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Processo n.º 558/12
Plenário
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. A Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia de Crestuma submeteu ao Tribunal Constitucional, por carta enviada ao seu Presidente datada de 25/7/2012 e com registo de entrada neste Tribunal em 26/07/2012, requerimento para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, nos termos do artigo 25.º e seguintes da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de Agosto (doravante LORL), que aprova o regime jurídico do referendo local (alterada pelas Leis Orgânicas n.ºs 3/2010, de 15 de dezembro, e 1/2011, de 30 de novembro), da deliberação da Assembleia de Freguesia de Crestuma, tomada na sua sessão extraordinária de 19.07.2012, «com vista à realização de referendo local», a qual aprovou por unanimidade o Ponto 1 da Ordem de Trabalhos «Votação de proposta de referendo local, na freguesia de Crestuma, sobre a agregação de freguesias, prevista na Lei 22/2012 da reorganização administrativa».
2. A Presidente da Assembleia de Freguesia, no requerimento de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, solicitou ainda ao Tribunal Constitucional «se digne determinar o Reenvio Prejudicial ao referido tribunal [de justiça europeu], nos termos previstos no Tratado europeu, com vista à resposta das questões do doc. n.º 2 e eventualmente de outras que o tribunal entenda aduzir».
3. Em 9 de Agosto de 2011 o Tribunal Constitucional decidiu, pelo acórdão n.º 391/2012 (disponível, como os demais acórdãos deste Tribunal adiante citados, em http://tribunalconstitucional.pt), não ter por verificada a legalidade do referendo por violação do artigo 7.º, n.º 2, da LORL, ordenar a notificação do presidente da Assembleia de Freguesia de Crestuma para que, no prazo de 8 dias aquele órgão delibere, querendo, no sentido da reformulação das perguntas do referendo, expurgando-as das ilegalidades e, ainda, ficar prejudicada a apreciação do pedido de colocação, pelo Tribunal Constitucional, de questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
4. A Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia de Crestuma submeteu ao Tribunal Constitucional, por carta enviada ao seu Presidente datada de 16/8/2012 e com registo de entrada neste Tribunal em 17/08/2012, para efeitos do disposto no artigo 27.º da LORL, «(…) a deliberação sobre a reformulação das perguntas do referendo local (agregação de freguesias, prevista na lei 22/2012), nos termos do art.º 27.º da Lei Orgânica n.º 4/2000 de Agosto, para sanar irregularidades notificadas pelo Tribunal Constitucional».
5. O requerimento subscrito pela Presidente da Assembleia de Freguesia de Crestuma vem instruído com 3 documentos em anexo: i) Edital da Assembleia; ii) Proposta de novas perguntas; e iii) Minuta da acta da Assembleia.
6. O processo foi concluso à Relatora em 17/08/2012 para efeitos de elaboração do memorando nos termos do referido n.º 2 do artigo 27.º e do n.º 2 do artigo 29.º da LORL.
7. Apresentado o memorando a que se refere o n.º 2 do artigo 29.º da LORL, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre elaborar acórdão nos termos do n.º 3 do artigo 30.º da mesma Lei.
II - FUNDAMENTAÇÃO
8. Dos documentos juntos aos autos, tem-se por assente, com relevância para a decisão, o seguinte:
8.1 Em 10 de Julho [leia-se Agosto] de 2012, a Presidente da Assembleia de Freguesia de Crestuma subscreveu uma «Proposta» com o seguinte teor:
«Proposta
Notificada pelo Tribunal Constitucional, da desconformidade da formulação das perguntas referendárias, aprovadas na reunião extraordinária de 19 de Julho de 2012, por violação do art.º 7.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 4/2000 de 24 de Agosto para reformular as referidas perguntas e expurgá-las de ilegalidades nos termos e para os efeitos do art.º 27.º do mesmo diploma, propõe-se que as perguntas a submeter ao Referendo Local sobre a agregação de freguesias, para resposta de “SIM” ou “NÃO”, sejam reformuladas com 3 perguntas concretas com a seguinte redacção:
1.ª – Concorda com a junção da freguesia de Crestuma com a freguesia de Lever?
2.ª – Concorda com a junção da freguesia de Crestuma com a freguesia de Olival?
3.ª – Concorda com a junção da freguesia de Crestuma com a freguesia de Sandim?
Crestuma, 10 de Julho de 2012.
A Presidente da Assembleia de Freguesia de Crestuma».
8.2 Por Edital de 10 de Agosto de 2012, assinado pela Presidente da Assembleia de Freguesia de Crestuma, foi convocada uma «Sessão Extraordinária da Assembleia de Freguesia para o dia 16 de Agosto (Quinta-feira) pelas 21.30 (…)», com a seguinte Ordem de Trabalhos:
«ORDEM DE TRABALHOS
1 – Deliberação sobre a reformulação das perguntas do referendo local (agregação de freguesias, prevista na lei 22/2012), nos termos do art.º 27.º da Lei Orgânica n.º 4/2000 [de 24] de Agosto, para sanar as irregularidades notificadas pelo Tribunal Constitucional.
2 – Período para intervenção do público».
8.3 A Assembleia de Freguesia de Crestuma reuniu extraordinariamente no dia 16 de Agosto de 2012, com a Ordem de Trabalhos constante do Edital de 10 de Agosto de 2012.
8.4 De acordo com a ata desta reunião, aprovada em minuta na mesma, estiveram presentes além da Presidente, do 1.º e do 2.º secretários, mais dois elementos da Coligação Gaia na Frente, dois elementos pelo Partido Socialista e dois elementos pelo Movimento Cívico de Crestuma.
8.5 Submetido o Ponto 1 da Ordem de Trabalhos da mesma reunião à apreciação da Assembleia de Freguesia, a votação obteve o seguinte resultado:
«(…) Posta a proposta em discussão e não havendo voto contrário ou de abstenção foi a proposta aprovada por unanimidade dos membros da Assembleia (…)».
8.6 O texto da ata da reunião extraordinária da Assembleia de Freguesia de Crestuma realizada em 16 de Agosto tem 2012 tem o seguinte teor:
«Aos 16 de Agosto de 2012 reuniu extraordinariamente a Assembleia de Freguesia de Crestuma, na sede da Autarquia, com a seguinte ordem de trabalhos:
1 - Deliberação sobre a reformulação das perguntas do referendo local (agregação de freguesias, prevista na lei 22/2012), nos termos do art.º 27.º da lei orgânica n.º 4/2000 [de 24] de Agosto, para sanar as irregularidades notificadas pelo Tribunal Constitucional.
2 – Período para a intervenção do público.
A mesa foi constituída pela Sr.ª Teresa Costa como presidente, Luís Pedro Sousa como 1.º secretário e Elisabete Gomes como 2.º secretário. Além destes três elementos da Coligação Gaia na Frente estavam presentes o Sr. José Silva e a Sr.ª Eduarda Ferreira. Por parte do Partido Socialista estiveram presentes o Sr. Faustino Sousa e o Sr. António Oliveira e pelo Movimento Cívico de Crestuma marcaram presença o Sr. Manuel Moura e o Sr. João Oliveira.
Tendo sido dado início à Assembleia no ponto 1 da ordem de trabalhos tomou a palavra a presidente da mesa que apresentou a proposta que se anexa n.º 1. Como complemento da presente proposta, a mesa apresentou a seguinte justificação:
1 – Considerando a parte decisória do douto acórdão do TC n.º 391/12, em que ordena a reformulação das perguntas, por parte desta Assembleia de Freguesia, com visto ao referendo;
2 – Tendo em conta que importa apurar a vontade popular, de agregação ou não, relativamente a cada uma das freguesias com que Crestuma tenha extremas;
3 – Propõe-se depois de ouvida a junta de freguesia, a qual deu a sua adesão que esta Assembleia de Freguesia delibere sobre as referidas perguntas, para serem sujeitas a referendo.
Posta a proposta em discussão e não havendo voto contrário ou de abstenção, foi a proposta aprovada por unanimidade dos membros da Assembleia.
Depois de dada a palavra ao público presente, este congratulou-se com a aprovação, a Assembleia extraordinária da freguesia de Crestuma, foi dada por encerrada eram 22 horas, sendo lavrada a presente minuta, que colocada à votação foi aprovada por unanimidade.
Crestuma, 16 de Agosto de 2012».
8.7 Na sequência da deliberação da Assembleia de Freguesia, a respetiva Presidente da Mesa enviou ao Presidente do Tribunal Constitucional, em 16/08/2012, uma carta com o seguinte teor:
«(…) Serve a presente para enviar a Vexa a deliberação sobre a reformulação das perguntas do referendo local (agregação de freguesias, prevista na lei 22/2012), nos termos do art.º 27.º da Lei Orgânica n.º 4/2000 de Agosto, para sanar as irregularidades notificadas pelo Tribunal Constitucional».
(…) A presidente da Assembleia de freguesia de Crestuma
CRESTUMA, 16 de Agosto de 2012.
Anexo: - Edital da Assembleia
- Proposta de novas perguntas
- Minuta da acta da Assembleia».
9. Compete ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória, verificar a constitucionalidade e a legalidade do referendo, incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respetivo universo eleitoral, bem como ao âmbito material e limites temporais do referendo e à validade das perguntas que nele se pretende formular (artigo 223.º, n.º 2, alínea f), da CRP; artigos 11.º e 105.º da Lei que aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e sucessivas alterações, doravante LTC) e artigo 25.º e ss. da LORL), incluindo no caso previsto no artigo 27.º, n.º 2, da LORL, aplicável ao caso em apreço, em que se verificou a reformulação da deliberação de referendo quanto às perguntas referendárias.
9.1 A requerente tem legitimidade para o pedido de fiscalização preventiva do referendo local, na qualidade de presidente do órgão da autarquia (Assembleia de Freguesia de Crestuma) que deliberou a sua realização e a reformulação das perguntas referendárias, conforme previsto no artigo 25.º e no artigo 27.º, n.º 2, da LORL.
9.2 A reformulação da deliberação de referendo quanto às perguntas referendárias foi tomada pela Assembleia de Freguesia de Crestuma em 16 de Agosto de 2012, dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 27.º da LORL, e o requerimento deu entrada no Tribunal Constitucional no dia 17 de Agosto para efeitos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo.
9.3 O pedido não vem instruído com cópia da ata da sessão em que foi tomada a deliberação de reformulação das perguntas referendárias, como prevê o artigo 28.º, n.º 1, parte final, da LORL mas apenas – e conforme referido na carta dirigida a este Tribunal – com uma minuta dessa mesma ata, aprovada por unanimidade e assinada pela Presidente e pelos 1.º e 2.º Secretários, de cujo teor consta a aprovação da proposta de reformulação de perguntas do referendo local, na freguesia de Crestuma, sobre a agregação de freguesias, prevista na Lei 22/2012 e o teor da deliberação respetiva – possibilidade permitida pelo artigo 92.º, n.º 3, da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro (e sucessivas alterações, entre as quais as introduzidas pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro e pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro) e, também pelo artigo 27.º, n.º 3, do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA), permitindo conferir eficácia à deliberação em causa.
Conforme já afirmado por este Tribunal (Acórdãos n.º 100/2009 (II, 4) e n.º 394/10 (II, 4.) disponíveis, como os demais acórdãos deste Tribunal adiante citados, em http://tribunalconstitucional.pt), a prova documental que assim é efectuada, relativamente à deliberação de realização do referendo, apesar de não corresponder, em rigor, à exigência constante do citado artigo 28.º, n.º 1, da LORL, que impõe que o pedido seja «acompanhado do texto da deliberação e de cópia da acta da sessão em que tiver sido tomada», não deixa de fazer prova plena dos factos que se refere terem sido praticados, assumindo um valor certificativo equivalente ao que poderia resultar do registo lavrado em acta.
Com efeito, e como se afirma no Acórdão n.º 394/10 (II, 4), «(…) o artigo 92.º, n.º 3, da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, admite expressamente que as actas ou o texto das deliberações mais importantes possam ser aprovadas em minuta, no final das reuniões, formalidade esta que, de acordo com o disposto no n.º 4 do referido artigo 92.º, confere aos actos em tais termos documentados uma imediata eficácia externa.
A conjugação do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 92.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, com a norma constante do n.º 1 do art. 28.º, da LORL, conduz, assim, a que esta deva ser extensivamente interpretada no sentido de se considerar que a «acta da sessão» aqui referida possa ser a minuta da acta elaborada nos termos daquelas disposições. (…)».
9.4 O pedido apresentado pela Presidente da Assembleia de Freguesia de Crestuma encontra-se, assim, regularmente instruído.
Cumpre de seguida apreciar a verificação dos requisitos relativos ao objeto do referendo, ao seu âmbito, à matéria, à iniciativa e proposta e à competência para a deliberação de realização do referendo, prazo de deliberação e quórum e, ainda, aos limites temporais. Cumpre também apreciar a verificação dos requisitos relativos às perguntas referendárias objeto de reformulação mediante deliberação da Assembleia de Freguesia de Crestuma de 16 de Agosto de 2012.
Dado que aqueles requisitos foram objeto de decisão pelo Acórdão n.º 391/2012, de 9 de Agosto (cf. II – Fundamentação, n.ºs 8, 9, 10, 11, 12, 13 14, 15 e 16) restringe-se o objeto da presente decisão à conformidade das perguntas referendárias, alvo de reformulação por deliberação da Assembleia de Freguesia de Crestuma de 16 de Agosto de 2012, com o disposto no artigo 7.º da LORL.
10. O Tribunal Constitucional considerou, no Acórdão n.º 391/2012, que as duas perguntas decorrentes da deliberação de referendo tomada pela Assembleia de Freguesia de Crestuma na sua reunião extraordinária de 19 de Julho de 2012, não eram conformes com o disposto no artigo 7.º, n.º 2, da LORL (cf. Acórdão n.º 391/2012, II – Fundamentação, 17). A primeira, por não preencher o requisito da «precisão» (cf. Acórdão n.º 391/2012, II – Fundamentação, 17.1); a segunda, por não ser formulada «(…) para respostas de sim ou não (…)», não permitindo uma resposta concludente ou inequívoca quanto à real vontade do eleitorado chamado a pronunciar-se por via de referendo (cf. Acórdão n.º 391/2012, II – Fundamentação, 17.2).
Subsequentemente, a Assembleia de Freguesia de Crestuma, na sua reunião extraordinária de 16 de Agosto de 2012, deliberou sobre a «reformulação das perguntas do referendo local (agregação de freguesias prevista na lei 22/2012)» nos termos da proposta subscrita, em 10 de Julho de 2012, pela Presidente da Assembleia de Freguesia de Crestuma e conforme o Ponto 1 da Ordem de Trabalhos constante do Edital datado de 10 de Agosto de 2012.
10.1 Aquela deliberação, tomada por unanimidade dos presentes, e conforme a referida proposta, foi no sentido de submeter aos eleitores, «para resposta de “SIM” ou “NÃO”», «três perguntas concretas com a seguinte redacção:
1.ª – Concorda com a junção da freguesia de Crestuma com a freguesia de Lever?
2.ª – Concorda com a junção da freguesia de Crestuma com a freguesia de Olival?
3.ª – Concorda com a junção da freguesia de Crestuma com a freguesia de Sandim?».
10.2 Tendo a iniciativa do referendo de âmbito local em apreço sido exercida pelo órgão executivo colegial (Junta de Freguesia) de Crestuma com vista a deliberação por parte da Assembleia de Freguesia de Crestuma – iniciativa representativa, sob a forma de «proposta de deliberação» –, foi ouvida antes da deliberação a Junta de Freguesia, a qual «deu a sua adesão que esta Assembleia de Freguesia delibere sobre as referidas perguntas para serem sujeitas a referendo» (cfr. Ata, aprovada em minuta, da reunião extraordinária da Assembleia de Freguesia de Crestuma, de 16 de Agosto de 2012, p. 1, ponto 1 da Ordem de Trabalhos).
10.3 Verifica-se que a reformulação das perguntas referendárias deliberada pela Assembleia de Freguesia de Crestuma, em 16 de Agosto de 2012, foi no sentido da eliminação da primeira pergunta e da transformação da segunda pergunta em três perguntas, pelo que as perguntas referendárias ora submetidas à apreciação por este Tribunal são em número de três.
10.4 Quanto à formulação das três perguntas decorrente da deliberação da Assembleia de Freguesia de Crestuma de 16 de Agosto de 2012, as mesmas resultam do desdobramento da segunda pergunta em três perguntas similares cada uma relativa a uma hipótese distinta de junção da freguesia de Crestuma – a primeira com a freguesia de Lever, a segunda com a freguesia de Olival e a terceira com a freguesia de Sandim.
11. Tendo em conta a reformulação das perguntas referendárias nos termos indicados afigura-se necessário aferir se tal reformulação respeita o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º da LORL.
11.1 Quanto ao número das perguntas, a deliberação da Assembleia de Freguesia de Crestuma respeita o disposto no n.º 1 do artigo 7.º da LORL, segundo o qual «Nenhum referendo pode comportar mais de três perguntas».
11.2 Quanto à formulação das três perguntas referendárias, importa aferir se a mesma é conforme com o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da LORL, segundo o qual «As perguntas são formuladas com objectividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, sem sugerirem directa ou indirectamente o sentido das respostas».
11.3 Isoladamente considerada, a formulação de cada uma das três perguntas referendárias respeita, segundo o entendimento deste Tribunal no Acórdão n.º 388/2012, o disposto naquela disposição da LORL – quer por se afigurar inteligível e não sugerir, direta ou indiretamente o sentido da respetiva resposta; quer por se afigurar dilemática ou binária, configurada «para respostas de sim ou não».
11.4 Todavia, dado que as três perguntas referendárias se encontram formuladas de modo simultâneo, concorrente e não subsidiário, a aferição da conformidade da formulação das mesmas com o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da LORL não dispensa também a sua apreciação conjunta à luz desta disposição – tendo em conta o contexto do pretendido referendo e a natureza e os efeitos do instituto do referendo local.
11.5 Conforme se afirma no Acórdão deste Tribunal n.º 391/2012, de 9 de Agosto, o pretendido referendo, por um lado, visaria incidir sobre a agregação de freguesias no âmbito da reorganização administrativa territorial autárquica e, concretamente, da reorganização administrativa do território de freguesias, com carácter obrigatório, prevista pela Lei n.º 22/2012, de 30 de maio (cfr. II – Fundamentação, 12.1); por outro lado, afigurar-se-ia um ato prévio ao exercício da competência conferida pelo artigo 11.º, n.º 4, daquela Lei, às assembleias de freguesia – e assim, também à Assembleia de Freguesia de Crestuma – para a apresentação de «pareceres sobre a reorganização administrativa territorial autárquica, os quais quando conformes com os princípios e os parâmetros definidos na presente lei, devem ser ponderados pela assembleia municipal no quadro da preparação da sua pronúncia», esta prevista no n.º 1 daquele artigo (cfr. II – Fundamentação, 12.2 e 10.4).
11.6 Conforme se afirma também no referido Acórdão n.º 391/2012, aqueles «pareceres» – a emitir pelas assembleias de freguesia –, não obstante a sua natureza, nos termos da lei, não vinculativa, integram-se no âmbito de procedimento complexo que visa promover a participação de órgãos das autarquias mediante parecer das assembleias de freguesia (parecer não obrigatório e não vinculativo) e pronúncia das assembleias municipais previamente ao exercício da competência legislativa por parte da Assembleia da República (cfr. II – Fundamentação, 10.5).
11.7 O instituto do referendo local, enquanto instrumento de democracia direta que permite a participação dos cidadãos eleitores ao nível local, afigura-se como um «procedimento destinado à produção da deliberação do corpo votante» (Giulio M. Salerno, «Referendum», Enciclopedia del Diritto, XXXIX, Giuffrè, p. 218) ou tendo «um papel reconduzível a uma função deliberativa» (Maria Benedita M. P. Urbano, O Referendo. Perfil Histórico-Evolutivo do Instituto. Configuração Jurídica do Referendo em Portugal, Coimbra, 1998, p. 205).
11.8 Verificado o requisito previsto no n.º 2 do artigo 219.º da LORL – mínimo de votantes superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento – os resultados do pretendido referendo vinculariam os órgãos autárquicos nos termos do n.º 1 da mesma disposição, prevendo o artigo 221.º da mesma Lei um dever de agir dos órgãos autárquicos – aprovação de ato de sentido correspondente à resposta resultante da votação popular.
11.9 Pelo que, tendo o pretendido referendo por objeto a matéria da reorganização administrativa territorial autárquica e, em concreto, a reorganização administrativa obrigatória do território das freguesias, no que à freguesia de Crestuma diz respeito, com vista à emissão de parecer (ainda que não obrigatório e não vinculativo) pela respetiva assembleia de freguesia, o teor e o sentido da deliberação produzida pelo corpo de eleitores que participaria no referendo local em apreço vincularia a Assembleia de Freguesia de Crestuma quanto ao teor e ao sentido do parecer a emitir, na matéria em causa, no exercício da competência conferida pelo 11.º, n.º 4, da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio.
E os quesitos referendários deveriam permitir, de modo imediato, sem qualquer mediação interpretativa, o apuramento inequívoco do sentido da vontade popular, expressa através daquela deliberação produzida pelo corpo de eleitores participantes no referendo (mediante a resposta aos mesmos) e, assim, a correspondente determinação do sentido do ato (parecer), sobre a matéria submetida a referendo, a aprovar pela Assembleia de Freguesia de Crestuma – que correspondente a uma competência conferida a título consultivo – no quadro do procedimento complexo previsto na Lei n.º 22/2012, de 30 de maio.
11.10 Sucede que a formulação simultânea, concorrente e não subsidiária das três perguntas referendárias – cada uma delas referente a uma hipótese de junção da freguesia de Crestuma com uma freguesia (limítrofe) distinta – não permite uma resposta concludente ou inequívoca quanto à real vontade do eleitorado chamado a pronunciar-se por via de referendo e, nessa medida, quanto ao próprio sentido do parecer, ou – como se afirmou no Acórdão deste Tribunal n.º 360/91, de 9 de Julho de 1991 e se reiterou no Acórdão n.º 495/99, de 15 de Setembro, a propósito de uma situação “estruturalmente” idêntica à que se encontra sub judice, em que se apreciava a formulação concorrente de três quesitos referendários – «o apuramento de um resultado concludente, ou seja, o apuramento da vontade maioritária do universo dos cidadãos eleitores consultados (basta pensar que o maior número de respostas positivas recebido por uma pergunta, podia ser igual ou inferior à soma das respostas positivas recebidas pelas outras; e que nesse caso, ficaria por apurar se, em face de um tal resultado, a maioria dos eleitores não se pronunciaria, afinal, por outra solução)» (cfr., respectivamente, n.º 5 e II – Fundamentos, n.º 4).
E tratando-se, como sucede no caso em apreço, da formulação simultânea de três perguntas concorrentes entre si – e, nessa medida, correspondentes a três soluções (alternativas) de junção da freguesia de Crestuma – ainda que se pudesse vislumbrar, em teoria, a hipótese oposta de o número de respostas positivas recebido por uma pergunta ser superior à soma das respostas positivas recebidas pelas outras duas configurando prima facie um resultado (maioritário) concludente quanto ao sentido da vontade popular, tal resultado concludente sempre ficaria prejudicado pela incerteza quanto à verificação dos (necessários) pressupostos segundo os quais, no caso de formulação de três perguntas concorrentes entre si, os cidadãos eleitores deveriam exprimir a sua vontade em relação a todas as três perguntas e só poderiam responder positivamente a uma delas e deveriam responder negativamente às demais (vide quanto à questão Maria Benedita M. P. Urbano, op. cit., p. 259, nota (460)).
11.11 Como se afirma ainda no mesmo Acórdão n.º 360/91 (cfr. n.º 5), a inconcludência do resultado decorrente de uma votação realizada em tais circunstâncias – votação em relação a três perguntas concorrentes, ainda que cada uma formulada isoladamente para respostas de sim ou de não, como sucede no caso em apreço – e respectiva demonstração matemática é conhecida como paradoxo de Condorcet ou paradoxo de Borda (vide Condorcet, «Discours préliminaire de l’essai sur l’application de l’analyse à la probabilité des décisions rendues à la pluralité des voix» in Sur les élections et autres textes, Fayard, 1986, p. 7 e ss., em especial p. 60 e ss. e Mathématique et societé, Coll. Savoir, Hermann, 1974, p. 183 e ss.; e, ainda, Pierre Favre, La décision de majorité, Cahiers de la Fondation Nationale de Sciences Politiques, n.º 205, Presses de la fondation nationale des sciences Politiques, 1976, p. 33 e ss., em especial p. 41 e ss).
Conforme a doutrina do referido Acórdão n.º 360/91, ainda que na hipótese em apreço se pudesse apurar uma «maioria» de votos a favor de uma das três alternativas de junção da freguesia de Crestuma submetidas à consulta popular, tal maioria seria apenas «(…) uma simples maioria «relativa». Mas justamente isso é que, não só é insuficiente, como é incompatível com a natureza de um «referendo» com carácter vinculativo, tal como é concebido pela nossa lei (…) – lógica essa que é necessariamente dilemática, bipolar, ou binária, ou seja: que pressupõe uma definição maioritariamente unívoca da vontade popular, num ou noutro dos sentidos possíveis de resposta à questão cuja resolução é devolvida diretamente aos cidadãos» (cfr. Acórdão n.º 360/1991, n.º 5), sendo esta lógica da deliberação referendária que hoje encontra expressão no n.º 2 do artigo 7.º da LORL – em especial quando aí se fala de perguntas «(…) formuladas com objectividade (…) e para respostas de sim ou não (…)», sob pena de violação do princípio da bipolaridade ou dilematicidade da pergunta referendária e do princípio da proibição de apresentação de opção entre soluções alternativas (cfr., ainda que a propósito do referendo nacional, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª ed., 2010, p. 105, IX).
11.12 E, ainda que seja legalmente admissível submeter aos cidadãos eleitores, em cada consulta, até três perguntas – como sucede no caso em apreço –, como afirmou este Tribunal igualmente no Acórdão n.º 360/1991, «(…) há-de tratar-se de perguntas não concorrentes e permitindo um conjunto unívoco de respostas ou uma resposta global unívoca (…).
De resto, não deixa a doutrina de sublinhar a natureza e a lógica, que ficam apontadas, do referendo deliberativo e de pôr em relevo, precisamente, as consequências que daí decorrem no tocante à admissibilidade das perguntas em que irá consubstanciar-se e à sua formulação. Vale a pena citar o que a este respeito, e considerando igualmente o referendo deliberativo igualmente previsto no direito italiano, escreve, expressivamente, Giulio Salerno: “outra característica própria da ‘pergunta’, e consequentemente do quesito referendário, é a formulação em termos dilemáticos e alternativos, de modo a não consentir respostas ulteriores ou diferenciadas a respeito da aceitação de uma solução e da correspondente rejeição da solução oposta”; e mais adiante “a eventualidade de a escolha não ser dilemática ou bipolar, mas ter mais de duas saídas concorrentes e alternativas, é incompatível com a configuração do instituto referendário acolhida no nosso ordenamento: o referendum apresenta-se, em todas as suas formas, como expressão directa da vontade popular que se manifesta através do critério maioritário entendido como prevalência duma escolha em confronto com a escolha oposta” (em Enciclopedia del Diritto, v. “Referendum”, vol. XXXIX, p. 24)» (cfr. Acórdão n.º 360/91, n.º 5).
11.13 Por último, tendo em conta o contexto de realização do pretendido referendo e a sua natureza prévia em relação à aprovação de parecer pela Assembleia de Freguesia de Crestuma no quadro do procedimento complexo com vista à reorganização administrativa territorial autárquica, obrigatória para as freguesias (cfr. artigos 1.º, n.º 2, 3.º, alínea d) e 6.º, n.º 1, a) da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio), as respetivas perguntas referendárias, sob pena de ausência de efeito útil no âmbito de tal procedimento, hão-se servir o desígnio de apurar a vontade do eleitorado da freguesia de Crestuma relativamente à hipótese (ou hipóteses) de agregação da mesma com uma (ou várias) das freguesias limítrofes no âmbito daquela reorganização, de modo a permitir que o exercício da competência conferida à Assembleia de Freguesia de Crestuma, mediante deliberação de emissão de parecer, incorpore o sentido, inequívoco e concludente, da vontade popular, expressa por via de referendo.
A admitir-se, em teoria, que o resultado decorrente da pretendida manifestação da vontade popular por via de referendo consubstanciado em três perguntas concorrentes e não subsidiárias, ainda que não concludente, pudesse apesar disso, atendendo ao contexto de realização do mesmo, conformar o teor e o sentido do parecer a emitir pela Assembleia de Freguesia de Crestuma – o qual, no limite, se poderia limitar a “transcrever” os resultados da votação popular, sem dos mesmos resultar imediatamente o sentido inequívoco da vontade popular na matéria – ainda assim a formulação dos quesitos referendários não permitiria, face ao apuramento dos resultados da votação (ou à incerteza quanto aos seus pressupostos), apurar a prevalência de uma escolha dos eleitores chamados a pronunciar-se em confronto com a escolha oposta o que, independentemente do contexto de realização do referendo no caso em apreço, sempre se afiguraria contrário à sua natureza e aos seus efeitos.
Em concreto, a formulação das perguntas referendárias, sendo concorrente e não subsidiária, e nessa medida respeitando a diferentes hipóteses (alternativas) de junção da Freguesia de Crestuma, não permitiria, de modo imediato, apurar uma resposta inequívoca ou concludente do eleitorado quanto à junção da freguesia de Crestuma com uma (ou várias) das três freguesias em causa mencionadas em cada um dos quesitos referendários isoladamente considerados (Lever, Olival e Sandim).
A formulação das perguntas referendárias decorrente da deliberação da Assembleia de Crestuma de 16 de Agosto de 2012 não se afigura, pois, conforme com o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da LORL.
III – DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não ter por verificada a legalidade do referendo local que a Assembleia de Freguesia de Crestuma, nas suas reuniões extraordinárias de 19 de Julho e de 16 de Agosto de 2012, deliberou realizar, por violação do artigo 7.º, n.º 2, da LORL.
Lisboa, 28 de agosto de 2012.- Maria José Rangel de Mesquita – Ana Guerra Martins – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral – Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida conforme declaração) – João Cura Mariano (vencido, conforme declaração que anexo) – Rui Manuel Moura Ramos.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencida.
Constitui imposição constitucional em matéria de criação, extinção ou alteração da área de municípios a consulta dos órgãos das autarquias locais (artigo 249.º da CRP). E estas podem submeter a referendo matérias incluídas nas competências dos seus órgãos nos casos, termos e com a eficácia que a lei estabelecer (artigo 240.º da CRP).
Fundamento e limite da atuação a cargo da autarquia local constitui o interesse específico local. O artigo 17.º, n.º1, alínea r), da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, na redação introduzida pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro atribui competência à assembleia de freguesia para «pronunciar-se e deliberar sobre todos os assuntos com interesse para a freguesia, por sua iniciativa, ou por solicitação da junta». Por sua vez, o artigo 4.º/1ª) da LORL exclui do âmbito do referendo local as matérias integradas na esfera de competência legislativa reservada aos órgãos de soberania. Em matéria de competência legislativa reservada à AR, a abertura do processo legislativo configura, assim, uma condição de admissibilidade da realização de referendo local.
A Lei 22/2012, de 30 de maio abriu o processo legislativo de reorganização administrativa territorial autárquica no âmbito da qual consagrou a obrigatoriedade da reorganização administrativa do território das freguesias.
Estando obrigadas a respeitar a integridade da soberania e unidade do Estado (artigo 6.º da CRP), as autarquias locais visam, porém, a prossecução de interesses próprios das populações respetivas (artigo 235.º/2 da CRP), devendo dar livre expressão aos mesmos (princípio da autonomia local).
A proposta de referendo apresentada pela Assembleia de Freguesia de Crestuma insere-se no âmbito do processo legislativo de reorganização administrativa territorial em curso, sendo estritamente consultiva a competência das autarquias no referido procedimento (artigo 11.º, n.º 4, da Lei 22/2012).
As perguntas a responder no âmbito do referendo proposto pela Assembleia de Freguesia de Crestuma destinam-se, portanto, a habilitar a respetiva Junta de Freguesia a emitir parecer (não obrigatório e não vinculativo) sobre a solução de reorganização administrativa pretendida pela comunidade local. Uma escolha que não tem necessariamente de passar apenas por uma solução excludente de todas as demais, antes podendo exprimir-se na adesão a soluções variadas. Na verdade, sendo obrigatória a reorganização das freguesias, são múltiplas as possibilidades que se abrem à concretização dos parâmetros de agregação definidos no artigo 6.º da lei (no caso de Crestuma, pertencendo a um município de «nível 1» (Vila Nova de Gaia), os parâmetros a respeitar são os indicados na alínea a) do n.º 1 da referida disposição legal).
É neste contexto que as perguntas propostas a referendo devem ser lidas. No caso em apreciação, a circunstância de serem três as freguesias vizinhas conduziu à necessidade de formular três perguntas ao eleitorado o que dificulta, é certo, a leitura dos resultados, mas não significa que ela se torne impossível.
Vem de longe a procura da perfeição do sistema de eleições, enquanto método de escolha coletiva. Já no século XVIII o matemático Jean-Charles Borda notara que, numa escolha entre três candidatos, é possível eleger aquele que a maioria dos eleitores coloca em último lugar nas suas opções relativas. Pouco depois, Condorcet aumentava a perplexidade ao demonstrar que nem sempre é possível relacionar de forma coerente as escolhas dos eleitores. O conjunto dos eleitores pode preferir A a B e B a C, mas não preferir A a C (quando a lógica individual dita que quem prefere A a B e B a C também prefere A a C).
Permanecendo matematicamente insolúvel a falta de equivalência das escolhas coletivas às escolhas individuais que, de resto, constitui problema comum a qualquer votação, seja ela expressão da democracia direta, semidirecta ou mesmo da democracia representativa, tal não significa a falência do método eleitoral enquanto instrumento de aferição da vontade coletivamente aceite.
A tese que fez vencimento no acórdão pressupõe a verificação de concorrência entre as perguntas, enquanto hipóteses alternativamente colocadas, e cujas respostas se excluem necessariamente entre si, o que, em meu entender, não se verifica no caso. Como acima referido, a consulta promovida visa a emissão de parecer no âmbito de competência meramente consultiva no processo legislativo em curso. Ora, na reorganização administrativa territorial em aberto não é de excluir a possibilidade de agregação de várias freguesias na nova freguesia a criar.
E sendo assim, a expressão das respostas que vierem a ser dadas às três perguntas formuladas não tem de ser apurada na mira de uma única solução querida ou aceite pela população, antes convocando a emissão de parecer que ilustre a adesão do eleitorado a cada uma das hipóteses abertas, sem prejuízo da unicidade do tema referendado.
É certo que nenhuma das perguntas formuladas interroga a opinião do eleitor sobre a possibilidade de agregação plural. Mas a opção final da Assembleia da República não tem que traduzir uma escolha necessariamente expressa pelas comunidades afetadas. Nem por isso a auscultação da sensibilidade local deixará de constituir um elemento enriquecedor no processo legislativo em referência. É este o sentido da Constituição quando no seu artigo 249.º impõe a consulta dos órgãos e autarquias locais na matéria. E, nesse sentido, as respostas que viessem a ser dadas aos quesitos referendários formulados não deixariam de permitir, de modo imediato, e sem qualquer mediação interpretativa, o apuramento do sentido da vontade popular a reproduzir no parecer a emitir pela Junta de Freguesia. Assim, uma resposta maioritariamente negativa (mais respostas no Não do que no Sim) a todas, ou algumas das perguntas conduziria a parecer negativo dos habitantes de Crestuma à agregação da freguesia com as freguesias vizinhas chumbadas. Pelo contrário, uma resposta maioritariamente positiva a todas, ou apenas algumas das perguntas, conduziria ao parecer favorável à agregação de Crestuma à(s) freguesia(s) vizinha(s) favoravelmente votadas.
Não há nenhuma razão para exigir da leitura dos resultados de uma votação por referendo um rigor matemático impossível de alcançar em qualquer outra eleição, em especial quando aquela se destina ao exercício de pronunciamento de caráter meramente opinativo, no âmbito de competência consultiva. Defendê-lo significa dificultar injustificadamente a integração de instrumentos de democracia semidirecta no princípio representativo, em desfavor da componente participativa do sistema democrático num domínio de particular relevo para a comunidade local e, consequentemente, em prejuízo do justo equilíbrio constitucional entre ambos.
Com estes fundamentos pronunciei-me pela não verificação de inconstitucionalidade ou ilegalidade do referendo local ora proposto.
Lisboa, 28 de agosto de 2012.- Maria de Fátima Mata-Mouros.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Discordei do juízo de ilegalidade que recaiu sobre o referendo que a Assembleia de Freguesia de Crestuma deliberou realizar, por entender que, se é verdade que a formulação de três perguntas referendárias concorrentes – cada uma delas referente a uma hipótese de junção da freguesia de Crestuma com uma freguesia (limítrofe) distinta – não garante, como resultado, uma resposta única quanto à real vontade do eleitorado, uma vez que duas ou três dessas perguntas podem obter simultaneamente um maior número de votos afirmativos, essa circunstância, no presente caso, não é incompatível com as finalidades referendárias.
O instituto do referendo local, enquanto instrumento de democracia direta é um procedimento destinado à produção da deliberação do corpo votante, a qual se vai substituir à do órgão com competência para a emitir, pelo que os resultados do referendo vinculam os órgãos autárquicos, os quais devem agir no sentido correspondente à resposta resultante da votação popular.
Ora, tendo o pretendido referendo por objeto a matéria da reorganização administrativa territorial autárquica e, em concreto, a reorganização administrativa obrigatória do território das freguesias, no que à freguesia de Crestuma diz respeito, com vista à emissão de um parecer não vinculativo pela respetiva assembleia de freguesia, no quadro do procedimento complexo previsto na Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, a pronúncia do órgão que é substituído pelo eleitorado é aqui meramente consultiva.
Um resultado em que duas dessas perguntas ou a sua totalidade (as três), obtivessem uma maioria de respostas “sim”, traduziria concludentemente a vontade do eleitorado no sentido de ser emitido parecer favorável à freguesia de Crestuma agregar-se com qualquer uma das outras freguesias referidas nas respectivas perguntas.
Ora, a pronúncia consultiva não tem que ser necessariamente direccionada a uma única hipótese de decisão, podendo ser favorável a diferentes soluções que entre si são concorrentes, pelo que, podendo a Assembleia de Freguesia emitir um parecer que, simultaneamente, se pronuncie favoravelmente à agregação da freguesia de Crestuma com a freguesia de Lever, com a freguesia de Olival, ou com a freguesia de Sendim, por entender que qualquer uma destas agregações é favorável aos interesses de Crestuma, nada impede que o resultado do referendo vincule a Assembleia de Freguesia a essa pronúncia.
Daí que os quesitos referendários, apesar de concorrentes, neste caso, não são impeditivos do apuramento do sentido da vontade popular, sejam quais forem os resultados do referendo, sendo os mesmos susceptíveis de determinar o sentido do acto (parecer não vinculativo) a emitir pela Assembleia de Freguesia de Crestuma.
É certo que na redacção das três perguntas formuladas não se precisa que apenas está em questão a emissão de um parecer e não a decisão de agregação das freguesias, mas tendo já o Tribunal Constitucional admitido uma formulação com a mesma imprecisão, em referendo também inserido no procedimento previsto na Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, por coerência de decisões, deveria também aqui pronunciar-se pela legalidade das três perguntas formuladas.- João Cura Mariano.