita à norma constante do n.º 3 do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro.
Notificada a recorrente para se pronunciar sobre essa questão, e bem assim quanto à eventualidade de não conhecimento do recurso quanto ao sentido normativo reportado ao preceituado nos n.ºs 9 e 10 do artigo 17.º e n.º 6 do artigo 26.º do RCP, veio esta reconhecer não existir coincidência entre as normas cuja constitucionalidade fora suscitada perante o Tribunal a quo e aquelas enunciadas no requerimento de interposição de recurso, reportadas aos preceitos referidos. E, quanto à efetiva aplicação de tais normas, sustenta que foram aplicadas por inerência, pois a decisão de aplicar a norma prevista no n.º 3 do artigo 13.º do RCP desencadeia a direta e necessária aplicação, em fase de requerimento de custas de parte, da norma prevista no n.º 4 do artigo 26.º do RCP e, em fase executiva, das normas dos n.ºs 9 e 10 do artigo 17.º, do mesmo Regulamento.
Vejamos.
6.1. A primeira vertente da questão prévia colocada pelo Ministério Público decorre, como se disse, da circunstância da recorrente ter enunciado no requerimento de interposição de recurso a pretensão de controlo da constitucionalidade das normas contidas nos n.ºs 9 e 10 do artigo 17.º e do n.º 6 do artigo 26.º do RCP.
A fiscalização concreta da constitucionalidade cometida ao Tribunal Constitucional tem lugar em sede de recurso, necessariamente referido, de acordo com a via mobilizada pelo recorrente (alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC), a normas efetivamente aplicadas na decisão recorrida, o que decorre da função instrumental que assume. Não cabe na cognição do Tribunal conhecer de questões que não foram apreciadas, ou deviam tê-lo sido, na decisão recorrida, pois a apreciação a esse respeito ficaria despida de qualquer relevo processual, nenhum efeito produzindo no sentido da reversão do julgamento contido na decisão recorrida.
Ora, de forma patente, para além da nenhuma questão de constitucionalidade lhe ter sido colocada a esse propósito, o Tribunal a quo não fez aplicação, expressa ou implícita, do disposto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 17.º, ou no n.º 4 do artigo 26.º, ambos do RCP. Pela simples razão que tais preceitos regulam a remuneração por atos praticados em fase executiva, bem como pagamentos de que a parte vencida é responsável a título de custas de parte, matérias que não se encontravam em equação no momento da prolação da decisão recorrida. Aliás, no que respeita à remuneração de serviços em fase executiva, a que se refere o artigo 17.º do RCP, podem nem vir a ter lugar.
Compreende-se, assim, que o Tribunal a quo tenha apreciado apenas a “questão prévia” que lhe foi colocada, no que concerne à desaplicação com fundamento em inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 13.º, do RCP, e do n.º 6 do artigo 447.º-A, do CPC, tanto mais que esse regime, ao contrário do que acontecia com o preceituado nos artigos 17.º e 26.º do RCP, já tinha encontrado aplicação (e utilidade) nos autos, na medida em que o autor, ora recorrente, havia satisfeito o pagamento de taxa de justiça pelo montante fixado na tabela I-C, relativa aos grandes litigantes (fls. 35).
Donde, apenas nessa âmbito material encontramos efetiva aplicação de norma cuja inconstitucionalidade havia sido suscitada.
Não encontram procedência as considerações de economia processual e previsibilidade de futura aplicação dessas normas as quais, a serem acolhidas, afastariam a intervenção do Tribunal Constitucional da sua natureza de recurso, necessariamente referido a uma decisão judicial adquirida nos autos, sem lugar a impugnação antecipada de decisões projetadas pelas partes a partir de entendimentos ou sentidos decisórios pregressos. O recurso para o Tribunal Constitucional concretizado no artigo 70.º da LTC incide sobre decisões dos Tribunais, pelo que que tem como objeto necessário, em sentido processual, pronúncias judiciais materializadas nos autos.
Acresce que o sentido normativo contido nos preceituado nos n.ºs 9 e 10 do artigo 17.º e do n.º 6 do artigo 26.º do RCP, não se confunde com a questão de constitucionalidade incidente sobre a taxa de justiça agravada por que são responsáveis as sociedades comerciais que ultrapassem o limiar de litigiosidade fixado pelo legislador. O que, note-se, explica a pretensão da recorrente de que este Tribunal tome posição sobre tais disposições, mesmo que o recurso incidente sobre a norma questionada seja julgado improcedente, revelando a sua autonomia no seio do que se pode identificar como regime especial dos grandes litigantes em matéria de custas processuais, como suas manifestações na vertente dos encargos e das custas de parte, configuradas pelo legislador do RCP como obedecendo a finalidades distintas.
A taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pelo serviço de Justiça, devida aquando e por virtude do impulso processual a que a lei se reporta, e de acordo com o valor e complexidade da causa (artigos 447.º, n.º 2, e 447.º-A do CPC e artigos 5.º a 15.º do RCP); por sua vez, os encargos correspondem às despesas efetuadas com a tramitação do processo em causa respeitantes a diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz (artigos 447.º, n.º 3, e 447.º-C do CPC e artigos 16.º a 24.º do RCP) e, por último, as custas de parte traduzem-se no valor devido pela parte vencida à parte vencedora, na proporção do seu vencimento, por virtude do que esta teve de despender com o processo, com os limites previstos na lei (artigos 447.º, n.º 4, e 447.º-D do CPC e artigos 25.º e 26.º do RCP).
Assim, por não assistir legitimidade à recorrente (artigo 72.º, n.º 2 da LTC), e por não constituírem normas efetivamente aplicadas na decisão recorrida (alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC), o recurso não pode ser conhecido na parte referida ao disposto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 17.º e do n.º 6 do artigo 26.º do RCP.
6.2. Passemos, agora, à segunda vertente da questão de não conhecimento suscitada pelo Ministério Público.
Constitui entendimento constante deste Tribunal que, ao enunciar no requerimento de interposição de recurso a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, o recorrente delimita, em termos definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo lícito ampliá-lo (mas apenas restringi-lo) em momento ulterior, mormente nas alegações produzidas (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 512/2006, acessível, como os demais referidos, em www.tribunalconstitucional.pt).
Como refere o Ministério Publico, o requerente não indicou no requerimento de interposição de recurso o preceituado no n.º 6 do artigo 447.º-A, do CPC, ao invés do que havia feito na suscitação da questão de constitucionalidade inscrita na petição inicial, peça em que expressamente afirma a sua desconformidade com a Constituição e peticiona a respetiva recusa de aplicação, a par do n.º 3 do artigo 13.º do RCP. Já nas suas conclusões apresentadas neste Tribunal (vg. conclusão XX), o requerente inscreve esse preceito no elenco dos preceitos de que retira o sentido normativo cuja conformidade constitucional pretende ver apreciado.
Porém, sendo certa a ausência de menção no requerimento de interposição de recurso ao n.º 6 do artigo 447.º-A, do CPC, e a ulterior referência em fase de alegações, afigura-se-nos que daí não decorre ampliação da dimensão normativa presente na enunciação constante do requerimento de interposição de recurso.
Com efeito, nos termos que adiante melhor se explicitará, o n.º 3 do artigo 13.º do RCP constitui concretização do disposto no referido preceito processual civil, na medida em que este delimita o âmbito objetivo e subjetivo da obrigação de pagamento da taxa de justiça agravada, de acordo com opção de política legislativa que passou pela inscrição no Código de Processo Civil não apenas as normas de responsabilidade pelas custas em geral, mas também aquelas relativas à responsabilidade pela taxa de justiça, encargos e custas de parte (cfr. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 4ª edição, Almedina, pág. 76), remetendo a quantificação dessa responsabilidade para o RCP. Assim se compreende que n.º 3 do artigo 13.º do RCP inscreva na sua previsão os mesmos elementos normativos contidos no n.º 6 do artigo 447.º-A, do CPC, que lhe serve de pressuposto, a saber, a previsão de agravamento da taxa de justiça das ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada, em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções.
Ora, o recorrente questiona a estipulação de agravamento da taxa de justiça, na medida em que acarreta a aplicação dos valores estipulados nas tabelas para que remete o n.º 3 do artigo 13.º do RCP, o que implicitamente contém o questionamento da norma que, conjugadamente, afirma em primeira linha essa responsabilidade, sem o que ficaria desprovido de sentido o pedido formulado. O objeto da impugnação não pode deixar de abarcar o preceituado no n.º 3 do artigo 13.º do RCP, e também à regra processual civil a que dá execução, na medida em que ambas acolhem nos mesmos termos o agravamento da taxa de justiça que a recorrente considera merecedora de censura constitucional. Aliás, a imbricação entre os dois preceitos mostra-se expressamente reconhecida pelo legislador, mormente no n.º 4 do artigo 26.º, do RCP, quando alude ao “agravamento pago pela sociedade comercial nos termos do n.º 6 do artigo 447.º -A do Código de Processo Civil e do n.º 3 do artigo 13.º”.
O mesmo não acontece, porém, quanto a outras dimensões que decorrem do n.º 6 do artigo 447.º-A, do CPC, sem necessidade de concretização pelo n.º 3 do artigo 13.º, do RCP, como seja o critério normativo definidor do limiar inferior de aplicação da taxa de justiça agravada, fixado em 200 ações, procedimentos ou execuções. Essa vertente problemática não foi suscitada perante o Tribunal a quo, nem encontra lugar no requerimento de interposição de recurso, e também não é articulada nas alegações, nem mesmo no plano argumentativo.
O mesmo pode ser dito, agora na perspetiva da quantificação da taxa de justiça agravada constante das tabelas anexas I-C e II-B, para que remete o n.º 3 do artigo 13.º do RCP, quanto ao sentido relativo à proporção do agravamento por referência à taxa de justiça normal e aos específicos montantes correspondentes aos vários escalões de valor processual, designadamente aquele que encontra aplicação nos presentes autos.
Em suma, ainda que não se encontre expressamente enunciado no requerimento de interposição de recurso, o objeto do recurso em apreço envolve igualmente a normação alojada no n.º 6 do artigo 447.º-A, do CPC. Nessa medida, a questão normativa de constitucionalidade colocada à apreciação deste Tribunal e a que cumpre dar resposta, reconduz-se a norma decorrente da conjugação do n.º 6 do artigo 447.º-A, do Código de Processo Civil, e do n.º 3 do artigo 13.º, do RCP, de acordo com a qual as sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, balcão ou secretaria, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimento ou execuções, são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça agravada nas ações, procedimentos e execuções que interponham.
Como parâmetros constitucionais violados, aponta a recorrente o princípio da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito e aos tribunais, decorrente dos artigos 13.º e 20.º da Constituição.
B) Do mérito do recurso.
7. Entrando na apreciação do mérito do recurso, comecemos por ver os preceitos em que se aloja a normação em questão.
O artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril (ao contrário do que parece decorrer do requerimento de interposição de recurso, como da decisão recorrida, o preceito não sofreu modificação com a Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro), estabelece o seguinte:
Artigo 13.º
Responsáveis passivos
1 – A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código do Processo Civil, aplicando-se as respetivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais e contraordenacionais, administrativos e fiscais e aos processos que devam correr no Tribunal Constitucional.
2 – Nos casos a tabela I-A e C, na parte relativa ao n.º 3 do artigo 13.º, a taxa de justiça é paga em duas prestações de igual valor por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário resultante da legislação relativa ao apoio judiciário.
3 – Quando o responsável passivo da taxa de justiça seja uma sociedade comercial que tenha dado entrada num tribunal secretaria judicial ou balcão, no anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada, para qualquer providência cautelar, ação, procedimento ou execução intentado pela sociedade de acordo com a tabela I-C, salvo os casos expressamente referidos na tabela II, em que a taça de justiça é fixada de acordo com a tabela II-B.
4 – O volume de pendências referido no número anterior é correspondente ao número de ações procedimentos ou execuções entradas até 31 de dezembro do ano anterior.
5 – Para efeitos do disposto no n.º 3 é elaborada anualmente pelo Ministro da Justiça uma lista de sociedades comerciais que durante o ano civil anterior tenham intentado mais de 200 ações, procedimentos ou execuções, que é publicada na 2.ª série do Diário da República sob a forma de aviso e disponibilizada no CITIUS.
6 – (...)
7 – (...)
Por seu turno, o n.º 6 do artigo 447.ºA, do CPC, também na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, estipula:
Artigo 447.ºA
Taxa de justiça
1 – (...)
2 – (...)
3 – (...)
4 – (...)
5 – (...)
6 – Nas ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
7 – (...)
8. O Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, introduziu uma nova disciplina para as custas processuais, revogando várias normas e diplomas que versavam sobre a matéria de custas, entre eles o Código das Custas Judiciais, alterando e aditando, entre outros, o Código de Processo Civil.
O RCP foi entretanto alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de agosto, pelas Leis n.ºs 64 -A/2008, de 31 de dezembro, e 3-B/2010, de 28 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, e pelas Leis n.ºs 7/2012, de 13 de fevereiro, e 66-B/2012, de 31 de dezembro.
No que interessa especialmente ao presente recurso, o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, não se limitou a reconfigurar o sistema de custas processuais, numa perspetiva da responsabilização das partes de acordo com os atos e complexidade de cada causa, individualmente considerado. Procurou, numa visão compreensiva, introduzir no sistema de administração da Justiça fatores de correção da procura dos tribunais por parte de um conjunto de agentes económicos litigantes, reputada de imoderada e penalizadora da resposta global do sistema.
Uma das medidas que visou atingir esse desiderato de racionalização do sistema de administração da Justiça, na ótica da procura dos tribunais, a par do desenvolvimento de política de justiça marcada pela instituição e reforço de meios de resolução alternativa dos litígios e de descongestionamento do tribunais (releva em particular o elenco de medidas constante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2007, publicada no DR, 1ª série, de 6 de novembro), encontra-se no agravamento da taxa de justiça aplicável aos grandes litigantes, identificados pelo legislador como remetendo para a esfera dos tribunais um vasto número de cobrança de dívidas de reduzido valor, relativamente às quais pouco ou nenhum esforço prévio de composição amigável do conflito fora feito pelo credor, bem como de averiguação da viabilidade da cobrança coerciva do crédito, no que se apelidou de “colonização dos tribunais” por parte de algumas empresas.
Esse escopo de racionalização do sistema de administração da Justiça, por via da tributação especial de um conjunto de sujeitos, e da inerente promoção da modelação de comportamentos dos agentes económicos visados através de intervenção na variável custo do serviço, encontra tradução no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, nos seguintes termos:
“Face aos elevados níveis de litigância que se verificam em Portugal, a reforma pretendeu dar continuidade ao plano de moralização e racionalização do recurso aos tribunais iniciado com a revisão de 2003. Um dos fatores que em muito contribui para o congestionamento do sistema judicial é a «colonização» dos tribunais por parte de um conjunto de empresas cuja atividade representa uma fonte, constante e ilimitada, de processos de cobrança de dívidas de pequeno valor. Estas ações de cobrança e respetivas execuções, que representam mais de metade de toda a pendência processual, ilustram um panorama de recurso abusivo aos meios judiciais sem consideração pelos meios de justiça preventiva.
Neste âmbito, propõe-se a adoção de algumas medidas mais incisivas que visam penalizar o recurso desnecessário e injustificado aos tribunais e a «litigância em massa». Mostra-se, assim, adequada a fixação de uma taxa de justiça especial para as pessoas coletivas comerciais que tenham um volume anual de entradas, em tribunal, no ano anterior, superior a 200 ações, procedimentos ou execuções.”
Assim, a fixação da taxa de justiça em cada processo passou a ter relação não apenas parâmetros objetivos, como a natureza e o valor da causa, mas também com fatores subjetivos, em função da condição e escopo do sujeito jurídico que assume a posição de autor ou demandante – sociedade comercial -, temperado por critério objetivo definidor do nível de litigiosidade global que tenha induzido no sistema de administração da Justiça no ano anterior – instauração de mais de 200 ações, procedimentos ou execuções.
8.1. No regime original do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, a concretização da taxa de justiça a pagar pelas sociedades comerciais grandes litigantes decorria do artigo 447.º A do Código Processo Civil, que aditou ao ordenamento processual civil, e do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais, mormente do seu n.º 3.
Assim, o n.º 6 do artigo 447.ºA do CPC, estipulou inovadoramente que, nas ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça sofreria um agravamento de 50 % face ao valor de referência, nos termos do Regulamento das Custas Processuais. Por seu turno, o n.º 3 artigo 13.º do RCP remeteu a quantificação da taxa de justiça a pagar por tais sociedade para a tabela anexa I-C, no âmbito da qual os montantes correspondentes aos vários escalões de referência da taxa de justiça, organizados em função do valor da causa, passaram a ser majorados em metade para tais sujeitos processuais, quando na posição ativa. Porém, no que respeita à taxa de justiça devida nos processos especiais, nos recursos, incidentes, procedimentos cautelares, procedimentos anómalos, procedimentos de injunção e execuções, entre outros, contemplados na tabela anexa II, os montantes da taxa de justiça a pagar não sofreram qualquer agravamento.
8.2. O artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, modificou a redação do n.º 3 do artigo 13.º do RCP, e passou a prever agravamento da taxa de justiça a pagar pelos grandes litigantes também no que respeita ao campo de aplicação da tabela anexa II, introduzindo uma nova tabela II-B para as ações, procedimentos ou execuções interpostas por tais sujeitos. Contudo, e ao contrário do que aconteceu com os valores de referência ordinários, contidos na tabela I, nem todos os montantes foram majorados. Apenas as execuções/reclamações de créditos e os procedimentos de injunção viram a taxa de justiça agravada subir (em 50%) relativamente à taxa de justiça normal.
8.3. Cerca de um ano depois, o Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, veio conferir nova redação, quer ao n.º 6 do artigo 447.º A do CPC, quer ao n.º 3 do artigo 13.º do RCP.
Do seu preâmbulo decorre o intuito de aperfeiçoamento do Regulamento das Custas Processuais, de forma a corrigir disfunções reveladas na aplicação prática do seu regime, mantendo as linhas de orientação que haviam regido a reforma do regime das custas processuais, nomeadamente: “(ii) moralização e racionalização do recurso aos tribunais, com o tratamento diferenciado dos litigantes em massa”.
A modificação introduzida no ordenamento processual civil consistiu na eliminação do segmento normativo relativo ao percentual de agravamento da taxa de justiça por que fossem responsáveis, na posição ativa, os grandes litigantes, antes fixado em 50%, passando o preceito a remeter o âmbito de fixação do agravamento da taxa de justiça devida por tais sociedades comerciais inteiramente para os termos do Regulamento das Custas Processuais.
Por seu turno, o artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais, a par de outras alterações, como o pagamento das taxas de justiça previstas na tabela I-C em duas prestações de igual valor, viu o seu n.º 3 alterado, de forma a ampliar os locais de apresentação das providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções, que conduzem à aplicação de taxa de justiça agravada, passando incluir expressamente as secretarias judiciais e os balcões, estes claramente reportados aos procedimentos de injunção.
Note-se que, pese embora a alteração introduzida no n.º 6 do artigo 447.ºA do CPC, a tabela I-C manteve inalterado, em todos os seus escalões, o ratio de agravamento do valor de referência em 50%. Já a tabela II-B sofreu alteração no que respeita à aplicação de taxa de justiça agravada a algumas das espécies processuais, que passaram a incidir também sobre os procedimentos cautelares. Sublinhe-se, todavia, que, em qualquer caso, a taxa de justiça agravada não atinge acréscimo superior a 50%, relativamente à taxa de justiça normal.
8.4. A normação que se vem de referir encontra complemento na Portaria n.º 200/2011, de 20 de maio, relativa aos procedimentos de determinação do âmbito subjetivo dos grandes litigantes.
Assim, para efeitos de aplicação da taxa de justiça prevista nas tabelas I-C e II-B do RCP, foi estabelecido que, até ao dia 15 de janeiro de cada ano civil, é elaborada pela Direção-Geral da Administração da Justiça uma lista de sociedades comerciais que durante o ano civil anterior tenham intentado mais de 200 ações, procedimentos ou execuções. Até ao dia 25 de janeiro de cada ano civil, são notificadas todas as sociedades constantes da referida lista, para a morada da sede constante no registo comercial, por carta registada com aviso de receção, com indicação de terem intentado entre 200 e 500 ou mais de 500 ações, procedimentos ou execuções (n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 200/2011, de 20 de maio).
As sociedades comerciais que tenham sido notificadas como tendo intentado entre 200 e 300 ações, procedimentos ou execuções podem, no prazo de 10 dias, reclamar, fundadamente, junto da Direção-Geral da Administração da Justiça, apresentando uma relação dos processos intentados no ano civil anterior, ordenada por comarca e número de processo. Esta reclamação impede a aplicação da taxa de justiça prevista nas tabelas I-C e II-B do RCP até à notificação da decisão da Direção-Geral da Administração da Justiça, aplicando-se, durante esse prazo, o regime a que o reclamante estava sujeito no ano imediatamente anterior, nos casos em que a decisão não seja a de deferimento do recurso (n.ºs 2 e 3 do artigo 1.º da mesma Portaria).
No dia 15 de fevereiro de cada ano civil é publicado no sítio da Internet http://www.citius.mj.pt , a lista de sociedades comerciais que, durante o ano civil anterior, tenham intentado mais de 200 ações, procedimentos ou execuções, ordenada de forma decrescente por número de ações, procedimentos ou execuções intentadas, sem identificação do número, e que não tenham reclamado ou às quais tenha já sido notificada a decisão da Direção-Geral da Administração da Justiça. Esta lista é atualizada sempre que, após o dia 15 de fevereiro, seja notificada uma decisão da Direção-Geral da Administração da Justiça sobre uma reclamação apresentada por uma qualquer sociedade comercial (n.ºs 5 e 6 do artigo 1.º da Portaria n.º 200/2011, de 20 de maio).
As sociedades comerciais constantes da lista publicada ficam obrigadas, até 15 de fevereiro do ano seguinte, a efetuarem a autoliquidação da taxa de justiça nos termos das tabelas I-C e II-B do RCP, em todas as ações, procedimentos ou execuções (artigo 2.º da Portaria n.º 200/2011, de 20 de maio).
Sempre que for intentada uma ação, procedimento ou execução através do sistema informático CITIUS, é efetuada uma verificação automática da necessidade de autoliquidar a taxa de justiça nos termos das tabelas I-C e II-B do RCP, sendo disponibilizado um aviso sempre que a sociedade comercial autora ou requerente se encontre mencionada na lista (artigo 3.º da Portaria n.º 200/2011, de 20 de maio). De igual forma, sempre que seja registada no sistema, como autora ou requerente, uma sociedade comercial que se encontre mencionada na lista, o sistema de informático de suporte à atividade dos oficiais de justiça disponibiliza às secretarias dos tribunais um aviso automático. Caso a secretaria verifique que a autoliquidação da taxa de justiça não foi efetuada nos termos das tabelas I-C e II-B do RCP, notifica a sociedade para, em 10 dias, proceder ao pagamento do remanescente, sob pena de não se considerar paga a taxa de justiça (artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, da referida Portaria).
Temos, pois, que o volume de pendência induzida traduz a expressão global quantitativa das ações, procedimentos e execuções no universo dos tribunais determinam tributação acrescida do processo autónomo em que se constitui o vínculo obrigacional (artigo 1.º, n.º 2, do RCP), não relevando para esta contabilidade os pedidos cíveis deduzidos em processo penal (artigo 1.º, n.º 4, da Portaria n.º 200/2011, de 20 de maio).
8.5. Outro dos componentes do regime - em torno do qual a recorrente constrói argumentativamente o seu entendimento de ilegitimidade constitucional da taxa de justiça agravada - diz respeito à afetação dos montantes de taxa de justiça correspondentes ao diferencial entre a taxa de justiça normal e a taxa de justiça agravada.
Estipula o Decreto-Lei n.º 14/2011, de 25 de janeiro, regulamentado pela Portaria n.º 119/2011, de 29 de março, no seu artigo 5.º, n.º 1, al. a), que metade do produto do agravamento da taxa de justiça aos grandes litigantes destina-se a assegurar o financiamento do Fundo para a Modernização da Justiça.
Este Fundo para a Modernização da Justiça foi criado pelo referido Decreto-Lei n.º 14/2011, tendo por objetivo o financiamento de projetos tendentes a assegurar a modernização judiciária (artigos 2.º, n.º 1, e 3.º), e a que estão alocadas diversas outras receitas, assume a natureza de património autónomo, dotado de autonomia financeira e sem personalidade jurídica, no âmbito do Ministério da Justiça.
8.6. Resta acrescentar que o diferencial entre a taxa de justiça normal e a taxa de justiça agravada recai sempre sobre a parte grande litigante, mesmo que obtenha ganho de causa, na medida em que o n.º 4 do artigo 26.º do RCP o exclui da taxa de justiça a considerar como compensação por custas de parte, a satisfazer pela parte vencida à parte vencedora. O que encontra correspondência na sua natureza de taxa de justiça especial, mostrando-se consentâneo com a sua finalidade que recaia sobre a parte responsável pelo comportamento a que atende, e sobre o qual se procura influir, em ordem a racionalizar os recursos do sistema de administração da Justiça.
9. A recorrente entende que a normação questionada não é constitucionalmente solvente, por impor, sem justificação, discriminação (tributária) no acesso aos tribunais a um grupo de sujeitos jurídicos.
Pese embora a dificuldade decorrente da mobilização nas conclusões umas vezes de componentes da taxa de justiça e, noutros momentos, de aspetos pertinentes apenas aos encargos ou às custas partes, como se o objeto do presente recurso comportasse todos as várias componentes do regime especial de custas dos grandes litigantes – o que já vimos não ser admissível -, podemos identificar nessa peça processual uma linha argumentativa comum, que parte da premissa de que a ação interposta por uma sociedade comercial grande litigante, comporta o mesmo custo (unitário) do que a ação do mesmo tipo e valor processual interposta por qualquer outro sujeito processual ativo. E, defendendo a consagração no regime aplicável de relação de correspondência estrita entre o custo da específica prestação do serviço público de justiça e a concreta taxa de justiça que o beneficiário está obrigado a pagar, conclui que a taxa de justiça diferenciada que lhe é exigida não encontra fundamento, porque desprovida de qualquer relação com o custo do serviço, assumindo antes natureza sancionatória do exercício, legítimo, do direito de acesso aos tribunais. Daí que, aduzindo a afetação de parte das receitas assim obtidas ao Fundo para a Modernização da Justiça, a recorrente conclua que tais empresas suportam não só o custo dos seus próprios processos como também o custo de todo o sistema judicial o que, considera, confere ao agravamento da taxa de justiça a natureza de imposto.
10. Começando por esta última vertente, o Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve a oportunidade de se pronunciar sobre normas respeitantes à taxa de justiça, recaindo essa apreciação, no que ora releva, no problema da sua qualificação como imposto ou como taxa (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 8/2000, 349/2002, 227/2007, 301/2009 e 151/2011) e dos critérios de fixação do seu montante (cfr., por exemplo, Acórdãos n.ºs 352/91, 1182/96, 521/99, 349/2002, 708/2005, 227/2007, 255/2007, 471/2007 e 301/2009).
Assim, e no que respeita à primeira questão, assente que o critério básico de distinção constitucional entre imposto e taxa reside no caráter unilateral ou bilateral do tributo, apresentado o imposto estrutura unilateral e a taxa estrutura bilateral ou sinalagmática, o que implica, neste caso, a existência de uma correspetividade entre a prestação pecuniária a pagar e a prestação específica de um serviço pelo Estado ou por outra entidade pública, o Tribunal Constitucional tem concluído uniformemente que a taxa de justiça é efetivamente uma taxa, já que, nas palavras do Acórdão n.º 301/2009, 'consubstancia a contrapartida pecuniária da utilização do serviço da administração da justiça'.
Paralelamente, tem o Tribunal Constitucional sublinhado reiteradamente que tal bilateralidade não implica uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar pelo utente desse serviço.
Nesta matéria, conforme afirmado no Acórdão n.º 349/02, “o que é exigível é que, de um ponto de vista jurídico, o pagamento do tributo tenha a sua causa e justificação material, e não meramente formal -, na perceção de um dado serviço”. Este aspeto foi especialmente assinalado por Alberto Xavier, ao escrever: “é certo que, do ponto de vista económico, só casualmente se verificará uma equivalência precisa entre prestação e contraprestação, entre o quantitativo da taxa e o custo da atividade pública ou o benefício auferido pelo particular - aliás muitas vezes indetermináveis por não existir um mercado que os permita exprimir objetivamente. Mas ao conceito de sinalagma não importa a equivalência económica, mas a equivalência jurídica”(Manual de Direito Fiscal, 1974, I, págs. 43-44).
Sobre o tema, escreveu-se no Acórdão n.º 200/2001 que “através da imposição de uma taxa podem prosseguir-se finalidades de interesse público (como a limitação da procura de um bem) conducentes a um montante diverso do correspondente a tal valor ou custo. E ainda nesta hipótese ao pagamento da taxa corresponde a contraprestação de um bem ou serviço por parte do Estado. Daí que, como escrevia Teixeira Ribeiro (op. cit., p. 258),'quando a taxa exceda o custo dos bens, nem por isso tenhamos imposto na parte sobrante, uma vez que, apesar de ser coativa, ela mantém o seu caráter de prestação bilateral'.”
No que toca à questão respeitante aos critérios de fixação do montante da taxa de justiça, tem também o Tribunal Constitucional considerado que, não impondo a Constituição a gratuitidade da utilização dos serviços de justiça, o legislador dispõe de uma larga margem de liberdade de conformação, competindo-lhe repartir os pesados custos do funcionamento da máquina da justiça, fixando a parcela que deve ser suportada pelos litigantes e a que deve ser inscrita no orçamento do Estado.
Nas palavras do Acórdão n.º 301/2009: “O legislador goza, nesta matéria, de uma muito ampla liberdade de conformação, à luz de critérios diversificados, que vão desde o atendimento dos custos reais de produção, ao grau de utilidade propiciada ao particular, na satisfação da sua necessidade individual, e ao interesse público na generalização ou, inversamente, na retração do acesso ao bem ou serviço em questão. É da ponderação, em cada tipo de caso, destes e de outros parâmetros, e da valoração do complexo de interesses conjugadamente presentes nas situações de obrigatoriedade de taxa – valoração a que não são alheias razões de conveniência e oportunidade – que resulta a determinação do valor a prestar.”
11. Dito isto, a circunstância de parte da receita obtida com a taxa de justiça agravada estar adstrita ao financiamento de um ente público, para prossecução de específicas medidas de politica de justiça, não a converte em tributação autónoma, nem afeta de qualquer modo a sua natureza de taxa (de justiça). Persiste como contrapartida pecuniária da utilização do serviço da administração da justiça, constituído por uma pluralidade de elementos interconetados e que, enquanto sistema, envolve componentes de índole geral, transversais a todos as ações, procedimentos e execuções, mormente no que respeita a recursos centralizados, partilhados pelos tribunais, secretarias e balcões, por exemplo, no domínio dos sistemas de informação. Contrariamente ao que pretende o recorrente, a fixação da taxa de justiça a pagar pela parte atende necessariamente também a esse dispêndio por parte do Estado, não se podendo contrapor, como realidades díspares ou desgarradas – que não são -, um custo individual, atomístico, de cada pleito ou ato e um custo geral. Todos integram os custos do sistema de administração de justiça a financiar.
Compreende-se, então, numa visão integrada, que o legislador afete parte das receitas obtidas com o pagamento da taxa de justiça à modernização desses componentes centrais, entre as quais a parcela da taxa de justiça especial imposta aos grandes litigantes, atendendo ao peso específico que tais utentes assumem no congestionamento da procura de justiça e correspondente pressão para a obtenção de maior eficácia, suscetível de garantir a pronta intervenção judicial para todos os que procurem aceder aos tribunais.
Ora, como vincou este Tribunal no Acórdão nº 76/88: 'o que releva para a definição da relação sinalagmática, característica da taxa, não é propriamente a destinação financeira das receitas obtidas, mas antes a prestação, aos sujeitos tributados, de um serviço'.
Esta doutrina foi seguida nos Acórdãos que não julgaram inconstitucional a norma do artigo 13º, nº 3, do Decreto-Lei nº 423/91, de 30 de outubro, na parte em que estabelecia que, em caso de condenação penal, o arguido seria também condenado a pagar uma quantia equivalente a 1% da taxa de justiça aplicável, resultando implicitamente da mesma norma que tal quantia se destinava a contribuir para custear o pagamento da indemnização, por parte do Estado, às vítimas de crimes violentos (cfr., entre outros, Acórdãos n.ºs 377/94 e 323/99). Diz-se no citado Acórdão n.º 377/94, que “no que diz respeito à natureza sinalagmática, aquele adicional em nada se distingue da taxa de justiça propriamente dita. Se a taxa de justiça é, em geral, a contrapartida que o Estado autoritariamente cobra pela administração da justiça, aquele adicional de 1%, em termos gerais, nada mais representa, afinal, do que um agravamento dessa taxa em 1%. Tal adicional é pago por quem já tem de pagar a taxa de justiça em processo criminal, ou seja pelo arguido que foi condenado”. Estas considerações são transponíveis para a situação dos autos.
Não há, assim, que convocar o princípio constitucional da legalidade tributária, como parâmetro de validade da norma em causa, mormente na dimensão decorrente do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição.
12. Centremos, então, a análise da questão da constitucionalidade na sustentada violação do princípio da igualdade, em particular da igualdade no acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, na vertente de proibição de diferenciação de situações iguais.
É entendimento abundante e reiterado deste Tribunal que o princípio da igualdade não proíbe ao legislador que faça distinções, mas apenas diferenciações de tratamento sem fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional (cf., designadamente, os Acórdãos n.ºs 319/2000, 232/2003, 491/2008 e 460/2011, e, entre outros autores, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed. revista, pág. 339).
Neste domínio, o Tribunal Constitucional controla o respeito pela proibição do arbítrio, enquanto critério negativo e limitador da liberdade do legislador ordinário.
Pode ler-se no Acórdão n.º 460/2011, em termos que, aqui, inteiramente se reiteram:
«O âmbito de proteção do princípio da igualdade abrange, na ordem constitucional portuguesa (artigo 13.º, da Constituição), a dimensão da proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, as diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes. O princípio da igualdade, nesta perspetiva, obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas, sem fundamento material bastante.
A proibição do arbítrio constitui, assim, um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. Realce-se, no entanto, que a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só existirá infração ao princípio da igualdade quando os limites externos da discricionariedade legislativa sejam violados, isto é, quando a medida legislativa adotada não tenha adequado suporte material.»
Por sua vez, discorrendo sobre a metódica de controlo negativo do princípio da igualdade, afirmou-se no Acórdão n.º 232/2003:
«Com efeito, é a partir da descoberta da ratio da disposição em causa que se poderá avaliar se a mesma possui uma “fundamentação razoável” (vernünftiger Grund), tal como sustentou o “inventor” do princípio da proibição do arbítrio, Gerhard Leibholz (cf. F. Alves Correia, O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra, 1989, pp. 419ss). Essa ideia é reiterada entre nós por Maria da Glória Ferreira Pinto: “[E]stando em causa (...) um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado diretamente pela 'ratio' do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico. A 'ratio' do tratamento jurídico é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério” (cf. Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula 'carregada' de sentido?, sep. do Boletim do Ministério da Justiça, nº 358, Lisboa, 1987, p. 27).»
13. Na espécie, tendo em atenção a ratio da norma em apreço, a diferença de tratamento no domínio da taxa de justiça entre os sujeitos jurídicos litigantes em função da sua natureza e do volume de litigância desenvolvida não se mostra irrazoável, arbitrária ou desproporcionada, falecendo razão aos argumentos avançados pela recorrente nesse sentido.
Desde logo, não se pode aderir à afirmação da recorrente de que o agravamento em questão é produto de fatores totalmente estranhos aos sujeitos jurídicos em questão e que corresponde a sancionamento do recurso à via judicial. Como se viu, a taxa de justiça agravada incide tão somente perante sociedades comerciais e decorre da mobilização voluntária dos tribunais em volume importante, denotando a assunção de modelo organizativo assente no recurso reiterado e sistemático – não acidental - aos tribunais, em detrimento de outras formas de composição de litígios creditórios. Ao invés do que se afirma em alegações, não existe regra que imponha o recurso à via judicial, cabendo essa escolha inteiramente na autonomia volitiva do sujeito jurídico, de acordo com os parâmetros valorativos que entenda vantajosos.
Mas, principalmente, falece razão à recorrente na visão da taxa de justiça como tributo comutativo, com correspondência estrita ao custo do serviço e resistente na sua conformação a qualquer outra ponderação, mormente de promoção e modelação de comportamentos no domínio do acesso à justiça. Diversamente, de acordo com a sua função e estrutura normativa, a taxa de justiça, permanecendo a contrapartida a pagar pelo beneficiário pelo serviço de justiça, não obedece ao princípio da cobertura dos custos, pois não repercute no utilizador, em cada processo, o custo integral do serviço de que beneficia.
Referindo-se ao Código das Custas Judiciais, encontra aqui pertinência o que disse Sérgio Vasques (O princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributaria, Almedina, 2008, págs. 598 a 601):
«Sendo a função da taxa de justiça a de fazer repercutir sobre os utilizadores do sistema judicial os custos do seu funcionamento (...), o legislador reconhece não poder exigir do utilizador o custo integral do serviço que lhe é dirigido sem contrariar dessa forma o direito universal de acesso aos tribunais garantido pela Constituição da República. No contexto do Código das Custas Judiciais, a taxa de justiça surge, por isso, como um tributo dividido entre a igualdade tributária e a justiça social, entre a adoção de “critérios de tributação” justos e o “princípio da tendencial gratuitidade da justiça para o vencedor” (ob. cit., pág. 599).
E, acrescenta, em nota (179):
«De resto, o conflito entre igualdade tributária e justiça social não é o único a que o legislador dá a mostrar no preâmbulo e articulado no Código das Custas Judiciais, surgindo nele marcado o conflito entre justiça social e eficiência económica. O princípio da cobertura de custos, com efeito, não é encarado pelo legislador como uma regra de igualdade mas como uma regra de eficiência, exprimindo-se a ideia de que o exigir-se ao utilizador uma parcela que seja do custo das prestações a que ele dá causa contribui para o aproveitamento racional dos recursos escassos que compõem o sistema judiciário» (ob. cit., pág. 600).
Estas considerações mantêm-se válidas perante o Regulamento das Custas Judiciais, em cujo preâmbulo surge destacado o propósito de acentuar a vertente da justiça distributiva nas custas judiciais, aproximando o valor da taxa de justiça do custo do serviço através da assunção de base tributável assente não apenas no valor da causa, e também a procura de maior racionalidade e eficiência no acesso à justiça pelos cidadãos em geral, contrariando os “elevados níveis de litigância” e o “congestionamento do sistema judicial”, seja por via de isenção e reduções que incentivem o recurso aos meios alternativos de resolução judicial, seja pela introdução da taxa de justiça agravada aqui em análise.
Tendo presente esse escopo e a amplitude da margem de conformação legislativa, o relevo que a grande litigância, entendida como o recurso massivo aos tribunais por parte de um número limitado de utilizadores, comporta como fator de congestionamento e retração da resposta do sistema judicial, credencia suficientemente a medida distintiva em questão nos presentes autos. Com efeito, face à inviabilidade de dimensionar o sistema de administração da Justiça sem limites, por forma a acompanhar o aumento exponencial da procura judiciária, a opção legislativa visou incentivar processos de diversão e racionalizar o recurso ao sistema judicial, fixando tributação acrescida e mais próxima do custo real para as sociedades comerciais que recorrem aos tribunais de forma massificada.
14. A recorrente questiona a justificação para a oneração acrescida de um grupo de sujeitos processuais em função do volume de litigância que desenvolvem cada ano, considerando que a normação em análise, e também outras vertentes do regime, não encontram qualquer correspondência ou adequação com a atividade desenvolvida no processo e com a utilidade que a recorrente visava obter com o recurso ao Tribunal.
Porém, esse argumento enferma do mesmo entorse que antes se assinalou, desconsiderando que a ratio da norma em apreço assenta fundamentalmente no impacto global e sistémico que a grande litigância assume.
Na verdade, tais utentes do serviço de justiça, pela escala que atingem, são responsáveis por afetação significativa de recursos, materiais e humanos, e, inerentemente, numa visão agregada e de conjunto, a respetiva quota parte na utilização do sistema de administração de justiça mostra-se proporcionalmente mais elevada relativamente ao utilizador ocasional do sistema de administração da Justiça.
Do mesmo jeito, o volume de litigância desencadeado por tais agentes económicos significa que, globalmente, são também aqueles que maior vantagem retiram do serviço de justiça, traduzindo a massificação das ações, muitas vezes com causa de pedir similares, igualmente uma posição de maior facilidade no acesso ao direito e à justiça relativamente aos demais sujeitos processuais.
Como, em especial, na medida em que canalizam para si parte importante dos recursos disponíveis, tais utilizadores penalizam a prontidão da apreciação das pretensões apresentadas por quem recorre de forma pontual ou acidental ao sistema de administração da justiça.
Mostra-se razoável, então, e de acordo com o sentido de equilíbrio de valores ínsito no princípio da equivalência, que o montante de taxa de justiça a pagar pelo interposição em juízo de ações, procedimentos ou execuções por tais agentes económicos se aproxime mais do custo integral do serviço, reduzindo correspondentemente a margem suportada pelo Estado.
Importa realçar que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, não se trata de uma taxa de justiça-sanção, corporizando o sancionamento ou penalização pela violação de norma de proibição, que não existe. Responde, sim, nos termos referidos, ao maior benefício auferido por grupo específico e, também, à promoção de maior racionalidade na demanda do sistema por tais utentes, identificados como responsáveis pela sobreutilização de recursos públicos escassos e, correspondentemente, capazes de, em função da adoção de parâmetros mais exigentes na litigância instaurada, reduzir o congestionamento que penaliza a resposta do sistema de justiça.
Acresce que, sendo a taxa de justiça exigida autonomamente em cada processo, e calculada em função do específico valor da causa e da sua complexidade, não se vê como poderia o legislador acolher de outro modo, sem modificar profundamente a estrutura do regime de custas processuais, o agravamento da taxa de justiça a pagar por tais utilizadores, quando na posição processual ativa.
Considerando os referidos fundamentos, há, assim, uma justificação razoável, à luz do interesse público e de acordo com critérios objetivos, constitucionalmente relevantes, para a norma que estabelece a responsabilidade de sociedades comerciais, como a aqui recorrente, por taxa de justiça agravada, com base na pendência processual pretérita.
15. Cabe ainda considerar, como bem refere o Ministério Público nas suas alegações, que, gozando o legislador de uma margem de liberdade conformadora na concretização prática do volume da litigância, não é desrazoável, quer o tipo de intervenção ponderada, quer o número de ações, procedimentos ou execuções cuja interposição acarreta a tributação por taxa de justiça agravada no ano subsequente.
Além disso, o critério legal não conduz a um agravamento excessivo da taxa de justiça, nem a uma diferenciação desproporcionada, considerando a capacidade económica dos sujeitos passivos afetados que se revela pelo volume de litigância instaurada. Quanto muito, comporta condicionamento, e não restrição, do acesso ao Direito e aos Tribunais, assegurado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, pois não se vê que torne incomportável o recurso à via judiciária, ao invés do que afirma a recorrente. O caso em apreço ilustra esta asserção, verificando-se que a taxa de justiça suportada pela recorrente (€137,70, correspondendo ao valor de inscrito na tabela I-A, com a redução de 10% decorrente do n.º 3 do artigo 6.º do RCP), comporta o diferencial de apenas €45,90, relativamente à taxa de justiça normal (€102,00 – 10%= €91,80), em ação com o valor para o efeito de custas de €1.546,39.
16. Nestes termos, havendo fundamento material bastante para que o legislador estabeleça uma diferenciação, em matéria de fixação do montante da taxa de justiça devida pela interposição de ações, procedimentos ou execuções, entre as sociedades comerciais que recorram à litigância em massa e os demais sujeitos jurídicos, não se mostra que a norma sindicada viole o princípio da igualdade, em particular da igualdade no acesso aos tribunais, decorrente da articulação dos artigos 13.º e 20.º da Constituição, nem qualquer outro parâmetro constitucional.
III. Decisão
17. Pelo exposto, decide-se:
a) Não conhecer do recurso no que respeita às normas contidas nos n.ºs 9 e 10 do artigo 17.º e no n.º 6 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais;
b) Não julgar inconstitucional a norma, decorrente da conjugação do n.º 6 do artigo 447.º-A, do Código de Processo Civil, e do n.º 3 do artigo 13.º, do Regulamento das Custas Processuais, de acordo com a qual as sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, balcão ou secretaria, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimento ou execuções, são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça agravada nas ações, procedimentos e execuções que interponham;
E, em consequência,
c) Julgar, no que concerne ao referido em b), improcedente o recurso;
d) Condenar a recorrente nas custas, que se fixam, atendendo à dimensão do recurso e o critério seguido por este Tribunal, em 25 (vinte e cinco) Ucs.
Notifique.
Lisboa, 6 de março de 2014. – Fernando Vaz Ventura – João Cura Mariano – Pedro Machete (com declaração) – Ana Guerra Martins - Joaquim de Sousa Ribeiro.
DECLARAÇÃO
No que se refere à alínea b) da Decisão, entendo que a diferenciação consagrada na previsão do artigo 13.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Judiciais (e outrossim na previsão do artigo 447.º-A do Código de Processo Civil de 1961, a que corresponde o artigo 530.º, n.º 6, do Código de Processo Civil em vigor) se justifica tão-somente com base no dado objetivo da intensidade de utilização do sistema de justiça por parte dos grandes litigantes aí referidos e nas consequências associadas a tal utilização, nomeadamente ao nível da estruturação, do dimensionamento e da gestão do sistema em causa – tal como expressamente referido nos n.os 11 e 14 do presente Acórdão.
Ao invés, os aspetos subjetivos conexionados com a «modelação de comportamentos», a «prevenção de abusos» ou a «moralização do recurso aos tribunais», assentes no pressuposto de que o recurso aos tribunais por parte de tais litigantes seria desnecessário ou injustificado, não só não têm tradução nos pressupostos de aplicação das normas sindicadas, como correspondem a objetivos legais desajustados para casos - como aquele que é objeto do presente recurso - em que a autora não pode fazer valer os seus direitos senão mediante o exercício do direito de ação judicial.
Pedro Machete