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Proc. nº 427/97
2ª Secção/Plenário Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam em plenário no Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. Pelo Acórdão nº 135/98, proferido nos presentes autos, em que é recorrente E.... e recorridos o MINISTÉRIO PÚBLICO e C..., SARL, este Tribunal, pela sua 2ª Secção, apreciando recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1997, julgou não inconstitucional a norma constante do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, interpretada no sentido de que «se o MP, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem», assim negando provimento ao recurso.
O recorrente veio então interpor recurso para plenário, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 79º-D da Lei do Tribunal Constitucional, por o acórdão recorrido ter julgado a questão de inconstitucionalidade «suscitada pelo recorrente em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma
– o art. 664º do CPP de 1929, por violação do disposto no art. 32º nº 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa – designadamente quando foi proferido o douto Acórdão nº 150/87 da 1ª Secção do Tribunal Constitucional».
Admitido o recurso, o recorrente juntou alegações que concluiu pela forma seguinte:
1. O disposto no art. 664º do CPP de 1929 enferma de inconstitucionalidade quando determina a violação do disposto no art. 32º nº 1 e
5 da Constituição da República Portuguesa;
2. Tal ocorrerá sempre que ao réu não for consentido o direito de contradição em relação ao afirmado pelo Digno Magistrado do Mº Pº junto do STJ, ainda que este se limite a defender a manutenção da decisão recorrida, quando esta remeterá o réu, que se encontra desde o início do procedimento criminal em liberdade provisória, para a prisão efectiva, por factos ocorridos há cerca de quinze anos.
2. Por sua vez, o Ministério Público suscitou questão prévia relativa à inadmissibilidade do recurso para plenário, concluindo pela forma seguinte:
1º - A função desempenhada pelo meio impugnatório previsto no artigo
70º-D da Lei nº 28/82 supõe a existência de um conflito actual, ainda não resolvido, entre as diferentes secções do Tribunal Constitucional, acerca da questão (de mérito) da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da mesma norma.
2º - Estando esse conflito jurisprudencial já resolvido, em consequência da prolação de acórdão pelo Plenário do Tribunal – e estando as secções naturalmente vinculadas a seguir a jurisprudência por esta via uniformizada – não é admissível a interposição de novo recurso para o Plenário, invocando contradição entre a decisão proferida (que se limitou a acolher a tese a que aderiu o Pleno) e o acórdão cuja orientação foi precisamente vencida no
âmbito do anterior recurso para Plenário.
Notificado para responder à questão prévia suscitada pelo Ministério Público, o recorrente, considerando que não se verificava uma «justaposição integral dos pressupostos fácticos, legais e decisórios entre aquele Acórdão
(150/93) e o proferido nestes autos», nomeadamente por no caso concreto se verificar um agravamento da situação do arguido (passando do estado de liberdade para o cumprimento de uma pena de prisão por factos praticados há mais de dezasseis anos), apontou ainda que «a composição actual do Tribunal Constitucional já não é a mesma do que era quando foi proferido o Acórdão
150/93», assim salientando a hipótese de o Tribunal Constitucional alterar a anterior posição assumida.
E concluíu desta forma:
1. O facto de ocorrer divergência entre a decisão de um acórdão proferido por uma secção do Tribunal Constitucional e a de outro acórdão do mesmo Alto Tribunal não preclude o recurso para o Plenário, quando este já se tenha pronunciado sobre a mesma questão, quando esta, pelos seus contornos específicos, contenha nos autos de recurso interposto para o Plenário elementos merecedores de nova tomada de posição deste.
2. As decisões tomadas em Plenário do Tribunal Constitucional são susceptíveis de serem alteradas em novos recursos onde o circunstancialismo da mesma questão assuma contornos específicos diferentes e ainda quando a alteração das realidades factuais, sociais e legais assim o justifiquem.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTOS
3. Cumpre apreciar, antes de mais, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.
No Acórdão nº 150/87 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º vol., pág. 709), o Tribunal Constitucional, pela sua 1ª Secção, julgou inconstitucional a norma do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, por violação do disposto no artigo 32º, nºs. 1 e 5, da Constituição. Tendo havido divergência jurisprudencial com esta solução em posterior aresto da 2ª Secção, foi então interposto recurso para plenário, onde se concluíu, no já mencionado Acórdão nº 150/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., pág. 303), pela não inconstitucionalidade da mesma norma, interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem.
No Acórdão nº 135/98, de que ora se pretende recorrer, o Tribunal Constitucional limitou-se a aplicar ao caso dos autos a doutrina fixada em plenário. Ora, segundo sustenta o Ministério Público, desse acórdão não cabe recurso para o plenário, porquanto este já procedeu oportunamente à uniformização da jurisprudência.
Segundo se preceitua no artigo 79º-D da LTC, quando o Tribunal Constitucional «julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções, dessa decisão cabe recurso para o plenário do Tribunal, obrigatório para o Ministério Público quando intervier no processo como recorrente ou recorrido». A lei não atribui, contudo, à decisão que for tirada em plenário qualquer força vinculativa – nem os restantes tribunais, nem o próprio Tribunal Constitucional, em plenário ou em secção, ficam juridicamente obrigados a seguir a doutrina fixada na sequência de uma divergência jurisprudencial. E se bem se compreende que, em regra, não havendo alteração das circunstâncias ou argumentos novos que se apresentem como decisivos, a simples observância do princípio da economia processual – tendo em conta o próprio sistema de recursos – conduza a que, uma vez uniformizada a jurisprudência em plenário, essa mesma jurisprudência venha a ser uniformemente aplicada, a verdade é que ela é sempre revisível pelo próprio Tribunal Constitucional, em plenário. Aliás, essa revisibilidade nunca poderia ser totalmente impedida, como este Tribunal entendeu, em situação com alguma afinidade, a propósito dos assentos, no Acórdão nº 810/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26º vol., pág. 261) e, posteriormente, no Acórdão nº 743/96 (Diário da República, I Série-A, de 18 de Julho de 1996).
Esta circunstância poderia, desde logo, numa certa perspectiva das coisas, afastar a interpretação propugnada pelo Ministério Público, ao suscitar a questão prévia. Com efeito, se a lei não atribui particular força jurídico-vinculativa aos acórdãos tirados em plenário na sequência de divergências jurisprudenciais, dir-se-á – neste entendimento das coisas – que ela também não pode seguramente ter pretendido atribuir-lhes o efeito de impedir futuros recursos para o plenário, designadamente quando, como acontece no caso concreto, se verificou uma significativa alteração das circunstâncias em que se procedeu à uniformização da jurisprudência, tendo em conta as modificações na composição do Tribunal.
Seja como for, e ainda que se não sufrague este argumento, o que se não pode ignorar é que o artigo 79º-D, no seu teor literal, não exclui o recurso para o plenário nos casos em que já outro idêntico recurso tenha anteriormente sido decidido.
Assim sendo, não se descortina como se possa optar por uma interpretação que – sem a menor expressão no texto da lei – apenas julgue admissível o recurso para plenário quando uma das secções contrarie a orientação que havia anteriormente triunfado em plenário (só nesse caso, portanto, se assegurando a revisibilidade da jurisprudência anteriormente uniformizada). Na verdade, desse modo o cidadão veria significativamente encurtado o direito ao recurso, já que ficaria sempre impedido de obter, em plenário, uma decisão virtualmente favorável, no caso de a opinião anteriormente maioritária - mas já virtualmente minoritária, no contexto global do Tribunal - continuar todavia maioritária na secção em que o seu recurso é julgado.
Ora, os recursos são, antes de mais, uma expressão do direito à tutela judicial efectiva, não se podendo aceitar que o direito a recorrer, quando previsto na lei, possa ser significativamente restringido com base em argumentos de ordem meramente institucional, sem que tal restrição encontre na letra da lei um apoio minimamente perceptível.
Aliás, em situação paralela, atinente aos recursos para o plenário do Supremo Tribunal Administrativo dos «acórdãos das secções que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial de regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão de diferente secção ou do plenário» (artigo 22º, alínea a), do ETAF), tem-se pacificamente entendido que a contradição com anterior acórdão de outra secção é suficiente para fundar o recurso, ainda que já exista acórdão do plenário no sentido adoptado pelo acórdão de que se pretende recorrer.
A questão prévia não pode, assim, proceder.
4. A questão de fundo do presente recurso tem por objecto a norma constante do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, invocando o recorrente, como vimos, a oposição entre o Acórdão nº 135/98 – proferido nos presentes autos - e o Acórdão nº 150/87, tirado na 1ª Secção deste Tribunal.
A norma em causa determina que «os recursos, antes de irem aos juízes que têm de os julgar, irão com vista ao Ministério Público, se a não tiver tido antes».
O Acórdão nº 150/87 julgou inconstitucional a norma em questão, enquanto o Acórdão nº 135/98, na esteira do Acórdão nº 150/93, não a julgou inconstitucional, embora numa dada interpretação, que se pretendeu ser conforme
à Constituição. De acordo com esta interpretação, «se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem». As consequências de um e de outro juízo são manifestamente diferentes, pelo que não subsistem dúvidas sobre a existência de oposição entre os acórdãos.
5. Escreveu-se no já mencionado Acórdão nº 150/93:
Entende-se, na verdade, que, para assegurar as 'garantias de defesa' constantes do artigo 32º., nºs. 1 e 5, da Constituição, basta que, após o parecer do Ministério Público, o réu tenha a possibilidade de responder.
Mas a resposta do réu só se justifica, como se salientou naqueles acórdãos, quando o Ministério Público se pronuncie em termos de poder agravar a sua posição, e não sempre que o Ministério Público se pronuncie, sejam quais forem os termos em que o faça.
Esta limitação ao direito de resposta do réu, que se não tem de verificar «sempre que o Ministério Público se pronuncie», mereceu votos de vencido de vários juízes, entre os quais o do ora relator.
Na sua declaração de voto junta àquele aresto, assinalou o Consº António Vitorino que, não fornecendo o acórdão «indicações claras quanto ao que se deva ter por possibilidade de agravamento da posição do réu, fazendo, assim, apelo a um critério geral sujeito a uma assinalável carga subjectivista na determinação do concreto agravamento verificado em cada caso submetido a julgamento», se «acaba por transferir para o próprio Tribunal Constitucional o
ónus de identificar» a possibilidade de agravamento da posição do réu, em cada caso concreto.
Por seu turno, em declaração de voto conjunta, que integralmente se transcreve, sustentaram os Consºs. José de Sousa e Brito, Antero Monteiro Diniz e Armindo Ribeiro Mendes, para além do ora relator:
1. Entende o acórdão que só deve ser dada aos réus a possibilidade de responderem 'se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de agravar a posição dos réus', 'e não sempre que o Ministério Público se pronuncie, sejam quais forem os termos em que o faça'. Nem sempre que o Ministério Público se pronuncia, nem só quando se pronuncia em termos de agravar a posição dos réus, devem estes ter direito de resposta. O acórdão não considera a alternativa que devia ter seguido: reconhecer tal direito sempre que o Ministério Público se pronuncie sobre o objecto do processo ou sobre a possibilidade do seu conhecimento.
2. Está fora de questão a possibilidade de os recursos irem com vista ao Ministério Público para os mesmos efeitos do artigo 707º, nº 1, do Código de Processo Civil: pronúncia sobre a má fé dos litigantes e a nota de revisão efectuada pela secretaria, promoção das diligências adequadas, quando verifique a existência de qualquer infracção da lei. É claro que para estes efeitos o Ministério Público desempenha apenas a sua função constitucional de defesa da legalidade democrática (artigo 221º da Constituição). Não se justifica nessa medida um direito de resposta do réu.
Só que, como bem nota o acórdão, 'não se coaduna com a posição do Ministério Público no processo penal' que se restrinja a sua intervenção aos mencionados efeitos comuns ao processo civil. Com efeito, também em fase de recurso no processo penal o Ministério Público representa o Estado no exercício da acção penal. É nessa qualidade que se pode pronunciar sobre o objecto do processo ou sobre a possibilidade do seu conhecimento, sem estar vinculado pelas anteriores alegações do representante do Ministério Público junto do tribunal a quo, e que pode até pedir a agravação da pena, com o limite do § 2º do artigo
667º do Código de Processo Penal de 1929, na redacção do artigo 1º da Lei nº 2
139 de 16 de Março de 1969. Esta possibilidade é expressamente reconhecida pelo artigo 667º, que para a hipótese de pedido de agravação da pena estabeleceu que sejam 'notificados os réus, a quem será entregue cópia do parecer para resposta no prazo de oito dias' (nº 2 do parágrafo 2º do mesmo artigo 667º).
O acórdão só se poderá referir, portanto, às hipóteses em que o Ministério Público se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, sem no entanto pedir a agravação da pena. Não especifica o acórdão quais são essas hipóteses, que podem variar consideravelmente consoante o ponto de vista
(de cada réu, do Ministério Público, do tribunal) e consoante o termo da comparação (por comparação com a posição tomada pelo réu, isto é, sempre que não concordar com a posição deste, salva a hipótese de pedir uma solução mais favorável do que a pedida pelo próprio réu; ou por comparação com a posição anteriormente tomada pelo Ministério Público no tribunal a quo, isto é, sempre que disser algo de novo ou de diferente ou, pelo menos de substancialmente novo ou diferente, restando ainda saber se pode ainda agravar quando pedir menor pena, como parece poder - com melhores argumentos - ; ou por comparação com o interesse objectivo do réu, a julgar pelo tribunal e, então, mesmo que o Ministério Público aduzisse novos argumentos não haveria que ouvir o réu sempre que o tribunal já pudesse formar um juízo sem margens para dúvidas - ou por julgar esses argumentos, desde logo improcedentes, ou por os julgar, desde logo supérfluos).
Haverá, então, que considerar as seguintes hipóteses, entre outras, e determinar se nelas se pode agravar a posição dos réus:
- O Ministério Público pronuncia-se no sentido do não conhecimento do recurso interposto pelo réu, podendo prejudicar a sua posição processual, sem se referir à pena;
- O Ministério Público pronuncia-se a favor de menor pena, mas com novos argumentos, potencialmente mais poderosos;
- O Ministério Público limita-se a concordar com a posição do seu representante no tribunal a quo, sem fundamentos novos, mas alterando, assim, a sua conhecida posição doutrinária, anteriormente fundamentada em casos semelhantes, e com cuja manutenção, por parte do Ministério Público no tribunal ad quem, o réu poderá ter contado.
É certo que em todas estas hipóteses há algum agravamento possível de posição dos réus, pelo que todas elas poderiam teoricamente estar abrangidas pela letra da fórmula decisória adoptada. Mas estarão também abrangidas pelo seu espírito? Depende, é claro, das razões para distinguir entre as várias hipóteses em que o Ministério Público se pronuncia na sua especial qualidade no processo penal, como representante do poder punitivo do Estado, sobre o objecto do processo ou sobre a possibilidade do seu conhecimento. Ora o acórdão remete para as razões constantes do Acórdão nº. 398/89, segundo o qual, na parte relevante, se diz: 'ponto é que - e assim se deve também interpretar a norma - os réus sejam admitidos responder, quando o Ministério Público porventura se pronunciar em sentido desfavorável a eles'. Parece, pois, que, numa interpretação possível, o termo de comparação, para saber se há agravamento, será a posição tomada pelos réus, pelo que haveria agravamento sempre que o Ministério Público se pronunciasse em sentido desfavorável aos argumentos ou às conclusões dos réus, salva a hipótese de pedir uma solução mais favorável que a pedida pelos próprios réus. Nesta interpretação - que, todavia, se duvida ter sido pretendida pelo acórdão - as hipóteses anteriormente exemplificadas seriam todas de agravamento.
Mas importa reparar que, na falta de especificação pelo próprio acórdão, nada impede que os tribunais, que têm de aplicar a doutrina nele firmada, divirjam na interpretação que dela fazem, renovando-se, assim, uma divergência de interpretação, que se desejaria afastar.
Presume-se que o acórdão se baseou na ideia de que o réu só tem direito de defesa perante intervenções processuais que possam prejudicar a sua defesa. Faz, porém, quanto ao ponto de vista, depender a defesa do juízo do julgador sobre o interesse do réu nessa defesa, em vez de cometer ao réu o juízo sobre o seu próprio interesse e a responsabilidade da sua própria defesa. O princípio do contraditório não é, deste modo, aplicado. O Tribunal afasta-se, assim, dos juízos de valor constitucionais, que tem respeitado em casos análogos.
3. O direito de defesa garantido pelo nº 1 do artigo 32º da Constituição tem toda a extensão racionalmente justificada para uma defesa efectiva em processo criminal (assegura 'todas as garantias necessárias de defesa', nas palavras do nº 1 do artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem), pelo que não se esgota (assim, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 40/84, - Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3º, pp. 241 ss -, 55/85
- Acórdãos, vol. 5º, pp. 461ss -, 17/86 - Diário da República, II série, de 24 de Abril de 1986 -, etc.) nas garantias constantes dos vários números do mesmo artigo e que se devem ler à luz daquele direito. Mas, por outro lado, o direito de defesa concretiza-se e desenvolve-se sistematicamente através dessas garantias. É assim que o princípio do contraditório (nº 5) vem determinar que a defesa é cometida, em primeiro lugar, à responsabilidade do arguido, que tem o direito de responder da forma que julgar adequada às intervenções processuais do Ministério Público. Em sentido inverso, a ilimitação das garantias de defesa
('todas') assegura o direito de resposta sempre que o Ministério Público intervém pela acusação, pois em toda essa extensão é racionalmente justificado o contraditório nas (palavras do acórdão nº 45/84 - Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3º, pp 271 - : 'é de atribuir a este princípio a maior dimensão possível').
A Constituição estatui que a audiência de julgamento está subordinada no princípio do contraditório (nº. 5 do artigo 32º). Não há razão para distinguir neste aspecto a audiência oral de julgamento das 'audiências' de recurso, que, no regime do Código de 1929, eram apenas escritas.
Na lógica da contraposição dialéctica entre a acusação e a defesa, cuja efectividade é assegurada pelo princípio do contraditório, a defesa é um posterius relativamente à acusação, que pressupõe. É, assim, por exigência do princípio do contraditório e não por um princípio assimétrico de favorecimento do réu, que a este - ou ao seu defensor - deve caber a última palavra (como dispõe para o julgamento o artigo 467º do Código de 1929).
Por consequência, sempre que em via de recurso o Ministério Público se pronuncia sobre o objecto do processo ou sobre o conhecimento do recurso, de qualquer das formas representando a acusação, terá o réu direito de resposta, por aplicação directa dos nºs 1 e 5 do artigo 32º da Constituição.
Esta doutrina foi desenvolvida pelo Tribunal Constitucional a propósito da ordem das alegações no processo de extradição, devido precisamente
à natureza penal deste último. Numa série de acórdãos (além do já mencionado nº
45/84, os nºs 192/85 - Acórdãos, vol. 6º, pp 453 ss - e 147/86 -Acórdãos, vol.
7º, II, pp 865 ss), culminando em declaração com força obrigatória geral (nº.
54/87 - Acórdãos, vol. 9º, pp 273 ss) o Tribunal reconheceu à defesa a última palavra em matéria de alegações, em qualquer caso, mesmo fora da audiência de julgamento. Nas palavras do último acórdão citado: As garantias de defesa não podem deixar de incluir a possibilidade de contrariar ou contestar todos os elementos carreados pela acusação; o princípio do contraditório não pode deixar de compreender a possibilidade de contradizer as alegações finais do Ministério Público.
(...) Ou seja: da conjugação dos dois princípios decorre seguramente que é ao defensor do arguido (na extradição: do extraditando) que deve caber a última palavra em matéria de alegações (p 277).
4. A evolução recente da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também poderia ter sido considerada. Embora a Convenção Europeia dos Direitos do Homem não integre o direito constitucional português nos mesmos termos que a Declaração Universal dos Direitos do Homem (por força do nº 2 do artigo 16º da Constituição), vigora também na ordem interna (nº 2 do artigo 8º da Constituição), foi também fonte histórica dos preceitos sobre direitos fundamentais da Constituição e exprime, bem como a interpretação evolutiva que dela faz a jurisprudência dos tribunais da Convenção - O Tribunal e a Comissão -, normas e princípios do direito internacional geral ou comum que fazem parte integrante do direito português (nº 1 do artigo 8º da Constituição) e estão logicamente a montante da legislação ordinária que desenvolve e concretiza os direitos fundamentais, como é o caso do direito processual penal. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem contribui directamente para determinar a convicção jurídica desta parte do direito internacional geral e contribui, por isso, de forma proeminente para um
'standard comum europeu dos direitos fundamentais', reconhecido pela doutrina constitucionalista (assim, a propósito da relação entre o artigo 6º da Convenção e ao artigo 103º da Grundgesetz: Schmidt - Assmann (1988) em Maunz-Dürig, Grundgesetz. Kommentar, 103, Abs. I, Rdnr. 24).
O Tribunal Europeu decidiu recentemente no acórdão Borgers (Cour européenne des Droits de l' Homme, arrêt Borgers c. Belgique du 30 octobre 1991, série A nº 214B, p. 10) 'tendo em vista as exigências dos direitos da defesa e da igualdade das armas assim como o papel das aparências na apreciação do respeito delas' haver violação do artigo 6º § 1º da Convenção pela legislação belga (arts 1107 e 1109 du Code Judiciaire) que permite ao ministério público em recurso perante a Cour de cassation apresentar as mesmas conclusões na audiência, 'após o que nenhuma nota será recebida', e ainda assistir à deliberação sem voto deliberativo. Este acórdão, que foi tirado por dezoito votos contra quatro, - e que seguiu o convite da Comissão, que em relatório anterior (de 17 de Maio de 1990) tinha deliberado por catorze votos contra um, haver violação do artigo 6º § 1º da Constituição - veio alterar (o verrule) a jurisprudência anterior do mesmo tribunal sobre o mesmo ponto da legislação belga, que fora estabelecida no acórdão Delcouxt de 17 de Janeiro de 1970.
Note-se que o ministério público junto da Cour de cassation da Bélgica tem um estatuto semelhante em alguns pontos essenciais ao que o caracteriza em Portugal; é independente, quer perante o ministro da justiça, quer perante os magistrados do ministério público da primeira instância, e deve dar parecer imparcial e independente sobre todas as questões de direito levantadas pela decisão recorrida, pelo que pode concluir, e muitas vezes o faz, em favor do réu. Alegou o Governo belga que o ministério público não exercia na instância de recurso senão excepcionalmente - o que não era o caso - a acção penal e que não era parte nem adversário de ninguém, tendo apenas a função de aconselhar o tribunal.
Neste contexto é particularmente relevante a fundamentação do acórdão do Tribunal Europeu:
Ninguém duvida da objectividade com que o parquet de cassation desempenha as suas funções. Atestam-na o consenso de que é objecto na Bélgica desde as suas origens e o assentimento que o Parlamento lhe deu diversas vezes.
Contudo a sua opinião não poderia considerar-se neutra do ponto de vista das partes na instância de cassação: recomendando que se dê ou não provimento ao recurso do acusado, o magistrado do ministério público torna-se um aliado ou um adversário objectivo. Na segunda hipótese, o artigo 6º § 1 impõe o respeito dos direitos de defesa e do princípio da igualdade das armas' (p. 8, §
36).
Quanto à intervenção do ministério público na audiência, sem possibilidade de resposta para o réu, 'não se percebe o que justifica tais restrições aos direitos de defesa. Desde o momento em que o parquet tenha apresentado conclusões desfavoráveis ao requerente, este tenha um interesse certo em discuti-la antes do fecho dos debates. Nada disto se altera por só as questões de direito serem da competência da Cour de cassation' (p. § 27)
Passando à participação do ministério público, com função consultiva, na deliberação, é então sobretudo que 'o desequilíbrio se acentua'. Mesmo que essa justificação se tivesse limitado a questões de forma, 'o procurador geral poderia legitimamente parecer dispor na sessão de uma ocasião suplementar de apoiar, ao abrigo da contradição do requerente, as suas conclusões de dar ou não provimento ao recurso' (p. 10 § 28). O tribunal europeu invocou a este último respeito uma evolução das mais notáveis da jurisprudência do tribunal 'acerca da noção de 'processo equitativo', 'marcada em particular pela importância atribuída às aparências e à sensibilidade acrescida do público às garantias de uma boa justiça (ver entre outros, mutatis mutandis, os acórdãos Piersack c. Bélgica de 1 de Outubro de 1982, série A nº 53, p 14-15, § 30; Campbell et Fell c. Reino Unido de 28 de Junho de 1984, série A, nº 80, p 39-40, § 18; Sramek c. Aústria de 22 de Outubro de 1984, série A, nº 84, p. 20 §42; De Cubber c. Bélgica de 26 de Outubro de 1984, série A nº 86, p. 14, § 26; Bönisch c. Aústria de 6 de Maio de 1985, série A nº 92, p. 15 § 32; Belilos c. Suiça de 29 de Abril de 1988, série A nº 132, p. 30 §67; Hauschildt c. Dinamarca de 24 de Maio de
1989, série A nº 154, p. 21, § 48; Langborger c. Suécia de 22 de Junho de 1989, série A, nº 155, p. 16, § 32; Demicoli c. Malta de 27 de Agosto de 1991, série A nº 210, p. , § 40; Brandstetter c. Aústria de 28 de Agosto de 1991, série A nº
211, p. § 44' (p. 8-9, § 24).
É de relevar que nunca o Tribunal Europeu fez depender o direito de resposta do agravamento da posição do réu. Sempre que o Ministério Público se pronuncie no recurso contra o provimento deste, poderá dizer-se, na esteira argumentativa do acórdão citado, que há interesse objectivo do réu em responder e, portanto, direito de resposta.
5. Não se diga que o princípio da igualdade de armas não tem aplicação no processo penal português, por este não estar estruturado como um processo de partes. A posição do Ministério Público sendo dependente da sua configuração constitucional idiossincrática, consoante os países, caracterizando-se em Portugal pela autonomia, pelo que seria no processo penal um órgão de justiça, vinculado a critérios de legalidade e de objectividade, e não uma parte. Ora, sem pretender dilucidar aqui o instituto jurídico-constitucional do Ministério Público, e em especial a questão de saber como a sua 'autonomia', compatível com a sujeição dos seus magistrados às directivas, ordens e restrições previstas na respectiva lei, se distinguem da
'independência' dos juízes (cfr. o Acórdão nº 254/92, Diário da República, 1ª Série-A, p. 3593), é certo que pelo simples facto de no processo penal representar o Estado como detentor do interesse punitivo, que se realiza desde logo através do exercício da acção penal, mas que se realiza também através da actuação do Ministério Público no processo penal, sem exceptuar a fase de recurso, o Ministério Público representa um dos sujeitos da relação jurídica punitiva que é objecto do processo penal e em que o réu é o outro sujeito. É neste sentido uma das partes do processo, mesmo que este processo não esteja na disponibilidade das partes como o estão, na maior parte dos casos, os processos civis. A moderada idiossincrasia do Ministério Público no direito português não
é acompanhada de qualquer idiossincrasia da sua função no processo penal.
O princípio da igualdade de armas que o Tribunal Europeu faz derivar da noção mais lata de processo equitativo (fair trial, procès equitable), deriva-se do princípio de assegurar todas as garantias de defesa, tal como o princípio do contraditório. Contraditório sem igualdade de armas não assegura todas as garantias de defesa. Igualdade de armas exige contraditório sempre que possível. Não se garante uma defesa efectiva se não houver 'possibilidade real de serem contrariadas e contestadas todas as afirmações ou elementos trazidos aos autos pela acusação', nas palavras do Acórdão nº 150/87. Temos que o princípio constitucional do contraditório tem que ser interpretado de acordo com o princípio da igualdade de armas para garantir uma defesa efectiva. Do mesmo modo, embora a Constituição não diga, como a alínea c) do nº 3 do artigo 6º da Convenção Europeia, que o acusado tem direito a dispor do tempo e das facilidades necessárias à preparação da sua defesa, este direito também se deduz da conjugação do nº 1 com o nº 5 do artigo 32º da Constituição.
6. Uma nota final, apenas para ajuntar que semelhantes considerações se podem fazer a propósito do princípio do respeito pelas aparências, desenvolvido pela jurisprudência evolutiva do Tribunal Europeu, indicada na transcrição feita.
A formulação deste princípio tem sido relacionada (assim no voto de vencido do juiz Martens no acórdão Borgers, p. 30) com um dictum de Lord Hewart:
'It is not merely of some importance, but it is of fundamental importance that justice should not only be done, but should manifestly and undoubtedly be seen to be done'. Despido de acentos retóricos, o princípio tem sido formulado pelo Tribunal Europeu nestas palavras: 'justice must not only be done; it must be seen to be done' (a justiça não só deve ser feita; deve parecer que é feita).
Em casos anteriores a Borgers, o Tribunal Europeu tinha invocado o princípio para julgar da imparcialidade de juízes ou de outros membros de órgãos judicativos ou de peritos designados pelo tribunal. Ora, numa hipóteses do mesmo género, é certo que o Tribunal Constitucional tem entendido maioritariamente, que as normas que permitem a intervenção no julgamento do juiz que proferiu o despacho de pronúncia não são inconstitucionais (Acórdãos nºs 219/89, Diário da República, II série, de 30 de Junho de 1989, p. 6476 ss e 124/90, ibid, de 8 de Fevereiro de 1991, p. 1517 ss). Mas não o fez por considerar irrelevantes as aparências da justiça. No último dos mencionados acórdãos acentua-se, pelo contrário, que devido ao carácter garantístico que o acórdão atribui ao despacho de pronúncia, o juiz que profere este despacho 'não deixa, mesmo aos olhos dos arguidos e do público, de ser um juiz independente e imparcial' (lug. cit., p
1520). E invoca para tal o mesmo princípio que o Tribunal Europeu menciona ao falar de aparências: 'importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial. É que a confiança do comunidade nas decisões dos seus magistrados é essêncial para que os tribunais ao administrarem a justiça, actuem, de facto, em nome do povo' (p. 1519).
Em termos análogos pode dizer-se que a circunstância de a organização do Ministério Público haver dinamizado a acção penal, embora não assacada pessoalmente ao magistrado da mesma organização em serviço na instância de recurso, é uma circunstância exterior que influencia objectivamente, isto é, que pode influenciar subjectivamente esse magistrado, 'concedendo-lhe uma especial perspectiva da matéria em controvérsia' (acórdão nº 150/87, p. 11400). Não se trata de uma caracterização psicológica, nem de uma probabilidade empírica. Onde existe a tal possibilidade de influência é imaterial saber se há influência real, porque a confiança do público exige que não seja tratado como independente quando intervem durante o recurso sobre o objecto deste ou sobre a sua admissibilidade.
O sentido geral desta jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a ser recentemente confirmada , como se dá conta no Acórdão nº 345/99 (ainda inédito).
Nesta conformidade, as considerações constantes da mencionada declaração de voto, e que aqui agora se subscrevem, são suficientes para fundamentar uma decisão diversa da adoptada no Acórdão nº 150/93 e, bem assim, no acórdão recorrido, impondo-se que o réu tenha a possibilidade de responder sempre que, no visto, o Ministério Público se pronuncie.
III – DECISÃO
6. Nestes termos, decide-se: a. Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar, deve ser dada aos réus a possibilidade de responderem; b. Consequentemente, conceder provimento ao recurso interposto do Acórdão nº 135/98, que assim fica substituído pelo presente aresto, devendo o acórdão de
5 de Março de 1997, do Supremo Tribunal de Justiça, ser reformado em conformidade com o antecedente juízo de constitucionalidade.
Lisboa, 12 de Outubro de 1999 Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito José de Sousa e Brito Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Guilherme da Fonseca (vencido quanto à questão prévia, pois acompanhei exposição do Ministério Público) Paulo Mota Pinto (vencido, quanto à questão prévia, nos termos da declaração de voto que junto) Declaração de voto Votei vencido, quanto à questão prévia, por entender que, decidida pelo plenário do Tribunal Constitucional, por acórdão transitado em julgado, questão de constitucionalidade relativamente à qual se verificara divergência de decisões, não deve permanecer ad aeternum aberta a possibilidade de a parte futuramente vencida por tal orientação provocar constantemente nova intervenção do plenário do Tribunal. Em meu entender, a decisão do recurso para o plenário não tem qualquer força vinculativa do Tribunal fora do processo, podendo sempre, em plenário ou em secção, divergir-se da orientação adoptada. Todavia, o que está em questão no presente caso são os pressupostos do recurso para o plenário, e não a possibilidade de alteração da jurisprudência. E só pode afirmar-se existir um encurtamento das possibilidades ou do direito de recurso depois de se determinar a razão pela qual a lei prevê (artigo 79º-D da Lei do Tribunal Constitucional) um recurso para o plenário do Tribunal Constitucional. A meu ver, a ratio de tal recurso não está simplesmente em evitar que um caso seja decidido, em secção, contra a orientação 'virtualmente maioritária' no conjunto do Tribunal (argumento que, para além de dar por assente a legitimidade de provocar a intervenção do plenário do Tribunal, não se vê porque não haveria de ser estendido para lá dos casos de divergência decisória – por exemplo, levando numa primeira fase o plenário a intervir sempre, quando houvesse recomposição do Tribunal). Visa, antes, tal recurso, evitar que, em caso de divergência jurisprudencial manifestada em decisões do Tribunal, a solução minoritária prevaleça, levando, pois, o plenário a pronunciar-se – e podendo eventualmente presumir-se (de facto, isto é, no plano do juízo de probabilidade, e não ex iure) que, a partir de tal pronúncia e enquanto não houver recomposição do Tribunal ou surgirem novos argumentos, a divergência em questão não se renovará constantemente. Ora, decidida a divergência por acórdão transitado em julgado, parece excessivo – não só do ponto de vista institucional, mas também da perspectiva da parte vencedora na secção (como se sabe, a eficácia institucional reflecte-se neste domínio sempre nos interesses das partes, bem como na consistência do seu direito fundamental de acesso ao direito) – que se possibilite mais um recurso à parte vencida, desta vez dentro do Tribunal Constitucional, sempre que a questão for apreciada e decidida em conformidade com precedente decisão do plenário – possivelmente mesmo, num primeiro momento, por decisão singular (nos termos do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, que é, aliás, revelador da relevância que se pretendeu atribuir em 1998 à existência de precedente para o funcionamento e processo no Tribunal Constitucional), confirmada, depois, pela conferência da secção. Em vez de se manter aberta até à consumação dos tempos a possibilidade de fazer o plenário intervir apenas com base em anterior divergência – possivelmente resultante de uma decisão única, antiga, e, de todo o modo, contendo posição já apreciada por todo o Tribunal –, deveria, a meu ver, exigir-se, para o recurso para o plenário, a permanência da divergência jurisprudencial, em decisão de uma das secções. Nem me parece que a solução que defendo seja contra legem: o artigo
79º-D, no seu n.º 1 (mas também nos n.ºs 5, 6 e 7) pressupõe a existência de uma divergência jurisprudencial manifestada na decisão do Tribunal Constitucional objecto de recurso, como requisito para fazer intervir o plenário, e, como disse, tal exigência parece-me conforme com aquela que, segundo creio, é a ratio desse recurso. Não teria, pois, tomado conhecimento do presente recurso, que tem como objecto uma decisão de secção conforme com a decisão, em precedente recurso para o plenário, de anterior divergência jurisprudencial entre secções. Artur Maurício (vencido quanto ao mérito do recurso, pois acompanho a decisão impugnada e, no essencial, os seus fundamentos na linha da jurisprudência consagrada no Acórdão nº 150/93). Messias Bento (vencido nos termos da declaração de voto que junto). DECLARAÇÃO DE VOTO:
1. Entendi que, no caso, não era admissível recurso para o Plenário, por não se verificarem os pressupostos fixados pelo artigo 79º-D da Lei do Tribunal Constitucional para esse meio de impugnação. O acórdão recorrido limitou-se, com efeito, a aplicar a jurisprudência fixada pelo próprio Plenário no acórdão nº 150/93, que fora tirado, justamente, para resolver um conflito jurisprudencial que se verificava entre as duas secções, quanto à mesma norma: a norma do artigo 664º do Código de Processo Penal de
1929. Ora, depois desse acórdão de uniformização – o acórdão nº 150/93 -, nenhuma das secções do Tribunal decidiu em contrário da jurisprudência nele fixada. E podia tê-lo feito: bastava que se formasse maioria nesse sentido. Tal não tendo acontecido (ou seja, não havendo um aresto que, sendo posterior ao acórdão nº 150/93, esteja em conflito com o acórdão nº 135/98, de que vem interposto este recurso) não havia um conflito de jurisprudência que ao Plenário cumprisse resolver, e o conflito que antes se verificara já tinha sido resolvido. Admitir novo recurso para o Plenário para decidir um conflito de jurisprudência já decidido é inutilizar por completo o préstimo dos acórdãos de uniformização, os quais, não sendo juridicamente vinculantes, devem ser aplicados por quantos os subscreveram, enquanto não houver alteração das circunstâncias; impõem-no razões de economia processual. A afirmação de que este entendimento conduz a restringir significativamente o direito ao recurso, por impedir o cidadão de obter uma decisão favorável do Plenário, só porque, em determinada secção, continua a ser maioritária a jurisprudência anteriormente fixada, apesar de, no conjunto do Tribunal, ela ser já minoritária, parte de um pressuposto que não subscrevo: o pressuposto de que o recurso para o Plenário ainda é um direito à tutela judicial efectiva. Se bem vejo as coisas, um tal recurso, tendo apenas por objecto a constitucionalidade de determinada norma jurídica, e não propriamente o julgamento do caso, visa tão-só garantir uma interpretação uniforme da Constituição. Não pode, assim, configurar-se com um direito das partes. Ver nesse recurso um direito das partes, releva, em minha opinião, da ideia de que, no processo (no caso, no processo penal), as garantias de defesa são tendencialmente ilimitadas, o que acaba por desembocar em excesso de garantias. Só que o garantismo, para além de, em muitos casos, ser profundamente injusto (desde logo, para a vítima), acaba, não raro, por redundar em falta de garantias.
2. Quanto à questão de constitucionalidade – tal como se decidiu no acórdão nº
150/93, que subscrevi – continuo a entender que o artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929 não é inconstitucional, desde que se dê aos réus a possibilidade de responder, toda a vez que o Ministério Público, quando os autos lhe vão com vista, se pronuncie em termos de poder agravar a posição deles. Vítor Nunes de Almeida (vencido, pelos fundamentos constantes da declaração de voto do Exmº Conselheiro Messias Bento, a qual adiro). Alberto Tavares da Costa (vencido nos termos da declaração de voto do Exmº Conselheiro Messias Bento) Bravo Serra (vencido, quanto à questão prévia e quanto à questão verificada, nos termos da declaração de voto aposta ao vertente acórdão pelo Exmº Conselheiro Messias Bento). José Manuel Cardoso da Costa (vencido quanto à questão de fundo, por continuar a perfilhar a orientação antecedente do Tribunal).