Imprimir acórdão
Processo n.º 1038/13
2ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi proferida a Decisão Sumária n.º 606/2013, pela Relatora que, após reclamação, foi confirmada pelo Acórdão n.º 819/2013.
Por requerimento interposto em 16 de dezembro de 2013 – no 2º dia útil seguinte ao termo do prazo legal (fls. 939 a 941), veio o recorrente fazer uso de um meio processual manifestamente inadmissível, solicitando a aclaração daquela última decisão. Foi então proferido o Acórdão n.º 236/2014, que constatou a inadmissibilidade legal daquele requerimento e mais frisou não corresponder «à verdade material expressa nos autos que o Acórdão n.º 819/2013 tenha afirmado “sem concretizar que as normas não foram aplicadas na decisão”», demonstrando que «[p]elo contrário, ele adere à fundamentação exaustiva e esclarecedora da decisão sumária anteriormente proferida, não deixando quaisquer dúvidas quanto ao sentido das razões pelas quais se recusou conhecer do objeto do presente recurso» (fls. 952).
2. Vem agora o recorrente, mais uma vez – ainda que invocando o artigo 613º, n.º 2, do Novo Código de Processo Civil (NCPC) –, persistir na alegação de que as decisões anteriores não explicitaram, de modo adequado e bastante, a fundamentação sobre a qual assentaram, e solicitar nova “aclaração e correção” (fls. 959), desta feita, do Acórdão n.º 236/2014, por requerimento deduzido em 20 de março de 2014, cujo teor ora se transcreve:
«Vem, ao abrigo no disposto no Art.º 613 n.º 2 do Novo Código de Processo Civil por remissão do Art.º° 69 da L TC, requerer a reforma do douto Acórdão, nomeadamente no trecho que infra se transcreve:
'O presente pedido de aclaração não é admissível, desde logo, por falta de fundamento legal, na medida em que, proferida decisão, só pode o julgador retificar erros materiais, conhecer de arguições de nulidade ou proceder à reforma da decisão, quanto haja fundamento para tanto (cfr. o artigo, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o Código de Processo Civil em vigor, e os artigos 613.º, n.º 2, e 666.º, n.º 1, do mesmo diploma, aplicáveis 'ex vi' artigo 69.º da LTC). Nenhum destes propósitos é visado pelo recorrente, pelo que o pedido não encontra o necessário suporte legal.
Ainda assim, importa frisar que não corresponde à verdade material expressa nos autos que o Acórdão n.º 819/2013 tenha afirmado 'sem concretizar que as normas não foram aplicadas na decisão'. Pelo contrário, ele adere à fundamentação, exaustiva e esclarecedora, da decisão sumária anteriormente proferida, não deixando quaisquer dúvidas quanto ao sentido das razões pelas quais se recusou conhecer do objeto do presente recurso.'
Refere o Colendo Tribunal que o Recorrente pretendia ver esclarecida, por via do requerimento de aclaração, o conteúdo da anterior decisão, e que essa possibilidade não se encontra prevista no novo Código de Processo Civil.
Tal facto não deixa de ser verdade, porém a pretensão do Recorrente não é mais que a exigência de fundamentação rigorosa e inteligível que justifique cabalmente a objeção do conhecimento do objeto do recurso por parte deste Colendo Tribunal.
Se na anterior decisão (Acórdão 819/2013) se discutiam os requisitos da admissão do Recurso de Constitucionalidade, tendo o Recorrente demonstrado que os mesmos se encontram cumpridos, nesta decisão este Colendo Tribunal limita-se, salvo o devido respeito, a aduzir argumentos do foro formal para justificar o não conhecimento do objeto do Recurso.
Todos os requisitos de admissibilidade do Recurso de Constitucionalidade foram respeitados, pelo que se impunha o conhecimento e apreciação do objeto do Recurso.
Este Colendo Tribunal Constitucional, limita-se, salvo o devido respeito, a abnegar os argumentos expendidos pelo Recorrente socorrendo-se de argumentação ora superficial, ora formal, sem nunca responder em concreto às questões fulcrais suscitadas (que no caso são os requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade).
E, uma vez mais esta decisão se revela, com o muito respeito que é devido e merecido, vaga e insuficiente clara e insuficientemente fundamentada, permanecendo o Recorrente sem a clara perceção do que fora decidido e porque o fora.
De acordo com o n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Ora, ao não fundamentar devidamente a sua decisão, nem esclarecer o processo lógico mental de convicção que lhe permitiu chegar àquelas conclusões, aduzindo apenas e de forma genérica, apenas algumas considerações jurídicas, o douto Acórdão prolatado por esta Colenda Conferência é nulo por falta de fundamentação nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea b) do Novo Código de Processo Civil, não habilitando ou possibilitando ao Recorrente, fazer uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respetivo conteúdo decisório.
Pelo exposto, respeitosamente se requer a aclaração e correção do douto Acórdão, fundamentando-se a douta decisão com o necessário rigor e clareza, indispensáveis à cabal compreensão por parte do Recorrente do que fora decido, assim se fazendo a acostumada e sã JUSTIÇA!» (fls. 958 a 959)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
«1.º
Pela douta Decisão Sumária n.º 606/2013, não se conheceu do objeto do recurso interposto por A. para o Tribunal Constitucional.
2.º
Pelo douto Acórdão n.º 819/2013, indeferiu-se a reclamação daquela Decisão Sumária.
3.º
Pelo douto Acórdão n.º 236/2014, indeferiu-se um pedido de aclaração do Acórdão nº 819/2013.
4.º
Notificado do Acórdão n.º 236/2014, vem agora o recorrente requerer a “aclaração e correção do douto Acórdão, fundamentando-se a douta decisão com o necessário rigor e clareza, indispensável à cabal compreensão por parte do recorrente do que foi decidido”.
5.º
O Acórdão é absolutamente claro e encontra-se devidamente fundamentado, pelo que o pedido é manifestamente destituído de sentido e fundamento.
6.º
Aliás, o comportamento processual do recorrente justifica, em nossa opinião, que o Tribunal aplique o disposto no artigo 84.º, n.º 8, da Lei do Tribunal Constitucional.» (fls. 961 a 962)
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A inadmissibilidade legal do requerimento ora deduzido é manifesta e flagrante, pelo que justifica uma tomada de posição deste Tribunal, com vista a obstar ao protelamento indevido do trânsito em julgado das decisões aqui proferidas e ao risco potencial de prescrição da responsabilidade penal que se encontra em discussão nos autos recorridos.
Com efeito, apesar de o Acórdão n.º 236/2014 já ter demonstrado não ser admissível, à luz da nova lei processual civil, a dedução de pedidos de aclaração, o recorrente persiste em requerer nova aclaração, ainda que a coberto de uma alegada “reforma”. É por demais evidente que o acórdão em causa não suscita quaisquer problemas de apreensibilidade por parte de um destinatário normal. Sem prejuízo de um conhecimento mais profundo, a ter lugar ulteriormente, não há, por ora, como negar que o recurso a mais este meio processual legalmente inadmissível apenas visa protelar o trânsito em julgado das decisões já proferidas nestes autos.
Por conseguinte, mais não resta do que determinar a extração de traslado e a descida imediata dos autos ao tribunal recorrido.
III – Decisão
Nestes termos, ao abrigo do disposto n.º 8 do artigo 84º da Lei do Tribunal Constitucional, decide-se ordenar que:
a) Seja extraído traslado de fls. 904 a 907 e 912 a 963 do presente processo, bem como do presente acórdão;
b) Após contados os autos e extraído o traslado, se remetam os mesmos, de imediato, ao tribunal recorrido, para prosseguirem os seus termos;
c) Uma vez pagas as custas, se abra conclusão, a fim de, então, se decidir o agora requerido, bem como quaisquer outros incidentes que, porventura, possam ainda vir a ser suscitados pelo mesmo recorrente.
Lisboa, 7 de maio de 2014. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.