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Processo nº 162/99 Plenário Relatora: Maria dos Prazeres Beleza
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
1. Notificado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls.182, de 15 de Dezembro de 1998, o Ministério Público veio, a fls. 226, recorrer para o Tribunal Constitucional 'ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, al. a) e nº 3 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70º, nº 1, al. a) e 72º, nº 1, al. a) e nº 3 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro', pretendendo, 'enquanto recorrente obrigatório, que o Tribunal Constitucional aprecie a INCONSTITUCIONALIDADE decretada pelo Tribunal ‘A QUO’, dos artigos 90º, nº 3 da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, que aprovou a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (L.O.T.J.), na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 44/96, de 03 de Setembro, e 22º-B do Decreto-Lei nº 214/88, de 17 de Junho, que regulamentou a L.O.T.J., aditado pela Lei nº 44/96, dado que os despachos dos senhores Presidentes dos tribunais da Relação e a deliberação do Conselho Superior da Magistratura, em crise, terão violado o disposto no artigo 216º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa'. O acórdão recorrido foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça com o objectivo expresso de reformular o anterior acórdão do mesmo Tribunal, de fls.
109, de acordo com a Decisão Sumária nº 188/98 do Tribunal Constitucional de fls. 161, a qual concedera provimento ao recurso igualmente interposto pelo Ministério Público, a fls. 155, também ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82. Neste primeiro recurso, o Ministério Público recorreu 'por nele [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 1998] se ter declarado a inconstitucionalidade orgânica da lei nº 44/96, de 3 de Setembro e mais concreta e implicitamente da redacção que o seu artigo 1º deu ao nº 3 do artigo 90º da lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, cuja aplicação foi recusada na situação ‘sub judice’. Ao julgar procedente este recurso, o Tribunal Constitucional julgara não inconstitucional a norma constante do nº 3 do artigo 90º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais na redacção resultante do artigo 1º da Lei nº 44/96, 'pelos fundamentos constantes do acórdão nº 257/98 deste tribunal', cuja fotocópia foi junta aos autos (cfr. fls. 165). Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou as suas alegações sustentando que as normas impugnadas não contrariam 'o princípio da inamovibilidade dos juízes consagrado no artigo 216º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa'. Os recorridos não contra-alegaram.
2. Cabe começar por verificar que existe uma coincidência parcial no objecto dos dois recursos interpostos no mesmo processo pelo Ministério Público: a norma constante do nº 3 do artigo 90º, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei nº 44/96. O segundo recurso visa igualmente que o Tribunal Constitucional aprecie a eventual inconstitucionalidade da norma constante do artigo 22º-B do Decreto-Lei nº 214/88, de 17 de Junho, aditado pelo nº 2 do artigo 3º da Lei nº
44/96. Vejamos as duas questões separadamente.
3. Em primeiro lugar, quanto à recusa de aplicação do nº 3 do artigo 90º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais. Analisados com toda a atenção os dois acórdãos referidos do Supremo Tribunal de Justiça, verificamos sem dificuldade que o segundo, embora afirme expressamente que está a reformular o primeiro na sequência do juízo de não inconstitucionalidade constante da Decisão de fls. 161, em verdade não procede a essa reformulação. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça volta a afastar a aplicação do nº 3 do artigo 90º, por inconstitucionalidade, repetindo, naturalmente, a decisão quanto ao recurso contencioso de que se tratava. No acórdão agora recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que 'a Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 18-3-97, que confirmou os despachos dos Presidentes dos Tribunais das Relações de Lisboa e de
Évora referentes à colocação dos ora recorrentes nos tribunais de Turno, é nula e de nenhum efeito por ter confirmado os actos inicialmente reclamados, praticados fora das atribuições das competências dos aludidos Presidentes e estando assim, afectados pelo vício de incompetência absoluta, gerador daquela nulidade (artigos 33º, nº 1, 42º, nº 1, da LOTJ, artigo 217º, nº 1, da Constituição e ainda artigos 90º, nº 3, da LOTJ , 22º-B do decreto-lei nº
214/88, na redacção dada pela Lei nº 44/96, 204º da Constituição e 136º, 149º, nº 1 alínea a) e 152º, todos do EMJ).' Declarou 'ainda a nulidade da deliberação recorrida por violação do artigo 216º, nº 1 da Constituição e dos artigos 90º, nº 3 da LOTJ (na redacção dada pela Lei nº 44/96) e 22º-B, do decreto-lei nº 214/88 (aditado pela Lei nº 44/96) dado que os despachos reclamados contrariam o disposto nos artigos 6º, 284º, nº 3 do EMJ e da LOTJ, respectivamente, vícios que afectam aquela mesma deliberação. E, outrossim, declar[ou] a nulidade absoluta dos referidos despachos.' Ora a verdade é que esta conclusão pressupõe necessariamente o afastamento do nº
3 do artigo 90º na redacção em causa; senão, estaria justificada a competência dos Presidentes dos Tribunais das Relações para proferir os despachos em crise.
4. O julgamento de não inconstitucionalidade da norma constante do nº 3 do artigo 90º proferido na Decisão nº 188/98, não tendo havido reclamação para a conferência, nos termos previstos no nº 3 do artigo 78-A da Lei nº 28/82, adquiriu força de caso julgado dentro do processo, como expressamente se afirma no nº 1 do artigo 80º da citada Lei nº 28/82. Assim sendo, verifica-se que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que volta a recusar a aplicação do nº 3 do artigo 90º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais por inconstitucionalidade, contraria o caso julgado formado no processo, o que é de conhecimento oficioso por este Tribunal (artigos 69º da Lei nº 28/82 e 495º do Código de Processo Civil).
5. Quanto ao recurso por recusa de aplicação da norma constante do artigo 22º-B da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, aditado pelo nº 2 do artigo 3º da Lei
44/96, cumpre começar por conhecer o respectivo texto: Artigo 22º-B Magistrados dos Tribunais de Turno
1. São abrangidos para efeitos de prestação de serviço em cada tribunal de turno os magistrados que exerçam funções nos tribunais com sede nas comarcas abrangidas pelo tribunal de turno.
2. A designação referida nos nºs 3 e 4 do artigo 90º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, recai, sempre que possível, sobre os magistrados que exerçam funções no tribunal onde se encontre instalado o tribunal de turno.
3. Excepto decisão em contrário, devidamente fundamentada, das entidades competentes são designados por cada dia e por cada tribunal de turmo: a) Que abranja as comarcas de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Valongo e Vila Nova de Gaia, quatro juízes e quatro magistrados do Ministério Público; b) Que abranja a comarca de Lisboa, três juízes e três magistrados do Ministério Público; c) Que abranja as restantes comarcas, um juiz e um magistrado do Ministério Público.
4. Nas suas ausências, faltas e impedimentos, os magistrados designados são substituídos por aqueles que se lhes sigam na ordem de designação.
5. Os magistrados devem, sempre que possível comunicar a ocorrência das situações referidas no número anterior por forma que fique assegurada a respectiva substituição. A inconstitucionalidade 'do artigo 22º-B' em causa é apresentada pelo Supremo Tribunal de Justiça como fundamentação alternativa possível para o julgamento da nulidade dos actos objecto do recurso contencioso de anulação. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça afirma que se chega a essa nulidade, quer entendendo que a fonte das designações dos juízes dos tribunais de turno são os despachos dos Presidentes dos Tribunais das Relações, proferidos ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 90º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, quer considerando que essa designação tem fonte directa na lei – no caso, na Lei nº 44/96, ao aditar ao Decreto-Lei nº 214/88 o artigo 22º-B. Como, na sua perspectiva, tanto seria inconstitucional o primeiro dos preceitos referidos, como o segundo, os actos sempre seriam nulos. Ora, julgando o Tribunal Constitucional não inconstitucional o nº 3 do citado artigo 90º, carece de qualquer utilidade o julgamento da eventual inconstitucionalidade do 'fundamento alternativo' de nulidade dos despachos. Havendo caso julgado quanto à primeira questão, é irrelevante o juízo que se faça sobre a conformidade com a Constituição do artigo 22º-B do Decreto-Lei nº
214/88.
6. Estando decidida, com força de caso julgado neste processo, a não inconstitucionalidade da norma contida no nº 3 do artigo 90º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei nº
44/96, não pode o Tribunal Constitucional, nem repetir o juízo de inconstitucionalidade, nem contradizê-lo, como resulta das regras gerais aplicáveis em matéria de caso julgado. Não se torna, sequer, necessário, indagar da admissibilidade de um recurso autónomo para este Tribunal com fundamento em caso julgado, uma vez que se encontram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na al. a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82. De qualquer forma, cabe recordar que, como se determina expressamente no artigo
2º da Lei nº 28/82, as decisões do Tribunal Constitucional prevalecem sobre as dos outros tribunais, para os quais, aliás, são obrigatórias. Não pode, pois, reapreciar-se a questão da inconstitucionalidade do artigo '90º, nº 3 da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, que aprovou a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (L.O.T.J.), na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 44/96, de 03 de Setembro', por existência de caso julgado formal. De igual modo se não pode julgar da questão da inconstitucionalidade do artigo
'22º-B do Decreto-Lei nº 214/88, de 17 de Junho', mas por inutilidade desse julgamento.
7. A Lei nº 38/87 foi recentemente revogada, pela nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, a Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro. Justifica-se, todavia, o julgamento do presente recurso porque sempre a validade dos actos recorridos contenciosamente teria de ser avaliada à luz da lei vigente
à data da respectiva prática.
Assim, decide-se revogar o acórdão recorrido e determinar o cumprimento do julgamento de não inconstitucionalidade constante da decisão sumária de fls. 161. Lisboa, 12 de Outubro de 1999 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito Artur Maurício Messias Bento Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa