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Procº nº 1059/98.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 5 de Novembro de 1999 proferiu o relator nos presentes autos
(fls. 154 a 155) decisão sumária do seguinte teor:-
' 1. Pelo Tribunal Cível da Comarca do Porto e contra C...,Lda., P. L. e J. Sv. intentou o Licº C. M. acção, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando que os réus fossem condenados a pagar-lhe uma indemnização a liquidar em execução de sentença.
Por despacho proferido pela Juíza do 9º Juízo daquele Tribunal em 28 de Outubro de 1996, foi indeferida liminarmente a petição inicial, uma vez que se considerou ser ela inepta, o que motivou o autor a do assim decidido agravar para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 17 de Abril de 1997, negou provimento ao agravo.
Inconformado, recorreu o Licº C. M. para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 28 de Outubro de 1997, negou provimento do recurso.
Desse acórdão foi pedida a respectiva aclaração pelo autor da acção, pedido que veio a ser indeferido por acórdão de 23 de Abril de 1998.
Fez então o Licº C. M. juntar aos autos requerimento onde escreveu:-
'REQUER -- vista a nulidade ‘ipso jure’ das normas relativas a taxas de justiça do Cód. Das Custas Judiciais vigente e, bem assim, dos antecedentes sob a Constituição de 1976, ditada pelo actual comando da al. i) do n.º 1 do art.
165.º da Constituição da República -- sejam reformados quer o douto acórdão ora notificado quer as precedentes decisões ‘in casu’, através de novo aresto a declarar ‘sem custas’ -- por inexistência de normativo tributário válido -- todos esses actos judiciais.'
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 13 de Outubro de
1998, indeferido o pedido de reforma dos acórdãos quanto a custas, apresentou o recorrente requerimento com o seguinte teor:-
'Face ao teor do douto Acórdão de 13 do corrente mês nos presentes autos, vem o notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 76.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, ao abrigo do preceito da al. b) do n.º 1 do art. 70.º da mesma lei, interpor dessa decisão -- que, claramente, aplica ‘in casu’ norma ante-arguida de inconstitucional, por infracção ao actual comando da al. i) do n.º 1 do art. 165.º da Constituição: todo o normativo relativo a taxas de justiça do Cód. das Custas Judiciais (cfr. requerimento ora indeferido) -- o competente
RECURSO DE CONSTITUCIONALIDADE.'
2. Torna-se claro que o recurso submetido à apreciação deste Tribunal pretende ter por objecto as 'as normas relativas a taxas de justiça do Cód. das Custas Judiciais vigente' por violação da alínea i) do nº 1 do artigo 165º da Lei Fundamental.
Por outro lado, claro é também que no requerimento de interposição de recurso se não surpreende a indicação da totalidade dos elementos a que se reportam os números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Mas, suposto que, ao se esgrimir com a inconstitucionalidade orgânica de todo um corpo de leis, se pretende pôr em causa a validade, perante o Diploma Básico, de todo o normativo nele ínsito, atento o vício que se suscita, assim não havendo necessidade, quer de suscitar antes da decisão intentada recorrer a desconformidade constitucional reportada a uma concreta norma, quer de a indicar, também concretamente, no requerimento de interposição de recurso, e suposto também que ao se referir o ora recorrente ao 'o normativo pelo signatário ante-arguido de inconstitucional', isso seria bastante para integrar o requisito de indicação da peça processual onde foi suscitada a questão de inconstitucionalidade (suposições de que se legitimamente se duvida), ainda assim a questão a equacionar neste recurso sempre seria de perspectivar como
«simples» para os efeitos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, atendendo à jurisprudência anterior deste Tribunal quanto à matéria. E, por isso, justifica-se, in casu, a prolação desta decisão sumária, por intermédio da qual se nega provimento ao recurso.
2.1. De facto, como por várias vezes foi já sublinhado por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, a denominada «taxa de justiça» não é algo que deve ser perspectivado como imposto e, por isso, não está sujeita à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República constante, hoje, da alínea i) do nº 1 do artigo 165º da Constituição e, antes, após a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, da alínea i) do nº 1 do artigo 168º (cfr., verbi gratia, os Acórdãos deste Tribunal números 412/89, 377/94, 379/94 e 382/94, publicados na
2ª Série do Diário da República de, respectivamente,15 de Setembro de 1989, 7 de Setembro de 1994 e 8 de Setembro de 1994, e os Acórdãos números 582/94, 583/94 e
584/94, ainda inéditos).
As razões que levaram o Tribunal Constitucional a emitir tais juízos de não inconstitucionalidade orgânica são, como límpido se depara, totalmente transponíveis para a vertente questão, independentemente de se postar agora um
«novo» Código das Custas Judiciais.
3. Termos em que se nega provimento ao recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
2. Da transcrita decisão reclamou para a conferência o recorrente, dizendo, em síntese, que, com a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro (que cometeu à exclusiva competência da Assembleia da República a edição de legislação o regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas), os normativos tocantes à taxa de justiça tornaram-se supervenientemente inconstitucionais, sendo que não é só uma questão de inconstitucionalidade orgânica que, com tal circunstância, se coloca, mas sim uma questão de inconstitucionalidade material, pois que tais normativos se tornaram, com tal Revisão, ofensivos do 'princípio constitucional da reserva de lei' e do 'princípio constitucional da separação de poderes', deste modo violando 'o comando da al. i) do n.º 1, ‘ex vi’ do n.º 2, do art. 165.º' e o artigo 111º, ambos da Lei Fundamental.
O recorrido Licº J. Sv., respondendo à reclamação, propugnou pelo respectivo indeferimento e, ao jeito de «questão prévia», invocou que, estando suspensa a inscrição na Ordem dos Advogados do ora reclamante (conforme defluiria de documentos que juntou), e sendo que os presentes autos obrigam à intervenção de advogado, haveria que dar seguimento ao disposto no artº 33º do Código de Processo Civil.
Notificado o reclamante dos documentos apresentados pelo recorrido
(os quais consubstanciam uma certidão passada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados na qual se atesta que o Licº C. M. se encontra com a inscrição naquela Ordem suspensa desde 10 de Novembro de 1995, por incompatibilidade 'nos termos do artigo dez, número um, alínea b do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, por exercer funções de Revisor Oficial de Contas'), veio aquele - para além de invocar, por entre o mais, que é falso o atestado naquela certidão, visto que não foi tomada alguma deliberação pelo dito Conselho declarando a incompatibilidade funcional ali certificada, e que a sê-lo, seria nula e materialmente inconstitucional - peticionar a condenação do reclamado a pagar-lhe uma indemnização de Esc. 10.000.000$00 como litigante de má fé, por isso que, tendo esse mesmo reclamado exercido nos triénios de 1993 a 1995 e 1996 a 1998 as funções de Vice-Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, teria silenciado uma queixa disciplinar que o reclamante dirigira contra um colega, irmão de um outro advogado, membro do mencionado Conselho Distrital, não se tendo, por outro lado, pronunciado objectivamente sobre a deliberação que foi tomada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados tocante ao aludido reclamante, o que tudo implicaria estar o recorrido a agir com má fé.
Sobre esse pedido de indemnização, o recorrido veio manter integralmente o que disse quanto à «questão prévia» que suscitara, acrescentando, de um lado, que somente veio a saber da suspensão de inscrição do reclamante como advogado aquando da formulação do requerimento em que respondeu
à reclamação e, de outro, que o mesmo reclamante jamais reagiu contra a deliberação tomada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, pelo se não congregam, in casu, os requisitos da peticionada condenação por litigância de má fé.
Cumpre decidir.
3. E decidir, antes do mais, a «questão prévia» que foi levantada.
Efectivamente, tratando-se, como se trata, de um recurso visando a fiscalização concreta da constitucionalidade normativa, é obrigatória a constituição de advogado (cfr. nº 1 do artº 83º da Lei nº 28/82, de15 de Novembro) e, assim, se se concluir que o reclamante não pode exercer o patrocínio judiciário, claro é que não poderá este Tribunal conhecer da matéria ora em causa, sendo certo que aquela norma, conforme foi já, por diversas vezes, julgado por este órgão de administração de justiça (cfr., por entre muitos, os Acórdãos números 252/97, publicado na 2ª Série do Diário da República, 2ª Série, de 20 de Maio de 1997, 294/97, ainda inédito, 326/97, ditos jornal oficial e Série, de 2 de Junho de 1997, 332/97, 537/99, 538/99, 539/99 e 554/99, estes ainda inéditos), não se apresenta como desconforme à Lei Fundamental.
Ora, dos documentos juntos aos autos (cfr. fls. 174 a 186) extrai-se que, efectivamente, o recorrente tem, desde 10 de Novembro de 1995, suspensa a sua inscrição na Ordem dos Advogados, por incompatibilidade, dado que o mesmo também exerce as funções de revisor oficial de contas.
O recorrente, tocantemente a tais documentos, veio, esgrimir, em síntese, com a seguinte argumentação:-
- o acto declarativo da suspensão de inscrição, se se reportar a 10 de Novembro de 1995, é ineficaz, pois não foi 'publicado no jornal oficial da República, contra o comando do art. 172.º-B do Estatuto da Ordem dos Advogados';
- se a deliberação foi tomada em data anterior àquela, então a certidão junta aos autos 'exara, a final, uma manifesta falsa declaração';
- de todo o modo, a certidão junta aos autos constitui um documento falso, pois que a deliberação de suspensão 'inexiste, pura e simplesmente';
- o normativo regulamentar que estatui a suspensão da inscrição do recorrente na Ordem dos Advogados é inaplicável ao recorrente pois que, tendo este sido provisoriamente inscrito, estando então já inscrito como revisor oficial de contas, não poderia posteriormente vir a considerar-se que esta
última mencionada inscrição era incompatível com o exercício da advocacia, pelo que a suspensão ditada por tal normativo colidiria 'frontalmente, com o direito fundamental à segurança na profissão';
- a deliberação em crise constitui um acto nulo, já que se não surpreende qual 'a norma de direito público ... ao abrigo da qual ... poderia tal deliberação ser tomada', sendo que o disposto na alínea p) do nº 1 do artº
69º do Estatuto da Ordem dos Advogados, na interpretação segundo a qual as funções de revisor oficial de contas são incompatíveis com o exercício da advocacia, é materialmente inconstitucional por ofensa dos princípios da
'reserva de lei restritiva' e da 'proporcionalidade, ou da proibição do excesso
', também sendo inconstitucional, por violação dos princípios da 'igualdade' e da 'proporcionalidade', a norma do artº 68º do mesmo Estatuto, a qual ainda ofende o 'art. 12.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia', pois que viola a 'liberdade de prestação de serviços de advocacia' e a 'liberdade de estabelecimento'.
3.1. Não se poderá considerar que a falsidade invocada pelo recorrente consubstancie um verdadeiro incidente da instância tal como hoje as normas processuais o prevêem, já que, desde logo, nem tal questão assim por ele
é desenhada, nem se vislumbra qualquer indicação de meios de prova destinados a infirmar a veracidade dos documentos arguidos de falsos (cfr. nº 1 do artº 303º do Código de Processo Civil), e isto independentemente de se saber se competiria a este Tribunal instruir, tramitar e decidir um tal incidente.
Por outro lado, o ou os eventuais vícios de que eventualmente padecesse a decisão administrativa tomada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados deveriam ter sido suscitados em sede própria, designadamente por impugnação contenciosa, na qual seria também lícito questionar, do ponto de vista da sua compatibilidade constitucional, a ou as normas jurídicas que lhe serviram de suporte.
Neste contexto, tendo o Tribunal Constitucional de aceitar o que se encontra certificado de fls. 174 a 186, e sendo certo que resulta desses documentos que a decisão administrativa tomada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados não foi impugnada, vindo a constituir «caso resolvido», mais não restará a este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa do que, in casu, aceitar que se encontra suspensa a inscrição do recorrente naquela Ordem.
Consequentemente, vista a estatuição constante do citado nº 1 do artº 83º da Lei nº 28/82, determina-se a notificação do reclamante para, em dez dias, vir constituir mandatário, sob pena de (cfr. artº 33º, parte final, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artº 69º daquela Lei) não ter seguimento a reclamação da decisão sumária acima transcrita.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2000 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa