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Proc. nº 204/99
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Inconformado com o despacho do Senhor Juiz do 1º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa, de fls. 140 a 143 dos autos, o ora reclamante, G..., advogado estagiário, nomeado oficiosamente defensor da arguida M..., pretendeu, actuando em seu nome próprio, recorrer do mesmo para o Tribunal da Relação de Lisboa.
2. O recurso não foi, porém, admitido. Escudou-se, para tanto, o Tribunal, na seguinte fundamentação (fls. 47 dos presentes autos de reclamação):
'Não se vislumbra no caso presente que o ilustre Advogado possa ter legitimidade para recorrer, por não estarem verificados os requisitos exigidos na norma excepcional do art. 401º/1/d do CPP, nem tão pouco se afigura que o ilustre Advogado tenha qualquer interesse em agir. Pelo exposto, não se recebe o recurso ora interposto a fls. 144 e ss. por ser manifesta a falta de legitimidade e de interesse em agir do Dr. Advogado G...
(art. 401º/1 «a contrario» e art. 401/2 do CPP'.
3. Inconformado com esta decisão que não lhe admitiu o recurso o ora reclamante
-depois de deixar esgotar o prazo para reclamar para o Presidente do Tribunal Superior, a que se refere o nº 2 do artigo 688º do Código de Processo Civil - recorreu para o Tribunal Constitucional. Apresentou, para o efeito, um requerimento com o seguinte teor:
'1. O recurso é interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do art. 70º da Lei orgânica Sobre Organização, Funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.
2. As normas cuja inconstitucionalidade pretende o Recorrente ver apreciadas são:
2.1. A do nº 1 do art. 401º do Código de Processo Penal, por referência às respectivas alíneas b) e d);
2.2. A do nº 2 do art. 401 do Código de Processo Penal.
3. O recurso tem como fundamentos:
3.1. A violação da norma do Art. 2º da lei nº 43/96, de 26 de Setembro, por referência à alínea 9) do respectivo nº 2, ilegalidade suscitada no ponto 6.5 da motivação do recurso não admitido, autuado a fls. 150-V;
3.2. A violação de todas as normas que integram o art. 20º da Constituição da República Portuguesa na versão de 1997, isto é, dos respectivos nºs 1 a 5, inconstitucionalidade suscitada no ponto 6.6. da motivação do recurso não admitido, autuado a fls. 150-V.'
4. Por parte do Senhor Juiz do 1º Juízo Criminal de Lisboa foi então proferido despacho de não admissão do recurso, com a seguinte fundamentação:
'(...) Porém o recurso ora interposto não pode ser recebido. Desde logo porque o ilustre Advogado carece de legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional. Com efeito, se o fundamento de rejeição (ou não recebimento) do recurso ordinário anteriormente interposto por aquele advogado neste processo foi precisamente a falta de legitimidade e de interesse em agir daquele, que surgia a recorrer em nome próprio, também agora se conclui que carece de legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional, agindo em seu próprio nome, face ao preceituado no art. 72º/1/b) da citada Lei nº 28/82, de 15.11. Por outro lado, e sendo embora verdade que na motivação do recurso rejeitado por despacho proferido a fls. 157 dos autos, o ilustre Advogado suscitou as ilegalidades atrás referidas (o que não sucedeu com a inconstitucionalidade do art. 401º/1/b) e d) e do art. 401º/2 do CPP, que só agora veio suscitar) afigura-se-nos também não estar preenchida a previsão do art. 72º, nº 2 da Lei nº 28/82 de 15.11., na redacção dada pela Lei nº 13º-A/98, de 18.2. Dispõe-se nesse preceito: «Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do art. 70º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer». Ora como poderemos legitimamente considerar preenchida esta previsão se o ilustre Advogado não é parte neste processo, e foi na motivação de recurso por ele interposto em seu nome próprio (e não recebido no processo) que veio suscitar as ilegalidades atrás referidas ? Pelo exposto se decide: Não se recebe o recurso ora interposto pelo ilustre Advogado Dr. G... por ser manifesta a sua falta de legitimidade e de interesse em agir e por não estar preenchida a previsão do art. 72º/2 da Lei nº 28/82 de 15.11., na redacção dada pela Lei nº 13º-A/98, de 18.2 (art. 72º/1/b) da citada Lei nº 28/82 e art.
401º/1 «a contrario» e art. 401º/2 do CPP'.
5 - Contra este despacho de não admissão do recurso apresentou o requerente, em
17 de Fevereiro de 1999, a reclamação que agora se aprecia, tendo concluído nos seguintes termos:
'8.1. O defensor tem legitimidade legal para interpor recurso autónomos, legitimidade que se vê acrescida quando actua no âmbito do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, regimentado no Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro;
8.2. No caso concreto dos autos o defensor, ora Reclamante, tem, no recurso, interesse pessoal e da classe que representa, interesse que aliás corresponde ao desembolso de PTE 67, 550 até à data da entrada da presente reclamação.
8.3. No caso dos autos quem não tinha interesse em agir era a Arguida, mesmo assim colocada pelo Tribunal a quo na pele do Recorrente à sua revelia a transparência.
8.4. O defensor é parte no processo penal, no entender do Professor Germano Marques da Silva, entender esse que o Reclamante, com todo o respeito, faz seu;
8.5. Por quanto se deixou concluído e explicado até aqui, entende o Reclamante, com o devido respeito, que não assiste razão ao Meritíssimo Juiz a quo na fundamentação da decisão reclamada.'
6 - Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência da presente reclamação.
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação.
7 – Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – os que o ora reclamante pretendeu interpor - pressupõem, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade ou ilegalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua interpretação normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso como ratio decidendi. O que vai dito implica que a questão de constitucionalidade tenha de ser colocada perante o tribunal recorrido em termos de aquele tribunal saber que tem essa questão para resolver, o que requer, designadamente, que a mesma tenha sido colocada de forma clara e perceptível (nesse sentido, entre muitos outros, os acórdãos nºs 269/94 e 560/94, in Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994 e Acórdãos do tribunal Constitucional, 29º Volume, pp. 97 e ss., respectivamente). No requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional o ora reclamante refere que suscitou perante o tribunal recorrido as questões de inconstitucionalidade e ilegalidade que pretende ver apreciadas 'nos pontos 6.5 e 6.6 da motivação do recurso não admitido, autuado a fls. 150-V'. Vejamos, pois, em que termos é que tal foi feito. Refere o recorrente (ora reclamante) naqueles pontos:
'6.5. Qualquer interpretação da lei que vá contra a possibilidade de o Recorrente estar nessa posição no anterior recurso, padece de ilegalidade por violação da norma do nº art. 2º da Lei nº 43/96, de 26 de Setembro, por referência à alínea 9) do seu nº 2;
6.6 Assim como padece de inconstitucionalidade material por violação directa de TODAS as normas que integram o art. 20º da Constituição da república Portuguesa na versão de 1997.'.
Da transcrição feita supra decorre que o ora reclamante, ao contrário do que pretende, não colocou ai perante o tribunal recorrido, em termos idóneos e adequados, as questões de constitucionalidade e legalidade que pretende ver apreciadas por este Tribunal. Desde logo verifica-se o recorrente não imputa aí – como devia – a inconstitucionalidade/ilegalidade a uma interpretação normativa dos artigos
401º, nº 1, alíneas b) e d) e nº 2 do Código de Processo Penal, preferindo – mal
– utilizar a expressão 'qualquer interpretação da lei', sem cuidar de especificar de que preceitos legais se extrai a interpretação normativa que considera inconstitucional e ilegal. Por um lado não é igualmente aceitável que o recorrente (ora reclamante) se limite a indicar que a inconstitucionalidade resulta da violação 'de TODAS as normas que integram o art. 20º da Constituição da República Portuguesa na versão de 1997' sem justificar minimamente a pertinência dessa indicação (nesse sentido, entre outros, o acórdão 269/94, já citado). Acresce, finalmente, como este Tribunal tem também afirmado repetidamente, que quando o recorrente pretenda questionar apenas uma certa interpretação de uma norma - como, aparentemente, era o caso – tem ele o ónus de precisar o sentido da norma que reputa de inconstitucional, de modo a que, vindo ela a ser considerada inconstitucional com esse sentido, o Tribunal o possa enunciar na decisão, e de forma a que o tribunal recorrido possa, ao reformar a decisão, saber qual o sentido da norma que não pode ser utilizado por ser incompatível com a Lei Fundamental (nesse sentido, entre outros, o acórdão nº 366/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º Vol., pp. 525 e ss.). Ora, manifestamente, nada disto foi feito na motivação do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. Não tendo as questões de constitucionalidade e legalidade que o agora reclamante pretende ver apreciadas sido colocadas perante o Tribunal recorrido de forma clara e perceptível não pode, efectivamente, conhecer-se do objecto do recurso, devendo por isso ser indeferida a presente reclamação, mantendo-se, embora por fundamentos diferentes, o despacho reclamado.
III – Decisão Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante: 10 (dez) U.C. de taxa de justiça. Lisboa, 13 de Outubro de 1999 José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida