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Processo n.º 301/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Pela decisão sumária n.º 230/2012, decidiu o relator não conhecer do objeto do recurso interposto pela recorrente A., por inobservância do ónus de prévia suscitação, em relação a uma das questões de inconstitucionalidade, e pelo facto de o objeto do recurso, quanto à segunda das questões de inconstitucionalidade enunciadas pelo recorrente, carecer de conteúdo normativo, sendo, por isso, nessa parte, inidóneo à formulação de um juízo normativo de inconstitucionalidade.
A recorrente, inconformada, reclamou da decisão sumária para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), invocando estarem verificados, em relação a ambas as questões de inconstitucionalidade, os pressupostos processuais que o relator, sem fundamento, julgou omissos.
O Ministério Público é de parecer de que a reclamação deve ser indeferida, pelas razões em que assentou a decisão sumária, que não são fundadamente colocados em crise no presente incidente.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Pretende a reclamante ver apreciadas as seguintes questões de inconstitucionalidade:
- artigo 187.º do CPP, na «interpretação (…) segundo a qual do despacho que autoriza a escuta não tem que constar, expressamente, o n.º ou nºs. a intercetar», por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 8, e 34.º, nºs. 1 e 4, da CRP;
- artigo 187.º, n.º 1, do mesmo código, interpretado no sentido de que «o despacho de autorização da escuta telefónica se baste com a fundamentação de fls. 32, segundo a qual “Compulsados os autos verifica-se que a diligência promovida se mostra indispensável para a descoberta da verdade e para a aquisição de prova, e porque a prova do crime em investigação seria, de outra forma, muito difícil de obter atenta a natureza da criminalidade em causa, o meio em que os suspeitos se movimentam e a forma como estabelecem os contactos, é de autorizar a interceção telefónica”, e ainda que, ao abrigo …“autorizo a interceção e gravação, até ao dia 25-06-09, das comunicações e conversas telefónicas efetuadas e recebidas nos postos telefónicos e IMEI’S indicados na promoção que antecede”», por violação dos artigos 18.º, 32.º e 34.º da mesma Lei Fundamental.
Alega a reclamante, em relação à primeira das enunciadas questões, que, contrariamente ao sumariamente decidido, suscitou perante o Tribunal recorrido, na motivação do recurso interposto da decisão da primeira instância, a título de questão prévia, a inconstitucionalidade da sindicada interpretação do artigo 187.º do CPP, sendo que, já antes disso, a havia suscitado no requerimento para a abertura de instrução que apresentou em juízo.
Lê-se na motivação do recurso, nas passagens relevantes, o seguinte:
«I- Questões prévias
A) Da nulidade das interceções telefónicas efetuadas de e para o alvo n.º 39382M (…)
Analisando os autos, constatamos que dos mesmos não consta uma autorização expressa para a interceção ao n.º 927 568 976, alvo 39382M.
Efetivamente o despacho de fls. 32 a 35 datado de 25/5/09 remete para a promoção do MP que antecede (…) e de fls. 33 consta ‘por referência aos números supra indicados, solicite às operadoras respetivas’.
Seguidamente deparamo-nos com um espaço em branco!...
E se é certo que a fundamentação de um despacho pode ser feita por remissão, todavia no caso das interceções telefónicas porque se trata de uma ingerência na vida privada das pessoas, o legislador consagrou uma série de requisitos, aos quais, sob pena de nulidade, as interceções devem obedecer.
«Ora em termos de hermenêutica jurídica, seguramente não é boa técnica que do despacho do Juiz não conste, expressamente, o(s) nºs cuja interceção é autorizada e que se recorra à técnica que consiste em remeter para a promoção de uma entidade (MP) sem poderes para o efeito.
O referido procedimento foi adotado, invariavelmente, nos despachos subsequentes, de prorrogação de escutas ao alvo 39382 M (…).
A correta aplicação dos comandos ínsitos no artigo 187.º do CPP impõe que, sob pena de nulidade, do despacho do JIC a autorizar a interceção e bem assim dos posteriores que a prorroguem constem, expressamente, os nº (s) a intercetar.
Pelo que, só por esta via as interceções ao Alvo 39382M, correspondentes ao n.º 927 568 976 são nulas.».
Ora, implicando a observância do ónus de prévia suscitação, como o Tribunal Constitucional tem sublinhado, a clara enunciação, pela parte, da norma ou interpretação, que se reputa inconstitucional, facilmente se constata, pela transcrição acima, que a reclamante, contrariamente ao que sustenta, não suscitou perante o Tribunal da Relação a questão da inconstitucionalidade do artigo 187.º do CPP, na «interpretação (…) segundo a qual do despacho que autoriza a escuta não tem que constar, expressamente, o n.º ou nºs. a intercetar», tendo, ao invés, se limitado a arguir, por violação dos «comandos ínsitos no artigo 187.º do CPP», a nulidade das interceções efetuadas ao alvo em referência.
De modo que, não o tendo feito em qualquer outra passagem da motivação do recurso, e sendo irrelevante que tenha suscitado tal questão de inconstitucionalidade no requerimento para abertura de instrução, por não ser esse o momento processualmente oportuno, carece de legitimidade para interpor o presente recurso, como sumariamente decidido (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC).
Quanto à segunda das enunciadas questões, sustenta a reclamante, em síntese, que se trata de questão de inconstitucionalidade normativa, quer pelo modo como foi suscitada, em sede de motivação do recurso, quer pelo modo como foi enunciada, no requerimento de interposição do recurso, pois que «é a interpretação da norma e não o despacho em si que a recorrente questiona», pelo que, ao contrário do decidido pelo relator, deve o recurso prosseguir para a sua apreciação de mérito.
A reclamante limita-se a transcrever o que, na motivação do recurso, havia, a esse propósito, invocado, com o seguinte teor:
«Uma interpretação do artigo 187.º, nº 1 do CPP em que o despacho de autorização da escuta telefónica se baste com a fundamentação de fls. 32, segundo a qual ‘Compulsados os autos verifica-se que a diligência promovida se mostra indispensável para a descoberta da verdade e para a aquisição de prova, e porque a prova do crime em investigação seria, de outra forma, muito difícil de obter atenta a natureza da criminalidade em causa, o meio em que os suspeitos se movimentam e a forma como estabelecem os contactos, é de autorizar a interceção telefónica’, e ainda que, ao abrigo …’autorizo a interceção e gravação, até ao dia 25-06-09, das comunicações e conversas telefónicas efetuadas e recebidas nos postos telefónicos e IMEI’S indicados na promoção que antecede’», atenta contra o estatuído nos artigos 18.º, 32.º e 34.º da CRP.»
Ora, reanalisando o que a recorrente reputou inconstitucional perante o Tribunal recorrido e agora pretende sujeitar à apreciação do Tribunal Constitucional, verifica-se estar em causa a inconstitucionalidade do próprio despacho que ordenou as interceções telefónicas em causa, e não a norma do artigo 187.º do CPP, ou qualquer interpretação normativa nele baseada, sendo irrelevante, como é evidente, que a recorrente, integrando no objeto do recurso o próprio despacho, que parcialmente transcreve, o designe como «interpretação do artigo 187.º, n.º 1, do CPP».
Assim, não estando, de facto, em causa, a inconstitucionalidade de qualquer norma, ou interpretação da lei, mas da própria decisão que autorizou as interceções telefónicas, no âmbito do processo base, por ponderação dos seus particulares contornos, o que é insindicável pelo Tribunal Constitucional, não pode a reclamação, também nesta parte, ser deferida.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 11 de junho de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.