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Proc. nº 272/99
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. J... (ora reclamante) interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, recurso contencioso do acto de indeferimento tácito pelo Presidente da Comissão Instaladora da Escola Superior de Educação de Portalegre do seu requerimento de 16 de Novembro de 1988, no qual solicitava a autorização para poder gravar electronicamente, exclusivamente para efeitos de estudo pessoal, os assuntos que lhe interessassem dos seminários do 'Programa de Formação em Serviço' daquela Escola Superior.
2. O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por decisão de 26 de Abril de
1994, rejeitou o recurso interposto por falta de objecto.
3. Inconformado com o assim decidido, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 19 de Março de 1998, negou provimento ao recurso interposto.
4. Ainda inconformado o recorrente pretendeu recorrer daquela decisão para o Tribunal Constitucional. Apresentou para o efeito um requerimento com o seguinte teor (fls. 63 dos presentes autos):
'J..., notificado, em 26/3/8, do acórdão de 19/3/98, dele vem interpor (férias de 5/4/98 a 13/4/98) o respectivo recurso para o Tribunal Constitucional, no
âmbito de normas (art. 659º/2, CPC) respeitantes à fundamentação desse Acórdão. Portanto, a fim de alegar no Tribunal Constitucional, requer a V. Exª a admissão do recurso ora interposto'.
5. Em face deste requerimento, o Relator do processo no Supremo Tribunal Administrativo proferiu o seguinte despacho:
'Notifique-se o requerente para, em 10 dias, vir aos autos, nos termos do nº 1 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15/11, indicar a alínea do nº 1 do art. 70º do mesmo diploma ao abrigo da qual é interposto o recurso e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretende que o Tribunal Constitucional aprecie'.
6 – Em resposta à solicitação do Relator o recorrente veio aos autos para dizer que recorria ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º, por ter sido aplicada a norma 'não é competente o Presidente da Escola para decidir de pedido a ele dirigido em conformidade com os poderes de representação expressamente consignados na lei e ou é insuficiente justificar essa falta de competência com a referência ao art. 3º/1, DL 256-A/77, ou ao art. 57º/§4º, RSTA, e, por isso, não há acto susceptível de ser recorrido contenciosamente; ainda, é possível a rejeição de recurso contencioso entretanto interposto, posteriormente a ter sido proferido afigurar-se possível conhecer esse recurso, sem violação do caso julgado'.
7 – Por parte do Relator foi então proferido novo despacho de aperfeiçoamento, desta vez solicitando ao requerente a indicação 'da norma ou princípio constitucional que considera violados, bem como da peça processual em que suscitou a questão da inconstitucionalidade (...)'.
8 – Em resposta a esta solicitação o requerente veio aos autos para dizer que 'a inconstitucionalidade refere-se à violação do art. 208º/1 ou actual 205º/1 da CRP, e também à violação dos artigos 18º, 115º (actual 112º) e 122º (actual
119º) da CRP, suscitado nas peças de fls. 71 a 76, na sequência das peças de fls. 1 a 3, 17, 20, 26 a 28, 30, 33 a 45, 49, 54 a 55 e 59'.
9 – Por parte do Relator foi então proferido despacho de não admissão do recurso, com fundamento em que não só 'a decisão recorrida não aplicou nenhuma norma cuja inconstitucionalidade tivesse sido suscitada durante o processo' como
'o recurso interposto se mostra manifestamente infundado'.
10 - Contra este despacho de não admissão do recurso apresentou o requerente, em
16 de Dezembro de 1998, a reclamação que agora se aprecia, aduzindo na exposição das razões que a justificam, em síntese, que estão preenchidos todos os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso que pretendeu interpor e, designadamente, que suscitou durante o processo a inconstitucionalidade de norma aplicada pela decisão recorrida.
11 - Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência da presente reclamação, porquanto, no seu entender, o reclamante não suscitou nas alegações que produziu perante o Supremo Tribunal Administrativo qualquer questão de constitucionalidade normativa, idónea para suportar o recurso de fiscalização concreta que pretendeu interpor.
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação.
12 - O recurso previsto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - o que o ora reclamante pretendeu interpor - pressupõe, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua dimensão normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso. Ora, constitui desde há muito jurisprudência assente neste Tribunal (veja-se, entre muitos nesse sentido, os acórdãos nºs 62/85, 90/85 e 450/87, in Acórdãos do T.C., 5º vol., p. 497 e 663 e 10º vol., pp. 573, respectivamente) que a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo quando tal se faz em tempo de o tribunal recorrido a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver, o que implica não só que a questão seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a mesma inconstitucionalidade respeita - ou seja: em regra, antes da prolação da sentença - mas ainda que quem tem o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e perceptível. Na realidade, como tem sido repetidamente afirmado, bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo. A exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é, pois, uma
'mera questão de forma secundária'. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão
(nesse sentido, entre muitos, o Acórdão n 560/94, Acórdãos do tribunal Constitucional, 29º vol., pp. 97 e ss.). Vejamos, então, se tal aconteceu no caso que agora constitui objecto dos autos. Quando solicitado pelo Relator do processo no Supremo Tribunal Administrativo a indicar a peça processual em que teria suscitado, durante o processo, as questões de constitucionalidade que agora pretende ver apreciadas, o ora reclamante indicou 'a peça de fls. 71 a 76'; ou seja, as alegações de recurso que apresentou naquele Tribunal.
É, porém, manifesto, como vai ver-se, que o recorrente não suscitou ai qualquer questão de inconstitucionalidade normativa em termos de permitir o recurso de constitucionalidade que pretendeu interpor. O recorrente termina as conclusões das alegações que apresentou no Supremo Tribunal Administrativo nos seguintes termos:
'Portanto, requer a V. Exªs o provimento (no TACL, por não conhecimento do objecto do recurso – art. 107º, LPTA -, ou no STA) dos agravos, subsidiariamente, pela ordem em que foram alegados, a fim de ser declarada a invalidade ou anulação do acto da recorrida (PCIESEP) e aqui dando por reproduzidas as inconstitucionalidades suscitadas nas alegações supra'.
Remete, assim, em sede de conclusões, para as inconstitucionalidades suscitadas ao longo da referida alegação. Importa, por isso, analisar se foi ao longo da alegação suscitada alguma questão de constitucionalidade normativa em termos de permitir o recurso para o Tribunal Constitucional. Para o efeito transcreveremos as partes daquela peça processual em que se faz referência a qualquer questão de constitucionalidade. A fls. 2 daquela peça processual (fls. 38 dos presentes autos de reclamação) refere o recorrente:
'6 – Para todos os efeitos eventualmente necessários, nos termos do art. 280º, CRP, suscita que será inconstitucional recusar a aplicação dos anteriormente aludidos artigos da LPTA ou do CPC. Ou seja, suscita que será inconstitucional:
- A aplicação de qualquer norma que fundamente, mesmo que implicitamente, a não tempestividade deste recurso ou que o prazo do oferecimento das alegações não é coincidente com o prazo relativo ao agravo/94.05.12 ou, ainda, que não foi cumprido o prazo previsto na lei para a sua interposição (arts. 144º, 145º, CPC,
102º, LPTA, 658º, CPC).
- A aplicação de qualquer norma que fundamente, mesmo que implicitamente, neste caso a força jurídica do art. 67º do RSTA, ou que, não havendo lugar às alegações complementares previstas no art. 52º, LPTA, fundamente a existência de alegações separadas das incluídas na PI ou na resposta (ou contestação)'.
Mais à frente, a fls. 3:
'IIIº) Agravo/94.05.12
9 – Quanto a prazos, tendo em conta o disposto nas seguintes normas constitucionalmente irrecusáveis – DL 121/76.02.11; art. 279º, CC -, dá aqui por reproduzido o suscitado em 6. Supra. Ou seja, que será inconstitucional a aplicação de qualquer norma que fundamente, mesmo que implicitamente, a não tempestividade deste recurso, particularmente quanto à não tempestividade do oferecimento destas alegações até 28/6/94, com a multa prevista no texto do art.
145º do CPC (notificação em 23/5/94, 2ª f.; posteriores 20+3=23 dias úteis; encerrado o TACL nos feriados: 2, 10 e 13/6)'.
E a fls. 4 da mesma peça:
'd) Para todos os efeitos eventualmente necessários, nos termos do art. 280º, CRP, tendo em conta o caso concreto aqui considerado e as disposições legais, constitucionalmente irrecusáveis, mencionadas nas alíneas anteriores, suscita que será inconstitucional a aplicação de qualquer norma que fundamente a rejeição deste recurso contencioso, tal como decidido no TACL, pois antes de
10/4/89 o PCIESE de Portalegre dispunha das competências necessárias para que o acto, de indeferimento tácito, pudesse ser impugnado contenciosamente, embora, presentemente, tal Presidente possa, para o efeito, ser representado pelo Presidente da Comissão Instaladora do IP de Portalegre, razão pela qual e à cautela o recorrente pediu a notificação das duas entidades; as quais não contestaram o facto de se ter formado acto que pudesse impugnado contenciosamente, mas apenas a sua tempestividade'.
Finalmente, a fls. 5:
'15 – A rejeição/94.04.26 não foi suficientemente fundamentada (art. 668º do CPC): pois, para além de estabelecer que o PCIESE não tinha competência definitivamente conhecer da questão, não se especificou disposição legal em oposição ao exposto nos art.s 10º e 11º/PI, embora tivesse mencionado o DL
256-A/77.06.17. Assim, foi aplicada norma que viola a CRP (208º/1)'.
E, mais à frente:
'deste modo, suscita-se que será inconstitucional qualquer norma que eventualmente fundamente o indeferimento do recurso contencioso no julgamento do seu objecto'.
Como decorre das passagens supra transcritas (de que a última é, aliás, paradigmática) a técnica utilizada pelo recorrente ao longo de toda a alegação foi a de ir suscitando, em abstracto, a inconstitucionalidade de qualquer norma que eventualmente viesse a ser aplicada pela decisão recorrida para fundamentar o não conhecimento ou o indeferimento dos vários recursos que interpôs, o que não é, evidentemente, uma forma válida de suscitar uma questão de constitucionalidade em termos de permitir um eventual recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional. Pelo exposto, é efectivamente de considerar que não se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso que o recorrente pretendeu interpor, o previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, não merecendo pois qualquer censura o despacho reclamado. III – Decisão Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante fixando-se a taxa de justiça em 15 uc. Lisboa, 2 de Junho de 1999- José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida