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Procº nº 654/99.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 22 de Novembro de 1999 (cfr. fls.38 a 41 dos presentes autos), lavrou o relator decisão sumária do seguinte teor:-
'1. Na acção que, pelo Tribunal de comarca de Ovar, foi instaurada por H...,CRL contra J. C. e mulher, M. F., foi, em 13 de Janeiro de 1999, proferido saneador/sentença que declarou a autora proprietária de um prédio urbano sito na Rua R..., nº..., em Ovar, e condenou os réus a reconhecerem à autora o direito de propriedade em causa e a entregar-lhes o dito prédio livre e devoluto.
Desse despacho arguiram os réus a sua nulidade, tendo o Juiz daquele Tribunal de comarca, por despacho de 15 de Fevereiro de 1999, indeferido tal pretensão, uma vez que, disse, 'o alegado vício ... só por via de recurso podia ser arguido, nos termos previstos nos artºs 668º, nº 3 do C. P. Civil, (dada a sucumbência dos RR. e o valor da presente acção o admitir) ...'.
Através de requerimento entrado no Tribunal de comarca de Ovar em 4 de Março de 1999, manifestaram os réus a intenção de recorrer para o Tribunal da Relação do Porto do saneador/sentença em causa, recurso que, todavia, não veio a ser admitido por despacho de 9 daqueles mês e ano, já que o mesmo foi considerado extemporâneo. E essa extemporaneidade consistiria em o requerimento de interposição de recurso ter sido apresentado fora do prazo para tanto consignado, não podendo, para efeitos de contagem, ser tida em conta a nulidade que foi arguida, visto que um tal vício, assacado a sentença da qual caiba recurso ordinário, como no caso acontecia, só podia ser arguido em via de recurso.
Deste despacho reclamaram os réus para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto.
Na peça consubstanciadora da reclamação, disseram, a dado passo:-
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2º - Salvo o devido respeito, entendemos que a arguição de nulidades será sempre admissível, mesmo fora das alegações de recurso.
Na verdade, as possibilidades que o disposto nos arts. 66º-2 e 667º-1 do CPC dá ao Mmo. Juiz que profere s sentença, de a corrigir, parecem permitir, e aconselhar até, esse entendimento
Também sempre foi doutrina assente que ‘dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se’ (v. J. ALBERTO DOS REIS, CPCAnotado, Coimbra,
1952, V, p. 338; ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, p. 377 e ss.).
O ‘Novo Processo Civil’ não terá alterado as normas e a doutrina pertinentes. De qualquer modo, as modificações decorrentes do DL 329-A/95, de 12DEZ, não se aplicarão ao presente processo nº 341/94, sob pena de violação do disposto no art. 16º e ss. deste mesmo diploma.
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Tendo o Presidente do Tribunal da Relação do Porto, por despacho de
26 de Maio de 1999, indeferido a reclamação, atentos os motivos que foram usados no despacho reclamado, vieram os réus solicitar a sua aclaração, referindo, no que ora releva:-
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Concretização do princípio da adequação formal vêmo-las nos arts.
688º-5 e 702º-1 do CPC, e não há razão nenhuma, pelo contrário a interpretação sistemática assim o exige, para se não aplicar ao art. 668º-3 do CPC.
Esta norma, se interpretada no sentido em que está a ser interpretada e aplicada nos autos, isto é: ‘as nulidades (...) só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença, se esta não admitir recurso ordinário, sob pena de preclusão deste direito’ é manifestamente inconstitucional.
Na verdade, nesse entendimento, a norma viola flagrantemente o disposto no art. 20º-1 da Constituição da República Portuguesa, ou seja, a garantia para todos os cidadãos de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, e o correspectivo dever de os tribunais a assegurarem, vertido no art. 202º-2 do mesmo diploma fundamental.
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Após o Presidente do Tribunal da Relação do Porto, por despacho de 15 de Julho de 1999, ter desatendido a pretendida aclaração, os réus recorreram para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do 'douto despacho objecto da presente reclamação e o não menos douto despacho, do Exmo. Presidente desse Tribunal, que o acompanhou nos seus precisos termos', tendo em vista 'a apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no art. 668º-3 do CPC, enquanto lida-interpretada no sentido de que ‘as nulidades (...) só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, sob pena de preclusão deste direito', questão que 'foi suscitada pelos reclamantes no último pedido de aclaração'.
Por despacho de 28 de Setembro de 1999, foi admitido o recurso para este Tribunal.
2. Não obstante este despacho, porque o mesmo não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Em primeiro lugar, torna-se claro que o intentado recurso não pode abranger o despacho de não admissão de recurso prolatado pelo Juiz do Tribunal de comarca de Ovar. Efectivamente, a decisão nele ínsita foi objecto de impugnação por meio de reclamação dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação do Porto, vindo, pois, a ser «consumida» por aqueloutra constante do despacho proferido por esta última entidade.
A decisão que, desta arte, poderia ser objecto de censura para este Tribunal unicamente poderia ser a que se encontra no despacho de 26 de Maio de
1999, ou seja, a que conduziu ao indeferimento da reclamação do despacho que não admitiu o recurso.
Todavia, como facilmente deflui do relato acima efectuado, antes da prolação desse despacho não suscitaram os réus qualquer questão de desconformidade constitucional relativamente a uma dada norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional, ou a um seu qualquer sentido interpretativo.
O vício de contraditoriedade com a Lei Fundamental referentemente à norma ínsita no nº 3 do artº 668º do Código de Processo Civil só foi problematizado aquando do requerimento em que solicitaram a aclaração do despacho proferido pelo Presidente do Tribunal da Relação do Porto.
Ora, tendo em conta que aquele despacho se estribou precisamente nas mesmas razões que fundaram o despacho de não admissão de recurso lavrado pelo Juiz do Tribunal de comarca de Ovar, impunha-se aos réus que, ao reclamarem deste último, e caso entendessem que a norma acima citada era desconforme com o Diploma Básico, equacionassem tal questão, a fim de a mesma ser objecto de decisão por banda do Presidente do Tribunal da Relação do Porto.
O que não fizeram.
Por outro lado, a circunstância de o equacionamento da questão de inconstitucionalidade ter tido lugar no requerimento em que pediram a aclaração do despacho de 26 de Maio de 1999 não pode valer para efeitos de se considerar como uma «suscitação durante o processo».
É que, como tem sido jurisprudência firme e de há muito seguida por este Tribunal, a questão de inconstitucionalidade tem de ser suscitada antes de proferida a decisão final, de modo a que o tribunal que a proferiu saiba que está colocado perante ela, tendo, por isso, de, sobre a mesma, tomar uma decisão, pelo que, assim, não é tempestivo suscitar pela primeira vez tal questão em requerimento de aclaração da decisão que se pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional (cfr., por entre muitos, o Acórdão nº 46/88, publicado na 2ª Série do Diário da República de 9 de Maio de 1988).
3. Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do presente recurso, condenando-se os recorrentes nas custas processuais, fixando em cinco unidades de conta a taxa de justiça'.
Da transcrita decisão vieram os recorrentes reclamar para a conferência, dizendo textualmente no requerimento consubstanciador da reclamação:-
'J. C., NIF ........., e Mulher, recorrentes no processo supra, considerando-se prejudicados pela douta decisão sumária do Venerando Conselheiro Relator, de fls. 38 e ss., vêm mui respeitosamente requerer que sobre a matéria dessa douta decisão recaia acórdão, ou seja, que o Venerando Conselheiro Relator, depois de ouvir a parte contrária, leve o caso à Conferência (arts.
78º-A-3 da Lei 28/82 de 15NOV, e 700º-3 do CPC).'.
Ouvida a H...,CRL nada veio dizer.
Cumpre decidir.
2. Suposto que um requerimento tal como o formulado pelos recorrentes - no qual não são, minimamente que seja, aduzidas quaisquer razões pelas as quais os mesmos entendem que a decisão sumária em crise é claudicante - constitui meio idóneo para atacar aquela decisão (questão da qual se pode legitimamente duvidar - cfr. o Acórdão deste Tribunal nº320/99, publicado na 2ª Série do Diário da República de 22 de Outubro de 1999), o que é certo é que este
órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa acolhe, no essencial, a corte argumentativa que foi utilizada na decisão reclamada. E, assim, entende ter sido justificado o não conhecimento do objecto do recurso, tal como ali se decidiu.
Termos em que se desatende a reclamação ora deduzida, condenando-se os reclamantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 9 de Fevereiro de 2000 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa