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Processo n.º 79/2012
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A. e “B., Lda.”, foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso com os seguintes fundamentos:
3. O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos termos do qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, entende-se não se poder conhecer do objeto do mesmo.
Resulta do teor do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade que os recorrentes pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie, ao todo, dez questões, a saber:
a) interpretação normativa dos artigos 286.º, n.º 1, 298.º e 308.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, “que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia”, por violação das garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, previstas no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição;
b) norma do artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual deve presumir-se que quem tem posição formal de gerente age necessariamente com dolo na determinação do conteúdo das obrigações declarativas fiscais, cabendo ao arguido, gerente, ilidir tal presunção, demonstrando a autoria alheia em concreto para todos os atos que lhe são imputados, interpretação esta que leva a que os concretos pontos de facto que se consideraram incorretamente julgados, em face dos erros e condições de apreciação da prova, são tributários de um critério que consubstancia uma presunção contrária à presunção de inocência, critério que enferma de inconstitucionalidade a valoração da prova no mesmo fundada, conforme decorre do artigo 32.º, n.º 2 da Constituição, violando ainda o disposto no artigo 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
c) norma extraída do artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual deve presumir-se que os elementos apresentados pela Acusação, em especial pela Administração Fiscal – sejam contas correntes, sejam meras listas de contratos – em face da presunção que resulta de fidedignidades dos elementos remetidos por entidades terceiras aos arguidos, designadamente entidades bancárias (mesmo que entre esses elementos se detetem erros), correspondem à verdade material, ainda que, estando em causa a emissão de faturas, para efeitos tributários, não se encontrem no processo, nem se encontrem identificadas de modo a serem reconhecidas no processo e conferidas pelo Tribunal e pela Defesa, todas as faturas originais ou reconhecidas como tal nos termos do artigo 168.º do Código de Processo Penal, enferma de inconstitucionalidade a valoração da prova no mesmo fundada, conforme decorre do artigo 32.º, n.º 2 da Constituição, violando ainda o disposto no artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda o princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5 da Constituição e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem);
d) artigos 307.º e seguintes e 118.º e seguintes do C.P.P., inconstitucionais no sentido de que não é impugnável nem padece de qualquer invalidade uma decisão instrutória que viola direitos fundamentais ou princípios constitucionais do processo penal, como a presunção de inocência, por violação dos artigos 32.°, n.os 1 e 2, 3.°,20.°,13.° e 18.° da C.RP.;
e) artigo 283.°, n.º 3, alíneas b) e c) C.P.P., enquanto aplicável ex vi artigo 308.°, n.º 2 do C.P.P., interpretado no sentido de que, em caso de continuação criminosa, não é necessário proceder, com suficiente precisão, à identificação dos factos correspondentes a cada conduta integrada na continuação nem à respetiva qualificação jurídica, mediante a indicação das disposições legais que lhe são aplicáveis e, com ela, do máximo da sanção correspondente, é inconstitucional por violação do artigo 32.°, n.os 1, 2 e 5 da C.RP.;
f) norma extraída do artigo 374.°, n.º 2 do C.P.P., segundo a qual não é necessária a identificação dos atos ilícitos concretos que compõem um crime continuado, ou seja, a definição da primeira ação ilícita considerada, das intercalares e do último ato de execução, inconstitucional já que - extraída por interpretação e que o Tribunal recorrido aplicou - não permite sequer aferir se alguém está a ser julgado mais do que uma vez pelos mesmos factos (artigo 29°, nº 5 da C.RP.) e limita o direito ao recurso por indeterminação da matéria de facto a impugnar (artigo 32.°, n.º 1 da C.RP.);
g) violação dos princípios do contraditório (artigo 32.°, n.º 5 da C.RP. e artigo 6.°, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), e da presunção de inocência (artigo 32.°, n.º 2 da C.RP. - violando, ainda, o disposto no artigo 6.°, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), por se basear a decisão em exclusivo no depoimento de uma testemunha de acusação sem procurar confirmação em prova documental;
h) violação do princípio da legalidade, nos termos do artigo 29.°, n.º 1 da C.R.P. e do artigo 7.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por desconsideração do IVA dedutível, considerando que, apesar da sua existência e identificabilidade, o mesmo não pode abater ao valor da alegada vantagem patrimonial, constituindo um inaceitável alargamento do tipo, tanto tendo em conta o artigo 23.° do RJIFNA como o artigo 103.° do RGIT, violando, ainda, o princípio da proporcionalidade por obrigar o contribuinte a pagar duas vezes o mesmo IVA nas compras (ao fornecedor e à Administração Fiscal), bem como por desconsideração do crédito de imposto, considerando que, apesar da sua existência, o mesmo não pode abater ao valor da alegada vantagem patrimonial;
i) violação do princípio da legalidade e da tipicidade fiscal, artigo 103.°, n.os 2 e 3 da C.R.P., por adoção, pela acusação de critério de cálculo do IVA diverso do consignado no artigo 19.° do C.I.V.A e no artigo 30.°, n.º 1, alínea c) e n.º 2 da L.G.T.;
j) interpretação tanto do artigo 23.° do R.J.I.F.N.A. como o artigo 103.° do R.G.I.T., no sentido de que a vantagem patrimonial visada ou pretendida corresponde à «diferença entre o valor efetivamente entregue e o valor resultante das faturas constantes dos autos e não declaradas».
De seguida, proceder-se-á à análise de cada uma das questões de constitucionalidade, devidamente agrupadas.
Questões A), D) e E)
4. As questões indicadas pelos requerentes nas alíneas a), d) e e) do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade reportam-se a preceitos legais – relativos à fase de instrução em processo penal – que, manifestamente, não serviram de critério à decisão recorrida, decisão essa proferida, uma vez já definitivamente ultrapassada a fase instrutória, em sede de recurso da sentença condenatória da primeira instância.
Ora, em sede de fiscalização concreta, tratando-se de formular um juízo que tem por objeto uma norma tal como foi aplicada num caso concreto, é um pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade que a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre a questão de constitucionalidade suscitada seja suscetível de produzir algum efeito sobre a decisão de que se recorre (nesse sentido, entre muitos outros, v. Acórdãos do TC n.ºs 169/92, 463/94, 366/96 e 687/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, não se verifica, in casu, o pressuposto processual de efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, pressuposto esse sem a verificação do qual o Tribunal Constitucional não pode conhecer de recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Tanto basta para que, na parte que respeita a esses pedidos dos requerentes, se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade.
Questões B) e C)
5. A delimitação da interpretação normativa dada ao artigo 127.º do Código de Processo Penal nas alíneas b) e c) do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não constitui objeto idóneo para efeitos de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, na medida em que não contém uma vocação de generalidade e abstração na enunciação do critério normativo que lhe está subjacente, autonomizável da pura atividade subsuntiva, ligada irremediavelmente a particularidades específicas do caso concreto e, portanto, passível de controlo jurídico-constitucional.
Embora sob a capa da enunciação daquela que teria sido a interpretação dada a esse preceito é manifesto que o que os requerentes realmente pretendem controverter é, em substância, não o critério normativo por eles formalmente enunciado, mas o próprio juízo concretamente efetuado sobre a valoração da prova. Com efeito, são os próprios requerentes a imputar expressamente o vício de inconstitucionalidade à valoração da prova e não ao critério normativo em si mesmo considerado.
Ora, inexistindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objeto não uma questão de constitucionalidade normativa mas a própria decisão judicial.
Tanto basta para que, na parte que respeita a esses pedido dos requerentes, se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade.
Questão F)
6. Solicitam ainda os requerentes, na alínea f) do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade da interpretação do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, segundo a qual não é necessária a identificação dos atos ilícitos concretos que compõem um crime continuado.
Compulsados os autos, verifica-se que a dimensão normativa do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal questionada, i. é, com a delimitação que lhe é dada pelos requerentes no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, não foi efetivamente aplicada pela decisão recorrida.
Desde logo, não se encontra na decisão recorrida qualquer referência ao acolhimento da interpretação do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, segundo a qual não é necessária a identificação dos atos ilícitos concretos que compõem um crime continuado.
Antes pelo contrário, resulta de uma leitura cuidada da decisão recorrida que a interpretação que nela é dada ao artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal é justamente a de que é necessária a identificação dos atos ilícitos concretos que compõem um crime continuado, porquanto é a própria decisão recorrida a censurar a fundamentação da decisão de facto elaborada pelo tribunal de primeira instância relativamente a determinados documentos bem como quanto à identificação dos elementos de facto determinantes para considerar provados determinados factos, afirmando que a mesma não prima pelo apuro técnico.
