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Processo n.º 262/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Pela decisão sumária n.º 262/2012, decidiu o relator não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente A., quer da decisão que, no apenso C do processo base, indeferiu o pedido de suspeição por si formulado contra a juíza adjunta dos autos principais (despacho de 5 de janeiro de 2012), quer da decisão que, no mesmo apenso, indeferiu a arguição de nulidade e o requerimento de interposição de recurso daquele primeiro despacho (despacho de 9 de fevereiro de 2012).
O não conhecimento baseou-se, no tocante ao recurso interposto da primeira dessas decisões, no caráter não normativo de uma das duas questões de inconstitucionalidade em causa, e na circunstância de, em relação à outra, não se mostrar observado o ónus de prévia suscitação (o que dispensava o convite ao recorrente para especificar, nessa parte, qual interpretação normativa cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada), e, quanto ao recurso interposto da segunda das decisões, na inutilidade do recurso por nela não se ter aplicado a norma sindicada.
O recorrente, inconformado, reclamou da decisão sumária para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, alegando, de essencial, que, para além de cumprir todos os requisitos formais do requerimento de interposição do recurso impostos pelo artigo 75.º-A da LTC, observou o ónus legal de prévia suscitação, em relação a uma das questões de inconstitucionalidade em apreciação, não o podendo fazer, em relação à outra, por recair sobre norma cuja aplicação pelo tribunal recorrido era imprevisível.
O recorrido não apresentou resposta.
2. Cumpre apreciar e decidir.
O recorrente sujeitou à apreciação do Tribunal Constitucional as seguintes questões de inconstitucionalidade:
- «o direito fundamental do recorrente de acesso a um tribunal superior, com recusa de juiz suspeito (…), interpretado no sentido da sua consagração exclusiva pelo artigo 127.º do CPC», por violação dos artigos 20.º, nºs. 1 e 4, 18.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, 203.º, 204.º, 209.º, n.º 1, alínea b), 212.º da CRP e artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, ex vi artigo 8.º da CRP;
- «o segmento normativo ‘o presidente decide sem recurso’ (artigo 130.º, n.º 3, do CPC), interpretado no sentido de obstar ao recurso jurisdicional que o recorrente pretende interpor, nos termos do art.º 678.º, 2, do CPC, contra o despacho de indeferimento da suspeição, na parte em que invoca a competência do Sr. Conselheiro Dr. Pais Borges para substituir o Presidente do STA», por violação do princípio do processo equitativo consagrado pelo artigos 20.º, n.º 4, da CRP, e 6.º, n.º 1, da CEDH, ex vi artigo 8.º, n.º 2, da CRP.
Começa o reclamante por impugnar, em relação à primeira das enunciadas questões de inconstitucionalidade, o juízo formulado pelo relator de que não indicou claramente qual a interpretação normativa que, tendo por fonte o artigo 127.º do CPC, pretendia ver apreciada. Contudo, tendo a decisão sumária ora em reclamação concluído pelo não conhecimento do objeto do recurso, nessa parte, por inobservância do ónus de prévia suscitação, que o reclamante igualmente contesta, há que inverter a ordem de conhecimento das questões e verificar, desde logo, se o recurso estava, afinal, em condições processuais de prosseguir para apreciação de mérito, como sustenta o reclamante, por disso depender a questão da necessidade e utilidade de aperfeiçoamento do respetivo requerimento de interposição.
Invoca o reclamante que, contrariamente ao que se sustenta na decisão sumária, observou, em relação ao citado normativo legal, o ónus legal de prévia suscitação de que depende o conhecimento do recurso, pois que, nos pontos 65, 67, 68, 80, 81, 91, e 92 do pedido de suspeição indeferido pelo despacho de 5 de janeiro de 2012, que parcialmente transcreve, «especificou, clara e adequadamente, qual a interpretação normativa que deveria ter sido dada à norma em causa e qual a concreta interpretação normativa que reputa inconstitucional».
Contudo, analisando o respetivo articulado, designadamente os pontos destacados pelo reclamante, verifica-se que nele não se observou adequadamente o ónus de previa suscitação da questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 127.º do CPC.
Com efeito, a afirmação de que, no caso concreto, ocorriam fundados motivos para suspeitar da isenção e imparcialidade da pessoa visada pelo pedido de suspeição, seguida da conclusão de que «[a]ssim não se entendendo, está-se a fazer aplicação do artigo 127.º, n.º 1, al. g), do CPC, interpretando-o e explicando-o em sentido que manifestamente viola o disposto no art.º 6.º, n.º 1, da CEDH e art.º 20.º da CRP» (cf. ponto 92), não constitui, como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente sublinhado, forma processualmente adequada de suscitação, pois que, desse modo, não se enuncia, com a clareza e o rigor processualmente exigíveis, por delimitação positiva, qual a concreta interpretação normativa que se reputa violadora da Constituição, não recaindo sobre o Tribunal recorrido, por deficiente enunciação da questão de inconstitucionalidade, qualquer dever de pronúncia.
Sendo assim, não há dúvidas de que, por ilegitimidade do recorrente decorrente da preterição do ónus legal de prévia e adequada suscitação (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC), o recurso interposto da decisão de 5 de janeiro de 2012, que indeferiu o pedido de suspeição formulado pelo ora reclamante, não pode prosseguir, o que inutiliza a apreciação da questão de saber se, em relação ao artigo 127.º do CPC, o recorrente cumpriu adequadamente o disposto no n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC.
Invoca ainda o reclamante que, em relação à segunda das enunciadas questões de inconstitucionalidade, estava desonerado do ónus legal de prévia suscitação, pois que «a invocação do (…) artigo 130.º, n.º 3, do CPC, para não admitir o recurso jurisdicional, estando em causa a incompetência absoluta do decisor, agravada por suspeita de abuso de poder, não constitui solução jurídica potencialmente aplicável, e por isso o recorrente não a podia configurar como objetivamente admissível face à letra da lei, o citado art.º 678.º, n.º 2, do CPC».
Sucede que, tendo o relator inviabilizado o prosseguimento do recurso, nessa parte, com fundamento no caráter não normativo do respetivo objeto, é manifestamente irrelevante saber se o recorrente estava ou não desonerado de suscitar tal questão de inconstitucionalidade no requerimento de interposição do recurso.
Ora, é evidente que a questão da inconstitucionalidade do artigo 130.º, n.º 3, do CPC, «interpretado no sentido de obstar ao recurso jurisdicional que o recorrente pretende interpor, nos termos do art.º 678.º, 2, do CPC, contra o despacho de indeferimento da suspeição, na parte em que invoca a competência do Sr. Conselheiro Dr. Pais Borges para substituir o Presidente do STA» não assume caráter normativo, pois que não tem por objeto um padrão normativo de decisão suscetível de ser aplicado a uma generalidade de casos idênticos, mas o que se decidiu no caso concreto em discussão nos autos.
Impõe-se, por isso, também no que respeita a tal questão de inconstitucionalidade, o não conhecimento do recurso, como sumariamente decidido.
Por outro lado, verificando-se que o despacho de 9 de fevereiro de 2012, que indeferiu os requerimentos pelos quais o reclamante arguiu a nulidade daquele primeiro despacho e dele interpôs recurso, não aplicou o artigo 127.º do CPC, seja em que dimensão for, é de concluir pela inutilidade do recurso de constitucionalidade dele interposto – que o reclamante, aliás, não impugnou –, confirmando-se, também nessa parte, a decisão sumária reclamada.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 26 de setembro de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Rui Manuel Moura Ramos.