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Processo nº 90/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - L. B., tendo sido notificado do acórdão do Tribunal Constitucional nº 373/99, de 22 de Junho de 1999, veio requerer 'o esclarecimento de obscuridades e/ou ambiguidades constantes do mesmo'.
O Tribunal Constitucional, pelo acórdão nº 519/99, de 28 de Setembro último, indeferiu o requerido.
Vem, agora, arguir a nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão, a que alude o artigo 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC), quanto ao primeiro aresto e requerer a reforma quanto a custas, relativamente ao segundo.
2.1. - No tocante à arguição de nulidade, invoca-se a norma processual civil que decreta a nulidade da sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Ouvido, o Conselho Superior da Magistratura ofereceu o merecimento dos autos.
Argumenta o requerente que a passagem do acórdão nº
373/99 onde se consigna que o duplo grau de jurisdição em matéria de recursos está constitucionalmente consagrado apenas em matéria penal e na medida, mas só na medida, em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa previstas no artigo 32º da CR, ao apoiar-se no acórdão nº 638/98 deste Tribunal (publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1999), entra em contradição com a fundamentação neste constante, uma vez que este
último acórdão, nº 698/98, 'sufragou as posições assumidas pelos conselheiros Vital Moreira e António Vitorino nas respectivas declarações de voto de vencido, constantes dos acórdãos nºs. 65/88 e 202/90 deste Tribunal Constitucional, segundo as quais está constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal'.
2.2. - Como se retira da singela leitura do acórdão nº 638/98 – aliás citado no acórdão impugnado em mero contexto argumentativo – não se acolheu nele a doutrina emanada dos votos de vencido identificados mas tão só se deu notícia desse entendimento, a título informativo e documental, como explicita e inequivocamente resulta da sua leitura (como, de resto, já houve oportunidade de sublinhar no acórdão nº 519/99).
É, na verdade, clara a passagem onde se relata que, após a revisão constitucional de 1997 a Constituição passou a incluir no artigo 32º
'a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32º', logo se acrescentando que, '[p]ara além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (v., a este respeito, as declarações de voto dos conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente no Acórdão nº 65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., pág. 653, e no Acórdão nº 202/90, idem, 16º vol., pág. 505).
Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer'.
A leitura desse acórdão deve, em consequência, ser compreendida à luz de uma informação abrangente com a qual, porém, não se compromete.
Assim se deve interpretar este outro parágrafo:
'O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afectar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer'(sublinhado agora).
De resto, a decisão proferida no citado acórdão nº
638/98, e contrariamente ao que o requerente parece dar a entender, não reconheceu, no concreto caso, a exigência de um duplo grau de jurisdição. Como aí se escreveu, '[n]em está verdadeiramente em causa o direito de propriedade, na dimensão em que é análogo aos direitos, liberdades e garantias, nem a lei fundamental impõe, nessa matéria, a exigência de um duplo grau de jurisdição'.
Chega o exposto para demonstrar a inexistência de qualquer oposição dos fundamentos invocados com a decisão constante do acórdão nº 373/99.
3. - Relativamente ao pedido de reforma quanto a custas, reage o requerente ao facto de, no acórdão nº 519/99, que indeferiu a pretendida aclaração, ter sido condenado nas custas do incidente, fixando-se em 10 as unidades de conta.
Pretende não ser tributado com o fundamento que ao indeferir-se a aclaração pedida, afinal sempre se procedeu à requerida aclaração, pelo que o pedido não foi descabido.
É verdadeiramente abusiva essa interpretação: se o acórdão se tivesse singelamente limitado a indeferir a aclaração, não justificando minimamente a razão desse indeferimento, sofreria certamente do vício de falta de fundamentação; como houve a preocupação de o motivar, pretende-se ler, aí, o reconhecimento da razão de ser do pedido de aclaração.
Improcede, manifestamente, o pedido de reforma quanto a custas.
4. - Em face do exposto, decide-se:
a) julgar improcedente o pedido de arguição de nulidade do acórdão nº 373/99;
b) julgar improcedente o pedido de reforma quanto a custas do acórdão nº 519/99;
c) condenar o requerente nas custas, com taxa de justiça que se fixa em 10_ unidades de conta. Lisboa, 22 de Fevereiro de 2000 Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa