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Processo n.º 862/96
1ª Secção Relator – Paulo Mota Pinto
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. C... veio requerer, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ao abrigo do disposto no artigo 76º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), a suspensão da eficácia do despacho do Vereador da Câmara Municipal de Lisboa, de 12 de Abril de 1996, que ordena o despejo e a demolição das obras efectuadas na cave e sub-cave do prédio sito na Rua dos Arneiros, n.º 92/92-C, com traseiras na Estrada dos Arneiros, n.º 45/45-A. No respectivo requerimento inicial, concluiu que 'é incontestável a verificação dos requisitos da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º
76º do Dec.Lei 267/85, de 16 de Julho (L.P.T.A), verificando-se igualmente o requisito da alínea c) do n.º 1 do art.º 76'. Por sentença proferida em 24 de Julho de 1996, a fls. 41 a 44 dos autos, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou improcedente tal pedido de suspensão de eficácia, fundamentando-se para tal essencialmente em que
'No que toca ao despejo ordenado, verificamos que o mesmo vem a implicar para o requerente prejuízos que se reconduzem ao não recebimento da renda relativa ao contrato de arrendamento que o liga ao inquilino do local arrendado. Ora, tais prejuízos são perfeitamente quantificáveis pelo que não se têm como de difícil reparação para o senhorio/requerente. Quanto à demolição ordenada, não alega o requerente em que consistem as ‘obras interiores de adaptação’ que refere na petição, pelo que está o tribunal, neste momento, impedido de ajuizar da medida do prejuízo causado pela sua demolição. Daí que não se tenha por verificado o requisito de prejuízo de difícil reparação. Uma vez que os requisitos apontados no n.º 1 do art.º 76º do Decreto-Lei n.º
267/85, de 16 de Julho, devem ser de verificação cumulativa, o juízo efectuado impede que o pedido seja deferido.' Desta decisão, e não se conformando com ela, interpôs o ora recorrente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo concluído as suas alegações de recurso do seguinte modo:
'a) A execução imediata do acto que ordena o despejo provoca prejuízos irreparáveis para o ora recorrente. b) Que tais prejuízos só podem ser considerados como reparáveis quando susceptíveis de uma avaliação pecuniária concreta, o que, no caso sub judice não se verifica. c) No que concerne ao acto de demolição o que está em causa é a natureza dos prejuízos invocados e não a sua medida. d) Para aferir da natureza dos prejuízos invocados não necessita o Tribunal a quo de ter conhecimento de quais foram as obras interiores de adaptação que o ora Recorrente realizou, bastando para tanto ter conhecimento de quais os prejuízos invocados. a. O meio cautelar da suspensão da eficácia dos actos administrativos faz parte integrante do direito à tutela jurisdicional consagrado no art.º 20º da C.R.P., devendo por isso mesmo as suas restrições estarem sujeitas aos limites estabelecidos para os direitos, liberdades e garantias. b. O requisito exigido pela alínea a) do n.º 1 do art.º 76º constitui uma restrição fora dos quadros Constitucionais, estando por isso, ferido de inconstitucionalidade material por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, decorrente dos art.ºs 20º e 268º n.ºs 4 e 5 da C.R.P.. c. De igual vício padece o requisito da alínea b) do n.º 1 do art.º 76, pois, também a exigência da sua não verificação para que se conceda a suspensão da eficácia de um acto, constitui uma restrição do direito à garantia jurisdicional efectiva estabelecida no art.º 20º da Constituição, fora dos limites impostos pelo art.º 18º, n.ºs 2 e 3, da Lei Fundamental.' O Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 1 de Outubro de 1996, negou provimento ao recurso assim interposto. No que tange à questão de constitucionalidade suscitada, escreveu-se nesse Acórdão:
'[...] Não se põe em dúvida que o instituto da suspensão de eficácia dos actos administrativos foi gizado na lei, inteirado nos meios aptos a tornar efectiva a garantia constitucional da tutela judicial efectiva dos direitos dos administrados, prevista na Constituição, nomeadamente. nos art.ºs 20º, n.º 1,
214º, n.º 3 e 268º, n.º 5. Conexionado com aquela preocupação tutelar a Lei Fundamental consagra igualmente
(art.º 266) um outro princípio orientador da actividade administrativa que é o princípio da prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, devendo a Administração pautar a sua conduta de modo a prosseguir adequadamente aqueles interesses nos termos definidos na lei. Sendo de presumir a legalidade dos actos da Administração na prossecução do interesse público, para que possa cabalmente e com a necessária celeridade e eficácia, realizar aquele interesse sem estar sujeita a ver constantemente bloqueada a sua acção, a impugnação contenciosa dos seus actos, através do meio contencioso típico que é o recurso jurisdicional previsto no art.º 268º, n.º 4 da Constituição, não tem geralmente efeito suspensivo. Para obtemperar a eventuais injustiças que porventura possam advir do privilégio de execução prévia, a garantia do âmbito de protecção do direito ao recurso contencioso não pode deixar de compreender o direito às medidas cautelares que previnem lesão irreparável (ou dificilmente reparável) dos direitos e interesses legalmente protegidos, sendo o caso mais típico e o que está aqui a ser considerado, o da suspensão de eficácia do acto impugnado. regulado nos art.ºs
76º a 81º da LPTA (cfr. ac. de 20.06.95, rec. 37 865 deste STA e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, pág. 340). Conciliando os princípios constitucionais do direito à tutela jurisdicional efectiva de que gozam os interesses dos administrados e o princípio da eficaz prossecução do interesse público que incumbe à Administração, a suspensão de eficácia do acto exequendo não poderá ser decretada pelo órgão jurisdicional competente fora do condicionalismo previsto nos art.º 76º a 81º da LPTA, condicionalismo que satisfaz, nos termos expostos, aqueles direitos e princípios constitucionalmente consagrados, na sua justa medida. A norma do art.º 76º, n.º 1 alínea a), aplicada na sentença recorrida, não viola, assim, as normas dos artigos 20º e 268º, n.º 5, da Constituição, antes realiza, em termos equilibrados, no âmbito do sistema constitucionalmente consagrado, os princípios consignados naquelas normas, não padecendo da inconstitucionalidade que lhe vem assacada pelo recorrente. Ora, nos termos do art.º 76º, n.º 1, um dos requisitos - o da alínea a) - para que possa ser decretada a suspensão de eficácia do acto é que da execução deste resultem provavelmente prejuízos de difícil reparação ou irreparáveis. O tribunal só pode, porém, apreciar a verificação deste requisito se forem alegados factos concretizadores dos prejuízos nele referidos. No caso concreto e quanto à ordem de despejo que o acto impugnado contem, o requerente apenas diz que a execução do acto determina a cessação do contrato de arrendamento entre a empresa inquilina e o ora requerente e que os benefícios de tal contrato constituem uma das suas principais fontes de receita. Mesmo considerando que a execução do acto é apta a produzir aquele resultado, não se vê como possa considera-se de difícil reparação o prejuízo dai resultante, dado que a renda não deixara de ter um valor determinado e os proventos daí resultantes para o requerente constituem apenas uma das suas principais fontes de rendimento. No que concerne à ordem de demolição das ‘obras efectuadas clandestinamente’ no prédio em questão, ‘repondo o local de acordo com o projecto aprovado’, considerando-as o próprio requerente como ‘pequenas obras’ de adaptação, não tem o juiz qualquer elemento que lhe permita considerá-las de difícil reparação tanto mais que nada permite convencer, e nem o próprio requerente o alegou oportunamente, que fossem inquantificáveis as despesas inerentes àqueles
‘pequenos’ trabalhos. A sua repercussão na continuidade do contrato de arrendamento foi considerada a propósito da ordem de despejo e a invocada impossibilidade de tornar a arrendar o prédio quando for reposto ‘de acordo com o projecto aprovado’ (pois é este o teor do despacho impugnado) é meramente conjectural, não fundamentada, nem assente em factos ou razões concretas, não estando directamente relacionada com a execução do acto recorrido, mas com eventuais dificuldades do mercado de arrendamento, não podendo, portanto, ser considerada apta para preencher o requisito da referida alínea a) do n.º 1 do art.º 76º da LPTA. Sobre a também invocada inconstitucionalidade da norma do n.º 1, alínea b), do art.º 76º da LPTA, ainda que valessem as mesmas razões acima aduzidas relativamente à alínea a), não cumpre emitir pronúncia por não ter sido aplicada aquela norma. Não merece, pois, censura a sentença recorrida que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do despacho impugnado por não se verificar o requisito do art.º 76º n.º 1, alínea a), da LPTA.'
2. É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional). Admitido o recurso, o recorrente apresentou alegações que concluiu defendendo:
'a) A consagração do direito ao acesso ao direito e aos tribunais é imposição natural da existência de um Estado de Direito Democrático.b) O referido direito tem assento constitucional no art.º 20 da Constituição da República Portuguesa, sendo considerado como um direito fundamental incluído no catálogo dos direitos liberdades e garantias. c) Que o entendimento desse direito passa por considerar que só se encontra totalmente realizado quando se proporciona uma protecção integral e sem lacunas através dos Tribunais, nomeadamente, pondo à disposição de todos um conjunto de meios processuais capazes de proporcionar essa mesma protecção. d) Tais meios tanto devem ser aptos a defender os particulares de acções ou omissões de outros particulares, como, acções ou omissões por parte de entidades públicas. e) Nesta perspectiva, o direito a uma tutela jurisdicional efectiva tanto deve existir nos casos em que estão em causa a defesa de posições entre os particulares como quando estão em causa as posições dos particulares face às actuações da administração pública. f) Se é admissível considerar que o direito à tutela jurisdicional efectiva não estava consagrada em toda a sua amplitude no texto constitucional de 1976, as alterações sofridas por esse mesmo texto em 1982 e 1989, dissiparam qualquer dúvida quanto à sua consagração. g) Na verdade, com a alteração constitucional introduzida pela Lei Constitucional 1/89, passou a existir aquilo a que a doutrina mais autorizada designa por ‘princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa’, quer no sentido de admitir a figura da acção para defesa de interesses legalmente protegidos quer para o uso de meios cautelares que previnam a utilidade das sentenças provenientes do já existente recurso contencioso de anulação. h) Assim, e à semelhança do Processo Civil, só existe uma verdadeira tutela jurisdicional efectiva quando se proporcionam meios de previamente acautelar a utilidade das decisões jurisdicionais. i) Com efeito, apesar de existirem formas de à posteriori reparar o dano causado ao particular por um acto ilegal, tal reparação constitui, na maioria dos casos, uma reparação através de compensação monetária. j) Ora, nem sempre a reparação através da compensação monetária elimina total e eficazmente os danos causados. l) Neste sentido, o instituto da suspensão da eficácia dos actos parecer ser a forma ideal de prevenir que a decisão jurisdicional que anule ou declare a nulidade de um acto tenha de facto uma eficácia prática para o lesado. m) Isto é, o referido instituto é provavelmente a forma mais eficaz de tornar efectiva a tutela jurisdicional no âmbito do contencioso administrativo. n) No entanto, dois obstáculos parecem surgir a utilização deste instituto. o) Por um lado a presunção de legalidade dos actos administrativos por outro o consequente privilégio de execução prévia, que a administração detém, no que concerne aos actos administrativos. p) Aparentemente, ambos os princípios impediriam a suspensão dos actos administrativos a decisão definitiva sobre a sua legalidade, pois, desde logo, o instituto surgiria como forma dos tribunais derrogarem tais princípios. q) Sucede porém que, o entendimento que é feito desses princípios tem necessariamente de passar pelo sua interpretação à luz do texto constitucional. r) Assim sendo, tais princípios só poderão ser validos na medida em que não impliquem o atropelo aos direitos dos particulares, por outras palavras, os princípios em causa só são válidos na medida em que respeitem a orientação estabelecido no art.º 266º n.º 1, da Constituição da República, e que é aplicável a todos os níveis de actuação administrativa. s) Nomeadamente, os privilégios em causa não podem constituir um impedimento ao exercício do direito à tutela jurisdicional efectiva, por parte dos particulares. t) Ora, sendo o instituto da suspensão uma forma de efectivar o direito a tutela jurisdicional, e sendo esta considerada como elemento essencial do núcleo de um direito fundamental de natureza análoga como é o recurso contencioso de anulação, forçoso é concluir que a mesma está protegida pelo regime constitucionalmente existente para os direitos fundamentais de natureza análoga. u) Assim, cabia ao legislador ordinário, ao estabelecer o regime jurídico do instituto da suspensão, cuidar do direito fundamental cujo instituto visa permitir exercitar, por outras palavras, o legislador ordinário deveria ter tido em atenção que do regime legal imposto dependia a forma de exercício do direito
à tutela jurisdicional efectiva. v) Sucede que, da leitura do art.º 76º n.º 1, resulta claramente que se impuseram regras de acesso que limitam e restringem o direito à tutela jurisdicional efectiva. x) Na verdade, quer a alínea a), que exige ao particular o ónus de provar a existência de um prejuízo dificilmente reparável, quer a alínea b) que se apresenta como requisito negativo, constituem restrições inconstitucionais do direito à tutela jurisdicional efectiva. z) Com efeito, é perfeitamente desnecessário e inconsequente obrigar o particular a provar não só a existência dos prejuízos como igualmente a sua natureza de reparáveis ou irreparáveis. aa) Acresce que, a falta de clareza e densificação da norma, legitima uma prática jurisprudencial verdadeira e manifestamente restritiva, pois, na falta de definição da lei, interpreta-se a difícil reparabilidade como a impossibilidade de quantificação monetária, o que, como é lógico, poucos serão os prejuízos admitidos para efeito da suspensão, pois, em tese. todos os danos são susceptíveis de quantificação e tradução pecuniária. bb) Por sua vez, e no que respeita ao requisito da alínea a), a exigência de que a suspensão do acto não cause grave prejuízo para o interesse público, torna praticamente inacessível o recurso a este meio cautelar, restringindo assim o direito à tutela jurisdicional efectiva. ce) Na verdade, não pondera a possibilidade de existirem direitos que merecem uma tutela superior ao interesse público, e que por isso mesmo devem constituir uma barreira impossível de ultrapassar. dd) Com efeito, e mais uma vez, é dentro da própria Constituição que se encontra a resposta à ponderação que deve ser dada ao interesse público face aos direitos dos particulares, isto é, mais uma vez o recurso ao art.º 266º n.º 1 da Constituição é necessário. Ora, é manifesto que o interesse público não pode, como regra, servir de base à violação dos direitos dos particulares, nomeadamente, ao direito de, através dos Tribunais verem as suas posição jurídicas efectivamente tuteladas. ff) Assim, a imposição legal de que a suspensão do acto não cause grave prejuízo ao interesse público apresenta-se como uma restrição fora dos quadros constitucionais. gg) Na verdade, sendo o direito à tutela jurisdicional efectiva tributário do regime dos direitos fundamentais, as suas restrições estão sujeitas as regras impostas pela própria constituição no art.º 18º n.º 2 e 3 da Constituição. hh) Ora, só são admitidas restrições quando seja necessário salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente tutelados, e mesmo nesses casos as restrições feitas não podem representar uma diminuição da extensão ou alcance do conteúdo essencial desses mesmos direitos ou interesses. ii) Desta forma, não existindo quaisquer razões para restringir o direito à tutela jurisdicional efectiva, as verdadeiras restrições impostas pelo art.º 76º n.º 1 a esse direito mostram-se claramente inconstitucionais. jj) Pelo que, ao indeferimento do pedido de suspensão apresentado pelo requente no caso sub judice, com o único fundamento na susceptibilidade de quantificação dos seus prejuízos, constitui a aplicação de norma que padece do vício de inconstitucionalidade material.' Contra-alegando, defendeu o recorrido, entre o mais, que:
'[...] O Recorrente, ao contrário do que a lei prevê, avança com a inconstitucionalidade do art. 76º da L.P.T.A. apenas aquando da interposição de recurso da decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, que lhe indeferiu o pedido de suspensão de eficácia. Ou seja, apenas em sede de recurso para o S.T.A. chamou à colação a questão da inconstitucionalidade da referida norma. Ora, em sede de apreciação da inconstitucionalidade concreta, tem sido jurisprudência uniforme deste Venerando Tribunal, que na primeira peça processual que facticamente suporte a posição do Requerente, deve ser suscitada a questão da constitucionalidade da norma a aplicar.
[...] Desde logo, o recorrente há-de ter suscitado, durante o processo, a questão da inconstitucionalidade de uma dada norma jurídica, norma essa que, não obstante a suspeição de ilegitimidade constitucional sobre ela lançada veio depois ser aplicada na decisão recorrida como seu fundamento normativo. A intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso só se justifica quando a decisão que vier a proferir sobre a questão de constitucionalidade seja susceptível de se projectar utilmente sobre o julgamento da questão, isto é, sobre a decisão da causa julgada pelo tribunal ‘a quo’. Com efeito, a jurisprudência constitucional tem reiterado o entendimento de que o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental, só devendo, por isso, conhecer-se das questões de constitucionalidade, se a decisão a proferir no julgamento de tal questão puder inferir utilmente na decisão da questão de fundo (cfr., por todos, os acórdãos n.ºs 169/92 e 257/92, Diário da República, II Série, de, respectivamente, 18 de Setembro de 1992 e 18 de Junho de 1993). Verifica-se que, ao contrário do que tem sido a jurisprudência atrás enunciada, o Recorrente apenas em sede, como se disse, de recurso para o S.T.A veio a suscitar tal questão, ou seja, deixou a primeira instância, porque não suscitada, impossibilitada de conhecer tal controvérsia. Assim sendo, porque não preenchidos os pressupostos de admissão do presente recurso, deve o mesmo, ser rejeitado ‘in limine’.' Notificado para responder à questão prévia de não conhecimento do recurso deste modo suscitada, veio o recorrente pugnar pela sua improcedência. Após mudança de relator, devida a alteração na composição do Tribunal, e completados os vistos legais, cumpre decidir. II. Fundamentos
3. Considera o recorrido que o recorrente, ao suscitar a questão de constitucionalidade apenas no recurso para o Supremo Tribunal Administrativo,
'deixou a primeira instância (...) impossibilitada de conhecer tal controvérsia', pelo que 'não estariam preenchidos os pressupostos de admissão do presente recurso' – o qual, tendo sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), supõe como requisitos específicos a suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo, e a aplicação de tal norma na decisão recorrida, para além do esgotamento dos recursos ordinários que no caso caibam. Ora o sentido da exigência de impugnação da constitucionalidade durante o processo (desse 'pré-questionamento' da constitucionalidade perante os tribunais recorridos, na expressão brasileira), tal como definido no Acórdão n.º 90/85
(publicado no Diário da República, II série, de 11 de Julho de 1985) nunca foi o de se ter de suscitar as questões de constitucionalidade logo perante a 1ª instância, mas apenas o se efectuar tal suscitação de forma poder obter-se uma pronúncia jurisdicional, do tribunal recorrido, sobre a questão de constitucionalidade, por forma a tornar possível uma intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso (isto é, para reexame da decisão de constitucionalidade). Tendo, no caso dos autos, a questão de constitucionalidade sido suscitada perante o Supremo Tribunal Administrativo, numa altura em que este estava plenamente investido dos seus poderes jurisdicionais para conhecer dela, foi suscitada atempadamente (e o facto de este Supremo Tribunal ter concluído pela não inconstitucionalidade do requisito de suspensão de eficácia estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e de não se ter pronunciado em relação ao requisito estabelecido na alínea b), por ter esta por não aplicada no caso, em nada contende com a consideração de que a suscitação da inconstitucionalidade de ambas as alíneas foi atempada).
4. Acontece, porém, que a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos foi tida pela decisão recorrida como não aplicada na decisão de 1ª instância – a qual, igualmente, não chegou a pôr a questão da aplicação da alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, por a não verificação de um dos três requisitos cumulativamente fixados nesse artigo ter sido considerada suficiente para o indeferimento da requerida suspensão de eficácia. Assim, não se pode considerar preenchido, em relação a essa alínea b), aquele outro dos requisitos específicos do recurso interposto consistente na aplicação da norma impugnada na decisão recorrida, na medida em que esta deteve o seu processo de aplicação do n.º 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos na sua alínea a), considerando que o não preenchimento do requisito aí fixado obstava ao deferimento da pretensão do requerente – razão pela qual o objecto do presente recurso há-de ser circunscrito à apreciação da invocada inconstitucionalidade da alínea a) do dito normativo. Ora, sobre a constitucionalidade de tal norma já este Tribunal se pronunciou, no sentido da sua não inconstitucionalidade (cfr. o Acórdão n.º 512/97, ainda inédito, que remete para os Acórdãos n.ºs 35/96 e 1192/96, publicados no Diário da República, II série, respectivamente, de 2 de Maio de 1996 e de 13 de Fevereiro de 1997, e também os Acórdãos n.ºs 141/96, 142/96 e 182/96, os dois primeiros inéditos, e o último publicado no Diário da República, II série, de 18 de Maio de 1996) – o que dispensa outras considerações, tendentes ao apuramento das relações entre as questões de constitucionalidade suscitadas e a aplicação da norma impugnada. De facto, tal como no caso decidido pelo citado Acórdão n.º 512/97, 'a aplicação da alínea a) do n.º 1 [do artigo 76º da lei de Processo nos Tribunais Administrativos] está correlacionada com a verificação de pressupostos de facto, matéria essa que está para além dos poderes de cognição deste Tribunal'. Ora, o que o Supremo Tribunal Administrativo concluiu, no acórdão recorrido nos presentes autos foi que os factos concretizadores dos prejuízos 'de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no processo' não foram suficientemente alegados – razão pela qual se poderia, eventualmente, entender que a questão de constitucionalidade adequada a reflectir a posição do Supremo Tribunal Administrativo não devia ser a de discutir se era, ou não, constitucionalmente adequado que se exigisse a existência de 'prejuízos de difícil reparação para o requerente', mas sim a de saber se seria, ou não, constitucionalmente adequado que se tivesse que os alegar, e convencer o tribunal a aceitar os factos alegados. Face à norma da citada alínea a) ['1. A suspensão da eficácia do acto recorrido é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos: a) a execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso'], que inviabilizou a pretendida suspensão de eficácia, poder-se-ia hesitar entre um raciocínio material (não haveria 'provavelmente prejuízo de difícil reparação') e um raciocínio processual (houvesse ou não prejuízo de difícil reparação, certo é que não foi alegado nem provado), sendo que as questões de constitucionalidade correspondentes a cada um seriam diversas. Como se disse, porém, existe uma alargada base de decisões sobre a não inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, nas quais estava já em causa a necessidade de existência e de alegação de prejuízo de difícil reparação (cfr., v.g., além dos já citados Acórdãos referentes à alínea a), os Acórdãos n.ºs 631/94, 194/95, 921/96,
109/97, e 181/98, o primeiro e o último publicados no Diário da República, II série, de 11 de Janeiro de 1995, e 8 de Maio de 1998, respectivamente, e os restantes ainda inéditos). Pode, pois, remetendo-se para os fundamentos dos citados arestos, decidir no sentido da não inconstitucionalidade da norma em causa. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide: a. não tomar conhecimento do recurso, na parte em que tem por objecto a norma do artigo 76º, n.º 1, alínea b), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos; b. não julgar inconstitucional a norma do artigo 76º, n.º 1, alínea a), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos; c. em consequência, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita. Lisboa, 19 de Outubro de 1999 Paulo Mota Pinto Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Artur Maurício Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa