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Proc. nº 13/97
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. J. B. (ora recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo de uma decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra que lhe indeferiu um pedido de intimação do Director do Colégio... (ora recorrido) no sentido de que passasse determinada certidão. Não tendo, porém, a recorrente terminado as suas alegações com a apresentação de conclusões, foi a mesma convidada pelo Relator do processo a fazê-lo, tendo, nessa sequência, apresentado a peça processual de fls. 89 e 90.
2. Notificado para se pronunciar sobre o recurso interposto disse o Ministério Público:
'Atentando na douta peça inserta a fls. 89-90, conclui-se que relativamente à que já fora antes produzida (fls. 40-41), da mesma apenas se distingue (...) por vir encimada com o vocábulo «conclusões». Mas, sendo assim, forçoso será concluir que não foi dado cumprimento ao douto despacho de fls. 81º-v, isto é, a ausência daquelas proposições sintéticas (ou
«indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão») que deverão completar a satisfação do ónus de alegar (cfr. nºs 1 e 3 do art. 690º do Cód. Proc. Civil) persiste, pese embora a inserção do vocábulo referido. Ora, a não satisfação do aprovado ónus processual implica a consequência do não conhecimento do recurso (cfr. o citado nº 3 do art. 690º, de que, aliás, a recorrente foi advertida)'. (...).
3. O Supremo Tribunal Administrativo, por aresto de 17 de Julho de 1996 (fls. 95 a 98 dos autos), decidiu não conhecer do objecto do recurso com fundamento em que não tinham sido apresentadas conclusões. Escudou-se, para tanto, na seguinte fundamentação:
'Dispõe o artigo 690º, nº 1 do Código de Processo Civil que «o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão». As conclusões constituem assim um elemento integrante mas autonomizável da apelação, como resulta, inclusivamente, do nº 3 do mesmo artigo que impõe ao juiz o dever de convidar o recorrente a apresentá-las, completá-las ou esclarecê-las, sob pena de não se conhecer do recurso, quando elas faltem, sejam deficientes ou obscuras ou não indiquem a norma jurídica violada. A razão desta exigência legal é explicada por J.A.Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, Coimbra, 1952, pág. 359:
«A palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no caso da alegação; hão-de ser depois enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta.
É claro que, para serem legitimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação». No caso sob que nos debruçamos nos autos, a recorrente alegou da forma constante de fls. 40-41, peça que não fez acompanhar de quaisquer conclusões. Face a tal deficiência, o Exmº Relator convidou a recorrente, nos termos da citada disposição do processo, o que ele veio fazer através da reprodução do texto da alegação que havia já apresentado, subordinada embora ao título
«conclusões». Ora, se a peça processual em causa denotava a deficiência referida – ponto que se tem como indiscutível – temos também de aceitar que a simples repetição desse texto não poderia satisfazer a mencionada exigência legal, muito embora rotulada com o nome de «conclusões». Tornava-se antes necessário, o que era imposto pela ratio da imposição legal – tornar mais rápido e mais fácil o conhecimento dos fundamentos do recurso pelo tribunal superior – apresentar uma versão resumida dos aludidos fundamentos, o que a recorrente não fez, muito embora tivesse sido convidada a fazê-lo. Consequentemente não se conhecerá deste recurso conforme dispõe o art. 690º, nº
3 do Código de Processo Civil'.
4 – Inconformada com o assim decidido, apresentou a recorrente um requerimento com o seguinte teor:
'J. B., tendo sido notificada do douto acórdão de fls. 95 a 98 dos autos, vem arguir a sua nulidade na parte em que não conheceu do recurso jurisdicional interposto da decisão de fls. 27 e 28 dos autos nos termos do preceituado no artigo 690º, nº 3, do CPC (...), nos termos e com os fundamentos seguintes:
1 – Este Alto Tribunal não conheceu do recurso jurisdicional interposto da decisão de fls. 27 e 28 dos autos devido ao facto de a ora reclamante ter reproduzido nas conclusões o texto da alegação que havia já apresentado, o que equivaleria à não satisfação da exigência legal prescrita no art. 690º, nº 3 do CPC, ou seja, a apresentação necessária e imprescindível de conclusões que deveriam consistir numa versão resumida dos fundamentos da alegação por forma a tornar mais rápido e mais fácil o conhecimento dos fundamentos do recurso pelo tribunal ad quem.
2 – Ora, tal fundamento revela-se manifestamente improcedente.
3 – Com efeito, uma coisa é a não apresentação pura e simples de conclusões, outra coisa é a apresentação de conclusões que sejam deficientes ou obscuras, ou nelas não se especifiquem as normas jurídicas violadas.
4 – In casu, a recorrente, para além de ter especificado autonomamente as normas jurídicas violadas pela decisão sob recurso (v. al. g) das conclusões), reproduziu nas conclusões em causa todos os fundamentos de facto da sua alegação por forma a não ver reduzido do âmbito do recurso qualquer fundamento não constante das conclusões, os quais, por terem sido sinteticamente invocados na alegação, tiveram de ser praticamente reproduzidos, com as devidas adaptações, nas conclusões da alegação.
5 – Assim sendo, não é possível tornar mais conciso o que, de per si, já é conciso, simples e claro.
6 – Não obstante, se porventura as conclusões da alegação em causa apresentam alguma deficiência ou obscuridade, a recorrente deveria ter sido novamente convidada a corrigi-las ou esclarecê-las nos termos julgados necessários, ex vi do artigo 690º, nº 3 do CPC, o que não se verificou in casu.
7 – tal omissão, por ter influído no exame e decisão da causa, constitui nulidade processual que ora vem arguir ex vi do art. 201º do CPC.
8 – Para além disso, em situações absolutamente similares e ao contrário do considerado no douto acórdão ora reclamado, a falta de conclusões ou a sua deficiência ou obscuridade não impedem o conhecimento do recurso.
9 – Por exemplo, é o que sucede com os recursos interpostos pelo Ministério Público, ex vi art. 690º, nº 5 do CPC.
10 – Aliás, constitui jurisprudência deste Alto Tribunal a doutrina segundo a qual a falta de conclusões das alegações de recurso nos processos urgentes não determina a rejeição do recurso, ao contrário do considerado no douto acórdão ao reclamado, nada impedindo o convite prescrito no art. 690º nºs 3 e 4 do CPC (v. neste sentido o Ac. da 1ª Secção do STA de 17.12.91, in rec. 30.031) ou, devido
à simplicidade das questões controvertidas, nada impede o prosseguimento do recurso sem haver lugar a tal convite (v. neste sentido o Ac. da 1ª Secção do STA de 17.12.91, in rec. 30.031).
11 – Assim sendo, revela-se desproporcionada e injustificada a interpretação dada na douta decisão ora reclamada à norma legal contida no art. 690º, nº 3 do CPC, a qual se traduz, na prática, em denegação de justiça por mera questão formal que em nada impede o conhecimento do recurso em causa, o que torna ilegal e materialmente inconstitucional essa norma por violar as normas com valor reforçado contidas nos artigos 8º, nº 3 e 9º nº 2 do Código Civil, por se revelar discriminatória e desproporcionada face ao prescrito no art. 690º nº 5 do CPC e por restringir desproporcionada e injustificadamente o direito fundamental ao recurso ínsito nos artigos 2º, 13º e 20º da CRP, por violar os direitos e princípios fundamentais da igualdade, da proporcionalidade, do acesso ao direito e à justiça e do estado de direito.
(...).'
5 – Por parte do Supremo Tribunal Administrativo (1ª Secção) foi então proferida decisão que, na parte ora relevante, tem o seguinte teor:
'(...)
2.1 – O cabeçalho do requerimento poderia fazer supor que a requerente pretendia arguir a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, omissão de pronúncia. Da análise do seu contexto, colhe-se ser outra a pretensão. O que questiona e pretende é obter revogação do acórdão com fundamento em erro de julgamento, como transparece dos vários itens do requerimento. Com efeito, ali se diz:
«1 – Este Alto Tribunal não conheceu do recurso jurisdicional interposto da decisão de fls. 27 e 28 dos autos devido ao facto de a ora reclamante ter reproduzido nas conclusões o texto da alegação que havia já apresentado, o que equivaleria à não satisfação da exigência legal prescrita no art. 690º, nº 3 do CPC, ou seja, a apresentação necessária e imprescindível de conclusões que deveriam consistir numa versão resumida dos fundamentos da alegação por forma a tornar mais rápido e mais fácil o conhecimento dos fundamentos do recurso pelo tribunal ad quem.
2 – Ora, tal fundamento revela-se manifestamente improcedente».
(...).
2.2 – Estamos, assim, perante uma impugnação do decidido no acórdão e não de invocação ou arguição de qualquer das nulidades previstas no art. 668º do CPC,
únicas admitidas neste tipo de incidente.
3. Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a arguição de nulidades do acórdão de fls. 95 a 98.'
7 – Notificada deste Acórdão, apresentou a recorrente um requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 122 dos autos), com o seguinte teor:
'J. B., recorrente nos autos acima e à margem referenciados, tendo sido notificada do douto acórdão de fls... dos autos, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que requer a V. Exªs se dignem admiti-lo nos termos legais'.
8 – Em face deste requerimento foi proferido pelo Relator do processo no Supremo Tribunal Administrativo um despacho a convidar a recorrente, nos termos do nº 5 do art. 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a completar, querendo, o requerimento de interposição do recurso, com os elementos a que se refere o nº 1 do preceito acima referido.
9 – Nessa sequência apresentou a recorrente novo requerimento, desta vez com o seguinte teor:
'O recurso de fls. 122 dos autos para o Venerando Tribunal Constitucional é interposto ao abrigo do disposto nos artigos 70º, nº 1 als. b) e f), 72º, nº 2 e
73º do DL nº 28/82, de 15.11, e tem por fundamento a ilegalidade e a inconstitucionalidade da interpretação restritiva dada nos doutos acórdãos sob recurso à norma legal contida no art. 690º, nº 3 do CPC, segundo a qual a reprodução nas conclusões do texto da alegação que havia sido apresentada equivaleria à não satisfação da exigência legal prescrita no art. 690º nºs 1 e 3 do CPC, ou seja, a apresentação de conclusões que deveriam consistir numa versão resumida dos fundamentos da alegação por forma a tornar mais fácil e mais rápido o conhecimento dos fundamentos do recurso pelo tribunal ad quem, o qual se traduz, na prática, em denegação de justiça por mera questão formal que em nada impede o conhecimento do recurso em causa, o que torna ilegal e materialmente inconstitucional essa norma assim interpretada e aplicada in casu por violar as normas com valor reforçado contidas nos artigos 8º, nº 3 e 9º nº 2 do Código Civil e reguladoras da interpretação e aplicação das normas legais, por se revelar discriminatória e desproporcionada face ao prescrito no art. 690º nº 5 do CPC, por restringir desproporcionada e injustificadamente o direito fundamental ao recurso ínsito nos artigos 2º, 13º e 20º da CRP e por violar os direitos e princípios fundamentais da igualdade, da proporcionalidade, do acesso ao direito e à justiça e do Estado de direito contidos nos artigos 2º, 13º e 20º da CRP'.
10 – Já neste Tribunal foi a recorrente notificada para alegar, o que fez, terminando com um pedido para que seja declarada ilegal e/ou inconstitucional a interpretação restritiva dada pelo Tribunal a quo à norma legal contida no art.
690º, nº 3 do CPC.
11 – Por parte do recorrido não foi apresentada, dentro do prazo legal, qualquer alegação.
Corridos os vistos cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentos.
12 – A recorrente indica as alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, como fundamento do recurso. Contudo, como vai ver-se, não se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos naquela alínea f). Nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 70º, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que 'apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e)'. Ora, é manifesto que não foi aplicada pelo Supremo Tribunal Administrativo qualquer norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com fundamento em: i) violação de lei de valor reforçado - os artigos 8º, nº 3 e 9º, nº 2 do Código Civil, manifestamente, não o são - (alínea c); ii) violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República - no caso de norma constante de diploma regional - (alínea d); ou, finalmente, iii) violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República - no caso de norma emanada de órgão de soberania - (alínea e).
É assim por demais evidente - e não carece, por isso, de mais aprofundada demonstração - que não estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso exigidos pela alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que não pode, com este fundamento, conhecer-se do seu objecto. Verificam-se, contudo, os pressupostos de admissibilidade do recurso exigidos pela alínea b) daquele nº 1, pelo que com este fundamento conheceremos do objecto do recurso.
13. O objecto do recurso é a norma do artigo 690º, nº 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior à que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº
329-A/95, de 12 de Dezembro), quando interpretada no sentido de que uma vez convidado o recorrente, ao abrigo daquele nº 3, a formular e apresentar conclusões (que não existiam), se as mesmas, quando apresentadas, não cumprirem integralmente os requisitos de completude clareza e concisão ali exigidos, haverá desde logo lugar à rejeição do recurso, sem que seja necessário previamente efectuar um segundo convite ao recorrente, desta vez destinado ao aperfeiçoamento das conclusões que apresentou. Na opinião do recorrente aquele nº 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil, quando assim interpretado, é inconstitucional, por, no seu entender, 'restringir desproporcionada e injustificadamente o direito fundamental de recurso insíto nos artigos 2º e 20º da CRP e por violar os direitos e princípios fundamentais da igualdade, da proporcionalidade, do acesso ao direito e à justiça e do Estado de direito contidos nos artigos 2º, 13º e 20º da CRP'. Cremos, contudo, que não lhe assiste razão.
13.1. Desde logo parece-nos questionável a interpretação 'restritiva' do despacho/convite do Relator do processo no Supremo Tribunal Administrativo (fls.
81 dos autos), que é pressuposta pelo raciocínio do recorrente, no sentido de que esse despacho consubstanciaria apenas um convite para que o recorrente apresentasse 'qualquer coisa' a que formalmente chame conclusões. Parece-nos, pelo contrário, que o sentido do convite do Relator é para que o recorrente apresente da forma completa, clara e concisa exigida por aquele nº 3 os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão; ou seja, para que cumpra integralmente o ónus previsto naqueles nºs 1 e 3 do artigo 690º. Numa frase: parece-nos que o sentido lógico do despacho/convite de fls. 81 dos autos é para que o recorrente dê integral - e não apenas parcial - cumprimento ao disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil, apresentado, de forma completa, clara e concisa as suas conclusões. A ser assim, como nos parece, o despacho de fls. 81 dos autos incorpora já o convite que o recorrente diz não ter sido feito. Haverá, porém que entender a arguição de nulidade do recorrente como implicando, mesmo nesse caso, a necessidade de um segundo convite, esse de aperfeiçoamento. Só na hipótese de assim se entender – por se considerar que uma coisa é um convite para apresentar conclusões e outra é um convite para as completar, esclarecer ou sintetizar e que o primeiro logicamente não pode incorporar o segundo –, se coloca então a questão de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciada e que pode enunciar-se nos seguintes termos: é inconstitucional a norma do artigo 690º, nº 3 do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de que a falta de concisão das conclusões poderá levar à rejeição do recurso, sem que exista um novo convite ao recorrente para o seu aperfeiçoamento ? Vejamos então. O Tribunal Constitucional considerou já no seu Acórdão nº 193/97 (ainda inédito) que seriam inconstitucionais os artigos 412º, nº 1 e 420º, nº 1 do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido. Considerou então o Tribunal que esta interpretação das normas referidas
'afectava desproporcionadamente uma das dimensões do direito de defesa (o direito ao recurso) garantido pelo artigo 32º nº 1 da Lei Fundamental'. Esta jurisprudência foi depois reafirmada (quer a propósito do recurso interposto pelo arguido em processo penal quer do recurso interposto em processo contra-ordenacional) pelos acórdãos nºs 43/99 (Diário da República, 2ª Série, de
26 de Março de 1999), 303/99 (Diário da República, 2ª Série, de 16 de Julho de
1999), 319/99 e 417/99 (estes ainda inéditos). Com uma diferença importante porém. É que nestes acórdãos, que invocam, sem discordância explícita, o acórdão nº 193/97, considerou-se que as normas então objecto de recurso apenas seriam inconstitucionais quando interpretadas em termos de a falta de conclusões - ou de concisão das conclusões - poder levar à rejeição do recurso, sem que existisse um prévio convite ao recorrente para apresentar as conclusões em falta ou aperfeiçoar as que apresentou (em conformidade com a posição expressa na declaração de voto dos Conselheiros Messias Bento e Luís Nunes de Almeida no citado acórdão nº 193/97). Ao passo que no acórdão nº 193/97 se considerou que a falta de concisão das conclusões da motivação não pode levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido, desde que não falte a motivação. Cremos, contudo, que nem a jurisprudência firmada no Acórdão nº 193/97 nem a dos Acórdãos nºs 43/99, 303/99, 319/99 e 417/99 vale no caso que agora constitui objecto do recurso. Desde logo, enquanto naqueles arestos estava em causa o direito ao recurso do arguido em processo penal ou contra-ordenacional, constitucionalmente garantido pelo artigo 32º, nº 1 da Constituição, no presente processo está em causa um recurso interposto em processo administrativo. Com efeito, naquelas decisões considerou-se que seriam inconstitucionais os artigos 412º, nº 1 e 420º, nº 1 do Código de Processo Penal (acórdãos 193/97,
43/99 e 417/99) e 63º, nº 1 e 59º, nº 3 do Regime Geral das Contra-ordenações
(acórdãos nºs 303/99 e 319/99) quando interpretados no sentido supra referido,
'por essa interpretação afectar desproporcionadamente uma das dimensões do direito de defesa, o direito ao recurso, garantido no que se refere ao processo penal e contra-ordenacional pelo artigo 32º, nº 1 da Constituição'. Pois bem, o artigo 32º, nº 1 da Constituição apenas trata das garantias de defesa do arguido, entre as quais hoje se inclui expressamente o direito ao recurso, em processo criminal - e contra-ordenacional, ex vi do nº 10 do mesmo preceito - não sendo consequentemente invocável no momento de determinar as garantias dos administrados no âmbito do contencioso administrativo. Pelo contrário, como este Tribunal tem afirmado repetidamente (cfr., entre muitos e mais recentemente, o acórdão nº 402/99 – ainda inédito) 'o duplo grau de jurisdição em matéria não penal não se acha constitucionalmente garantido, reconhecendo-se ampla liberdade ao legislador para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos. Com efeito, da Constituição apenas se deduz uma garantia contra violações radicais pelo legislador ordinário do sistema de recursos instituído e da igualdade dos cidadãos na sua utilização'. De todo o modo, naqueles citados arrestos esteve em causa o direito a um primeiro convite, enquanto que no caso presente se trata da pretensão a um segundo convite de aperfeiçoamento. Ora, não existe seguramente em nenhum caso tal direito constitucionalmente garantido a um segundo convite. E isto é tanto mais assim, fora do processo penal e contra-ordenacional, quando não há sequer um direito constitucionalmente garantido ao recurso de decisão jurisdicional.
13.4 Coloca ainda o recorrente a questão da alegada violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição, na medida em que, nos termos do nº 5 do artigo 690º do Código de Processo Civil (mais uma vez na redacção anterior à do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), o mesmo regime (rejeição do recurso na hipótese de falta de alegações ou conclusões) não vale para os recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei. Mais uma vez, porém, sem razão.
É que, sendo o recurso obrigatório para o Ministério Público, não lhe é evidentemente exigível que encontre sempre razões para discordar da decisão recorrida (nesse sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 524). Existindo, pois, um fundamento racional para a diferenciação operada pela norma em apreço, há que concluir que a mesma não é inconstitucional por violação do artigo 13º da Constituição, na dimensão em que esta norma proíbe o arbítrio. III – Decisão. Por tudo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso. Lisboa, 26 de Janeiro de 2000 José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Luís Nunes de Almeida Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José Manuel Cardoso da Costa