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Proc. nº 235/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. C... intentou, no Tribunal cível da comarca do Porto, acção de condenação contra a Câmara dos Revisores Oficiais de Contas, na qual pedia a condenação desta Câmara no pagamento da quantia de 1000000$00 a título de indemnização por danos morais emergentes da previsível resolução do contrato de prestação de serviços que o ligava a empresa à qual a dita Câmara teria dado incorrecta informação referente aos honorários a liquidar ao peticionante.
Considerou o recorrente que a Câmara, quando consultada por uma empresa à qual ele prestava os seus serviços
como revisor oficial de contas, forneceu errada informação à mesma, relativamente à data da entrada em vigor das tabelas de honorários para o ano de
1994, constantes da tabela anexa ao Decreto-Lei nº 422-A/93, de 30 de Dezembro, não tendo posteriormente rectificado tal informação.
2. Na sua contestação, veio aquela Câmara excepcionar a incompetência em razão da matéria para o tribunal cível conhecer da acção, pois não se estaria no âmbito da responsabilidade civil, mas antes da responsabilidade por actos da gestão pública, nos termos do Decreto Lei nº
48051, de 21 de Novembro de 1967, pelo que os tribunais competentes seriam os tribunais administrativos.
Por impugnação, veio sustentar que as tabelas em questão só deveriam entrar em vigor a partir de Janeiro de 1995, nos termos do artigo 160º daquele Decreto-Lei nº 422-A/93, aplicando-se para o ano de 1994 a lei antiga em matéria de honorários, assim se preenchendo por via interpretativa o 'vazio legislativo' referente a esse ano - então corrente - de 1994, pelo que a informação prestada era, como continuava a ser, correcta. E negava que pudesse existir qualquer nexo de causalidade entre tal informação assim prestada e eventuais prejuízos ou ofensas ao crédito e ao bom nome do recorrente.
3. Houve réplica, após o que, por decisão de 15 de Setembro de 1994, o juiz do tribunal cível do Porto considerou provada e procedente a deduzida excepção peremptória da incompetência, nos termos do disposto nos artigos 101º,
102º, 103º, 104º, 66º, 67º, 493º, nºs 1 e 2, 494º, nº 1, f), e 495º, todos do CPC, e julgou-se absolutamente incompetente para conhecer da acção, em razão da matéria.
4. Dessa decisão o recorrente interpôs recurso de agravo para o tribunal da Relação do Porto.
Por acórdão de 28 de Março de 1995, a Relação julgou improcedente o recurso, e manteve a decisão recorrida.
5. Inconformado, o recorrente interpôs recurso de agravo dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por acórdão de 14 de Dezembro de 1995, o STJ decidiu não conhecer do recurso. Como se entendeu no parecer do relator,
Desse Acórdão [da Relação] é admissível recurso - art. 678, nº 2 do Código de Processo Civil - mas, todavia, teria ele de ter sido interposto para o Tribunal dos Conflitos e não para este Tribunal - art. 107º nº 2 do mesmo Código.
6. O recorrente veio então requerer a aclaração desse aresto, «no sentido da especificação do concreto 'Tribunal de Conflitos'» aí referido, porquanto, como aí considerou,
o único Tribunal dos Conflitos positivado no direito português [...] foi excluído da ordem jurídico-política vigente pela Constituição da República de 1976, nos termos do respectivo artigo 293º, nº 1, 'ex vi' do 212º (redacção original), e
[...]
a verdade é que jamais o Parlamento ou o Governo concretizaram medida legislativa com tal alcance, [...]
Por acórdão de 28 de Março de 1996, o STJ desatendeu a pretendida aclaração, nos termos seguintes:
O próprio Recorrente diz naquele requerimento que no direito Português só foi 'positivado' um Tribunal de Conflitos, constituído e regulamentado pelos Decretos nº 18.017, de 27/2/30, nº 19.243, de 16/1/31 e nº
23.185, de 30/10/33.
Ora, sendo único, como efectiva-mente é, só a esse Tribunal de Conflitos se podia referir o Acórdão e o parecer complementar em causa.
7. O recorrente formulou então uma 'redarguição', em que arguiu a nulidade daquela decisão, por omissão de pronúncia, consistente no facto de o acórdão não ter declarado a 'inexistência jurídico-constitucional' do Tribunal de Conflitos, e na qual suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 107º, nº 2 e 72º, alínea d) do Código de Processo Civil.
Esta arguição veio a ser desatendida pelo acórdão de 13 de Março de
1997, nos termos seguintes:
Porém, este Supremo Tribunal não estava obrigado a pronunciar-se expressa-mente sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da existência do referido Tribunal de Conflitos (que ele existe de facto é um dado seguro, dado que são muitos os processos que constantemente pelo mesmo são decididos, sem que, aliás, jamais alguém tenha levantado este problema; e não se esqueça que o tribunal de Conflitos é constituído por Juízes deste Supremo Tribunal e por Juízes do Supremo Tribunal Administrativo).
E não estava obrigado por duas razões fundamentais:
1ª) a questão não tinha sido levantada anteriormente nos autos;
2ª) sempre que aplica uma disposição legal - no caso o nº 2 do art.
107º do C.P.C. - o Tribunal não tem previamente que declarar expressamente a sua constitucionalidade, porque esta resulta tácita e implicitamente da sua própria aplicação, como evidentemente aconteceu no caso presente.
8. É dessa decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b) da LOTC, para apreciação da norma constante do artigo 107º, nº 2, do CPC.
Admitido o recurso, e já neste Tribunal, pelo relator do processo foi elaborada exposição prévia, nos termos do artigo 78º-A da LOTC, com o seguinte teor:
O recorrente não suscitou durante o processo, isto é, em tempo de o tribunal a quo poder e dever pronunciar-se sobre ela, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Na sua resposta veio o recorrente, invocando alguma jurisprudência constitucional que entende abonar em favor da sua pretensão, afirmar que arguiu,
«no sentido funcional», a questão da inconstitucionalidade no requerimento de arguição de nulidade que recaiu sobre o acórdão de 28 de Março de 1996, e que o STJ podia e devia então pronunciar-se, «por via de reclamação», sobre essa questão, como, aliás, o fez, pelo que o pretendido recurso de constitucionalidade deveria ser admitido.
E, subsidiariamente, para o caso de o recurso não ser admitido, requereu a baixa do processo ao STJ, a fim de aí ser apreciado requerimento tendente à revogação do acórdão desse tribunal de 14 de Dezembro de 1995.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
III - FUNDAMENTOS
9. O presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LOTC, só pode ter por objecto a apreciação da constitucionalidade de norma ou normas jurídicas, que tenham sido concretamente aplicadas na decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo.
Foi na referida reclamação por nulidade, tendo por objecto o acórdão do STJ de 28 de Março de 1996, que o recorrente, pela primeira vez, suscitou a questão de inconstitucionalidade indicada. Ora, desde logo não estamos perante uma situação em que tal momento era ainda idóneo para esse efeito (por ser um daqueles casos em que só após proferida a sentença é que seria exigível ao recorrente que o fizesse), e a que se refere a jurisprudência invocada pelo recorrente, antes pelo contrário, pois que a aplicação da norma em causa era não só previsível, como a lógica no contexto do objecto do recurso.
É jurisprudência pacífica e uniforme deste Tribunal considerar que a suscitação da questão de inconstitucionalidade no requerimento de arguição de nulidades se não pode entender como feita «durante o processo», por ocorrer depois de esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à apreciação dessa questão.
Como este Tribunal tem repetidamente afirmado, só se pode considerar suscitada a questão durante o processo, quando a tempo de o tribunal a quo sobre ela se pronunciar, antes de esgotado o seu poder jurisdicional. Significa isto que o requerimento de arguição de nulidades de uma decisão judicial não é instrumento idóneo para se levantar, pela primeira vez, a questão de inconstitucionalidade, em termos de se abrir a via do recurso para o Tribunal Constitucional.
III - DECISÃO
10. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 (oito) unidades de conta. Lisboa, 13 de Outubro de 1999 Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Beleza José Manuel Cardoso da Costa