Ora, em sede de fiscalização concreta, tratando-se de formular um juízo que tem por objeto uma norma tal como foi aplicada num caso concreto, é um pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade que a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre a questão de constitucionalidade suscitada seja suscetível de produzir algum efeito sobre a decisão de que se recorre (nesse sentido, entre muitos outros, v. Acórdãos do TC n.ºs 169/92, 463/94, 366/96 e 687/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, não se verifica, in casu, o pressuposto processual de efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, pressuposto esse sem a verificação do qual o Tribunal Constitucional não pode conhecer de recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Tanto basta para que, na parte que respeita a este pedido dos requerentes, se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade.
Questões G), H) e I)
7. As questões indicadas pelos requerentes nas alíneas g), h) e i) do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não constituem objeto idóneo para efeitos de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, porquanto não se reportarem a uma norma, sendo a violação dos preceitos aí indicados à própria decisão judicial.
Ora, inexistindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objeto não uma questão de constitucionalidade normativa mas a própria decisão judicial.
Tanto basta para que, na parte que respeita a esses pedidos dos requerentes, se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade.
Questão J)
8. Pretendem os requerentes que o Tribunal Constitucional aprecie a interpretação tanto do artigo 23.º do R.J.I.F.N.A. como do artigo 103.º do R.G.I.T., no sentido de que a vantagem patrimonial visada ou pretendida corresponde à «diferença entre o valor efetivamente entregue e o valor resultante das faturas constantes dos autos e não declaradas».
Compulsados os autos, verifica-se que se não pode considerar ter sido tal questão previamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, tal como é exigido pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Com efeito, e embora nos pontos LXII e LXVI das conclusões e também na própria motivação, se suscitem questões de constitucionalidade reportadas, qualquer delas, a esses mesmos preceitos legais, o que aí se questiona, por violação do princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1 da Constituição, do artigo 7.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, ainda, do princípio da proporcionalidade, é a interpretação normativa que, seja por desconsiderar o IVA dedutível seja por desconsiderar o crédito do imposto, conduz ao alargamento do tipo.
Face à manifesta falta de correspondência entre a questão unitária que integra o objeto do presente recurso de constitucionalidade e as duas questões de constitucionalidade suscitadas perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, tem-se por não verificado o pressuposto processual de prévia suscitação da questão de constitucionalidade a que se refere o artigo 72.º, n.º 2 da LTC.
Tanto basta para que, na parte que respeita a esse pedido dos requerentes, se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade.
2. Notificados dessa decisão, A. e “B., Lda.” vieram reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC). Dada a longuíssima extensão da reclamação apresentada, não faz sentido a sua reprodução no relatório, sendo os seus elementos relevantes apreciados na fundamentação da decisão.
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, notificado da reclamação, veio pugnar pelo seu indeferimento.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Através da decisão sumária ora reclamada o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto por relativamente a cada uma das questões que o integravam se não verificarem os pressupostos de admissibilidade do mesmo.
Na reclamação apresentada, os reclamantes pretendem controverter a decisão sumária na parte em que nela se decidiu não conhecer do recurso na parte em que este tem por objeto as questões identificadas no requerimento de interposição do mesmo sob as alíneas b), c), f), g), h), i) e j). Tal significa que os reclamantes não contestam a decisão sumária na parte em que, com fundamento na não verificação do pressuposto processual de efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, nela se decidiu não conhecer do recurso na parte em que este tem por objeto as questões identificadas no requerimento de interposição do mesmo sob as alíneas a), d) e e).
Face à sua não impugnação pelos reclamantes, a questão do não conhecimento do recurso na parte relativa a essas últimas questões de constitucionalidade ficou definitivamente decidida.
Vejamos, pois.
5. A questão identificada no recurso de constitucionalidade sob a alínea b) é relativa à norma do artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual deve presumir-se que quem tem posição formal de gerente age necessariamente com dolo na determinação do conteúdo das obrigações declarativas fiscais, cabendo ao arguido, gerente, ilidir tal presunção, demonstrando a autoria alheia em concreto para todos os atos que lhe são imputados, interpretação esta que leva a que os concretos pontos de facto que se consideraram incorretamente julgados, em face dos erros e condições de apreciação da prova, são tributários de um critério que consubstancia uma presunção contrária à presunção de inocência.
O fundamento oferecido na decisão sumária para o não conhecimento do recurso na parte relativa a essa questão foi o da inidoneidade do obejto do recurso, tendo-se entendido que, embora sob a capa da enunciação daquela que teria sido a interpretação dada ao artigo 127.º do Código de Processo Penal, era manifesto que o que os requerentes realmente pretendiam controverter era, em substância, não o critério normativo por eles formalmente enunciado, mas o próprio juízo concretamente efetuado sobre a valoração da prova.
Na reclamação apresentada os reclamantes vêm sustentar que, ao contrário do que foi decidido, à norma referida foi efetivamente dada pela decisão recorrida a interpretação enunciada pelos recorrentes.
Simplesmente, tal entendimento em nada abala o fundamento oferecido pela decisão sumária, porquanto o fundamento nela oferecido para o não conhecimento do recurso na parte relativa à questão b) foi, como já assinalámos, o da inidoneidade do objeto do recurso (e não o da não verificação do pressuposto processual de efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional).
Verifica-se, pois, que, relativamente a esta questão, toda a argumentação desenvolvida pelos reclamantes está orientada para rebater um fundamento que não esteve sequer na base da decisão sumária.
Quanto ao fundamento oferecido pela decisão sumária para o não conhecimento do recurso na parte relativa à questão b) – o da inidoneidade do objeto do recurso – nenhum argumento é oferecido pelos reclamantes para contrariá-lo. Antes pelo contrário, o que resulta do extenso desenvolvimento que os reclamantes fazem sobre a matéria dada como provada e não provada e sobre as conclusões a que chegaram as instâncias é que é justamente a valoração da prova, ali realizada, que pretendem controverter. Atente-se, a título meramente exemplificativo, nos pontos 66-67 da reclamação, onde se afirma que “[o] Tribunal dispunha assim de inúmeras provas (testemunhais e documentais) que permitiam concluir por uma gerência de facto exercida em exclusivo pelo Senhor Soares Antunes no período em causa […] [n]ão obstante, em manifesto erro de apreciação de prova e até de contradição com os factos provados e matéria qualificada como clara e inequívoca, concluiu que […]”. É por demais evidente que, tal como entendeu a decisão sumária, o que está em causa é, não um critério normativo extraível do artigo 127.º do Código de Processo Penal, mas a própria valoração da prova concretamente efetuada pelas instâncias em si mesma considerada, pretendendo-se sustentar que as asserções feitas pela decisão estão em contradição com determinados factos dados como provados.
Assim, é o teor da própria reclamação apresentada que vem confirmar a correção do fundamento oferecido na decisão sumária – o da inidoneidade do objeto do recurso de constitucionalidade –, pelo que é de confirmar a decisão sumária na parte relativa a esta questão de constitucionalidade.
6. A questão identificada no recurso de constitucionalidade sob a alínea c) é relativa à norma extraída do artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual deve presumir-se que os elementos apresentados pela Acusação, em especial pela Administração Fiscal – sejam contas correntes, sejam meras listas de contratos – em face da presunção que resulta de fidedignidades dos elementos remetidos por entidades terceiras aos arguidos, designadamente entidades bancárias (mesmo que entre esses elementos se detetem erros), correspondem à verdade material, ainda que, estando em causa a emissão de faturas, para efeitos tributários, não se encontrem no processo, nem se encontrem identificadas de modo a serem reconhecidas no processo e conferidas pelo Tribunal e pela Defesa, todas as faturas originais ou reconhecidas como tal nos termos do artigo 168.º do Código de Processo Penal.
O fundamento oferecido na decisão sumária para o não conhecimento do recurso na parte relativa a essa questão foi, uma vez mais, o da inidoneidade do obejto do recurso, tendo-se entendido – tal como sucedeu relativamente à questão identificada no recurso de constitucionalidade sob a alínea b) – que, embora sob a capa da enunciação daquela que teria sido a interpretação dada ao artigo 127.º do Código de Processo Penal, era manifesto que o que os requerentes realmente pretendiam controverter era, em substância, não o critério normativo por eles formalmente enunciado, mas o próprio juízo concretamente efetuado sobre a valoração da prova.
Na reclamação apresentada os reclamantes, embora comecem por afirmar, no ponto 81 da reclamação, que, contrariamente ao decidido pela decisão sumária, tal questão se refere a um critério normativo (e não à decisão judicial), a verdade é que, em lugar de procurar consubstanciar tal afirmação, procuram antes demonstrar que à norma referida foi efetivamente dada pela decisão recorrida a interpretação enunciada pelos recorrentes.
Ora, a argumentação desenvolvida pelos reclamantes em nada abala o fundamento oferecido pela decisão sumária, porquanto o fundamento nela oferecido para o não conhecimento do recurso na parte relativa à questão c) foi, como já assinalámos, o da inidoneidade do objeto do recurso (e não o da não verificação do pressuposto processual de efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional).
Verifica-se, pois, que, relativamente a esta questão, toda a argumentação desenvolvida pelos reclamantes, e não obstante a afirmação inicial constante do ponto 81 da reclamação, está orientada para rebater um fundamento que não esteve sequer na base da decisão sumária.
Quanto ao fundamento oferecido pela decisão sumária para o não conhecimento do recurso na parte relativa à questão c) – o da inidoneidade do objeto do recurso – nenhum argumento é oferecido pelos reclamantes para contrariá-lo. Antes pelo contrário, o que resulta do extenso desenvolvimento que os reclamantes fazem sobre a matéria dada como provada e não provada e sobre as conclusões a que chegaram as instâncias é que é justamente a valoração da prova, ali realizada, que pretendem controverter. Atente-se, a título meramente exemplificativo, no ponto 106 da reclamação, onde se afirma que “[m]as apesar das nobres declarações de princípios, o Tribunal não se preocupou com a verdade das faturas muito menos com o princípio da presunção de inocência […]”. É por demais evidente que, tal como entendeu a decisão sumária, o que está em causa é, não um critério normativo extraível do artigo 127.º do Código de Processo Penal, mas a própria valoração da prova concretamente efetuada pelas instâncias em si mesma considerada.
Assim, é o teor da própria reclamação apresentada que vem confirmar a correção do fundamento oferecido na decisão sumária – o da inidoneidade do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que é de confirmar a decisão sumária na parte relativa a esta questão de constitucionalidade.
7. A questão identificada no recurso de constitucionalidade sob a alínea f) é relativa à norma extraída do artigo 374.°, n.º 2 do C.P.P., segundo a qual não é necessária a identificação dos atos ilícitos concretos que compõem um crime continuado, ou seja, a definição da primeira ação ilícita considerada, das intercalares e do último ato de execução.
O fundamento oferecido na decisão sumária para o não conhecimento do recurso na parte relativa a essa questão foi o da não verificação do pressuposto processual de efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Na reclamação apresentada os reclamantes vêm sustentar que, ao contrário do que foi decidido, à norma referida foi efetivamente dada pela decisão recorrida a interpretação enunciada pelos recorrentes, argumentando que, na decisão recorrida, embora censurando-se a falta de apuro técnico da fundamentação da decisão de facto elaborada pelo tribunal de primeira instância, o tribunal a quo não identificou, com clareza, os atos que compõem o crime continuado.
Não têm razão os reclamantes.
Resulta de uma leitura cuidada da decisão recorrida que nela se interpretou o artigo 374.°, n.º 2 do C.P.P. justamente no sentido de que é necessária a identificação dos atos ilícitos concretos que compõem um crime continuado, tendo-se entendido que tal exigência legal se encontrava in casu, não obstante a falta de apuro técnico da fundamentação da decisão de facto elaborada pelo tribunal de primeira instância, satisfatoriamente cumprida.
O entendimento de que o tribunal a quo não identificou, ele próprio, com clareza, os atos que compõem o crime continuado corresponde já a uma tomada de posição da parte dos reclamantes sobre o grau de concretização dessa exigência legal por parte da decisão recorrida, matéria essa que, por respeitar a uma decisão judicial em si mesma considerada, é insindicável por parte do Tribunal Constitucional.
Assim, é de confirmar a decisão sumária na parte relativa a esta questão de constitucionalidade.
8. A questão identificada no recurso de constitucionalidade sob a alínea g) é relativa à violação dos princípios do contraditório (artigo 32.°, n.º 5 da C.RP. e artigo 6.°, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), e da presunção de inocência (artigo 32.°, n.º 2 da C.RP. - violando, ainda, o disposto no artigo 6.°, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), por se basear a decisão em exclusivo no depoimento de uma testemunha de acusação sem procurar confirmação em prova documental.
O fundamento oferecido na decisão sumária para o não conhecimento do recurso na parte relativa a essa questão foi o da inidoneidade do objeto do recurso, tendo-se entendido que a violação dos preceitos aí indicados é imputada, não a uma norma, mas à própria decisão recorrida.
Na reclamação apresentada, os reclamantes argumentam, no ponto 169 da reclamação, que, contrariamente ao decidido, a questão refere-se a um critério normativo e não à decisão judicial, acrescentando, no ponto 170, que a norma referida foi efetivamente violada pela decisão de que ora se recorre.
Não têm razão os reclamantes.
Desde logo, em lugar algum do requerimento de interposição do recurso, na parte relativa à questão g), vem sequer identificada uma norma, reportada a um preceito legal. A própria reclamação é omissa a tal respeito, não sendo minimamente inteligível qual a norma cuja conformidade com a Constituição se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Aliás, o teor da reclamação apresentada apenas vem confirmar a correção do fundamento oferecido na decisão sumária – o da inidoneidade do objeto do recurso de constitucionalidade, na medida em que, face ao ponto 170 da reclamação, fica claro que a violação da norma constitucional é imputada à própria decisão recorrida.
Tanto basta para confirmar a decisão sumária na parte relativa a esta questão de constitucionalidade.
9. A questão identificada no recurso de constitucionalidade sob a alínea h) é relativa à violação do princípio da legalidade, nos termos do artigo 29.°, n.º 1 da C.R.P. e do artigo 7.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por desconsideração do IVA dedutível, considerando que, apesar da sua existência e identificabilidade, o mesmo não pode abater ao valor da alegada vantagem patrimonial, constituindo um inaceitável alargamento do tipo, tanto tendo em conta o artigo 23.° do RJIFNA como o artigo 103.° do RGIT, violando, ainda, o princípio da proporcionalidade por obrigar o contribuinte a pagar duas vezes o mesmo IVA nas compras (ao fornecedor e à Administração Fiscal), bem como por desconsideração do crédito de imposto, considerando que, apesar da sua existência, o mesmo não pode abater ao valor da alegada vantagem patrimonial.
O fundamento oferecido na decisão sumária para o não conhecimento do recurso na parte relativa a essa questão foi o da inidoneidade do objeto do recurso, tendo-se entendido que a violação dos preceitos aí indicados é imputada, não a uma norma, mas à própria decisão recorrida.
Na reclamação apresentada, os reclamantes argumentam, no ponto 214 da reclamação, que, contrariamente ao decidido, a questão refere-se a um critério normativo e não à decisão judicial, acrescentando, no ponto 215, que as normas referidas foram efetivamente violadas pela decisão de que ora se recorre.
Não têm razão os reclamantes.
Desde logo, em lugar algum do requerimento de interposição do recurso, na parte relativa à questão h), vem sequer identificada uma norma, reportada a um preceito legal. A própria reclamação é omissa a tal respeito, não sendo minimamente inteligível qual a norma cuja conformidade com a Constituição se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Aliás, o teor da reclamação apresentada apenas vem confirmar a correção do fundamento oferecido na decisão sumária – o da inidoneidade do objeto do recurso de constitucionalidade, na medida em que, face ao ponto 215 da reclamação, fica claro que a violação das normas constitucionais é imputada à própria decisão recorrida.
Tanto basta para confirmar a decisão sumária na parte relativa a esta questão de constitucionalidade.
10. A questão identificada no recurso de constitucionalidade sob a alínea i) é relativa à violação do princípio da legalidade e da tipicidade fiscal, artigo 103.°, n.os 2 e 3 da C.R.P., por adoção, pela acusação de critério de cálculo do IVA diverso do consignado no artigo 19.° do C.I.V.A e no artigo 30.°, n.º 1, alínea c) e n.º 2 da L.G.T..
O fundamento oferecido na decisão sumária para o não conhecimento do recurso na parte relativa a essa questão foi o da inidoneidade do objeto do recurso, tendo-se entendido que a violação dos preceitos aí indicados é imputada, não a uma norma, mas à própria decisão recorrida.
Na reclamação apresentada, os reclamantes argumentam, no ponto 299 da reclamação, que, contrariamente ao decidido, a questão refere-se a um critério normativo e não à decisão judicial, acrescentando, no ponto 300, que as normas referidas foram efetivamente violadas pela decisão de que ora se recorre.
Não têm razão os reclamantes.
É manifesto que a alínea i) do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não tem por objeto uma norma. A própria reclamação é omissa a tal respeito, não sendo minimamente inteligível qual a norma cuja conformidade com a Constituição se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Aliás, o teor da reclamação apresentada apenas vem confirmar a correção do fundamento oferecido na decisão sumária – o da inidoneidade do objeto do recurso de constitucionalidade, na medida em que, face ao ponto 300 da reclamação, fica claro que a violação das normas constitucionais é imputada à própria decisão recorrida.
Tanto basta para confirmar a decisão sumária na parte relativa a esta questão de constitucionalidade.
11. A questão identificada no recurso de constitucionalidade sob a alínea j) é relativa à interpretação tanto do artigo 23.° do R.J.I.F.N.A. como o artigo 103.° do R.G.I.T., no sentido de que a vantagem patrimonial visada ou pretendida corresponde à «diferença entre o valor efetivamente entregue e o valor resultante das faturas constantes dos autos e não declaradas».
Através da decisão sumária reclamada, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objeto do recurso com fundamento na falta de verificação do pressuposto processual de prévia suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, tal como é exigido pelo artigo 72.º, n.º 2 da LTC.
Na reclamação apresentada, os reclamantes contestam tal entendimento, sustentando que, tanto nas motivações como nas conclusões do recurso, os ora reclamantes questionaram, para além das duas outras questões de constitucionalidade mencionadas na decisão sumária, a interpretação normativa que figura como objeto da alínea j) do requerimento de interposição do recurso. Em seu entender, tê-lo-iam feito nos artigos 402.º a 418.º da motivação e nos pontos LXVII e LXXII das conclusões.
Não têm razão os reclamantes.
Desde logo, como facilmente se comprova, nas conclusões LXVII e LXXII não vem suscitada qualquer questão de constitucionalidade. O teor da Conclusão LXVII é o seguinte: “Porque o crime de fraude fiscal não depende do resultado, na análise do tipo (que não da medida da pena concreta a aplicar) torna-se absolutamente irrelevante saber de quanto é que os ARGUIDOS alegadamente se 'apoderaram'”. Já da Conclusão LXXII consta o seguinte: “Pelo que, em face da errada interpretação que o Tribunal fez da lei, bem como da matéria dada como provada (que em momento algum determina qual a vantagem patrimonial visada ou pretendida), impõe-se a absolvição dos ARGUIDOS por não se encontrar considerada provada nos autos matéria subsumível aos tipos incriminadores a que se reporta a acusação, a pronúncia e a própria sentença”. É manifesto que aí não se questiona a conformidade de qualquer norma com a Constituição.
Ficando demonstrado que não foi dado cumprimento ao ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade nos pontos das conclusões das alegações do recurso interposto para o tribunal a quo indicados pelos reclamantes, analisemos agora o teor dos artigos 402.º a 418.º da motivação.
“402.°
No facto provado n.º 26 considera o Tribunal que o ARGUIDO se apoderou, em janeiro de 1995, de 41.879.846$, correspondendo tal valor ao somatório da coluna relativa ao IVA em falta, o que significa que, em janeiro de 1995, o ARGUIDO se terá apoderado de 4.782.587$, já que, nesse mês, não terá sido entregue qualquer IVA e, nos autos, terá sido alegadamente apurado o montante de precisamente de 4.782.587$.
403.°
O critério para a determinação de tal “apossamento” é enunciado no facto provado n.º 25: «diferença entre o valor efetivamente entregue e o valor resultante da faturas constantes dos autos e não declaradas».
404.º
Mas é absolutamente irrelevante para, nos termos expressos da lei, considerar apurada a vantagem patrimonial pretendida.
405.º
Porque o crime não depende do resultado, na análise do tipo (que não da medida da pena concreta a aplicar) torna-se absolutamente irrelevante saber de quanto é que os arguidos alegadamente se “apoderaram”.
406.º
O que interessa é saber qual foi a vantagem patrimonial que os arguidos visaram com o seu alegado comportamento de ocultação de factos ou valores, o que é evidente, tanto a partir da leitura do n.º 1 do artigo 23.° do RJIFNA ou do n.º 1 do artigo 103.° do RGIT, como tendo em conta o disposto no artigo 23.°, n.º 3, alínea a), do RJIFNA, que expressamente excluía a tipicidade se a vantagem patrimonial ilegítima pretendida não fosse superior a 2000 contos para as pessoas coletivas.
407.º
Ora, a vantagem patrimonial visada (para usar a terminologia do n.º 1 do artigo 23.° do RJIFNA ou do n.º 1 do artigo 103.° do RGIT) ou pretendida (para utilizar a linguagem do artigo 23.°, n.º 3, do RJIFNA) só pode ser a diferença entre o que se declara (o que se mostra à Administração Fiscal) e o que a Administração Fiscal apurou, ou seja, só pode ser a parte que se escondeu, se ocultou à Administração Fiscal.
408.º
E essa não está dada como provada em parte nenhuma da sentença, nem globalmente, nem ano a ano, nem mês a mês, como era suposto.
409º
E só dando tal vantagem como provada é que seria possível saber o que era penalmente relevante e o que não era penalmente relevante.
410.º
Por exemplo, em janeiro de 1995, o IVA alegadamente cobrado segundo o apuramento dos autos seria, de acordo com o facto provado n.º 13, de 4.782.578$, enquanto o IVA cobrado segundo a declaração do contribuinte, de acordo com o facto n.º 14, seria de 2.164.871$. Ou seja, a alegada vantagem patrimonial estaria abaixo do limiar dos € 15.000 previsto no n.º 2 do artigo 103.° do RGIT.
411.º
Sendo certo que, logo no mês seguinte, em fevereiro de 1995, o IVA cobrado alegadamente apurado pela Administração Fiscal (2.418.457$, segundo o facto provado n.° 13) até foi inferior ao IVA declarado pelo contribuinte (2.793.398, segundo o facto provado n.º 14)!
412.°
O que vai sucedendo — tendo em conta o disposto no artigo 23. °, 3, alínea a), do RJIFNA e o disposto no artigo 103. °, n.º 2, do RGIT, consoante o que vier a revelar-se globalmente mais favorável no momento do trânsito em julgado — ao longo dos diversos meses, ou melhor, ao longo das diversas obrigações declarativas mensais a que se reportam, no caso concreto, as normas penais aplicáveis.
413.º
Nesse sentido, é evidente que não resulta da sentença recorrida (como já não resultava imputado da acusação ou da pronúncia) como provada qual a vantagem patrimonial pretendida pelos ARGUIDOS.
414.°
Na verdade, o Tribunal interpretou, tanto o artigo 23.° do RJIFNA como o artigo 103.° do RGIT, no sentido de que a vantagem patrimonial visada ou pretendida corresponde à «diferença entre o valor efetivamente entregue e o valor resultante da faturas constantes dos autos ».
415.º
Interpretação inaceitável por pretender que, tanto o RJIFNA como o RGIT, consagram um regime de “prisão por dívidas”, manifestamente ali não consagrados.
416.º
Interpretação que constitui um inaceitável alargamento do tipo, tanto tendo em conta o artigo 23.° do RJIFNA como o artigo 103.° do RGIT, o que viola o princípio da legalidade, nos termos do artigo 29.°, n.º 1, da Constituição e do artigo 7.° da Convenção Europeia dos Direitos dos Homem.
417.º
Sendo certo que o Tribunal deveria ter, isso sim, concluído que a vantagem patrimonial visada (para usar a terminologia do n.° 1 do artigo 23.° do RJIFNA ou do n.° 1 do artigo 103.° do RGIT) ou pretendida (para utilizar a linguagem do artigo 23.°, n.° 3, do RJIFNA) corresponde à diferença entre o que se declara (o que se mostra à Administração Fiscal) e o que a Administração Fiscal apurou, ou seja, corresponde à parte que se escondeu, se ocultou à Administração Fiscal.
418.°
Pelo que, em face da errada interpretação que o Tribunal fez da lei, bem como da matéria dada como provada (que em momento algum determina qual a vantagem patrimonial visada ou pretendida), impõe-se a absolvição dos arguidos por não se encontrar considerada provada nos autos matéria subsumível aos tipos incriminadores a que se reporta a acusação, a pronúncia e a própria sentença”.
Como facilmente se comprova, em lugar algum dos artigos 402.º a 418.º da motivação vem enunciada uma questão de constitucionalidade nos termos em que ela surge no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional. Com efeito, verifica-se que o que aí, no ponto 416.º, vem identificado como violação do princípio da legalidade, nos termos do artigo 29.º, n.º 1 da Constituição e do artigo 7.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, é o alargamento do tipo resultante da interpretação dada ao artigo 23.° do R.J.I.F.N.A. e ao artigo 103.° do R.G.I.T., questão que é objetivamente diferente da que integra o objeto do recurso de constitucionalidade interposto. Por sua vez, na parte em que aí é identificada a interpretação normativa correspondente àquela que integra o objeto do recurso de constitucionalidade – o que se verifica nos pontos 415.º e 416.º – não é suscitada relativamente a tal interpretação normativa uma verdadeira questão de constitucionalidade, apenas se procurando controverter a correção de tal interpretação no plano do direito infraconstitucional.
Assim, é de confirmar a decisão sumária na parte relativa a esta questão de constitucionalidade.
III – Decisão
12. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de maio de 2012. – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.