Imprimir acórdão
Processo n.º 510/99 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. F. e sua mulher, M. Fp., recorrem, ao abrigo das alíneas a), b), c), f) e i), do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Junho de 1999, que negou provimento ao recurso de revista que eles interpuseram do acórdão da Relação de Évora, que julgara procedentes os embargos de executado deduzidos pelo GABINETE DO NÓ FERROVIÁRIO DE LISBOA, na acção executiva contra si movida, enquanto entidade expropriante, pelos expropriados e ora recorrentes.
Pretendem os recorrentes que este Tribunal aprecie a
'ilegalidade/inconstitucionalidade' dos artigos 47º, n.º 1, e 823º, n.º 1, a), do Código de Processo Civil, e a dos artigos 50º, n.º 3, e 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações.
O relator lançou parecer nos autos, sustentando que apenas se pode conhecer do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º citado, e, ainda assim, tão só na parte em que ele tem por objecto as normas dos artigos 47º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações: é que – disse - não se verificam os pressupostos desse recurso da alínea b), na parte em que ele tem por objecto as normas dos artigos 823º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil e 50º, n.º 3, do Código das Expropriações; e também se não verificam os pressupostos dos recursos das alíneas a), c), f) e i) do referido n.º 1 do artigo 70º. Sobre esse parecer mandou o relator ouvir os recorrentes.
Os RECORRENTES, na alegação que apresentaram neste Tribunal, conformaram-se com a posição do relator, aceitando, em consequência, que só está aqui em causa o recurso da alínea b), tendo por objecto apenas as mencionadas normas dos artigos
47º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações. E concluíram como segue a sua alegação: Deve ser declarada a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Lx. de 22.6.99, de fls , às normas dos arts. 47º/1/ do CPC e 68º/1/2/ do CE, por o referido sentido de incompatibilidade substancial das referidas normas, com a consequente revogação da norma geral do artº 47º/1/ do CPC pela norma especial do artº 68º/1/2/ do CE, ofender o princípio da igualdade constante dos arts. 8º/2/ e 13º da Lei Fundamental e o artº 6º da CEDH/norma com valor reforçado (art. 112º/3/ da CRP), já que os expropriados nesse contexto nunca poderiam executar uma sentença das 1ª e 2ª instâncias, pendente de recurso, com efeito meramente devolutivo, ficando os expropriados em pior situação processual que qualquer outra parte cível, situação carregada de desigualdade, arbítrio e desproporcionalidade.
O recorrido GABINETE DO NÓ FERROVIÁRIO DE LISBOA concluiu como segue a sua alegação:
1ª - Os expropriados recorreram para esse Venerando Tribunal Constitucional com base nas alíneas a), b), c), f) e i) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
2ª - Existe uma contradição insanável relacionada com a cumulação entre as alíneas a) e b) do nº 1 do art. 70º da LTC, o mesmo se podendo dizer quanto à cumulação das alíneas c) e f).
3ª - No requerimento de interposição pediram que fosse apreciada a ilegalidade/inconstitucionalidade das normas dos artigos 47º/1 e 823º/1/a do CPC, 50º/3 e 68º/1/2 do CE.
4ª - Nas alegações de recurso pedem a apreciação da inconstitucionalidade da interpretação dada pelo acórdão do STJ de 3/2/99, às normas dos artigos 47º/1 do CPC e 68º/1/2 do CE, em contraste com o pedido constante do requerimento de interposição de recurso de 7/7/99.
5ª - Os expropriados abandonaram o pedido de apreciação da ilegalidade/inconstitucionalidade das normas correspondentes aos artigos
832º/1/a do CPC e art. 50º/3 do CE.
6ª - Os expropriados recorrentes, restringiram o objecto do recurso à questão da apreciação da ilegalidade/inconstitucionalidade das normas constantes do artigo
47º/1 do CPC e 68º/1/2 do CE.
7ª - A inconstitucionalidade suscitada no recurso, não corresponde ao pedido contido na conclusão das suas alegações.
8ª - Os recursos de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade suscitada.
9ª - Esse Venerando Tribunal não deve tomar conhecimento do recurso em causa, por falta de pressupostos exigidos pelo artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
10ª - A 'ratio' da especialidade do processo de expropriação litigiosa está directamente relacionada com o seu objecto.
11ª - No Código das Expropriações encontra-se previsto um julgamento arbitral, com uma tramitação própria orientada para a realização dos princípios constitucionais.
12ª - O juiz deve atribuir imediatamente aos interessados o montante sobre o qual se verifique o acordo.
13ª - O tribunal está impedido de adjudicar a propriedade se verificar que não foi efectuado o depósito correspondente à arbitragem.
14ª - O expropriado, em processo de expropriação, fica em melhor situação processual que qualquer outra parte noutros processos cíveis.
15ª - A arbitragem constitui um primeiro grau de jurisdição.
16ª - O recurso da decisão arbitral para o tribunal da comarca encontra paralelismo com o recurso interposto das decisões da Comarca para a Relação, funcionando como Segunda instância.
17ª - Em processo de expropriação é inadmissível recurso para o STJ.
18ª - A norma jurídica constante do art. 68º do CE, contém um regime próprio, unitário e especial que contribui para a regulamentação do processo de expropriação sem por em causa quaisquer princípios constitucionais.
19ª - O artigo 47º do CPC é uma norma de carácter geral.
20ª - Todo o processo de expropriação tem carácter executivo.
21ª - Há que previamente determinar se as situações devem ser consideradas iguais ou desiguais para depois lhes dar o mesmo ou diverso tratamento.
22ª - As situações provenientes de sentenças proferidas pelos tribunais de primeira instância, não são iguais às resultantes das sentenças proferidas em processo de expropriação por utilidade pública.
23ª - Em processo de expropriação os interessados podem levantar a totalidade ou parte da indemnização, enquanto que em qualquer outro processo cível o não podem fazer;
24ª - As indemnizações fixadas em processo cível são calculadas nos termos gerais de direito e as devidas por expropriação por utilidade pública são fixadas através dos critérios contidos no CE;
25ª - Os recursos em processos de expropriação urgentes têm obrigatoriamente efeito meramente devolutivo por sendo urgentes deverem garantir os efeitos causados pela posse administrativa.
26ª - Não há violação do princípio constitucional da igualdade. Nestes termos e nos mais de direito [...] devem ser consideradas procedentes e provadas as questões prévias levantadas nas presentes alegações não devendo, em consequência, esse Venerando Tribunal tomar conhecimento do recurso em causa, por falta de pressupostos exigidos pelo artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Se assim não for entendido e o presente recurso chegar a ser apreciado, não deve ser declarada a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo acórdão do STJ de 3/2/99 às normas constantes dos artigos 47/1 do CPC e 68/1/2 do CE, por inexistirem quaisquer dos vícios de inconstitucionalidade imputados à interpretação daquele tribunal superior.
Como o recorrido suscitou a questão prévia do não conhecimento do recurso, mesmo quanto às normas dos artigos 47º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 68º, nºs
1 e 2, do Código das Expropriações, mandaram-se ouvir os RECORRENTES que, sobre tal questão, disseram estar assente que, nos autos, estão em causa apenas os dois normativos citados e que, quanto a eles, se verificam os pressupostos do recurso.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. A questão prévia do não conhecimento do recurso. Entende o recorrido que este Tribunal não deve conhecer do recurso, mesmo quanto
às normas constantes dos artigos 47º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações, dada a 'falta dos pressupostos exigidos pelo artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional'.
É que - diz -, 'os recursos das decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade suscitada' e, no caso, 'a inconstitucionalidade suscitada no recurso não corresponde ao pedido contido na conclusão das alegações': de facto – acrescenta –, 'no requerimento de interposição [os recorrentes] pediram que fosse apreciada a ilegalidade/inconstitucionalidade das normas dos artigos 47º/1 e 823º/1/a do CPC, 50º/3 e 68º/1/2 do CE', mas, 'nas alegações de recurso pedem a apreciação da inconstitucionalidade da interpretação dada pelo acórdão do STJ de 3/3/99, às normas dos artigos 47º/1 do CPC e 68º/1/2 do CE, em contraste com o pedido constante do requerimento de interposição de recurso de 7/7/99'.
O recorrido não tem razão, como vai ver-se.
Os recorrentes, com efeito, no requerimento de interposição de recurso, indicaram como objecto deste as normas dos artigos 47º, n.º 1, e 823º, n.º 1, a), do Código de Processo Civil, e as dos artigos 50º, n.º 3, e 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações. Mas, notificados do parecer do relator, que se pronunciou no sentido de que apenas se verificam os pressupostos do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional e, ainda assim, só quanto às normas dos artigos 47º, n.º 1, do Código de Processo Civil e
68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações, conformaram-se com este entendimento e, em consonância com isso, na conclusão da alegação, restringiram o objecto inicial do recurso à questão da inconstitucionalidade das normas constantes destes artigos 47º, n.º 1, e 68º, nºs 1 e 2 - o que, de resto, o artigo 684º, n.º 3, do Código de Processo Civil permite.
É certo que, no requerimento de interposição do recurso, os recorrentes, em vez de se reportarem à interpretação feita pelo acórdão recorrido, disseram pretender que o Tribunal apreciasse 'a ilegalidade/inconstitucionalidade das normas dos artigos 47º, n.º 1, e 823º, n.º 1, a), do Código de Processo Civil, e a dos artigos 50º, n.º 3, e 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações', e, na conclusão da alegação, pedem que seja 'declarada a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [...] às normas dos artigos 47º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações'. Tal não impede, porém, o conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, tendo por objecto as normas constantes dos artigos 47º, n.º
1, do Código de Processo Civil e 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações, tal como foram interpretadas pelo Supremo Tribunal de Justiça: de facto, os recorrentes suscitaram perante esse Supremo Tribunal a inconstitucionalidade da interpretação dessas normas, quando, na conclusão 2ª da alegação, disseram que
'a interpretação dada pela 2ª instância às normas dos artigos 47º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações – que não colidem, antes são complementares no modo e tempo de actuação – é inconstitucional, por ofender o princípio constitucional da igualdade constante do artigo 13º da Lei Fundamental'. Ao que acresce que foi com a interpretação que os recorrentes acusaram de inconstitucional que essas normas foram aplicadas pelo Supremo Tribunal de Justiça: na verdade, no acórdão recorrido, sublinhou-se que elas 'traçam regimes substancialmente incompatíveis', por isso que se imponha concluir que 'o artigo 68º do Código das Expropriações, como lei especial, revoga a lei geral anterior, artigo 47º do Código de Processo Civil' e, em consequência, decidir 'pela aplicabilidade do artigo 68º do Código das Expropriações, que fixa um regime especial, e não pela aplicabilidade do artigo
47º do Código de Processo Civil, que fixa um regime geral'.
Há, pois, que conhecer do recurso, dada a improcedência da questão prévia suscitada pelo recorrido.
4. A norma sub iudicio: O que os recorrentes, em direitas contas, questionam é a constitucionalidade dos artigos 47º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações de 1991, interpretados no sentido de que, tendo sido interposto recurso da sentença que fixa o montante da indemnização a pagar pelo expropriante ao expropriado, não pode a mesma ser dada à execução, apesar de esse recurso ter efeito meramente devolutivo.
Na verdade, os expropriados (ora recorrentes), não se conformando com a decisão arbitral, que fixou em 2.164.000$00 o montante da indemnização que o Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa lhes devia pagar pelas duas faixas de terreno que lhes foram por este expropriadas num processo de expropriação por utilidade pública – montante que a entidade expropriante depositou, nos termos do n.º 1 do artigo
50º do mencionado Código das Expropriações -, recorreram, ao abrigo do n.º 1 do artigo 51º do mesmo Código, para o Juiz da comarca de Setúbal, pedindo que tal indemnização fosse fixada no montante de 67.110.000$00. O Juiz fixou a indemnização em 11.992.120$00. Dessa sentença – e ao abrigo do que prescreve o artigo 64º, n.º 2, do dito Código - recorreram os expropriados novamente, agora para a Relação de Évora, o mesmo tendo feito o expropriante. Tais recursos foram ambos admitidos - por força do que preceitua aquele artigo 64º, n.º 2 - com efeito meramente devolutivo. Entretanto, os expropriados - que, nos termos do n.º 3 do citado 51º, tinham já recebido a quantia de 1.649.700$00 - pretenderam que o expropriante completasse o depósito inicial até perfazer a quantia
11.992.120$00 fixada na sentença. Como o não conseguiram, já que o expropriante entendeu nada mais ter, de momento, a depositar do que os 2.164.000$00 já depositados, os expropriados, invocando o disposto no n.º 1 do artigo 47º, do Código de Processo Civil, instauraram execução contra o expropriante, apresentando a dita sentença como título executivo. Foi, então, a vez de o expropriante se opor à execução por meio de embargos de executado, sustentando que a referida sentença não podia ser dada à execução, por não ser aqui aplicável o artigo 47º, n.º 1, do Código de Processo Civil, mas antes o artigo
68º, n.º 1, do Código das Expropriações, que fixa um regime especial, nos termos do qual, só depois do trânsito em julgado da decisão que fixar o montante da indemnização, deve ele, expropriante, ser notificado para depositar, no prazo de
10 dias, o montante devido na Caixa Geral de Depósitos. Os embargos foram, no entanto, julgados improcedentes. Por isso, o expropriante (executado) recorreu da respectiva sentença para a Relação de Évora, que, concedendo provimento à apelação, julgou os embargos procedentes. Seguiu-se novo recurso, agora para o Supremo Tribunal de Justiça e interposto pelos expropriados. O Supremo Tribunal de Justiça, porém, negou a revista, justamente por entender, como acima se viu, que os artigos 47º do Código de Processo Civil e 68º do Código das Expropriações
'traçam regimes substancialmente incompatíveis', por isso que se imponha concluir que 'o artigo 68º do Código das Expropriações, como lei especial, revoga a lei geral anterior, artigo 47º do Código de Processo Civil', devendo, consequentemente, decidir-se 'pela aplicabilidade do artigo 68º do Código das Expropriações, que fixa um regime especial, e não pela aplicabilidade do artigo
47º do Código de Processo Civil, que fixa um regime geral'.
Significa isto que o acórdão recorrido entendeu que, quando a sentença condenatória é a sentença que, no processo de expropriação por utilidade pública, fixa a indemnização a pagar pelo expropriante ao expropriado, se ela estiver pendente de recurso, não pode servir de base à execução [cf., também neste mesmo sentido, o acórdão do mesmo Supremo, de 25 de Maio de 1999
(publicado na Colectânea de Jurisprudência. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, tomo II, 1999, página 105)]. Assim entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, não obstante esse recurso ter efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto no citado artigo 64º, n.º 2; e não obstante também o artigo 47º, n.º 1, do Código de Processo Civil dispor que 'a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo': é que – ponderou - este artigo 47º, n.º 1, contém um regime geral que se não pode aplicar à sentença de condenação no pagamento da indemnização, proferida em processo de expropriação por utilidade pública, por ser substancialmente incompatível com o regime especial constante do artigo 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações, que é o que se aplica no caso. Este artigo 68º dispõe:
1. Fixado por decisão com trânsito em julgado o valor da indemnização a pagar pelo expropriante, será este notificado para depositar o montante devido na Caixa Geral de Depósitos no prazo de 10 dias.
2. A entidade expropriante, relativamente ao depósito a que se refere o n.º 1 do artigo 50º, depositará a importância complementar em que for condenada ou poderá levantar a parte da importância judicialmente depositada que se mostre excessiva.
Assim sendo, o que então tem que decidir-se é se é ou não inconstitucional – por violação do princípio da igualdade - a interpretação feita pelo acórdão recorrido, segundo a qual o artigo 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações de 1991 contém um regime especial que é incompatível com o regime geral consagrado no artigo 47º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por isso que, interposto recurso da sentença que fixa o montante da indemnização a pagar pelo expropriante ao expropriado, não pode a mesma ser dada à execução, apesar de esse recurso ter efeito meramente devolutivo.
4. A questão de constitucionalidade. Sustentam os recorrentes que a norma sub iudicio viola o princípio da igualdade, pois que cria 'uma desigualdade arbitrária e desproporcionada entre os exequentes meramente cíveis e os exequentes expropriativos'. No acórdão recorrido - depois de se referir que os recorrentes sustentam que os citados artigos 47º, n.º 1, e 68º, nºs 1 e 2, 'não colidem, antes são complementares no modo e no tempo de actuação', 'pelo que a interpretação dada pela 2ª instância teria ofendido o princípio da igualdade' -, escreveu-se: Por outro lado sabido que há que previamente determinar se as situações devem ser consideradas iguais ou desiguais para depois lhes dar o mesmo ou diverso tratamento. O que impõe surpreender a ratio do tratamento jurídico. Constata-se que os recorrentes não levantaram o problema da inconstitucionalidade das normas, por ofensa do princípio da igualdade. Nem legitimamente o poderiam fazer. Tudo por faltar a indispensável conexão entre o critério material que vai qualificar o igual e o fim visado no tratamento jurídico, que terá de ser razoável e suficiente.
Vejamos, então. As sentenças de condenação pendentes de recurso, quando este tem efeito meramente devolutivo, podem – recorda-se - ser dadas à execução: é o que dispõe o artigo 47º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Na pendência do recurso, porém, o exequente (ou qualquer credor) só pode ser pago, se prestar caução (cf. o n.º 3 deste artigo 47º). E o executado pode obter a suspensão da execução: basta que preste caução (cf. o n.º 4 do mesmo artigo 47º). De acordo com a interpretação que o acórdão recorrido fez deste artigo 47º, n.º
1, e do artigo 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações, o mesmo não acontece quando se trate de sentenças que, em processos de expropriação por utilidade pública, fixam a indemnização a pagar pelo expropriante ao expropriado e delas for interposto recurso, apesar de este ter também efeito meramente devolutivo. Neste caso, com efeito, a sentença não é exequível. Só depois de a indemnização estar fixada com força de caso julgado, é que o expropriante é notificado para a depositar.
Trata-se, pois, de dois regimes diferentes: um regime geral, constante do artigo
47º do Código de Processo Civil, válido para as sentenças de condenação em geral; um regime especial, fixado pelo artigo 68º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações, aplicável às sentenças que, num processo de expropriação por utilidade pública, fixem a indemnização a pagar.
À primeira vista, as situações que esses dois regimes disciplinam parecem idênticas, pois, em ambos os casos, o credor está munido de uma sentença de condenação, de que foi interposto recurso com efeito meramente devolutivo. Contudo, as semelhanças ficam-se por aí. De facto, uma vez fixada a indemnização pelos árbitros, o expropriante tem que depositar o respectivo montante (cf. artigo 50º, n.º 1, do Código das Expropriações). Depois, sendo interposto recurso da decisão arbitral, o juiz atribui ao expropriado 'imediatamente o montante sobre o qual se verifique acordo, retendo, porém, se necessário, a quantia provável das custas do processo no caso de o expropriado ou de os demais interessados decaírem no recurso' (cf. o artigo 51º, n.º 3, do mesmo Código). E, uma vez fixado o montante da indemnização com força de caso julgado, o expropriado não tem necessidade de lançar mão do processo executivo, caso o devedor não satisfaça voluntariamente a dívida: é o próprio tribunal que o notifica para, em 10 dias, proceder ao depósito do que ainda for devido (cf. o artigo 6º, nºs 1 e 2). Por último, o credor não corre o risco de não receber a indemnização, pois o Estado ou a entidade pública expropriante tem sempre património para cobrir as suas responsabilidades. Ora, nada disto acontece com a generalidade das sentenças de condenação: os devedores podem não ter património suficiente para pagar; podem não cumprir voluntariamente a condenação, forçando o credor a suportar os incómodos e os gastos de uma execução; proferida a condenação, nenhuma quantia é o devedor obrigado a depositar; e, instaurada a execução, se a sentença estiver pendente de recurso, o credor só pode receber o seu crédito, prestando caução - para além de que pode ver a execução suspensa a pedido do devedor que, nesse caso, tem que prestar caução.
As diferenças entre as duas situações (designadamente, as diferenças de regime) são suficientes para justificar que - contrariamente ao que sucede com a generalidade das sentenças condenatórias - a sentença que fixa o montante da indemnização a pagar pelo expropriante ao expropriado, que estiver pendente de recurso, não possa ser dada à execução, apesar de esse recurso ter efeito meramente devolutivo. Suficientes, por isso, para concluir que se não verifica qualquer violação do princípio da igualdade.
É que, como este Tribunal tem sublinhado, o princípio da igualdade, enquanto cânone reitor das várias funções do Estado, maxime da função legislativa, apenas reclama que o legislador trate por igual o que for essencialmente igual e que dê tratamento diferente ao que na sua essência for dissemelhante. Mas como, dizer igualdade, não é o mesmo que dizer igualitarismo, a ideia de igualdade não se opõe à existência de regimes jurídicos diferenciados, pois o que a igualdade recusa é o arbítrio legislativo, ou seja, as soluções legais carecidas de fundamento racional ou material bastante. Ora, no caso, a solução da inexequibilidade da sentença proferida no processo de expropriação por utilidade pública não é arbitrária: existe, como se referiu, toda uma soma de razões que lhe conferem racionalidade.
A norma sub iudicio não é, pois, inconstitucional. Tem, por isso, que negar-se provimento ao recurso.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). desatender a questão prévia do não conhecimento do recurso suscitada pelo recorrido;
(b). negar provimento ao recurso; e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade nele feito;
(c). condenar os recorrentes nas custas, fixando em quinze unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2000 Messias Bento Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida