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Processo nº 53/98
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, na 1ª Secção, do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrente C. O. e recorrido o Ministério Público, foi proferido acórdão, em 9 de Novembro
último – sob o nº 604/99 – no qual se decidiu não conhecer do recurso, enquanto se pretende reapreciar o anteriormente decidido em sede de valoração jurídico-penal oportunamente feita, no mais se negando provimento ao recurso.
Mais concretamente, constituindo objecto do recurso de constitucionalidade a norma do nº 1 do artigo 37º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, na interpretação adoptada no aresto recorrido, no sentido de
'considerar abrangidas pela norma as hipóteses em que não ocorre a frustração da concretização dos programas que, relativamente às acções promovidas no âmbito do Fundo Social Europeu, determinaram a outorga do subsídio', o Tribunal Constitucional distinguiu, no equacionado problema de constitucionalidade, duas vertentes distintas, a merecer sorte diferente e, como tal, tratamento autonomizado.
Assim, e num primeiro momento, entendeu-se não ser o recurso de conhecer na medida em que, defendendo o recorrente que o tipo legal em causa só se preenche quando se frustra a concretização dos programas que determinaram a concessão do subsídio, o que, in casu, não se teria verificado, o problema que se levanta prende-se com o acerto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça enquanto teve como provados factos que integrou à luz da norma cuja interpretação se questiona, matéria esta naturalmente exorbitante do poder de cognição do Tribunal Constitucional. Por outras palavras ainda, a qualificação, no concreto caso, da conduta do arguido em termos de verificação da factualidade típica foi considerada matéria da competência do tribunal recorrido, que não do Tribunal Constitucional, e, assim, impunha-se, nessa parte, o não conhecimento do recurso, como, de resto, resulta da jurisprudência corrente, reiterada, uniforme e indiscutida deste mesmo Tribunal.
Por sua vez, mais se entendeu que a interpretação normativa questionada não implicava um juízo de inconstitucionalidade, pelo que, nesta segunda parte, se negou provimento ao recurso, não estando agora propriamente em causa.
2. - Reagiu, no entanto, o recorrente, arguindo a nulidade do decidido e convocando, para o efeito, o nº 1 do artigo 704º do Código de Processo Civil ao dispor que, se o relator, antes de proferir decisão, entender que não pode conhecer-se do recurso, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de
10 dias.
Deste modo, segundo defende, o Tribunal, ao não dar ao recorrente oportunidade de previamente se pronunciar sobre a questão concreta, omitiu a formalidade essencial imposta pelos artigos 3º, nº 3, e 704º, nº 1, daquele Código, interpretados à luz da parte final do nº 4 do artigo 20º da Constituição, cometendo assim, uma nulidade com influência na decisão da causa que importa a anulação de todo o processado posterior, incluindo o acórdão em questão, por força do disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 201º da Lei Fundamental.
De qualquer modo, mesmo a não se entender assim, enferma o acórdão da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, por não se ter pronunciado sobre uma questão que foi submetida à sua apreciação e de que podia, devia e deve tomar conhecimento.
Respondendo à arguição de nulidades, o magistrado do Ministério Público reconhece que o Tribunal Constitucional sempre que se deu conta da inadmissibilidade do conhecimento do objecto do recurso decidiu em conformidade, sem que sentisse necessidade de mandar ouvir o recorrente sobre esse específico ponto.
No entanto, acrescenta, face às alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelos Decretos-Leis nºs. 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro, ao não ter sido dada ao recorrente a oportunidade de se pronunciar sobre a matéria, ter-se-á violado o princípio do contraditório consagrado no nº 3 do artigo 3º daquele diploma e no artigo 20º, nº 1, da Constituição, pelo que deverá deferir-se a reclamação apresentada.
3. - Cumpre decidir.
3.1. - É incontroverso que, de acordo com o disposto no artigo
704º, nº 1, do CPC, o relator, quando entenda não poder conhecer-se do objecto do recurso ouvirá, pelo prazo de 10 dias, cada uma das partes, antes de proferir decisão.
Esta norma, que o requerente do incidente considera observável no processo constitucional de fiscalização concreta, por força do artigo 69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, considerando a fase processual em que os presentes autos se encontram, cede perante o disposto no nº 1 do artigo
78º-A do mesmo diploma.
No entanto, e sem prejuízo de o processo de um Estado de direito, nele se incluindo o processo constitucional, dever ser pautado por parâmetros de equidade e de lealdade, de modo a que cada uma das 'partes' possa expor as suas razões de facto e de direito antes de o tribunal tomar a sua decisão, nem por isso é forçoso utilizar o mecanismo previsto no artigo 78º-A, nº 1, citado, se o tribunal, no momento da decisão, enveredou por não tomar conhecimento do recurso (neste sentido, entre outros, o acórdão nº 358/98, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Julho de 1998). É que, como igualmente se ponderou noutro aresto, nada impede que o tribunal, quando vai conhecer de mérito, e nesse sentido aponta a tramitação processual seguida, se decida pelo não conhecimento do objecto do recurso se a questão for levantada pelo próprio tribunal, na respectiva discussão, sem para tal se exigir o contraditório (cfr. acórdão nº 87/95, publicado no Diário citado, II Série, de
29 de Abril de 1995, e jurisprudência aí referenciada).
É certo que, actualmente, uma norma como a do nº 3 do artigo 3º do CPC, exige que, antes da decisão, seja facultada às partes a discussão efectiva de todos os fundamentos em que a decisão se baseie, com o que, nomeadamente, se pretendeu assegurar o contraditório perante a chamada decisão-surpresa.
No entanto, não menos exacto é que o próprio preceito não é concebido como uma norma fechada, dispensando a contraditoriedade em caso de manifesta desnecessidade.
Ora – e revertendo ao concreto caso – não competindo ao Tribunal Constitucional exercer o controlo e a censura da matéria de facto apurada, nunca o eventual exercício do contraditório nesta matéria, a exercer pelo recorrente, se expressamente ouvido a esse respeito, lograria alterar o decidido quanto ao não conhecimento (parcial) do recurso, enquanto se pretende reapreciar o anteriormente decidido em sede de valoração jurídico-penal oportunamente feita. É que, como se escreveu a certo passo no acórdão, a interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça à norma impugnada consubstancia, nessa parte, uma valoração jurídico-penal dos factos pertinentes que não atribui ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de matriz jurídico-constitucional.
Ao cabo e ao resto, não só se perfila uma situação de manifesta desnecessidade no cumprimento do disposto no artigo 3º, nº 3, do CPC, como qualquer diligência nesse sentido redundaria em inutilidade processual.
3.2. - Como é óbvio, não se verifica igualmente a nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d) do CPC: o Tribunal não se pronunciou sobre a valoração jurídico-penal oportunamente feita, na parte tocante à factualidade típica, pelos mesmos motivos que o levaram a não conhecer do recurso nesta parte.
E não deixará de se assinalar que, afinal, ao colocar esta derradeira questão, o recorrente está, por essa via, a exercer retórica típica do contraditório que diz ter-lhe sido negado.
4. - Em face do exposto, decide-se indeferir a arguição de nulidade.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça que se fixa em 10 unidades de conta. Lisboa, 22 de Fevereiro de 2000 Alberto Tavares da Costa Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa