Imprimir acórdão
Proc. nº 480/99
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão tirado em conferência, de 4 de Março de 1999, proferido nos autos de processo comum nº
7/98, vindos da 10ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, instaurados pelo Ministério Público, sendo arguido M..., rejeitou o recurso por este interposto, pugnando pela anulação do julgamento da 1ª instância, de modo a determinar-se o reenvio do processo para novo julgamento, quanto à totalidade do seu objecto, em conformidade com o disposto nos artigos 426º e 436º do Código de Processo Penal
(CPP).
Para o efeito, aquele Alto Tribunal, teve presente o disposto nos artigos 411º, nº 3, 412º, nº 1, e 420º, nº 1, do citado Código, para concluir que, no caso vertente, 'o recorrente apresentou como conclusões uma cópia integral do texto da motivação, nomeadamente no que concerne às epígrafes das matérias tratadas e aos números dos artigos [...]', ou seja, não resumiu as razões do pedido, 'o que se traduz em falta de conclusões'
(sublinhados originais).
Considerando que a falta de conclusões equivale à falta de motivação, foi rejeitado o recurso, nos termos daquele artigo 420º, nº 1, ('o recurso é rejeitado sempre que faltar a motivação ou for manifesta a improcedência daquele').
Notificado, o magistrado do Ministério Público competente veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional com o argumento de que foi surpreendido pela posição assumida no acórdão 'quanto à interpretação e aplicação das normas dos artigos 412º, nº 2, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal [...], posição que não podia, de todo, antecipar'.
E acrescenta:
'A interpretação e aplicação daquelas normas no sentido de que conclusões muito extensas (ou só extensas, como parece ser o caso) equivalem a falta de conclusões e levam à rejeição do recurso [...] viola o nº 1 do artigo 32º da Constituição e o princípio aí consagrado de que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.'
Na sequência do despacho do Conselheiro relator que o convidou, ao abrigo dos nºs. 1 e 5 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a indicar a alínea do nº 1 do artigo 70º deste diploma, ao abrigo do qual interpôs recurso, o magistrado do Ministério Público veio dizer que os termos do seu requerimento 'dispensariam a indicação da pretendida alínea, pois que se invoca a surpresa de que se revestiu a aplicação/interpretação do artigo
412º do CPP'. E acrescentou: 'No entanto, o recurso foi também interposto ao abrigo da alínea g), pois que a inconstitucionalidade dessa interpretação foi já decidida pelo Tribunal Constitucional nos acórdãos nºs. 133/97 e 43/99 (Diário da República, II Série, de 23/3/99)' (aliás, de 26/3/99).
Em face deste esclarecimento, o Conselheiro relator, por despacho de 21 de Abril, admitiu o recurso, mas só quanto à interpretação e aplicação do nº 1 do artigo 420º do CPP, ou seja, excluindo-o relativamente à norma do nº 2 do artigo 412º do mesmo Código por entender que esta não foi aplicada pelo acórdão recorrido, nem julgada inconstitucional pelos acórdãos referidos do Tribunal Constitucional.
2. - É deste despacho de não admissão parcial do recurso interposto pelo Ministério Público que se reclama, nos termos do nº 4 do artigo
76º da Lei nº 28/82 (certamente por lapso cita-se o artigo 77º).
Na fundamentação desenvolvida, sublinha-se que se entende implicitamente aplicado o nº 2 do artigo 412º, numa interpretação violadora da norma constitucional, única norma que, no CPP, prevê a rejeição do recurso por motivo das conclusões.
Por outro lado, o recurso, nos termos em que foi interposto, abrange a interpretação e aplicação dos nºs. 1 e 2 do artigo 412º, e não só do nº 1 do artigo 412º, pelo que deve ser admitido com toda essa extensão.
O Conselheiro relator, por despacho de 28 de Maio seguinte, manteve o despacho reclamado.
Por um lado, tem por perfeitamente legítima a admissão parcial de um recurso, até porque admitida legalmente a sua cindibilidade
(artigo 403º do CPP).
No caso concreto, o recorrente veio indicar o artigo
412º, nº 2, do CPP como uma das normas aplicadas pelo Supremo, pedindo a sua inconstitucionalidade face à interpretação dela feita.
Ora, é evidente que, no aresto, não se aplicou, nem mesmo implicitamente, essa norma, que em nada vinha ao caso - não estava em causa a falta de indicação, nas conclusões, dos elementos que se referem nas suas três alíneas.
Por outro lado, quando foi notificado ao abrigo do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, o magistrado do Ministério Público apenas poderia indicar a alínea do nº 1 do artigo 70º à sombra da qual recorreu, não indicar mais a norma do artigo 412º, nº 1, como objecto do recurso, sendo certo que, por sua vez, esta também não foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, não havendo, assim, lugar à invocação da alínea g) do nº 1 do artigo 70º.
E, a rematar, o Conselheiro relator esclarece ainda que o nº 2 do artigo 412º não é a única norma que prevê a rejeição do recurso por motivo das conclusões, 'pois o artigo 420º, nº 1, do CPP (na redacção anterior à Lei nº 59/98, de 25/8, mas v. o mesmo artigo 420º, nº 1, conjugado com o artigo
414º, nº 2, do mesmo diploma na nova redacção) também a prevê quando se reporta
à falta de motivação, sendo certo que as conclusões fazem parte desta – v. o nº
1 do artigo 412º do CPP'.
3. - Já no Tribunal Constitucional, foram os autos com vista ao respectivo magistrado do Ministério Público, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 77º da Lei nº 28/82, o qual proferiu o parecer que se transcreve:
'É manifesto que o recurso interposto pelo representante do Ministério Público junto do STJ deve ser admitido relativamente às normas constantes do nº 1 do artigo 412º e do nº 1 do artigo 420º do CPP, já que a questão jurídica suscitada
- traduzida em apenas do efeito de uma alegada 'prolixidade' das conclusões da motivação do recorrente - encontra o seu suporte adequado naqueles dois preceitos legais (sendo evidente que o acórdão proferido pelo STJ aplicou a primeira daquelas 'normas'; e sendo, aliás, este 'bloco normativo' que já foi julgado inconstitucional por este Tribunal, conforme vem indicado no requerimento de interposição de recurso, fundado na alínea g) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82. Por outro lado, do requerimento de fls. 21 destes autos de reclamação resulta claramente que a dita norma - o nº 1 do citado artigo 412º - está contida no
âmbito do recurso, não traduzindo obviamente tal referenciação qualquer ampliação da concreta questão jurídica-constitucional suscitada, mas tão-somente uma complementar especificação dos 'artigos de lei' a que a norma - para correcto entendimento e apreciação - deve ser reportada. Nestes termos, deverá proceder, em parte, a presente reclamação, determinado-se a admissão do recurso de constitucionalidade, nos precisos termos atrás indicados.'
4. - Decidindo.
O requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional não obedeceu, manifestamente, na sua versão originária, aos requisitos que, por imposição do disposto no artigo 75º-A das Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, devem constar nessa peça processual, como requisitos formais.
Na verdade, mesmo a entender-se como estando satisfatória e bastantemente delimitada a interpretação normativa da qual se pretende reagir - o que não é tão unívoco quanto o desejado, conhecido, para mais, o rigor da jurisprudência do Tribunal Constitucional no tocante à necessidade de uma enunciação clara e explícita da interpretação questionada, sem réstia de ambiguidade - sempre faltaria indicar a alínea – ou as alíneas – do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual - ou das quais - se pretende recorrer, como exige o nº 1 daquele artigo 75º-A.
A esta luz, é naturalmente compreensível o despacho do Conselheiro relator, face à exigência de cumprimento dessa formalidade.
Sucede que, notificado para suprir a deficiência detectada, o magistrado recorrente não reagiu da forma cabalmente mais desejável, ao limitar-se a afirmar que 'os termos do requerimento dispensariam a indicação da pretendida alínea, pois que se invoca a surpresa de que se revestiu a aplicação/interpretação do artigo 412º do CPP'. Ou seja, infere-se que está em causa a alínea b), se bem que indicada de modo implícito.
Acresce que, 'aproveitando' o convite, o recorrente
'esclarece' que o recurso foi 'também' interposto ao abrigo da alínea g), 'pois que a inconstitucionalidade dessa interpretação foi já decidida pelo Tribunal Constitucional', citando os acórdãos nºs. 193/97 e 43/99.
Com efeito, no acórdão nº 193/97, de 11 de Março, por publicar, julgam-se inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 32º, nº 1, da Constituição, os artigos 412º, nº 1 e 420º, nº 1 do Código de Processo Penal quando interpretados no sentido da falta das conclusões da motivação levar
à rejeição do recurso interposto pelo arguido.
Estava-se, então, perante conclusões que se consideraram prolixas, de tal modo que esse seu carácter equivalia à não formulação de conclusões.
Como se observou a certo passo da fundamentação desenvolvida, semelhante interpretação - conduzindo à equiparação à falta de conclusões quando estas não se apresentem concisas na sua formulação - acrescenta um fundamento de rejeição ao optar por um sentido que não cabe dentro do texto do nº 1 do artigo 420º, em conjugação com o nº 1 do artigo 412º desse Código.
Por sua vez, o acórdão nº 43/99, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Março de 1999, segue orientação semelhante e alcança juízo idêntico, se previamente não foi o recorrente convidado para aperfeiçoar a deficiência notada.
Pois bem.
Se o requerimento de interposição de recurso é o momento processual adequado para a delimitação do objecto desse recurso, o cumprimento do disposto no artigo 75º-A proporcionou a oportunidade de regularizar os requisitos em falta - numa leitura benévola - do mesmo passo que enunciou os pressupostos de admissibilidade do recurso.
Resta saber, no entanto, se estes últimos se verificam no concreto caso.
Ora, entende-se que se está perante um bloco normativo - constituído pela conjugação das normas do nº 1 do artigo 412º e nº 1 do artigo
420º do CPP - o que motivou a decisão de rejeição do recurso: a manifesta improcedência que conduziu à rejeição do recurso nos termos desta última norma, entronca e conjuga-se necessariamente com o preceituado no nº 1 do artigo 412º quanto à formulação das conclusões.
Ora, é precisamente a norma constante das disposições conjugadas destes dois preceitos que anteriormente foi julgada inconstitucional por este Tribunal, fundamentando, agora, o recurso pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
5. - Assim sendo, e nesta medida, decide-se deferir, em parte, a reclamação deduzida pelo Ministério Público, de modo a que o recurso para o Tribunal Constitucional seja recebido quanto à interpretação dada àquele complexo normativo.
Não são devidas custas. Lisboa, 14 de Outubro de 1999 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida