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Processo n.º 211/99
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. C. M. apresentou, em 24 de Fevereiro de 1999, no Tribunal da Relação de Coimbra, reclamação contra o despacho, aí proferido, em 19 de Janeiro de 1999, que lhe não admitira o recurso de constitucionalidade interposto em 11 de Janeiro, com fundamento na extemporaneidade do respectivo requerimento – sem invocação de 'justo impedimento e sem ter sido requerido o pagamento imediato da multa que ao caso caberia' – e no facto de o recorrente não o poder subscrever
'como advogado em causa própria, pois, como consta dos autos, tem a sua inscrição na Ordem suspensa, e, como é sabido, na fase do recurso as partes têm de estar representadas por advogado.' No Tribunal Constitucional, o relator, considerando o documento de fls. 39 dos autos – carta do Conselho Geral da Ordem dos Advogados a informar que o reclamante se encontra com a inscrição suspensa desde 1995 –, proferiu despacho a ordenar a notificação do reclamante para constituir advogado, no prazo de dez dias, 'sob pena de a reclamação não ter seguimento (artigo 83º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional e artigos 32º e 33º do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional)'. Por requerimento de 20 de Maio de 1999, o reclamante veio, em requerimento intitulado 'incidente de falsidade', sustentar que 'nunca órgão algum da Ordem dos Advogados (...) poderia proferir uma deliberação com tal teor' (isto é, de suspensão da sua inscrição como advogado), nem 'nunca o advogado em causa foi notificado de qualquer deliberação (de qualquer órgão) da Ordem dos Advogados', terminando por requerer que se ordene à Ordem dos Advogados a apresentação de
'cópia da deliberação aplicando ao advogado signatário o preceito regulamentar
(...) invocado' e de 'certidão da peça do competente processo administrativo informando que, após a sua inscrição, o advogado signatário interrompeu, de algum modo, o exercício do cargo de revisor oficial de contas' e que se ordene a suspensão da eficácia do despacho reclamado 'até decisão final do incidente aqui suscitado'. Em 27 de Outubro de 1999 o relator proferiu despacho de indeferimento do assim requerido, com os seguintes fundamentos:
'Consultando os autos, verifica-se existir neles já documentação comprovativa da deliberação da suspensão da inscrição do reclamante, 'por existir incompatibilidade entre as funções de Revisor Oficial de Contas, que exerce'. Assim, encontra-se nos autos cópia do parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados propondo deliberação de suspensão da inscrição, bem como da respectiva aprovação (fls. 41 a 45). Encontra-se igualmente nos autos informação prestada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados no sentido de que o reclamante se encontra com a sua inscrição suspensa. Não se torna, pois, necessária solicitação de cópia de qualquer outra deliberação, ou de certidão com outra informação, como o reclamante requer. Em face da respectiva fundamentação e dos pedidos com que termina deduz-se que o que o reclamante visa com o pretenso
‘incidente de falsidade’, no fundo, não é mais do que discutir se a suspensão, cuja comprovação se encontra no processo, podia ou não ser aplicada, e se o foi ou não, bem como se foi ou não notificada ao reclamante. Tal discussão não tem, porém, cabimento nesta sede.'
2. Invocando o disposto no n.º 2 do artigo 78º-B da Lei do Tribunal Constitucional, veio o reclamante deduzir contra este despacho reclamação para a conferência, tendo para tal defendido, em conclusão, que:
'V) Suscitada no presente processo, oficiosamente – por efeito da determinação do art. 83º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional –, a questão da ‘suspensão da inscrição’ do advogado signatário pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, ditada, alegadamente, por ‘incompatibilidade com as funções de Revisor Oficial de Contas, que exerce’ (sic),
W) de pronto este contra-alegou – propondo-se provar por documentos, de que juntou cópia – ter a sua matrícula no quadro da Ordem dos Advogados sido instruída sobre declaração sua, legalmente preceituada, de que exercia já então a referida actividade de revisor oficial de contas, X) quer dizer: de pronto indiciou o Recorrente – no contexto do justificado
‘incidente de falsidade’ –, fundadamente, a nulidade ‘ipso jure’ da deliberação da Ordem dos Advogados em questão, porquanto violadora, ostensivamente, de direito – objectivo e subjectivo – imediato que a lei, o estatuto e o regulamento atinentes expressamente lhe conferem,
Y) nulidade essa cuja declaração – para efeito de desaplicação ‘in casu’ do próprio acto nulo – por este Alto Tribunal, necessariamente, se requer, com esteio na competência jurisdicional extensiva que a lei administrativa, segundo até a mais subida jurisprudência civilista, especialmente defere, nos trâmites de questão pré-judicial suscitada – como a que aqui se apresenta – no pleito. Z) Em síntese: a ponderação terminal, no douto Despacho reclamado, de que a discussão da suspensão da inscrição controvertida ‘não tem, porém, cabimento nesta sede’ (sic), além de claramente não fundamentada ‘de jure’, é, manifestamente, de todo insusceptível de fundamentação à luz do direito adrede invocado. Aliás, AA) caso contrário – quer dizer: se assim não se entendesse, negando provimento
à presente Reclamação –, estaria este Supremo Tribunal Constitucional a reconhecer eficácia plena, incidentalmente, a um acto administrativo transparentemente nulo.' Nesses termos, requereu a revogação do despacho reclamado e o deferimento do requerido a fls. 81-83,
'em ordem à subsequente, irrecusável, declaração de nulidade – no sentido da desaplicação – da deliberação de suspensão da inscrição do advogado signatário controvertida,' (...) 'consequentemente admitindo o Reclamante a advogar em causa própria, desde logo nos presentes autos'. Cumpre decidir. II. Fundamentos
3. Dispõe o artigo 83º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional que 'nos recursos para o Tribunal Constitucional é obrigatória a constituição de advogado', sendo de equiparar as reclamações para o Tribunal Constitucional aos recursos, no que diz respeito a esta exigência (neste sentido, o Acórdão deste Tribunal n.º 17/95, publicado no Diário da República, II série, de 19 de Abril de 1995). Por sua vez, nos termos do artigo 33º do Código de Processo Civil (aplicável por força do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional), 'se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, fá-la-á notificar para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.' São, pois, legítimas dúvidas sobre a possibilidade, à face da lei, de dar seguimento mesmo a reclamações para a conferência de despachos do relator que, nos termos do artigo 78º-B, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, se pronunciem sobre incidentes suscitados no processo, mesmo que na sequência de despacho que notifica o reclamante para constituir advogado, enquanto este o não fizer. De todo o modo, em face das dúvidas que a questão poderá eventualmente suscitar, e considerando a existência de várias decisões, tomadas em conferência, em que se tomou conhecimento de reclamações de despachos do relator a ordenar a notificação para a constituição de advogado, sem que esta tenha ocorrido, decide-se submeter à conferência a presente reclamação.
4. Dizendo o requerimento (neste caso, de declaração de nulidade, acompanhado por um incidente de falsidade) apresentado pelo reclamante respeito ao preenchimento de uma qualidade (de advogado) que dispensaria a exigência de patrocínio judiciário, a eventual procedência do requerido – rectius, no caso, uma conclusão no sentido de que o reclamante ainda é advogado – teria como consequência que, afinal, o reclamante não careceria de constituir advogado. Dir-se-ia, assim, que se deveria dispensar o requisito do patrocínio judiciário para a dedução de tal incidente. Todavia, como bem se notou também nesse despacho, em face da respectiva fundamentação e dos pedidos com que termina a peça intitulada 'incidente de falsidade', pode deduzir-se que o que o requerente visa com o dito 'incidente' mais não é do que discutir se a suspensão, cuja comprovação se encontra no processo, podia ou não ser aplicada, e se o foi ou não, bem como se foi ou não notificada ao reclamante, e, não, em rigor, obter a declaração de falsidade de documentos.
É o que resulta, não só os pedidos com que termina o dito 'incidente' (de determinação à Ordem dos Advogados do envio de cópia da deliberação em causa e de certidão de processo administrativo relativo à interrupção do exercício da actividade de revisor oficial de contas, bem como de suspensão da eficácia do
'despacho em referência'), como também a presente reclamação para a conferência
(de deferimento dos pedidos anteriores e declaração de nulidade da deliberação de suspensão da inscrição como advogado). Todavia, se o que o reclamante pretende é obter a suspensão de eficácia ou a declaração de nulidade de qualquer deliberação, tinha que suscitar esse problema no local e pelos meios próprios – vindo, depois, se assim entendesse, disso fazer prova no presente processo –, em lugar de pretender utilizar um alegado
'incidente de falsidade' para o efeito. Na verdade, no presente processo, como bem se afirmou no despacho reclamado, não só se encontra nos autos cópia do parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados propondo a deliberação de suspensão da inscrição do reclamante, bem como da respectiva aprovação (fls. 41 a 45), como igualmente se encontra informação prestada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados no sentido de que o reclamante se encontra com a sua inscrição suspensa.
É, pois, desnecessária, ao contrário do requerido, a solicitação de cópia de qualquer outra deliberação, ou de certidão com outra informação, como o reclamante requer. Tanto basta para indeferir a presente reclamação. III. Decisão Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação, confirmar o despacho reclamado e condenar o reclamante em custas, com 10 unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 3 de Fevereiro de 2000 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa