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Processo nº 839/98
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por sentença de 22 de Abril de 1998 do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, de fls. 36, foi julgada procedente a impugnação contra a liquidação da taxa municipal de urbanização efectuada pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia deduzida pela Sociedade C..., Lda., no valor de 5.835.492$00, relativa ao processo de licenciamento de obras particulares identificado nos autos. A liquidação havia sido feita com base no Regulamento de Taxas Municipais de Urbanização aprovado por deliberação da Câmara de 3 de Dezembro de 1990 e homologado pela Assembleia Municipal em 10 de Janeiro de 1991. Em primeiro lugar, o Tribunal de 1ª instância julgou formalmente inconstitucional o Regulamento por falta de indicação da lei habilitante, nos termos exigidos pelo nº 7 do artigo 115º da Constituição, na versão então vigente. Em segundo lugar, entendendo estar em causa um verdadeiro imposto e não uma taxa, o Tribunal julgou organicamente inconstitucional o regulamento, por violação do nº 2 do artigo 106º e da al. i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição, na redacção aplicável. Assim, concluiu, 'verificando-se que o Regulamento de Taxas de Urbanização da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia enferma de inconstitucionalidade formal e orgânica, não pode ser aplicado, carecendo (...)a liquidação que se impugna de fundamento legal. Termos em que, considerando inconstitucional o Regulamento de Taxas de Urbanização da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, julga-se procedente e provada a impugnação anulando-se a liquidação impugnada.' Desta sentença recorreu o do Ministério Público para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. O recurso foi admitido.
2. Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou as suas alegações, sustentando a não inconstitucionalidade do Regulamento, e concluindo da seguinte forma:.
'1º- Constando da acta da deliberação camarária de que resultou a aprovação de determinado regulamento menção expressa da respectiva lei habilitante – e tendo os interessados livre acesso a tal documento – deve considerar-se cumprido o requisito formal exigido pelo nº 8 do actual artigo 112º da Constituição da República Portuguesa.
2º- Como se decidiu no acórdão nº 639/95 do Plenário deste tribunal Constitucional, é lícito às autarquias locais o estabelecimento e cobrança de taxas de urbanização, como contrapartida da efectiva realização de infra-estruturas urbanísticas que visem facultar aos munícipes a normal utilização das obras por eles realizadas, na sequência de anterior licenciamento.
3º- Tais receitas – independentemente do modo ‘presumido’ como são calculadas, com base em índices estabelecidos em regulamento – têm natureza e estrutura sinalagmática, não se configurando como ‘impostos’, cujo estabelecimento está obviamente vedado às autarquias locais.
4º- A eventual não realização efectiva e pontual pela autarquia da contrapartida ou contraprestação que decorre do pagamento da referida taxa de urbanização não transmuta em imposto, apenas facultando ao particular a via de acção de incumprimento ou de restituição das quantias pagas'. Com as alegações, o Ministério Público juntou cópias autenticadas do Regulamento em causa e das actas das reuniões da Câmara e da Assembleia municipais que o aprovaram. A recorrida contra-alegou, mantendo a acusação de inconstitucionalidade formal por falta de indicação da lei habilitante no próprio regulamento, 'em termos de os destinatários ficarem a saber qual a norma ou normas que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão', sendo insuficiente para o efeito 'a justificação da lei habilitante constante em mera proposta de regulamento', que, aliás, 'apenas indica as normas da lei de Finanças Locais e não a norma que atribui competência à Câmara Municipal'. Igualmente insistiu na inconstitucionalidade orgânica, pela razão já apontada.
3. Quanto à inconstitucionalidade formal, por falta de indicação da lei habilitante, considera-se procedente, nos termos decorrentes do nº 7 do artigo
115º da Constituição, na redacção anterior, correspondente ao nº 8 do actual artigo 112º. Com efeito, não se encontra no texto do regulamento qualquer referência, ainda que incompleta, à norma que justifica a competência da Câmara para o aprovar, ou da Assembleia Municipal para o homologar. Sustenta o Ministério Público que se deve considerar satisfeito o objecto da exigência constitucional porque, na 'proposta que culminou na aprovação das normas regulamentares questionadas referência expressa à lei habilitante
(...),consta (...) que a Câmara aplicou [aprovou] a taxa em causa ‘ao abrigo da Lei das Finanças Locais (alínea a) do artigo 11º da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro)’, (...) norma' que 'deve considerar-se como lei habilitante do dito regulamento.' O próprio recorrente indicia, todavia, que esse preceito não seria suficiente para fundamentar a competência dos órgãos municipais em concreto, ao acrescentar que deve ser conjugado com o nº 2 do artigo 39º do Decreto-Lei nº
100/84, de 29 de Março, de onde resulta a competência da assembleia municipal para 'estabelecer as taxas municipais legalmente previstas e fixar os respectivos quantitativos'. Ou seja: reconhece que nem das actas consta a norma que define a competência subjectiva para o aprovar. Por outro lado, diz ainda, invocando o decidido no Acórdão nº 110/95 (publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Abril e 1995), que da acta da deliberação camarária que aprovou o regulamento consta 'expressa menção da lei habilitante'. Estaria, assim, afastada a alegada inconstitucionalidade formal porque os 'destinatários de tais normas regulamentares' têm livre 'acesso
àquelas actas'. A verdade, porém, é que não pode considerar-se suficiente a referência à Lei das Finanças Locais (não acompanhada, sequer, da indicação da lei que atribui à Câmara e à Assembleia municipais as competências que exerceram) na proposta de deliberação, que não é objecto da publicidade dada ao regulamento. E muito menos se pode haver como suficiente a referência que um voto de vencido constante da acta da sessão da Câmara que aprovou o regulamento faz à Lei das Finanças Locais e ao Decreto-Lei nº 400/84. Não vale assim o argumento retirado do acórdão nº 100/95, que, no caso que julgou, considerou respeitado 'minimamente o princípio da primariedade da lei', assim garantindo 'os valores de segurança e transparência que se pretendem acautelar'. Tal como se julgou no acórdão nº 524/95, 'de facto, do texto do regulamento não há a menor referência à lei habilitante pelo que não pode aplicar-se a essa situação a doutrina do [então] recente acórdão nº 110/95'. O Regulamento de Taxas Municipais de Urbanização, aprovado por deliberação da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia de 3 de Dezembro de 1990 e homologado pela Assembleia Municipal respectiva em 10 de Janeiro de 1991 é, pois, formalmente inconstitucional por falta de indicação da norma legal habilitante.
4. Torna-se, assim, desnecessário conhecer da questão da inconstitucionalidade orgânica.
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, no que toca ao julgamento de inconstitucionalidade. Lisboa, 21 de Setembro de 1999- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida