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Procº nº 481/99.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. C... e mulher, AS..., intentaram pelo Tribunal de Círculo de Santo Tirso e contra M... acção, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando, por entre o mais, a condenação do réu a reconhecer que os autores tinham preferência na compra de um prédio rústico com a área aproximada de 3.850 metros quadrados, denominado Campo de Travassos ou Leira de Agra e Bateis, sito no lugar de Ausende, freguesia de Louro, concelho de Vila Nova de Famalicão, e confinante com um outro prédio rústico, denominado Campo da Porta, com a área de cerca de 10.000 metros quadrados, este pertença dos autores.
Segundo os autores, o Campo de Travassos ou Leira de Agra e Bateis foi vendido pelos seus proprietários, Lauro Garcia da Costa Gomes e mulher, ao réu, através de escritura pública celebrada em 5 de Maio de 1992, não lhes tendo sido dado qualquer conhecimento da venda.
Por sentença de 9 de Setembro de 1998, proferida pelo Juiz do Tribunal de Círculo de Matosinhos, foi a acção julgada improcedente e, consequentemente, absolvido o réu do pedido, o que motivou os autores a do assim decidido apelarem para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 28 de Janeiro de 1999, negou provimento à apelação.
De novo inconformados, pediram revista os autores.
Na alegação que produziram, disseram, inter alia e para o que ora releva:-
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20.- O que implica esclarecer qual é a unidade de cultura para esta zona: se dois hectares (como afirmam os A.A.), se quatro hectares (como reivindica o Réu);
21.- neste caso sob invocação do art. 13.º do Dec. Lei n.º 196/89, de
14 de Junho. VAMOS ESCLARECER.:
a.- Este Diploma foi publicado sob invocação expressa de competência do GOVERNO, ao abrigo da alínea a), do art. 201.º da Constituição, legislando sobre a reserva agrícola nacional,
b.- à semelhança do que se passou quando o GOVERNO legislou sobre a reserva ecológica nacional (D.L. n.º 93/90, de 19 de Março) + (antes D.L. n.º
321/83, de 5 de Junho).
- PORÉM, qualquer destes Diplomas está reconhecido pelo Acórdão do Tribunal Constitucional, de 8-Maio-1991 (B.M.J. 407.º, 77): efectivamente,
I.- integra-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a matéria respeitante às bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural (art. 168.º, n.º
1, al. g), da Constituição), cabendo-lhe as opções político-legislativas fundamentais respeitantes a essa matéria e a definição das grandes linhas que virão inspirar a regulamentação legal desse sistema de protecção;
II.- O Dec. Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, emitido pelo Governo sem qualquer credencial parlamentar, invocando poderes próprios, que não tem, ao instituir a Reserva Agrícola Nacional, e ao determinar a sua constituição e o seu regime, introduzindo todo um sistema inovador, criando uma disciplina de protecção às áreas ali compreendidas, em suma, ao invadir a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, violou o disposto no art. 168.º, n.º 1, al. g) da Constituição.
- Manifesto, pois, que todo o diploma referido padece de inconstitucionalidade orgânica, pelo que resulta espúria e inútil a tentativa de invocar quaisquer das suas isoladas disposições,
22.- o que implica, que se defina que a área da unidade de cultura, na área do prédio referido, é a de dois hectares.
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39.- Ao contrário do afirmado pelo Réu, a UNIDADE DE CULTURA é a resultante da aplicação do disposto no art. 1 376º do C. Civil e do art. 1º da Portaria nº 202/70, de 21- Abril- 1970, ou seja dois hectares (20.000 metros quadrados),
- na medida em que, como demonstrámos, o art. 13º. do D.L. nº 196/89, de 14 de Junho (Reserva Agrícola Nacional) padece de inconstitucionalidade orgânica.
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50.- EM SUMA, em resumo, o Douto Acórdão em apreço, para além dos vícios já apontados, padece de três outros não ultrapassáveis:
a) Por um lado, pretende aplicar uma lei sujeita a regulamentação posterior, o que nunca aconteceu( arts. 18º e 24º do Dec. Lei nº 384/88, de 25 de Outubro);
b) Por outro lado, porque este decreto lei padece de ostensiva inconstitucionalidade orgânica (alíneas g) e n), do nº 1, do art. 168º da Constituição Política);
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55.- POR OUTRO LADO, constitui competência exclusiva da Assembleia da República
(salvo autorização ao Governo) as matérias referentes a:
(g) Bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural;
(n) Bases da política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola privada’.
56.- Como parece evidente, a estrutura fundiária, no que se refere a definição dos limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola, constitui uma das bases de qualquer política agrícola. De facto, reconhece-se que unidades agrícolas de pequena área são economicamente pouco rentáveis: daí que os legisladores, ao longo dos tempos, tenham previsto o mecanismo do direito de preferência dos proprietários de terreno confinantes, como forma de as fazer desaparecer.
57.- Como parece evidente, foi intenção expressa do Governo, ao legislar sobre a matéria do art. 384/88, adoptar todo um largo conjunto de medidas, com aquele objectivo de promover o emparcelamento, nomeadamente pelo reconhecimento do direito de preferência referido.
Estamos, pois, no âmago de uma qualquer política agrícola, como consta daquela base ‘n’, nomeadamente na sua 2ª parte. Estamos, pois, no domínio de competência privada da Assembleia da República,
58.- pelo que, não tendo havido autorização legislativa (nºs 1 e 2, do art. 168º da C.P.), a mesma disposição legal padece de INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA..
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Perante estas considerações lapidares, daí resultam CONSEQUÊNCIAS EVIDENTES:
a) Tendo o prédio do Réu a área de 36.000 metros quadrados,
- sendo óbvio a inconstitucionalidade do Dec. Lei nº 196/84, de 14 de Junho (e o seu artigo 13º, invocado pelo Réu na Contestação), assim como de Dec. Lei nº 384/88, de 25 de Outubro (e seu artigo 18º, invocado no Douto Acórdão em apreço),
- é igualmente óbvio que aquele prédio tem área superior à UNIDADE DE CULTURA (2 hectares - Portaria nº 202/70, de 21 de Abril),
- pelo que o Réu nem, sequer, está dentro dos pressupostos do nº 1, do art. 1.380: apesar de confinante, o seu prédio não tem área inferior à unidade de cultura;
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... CONCLUSÕES:
A.- A ‘unidade de cultura’ no local é de dois (2) hectares,
B.- Já que o disposto no art. 13º do D.L. nº 196/89 de 14 de Junho
(R.A.N.) (4 hectares) padece de inconstitucionalidade orgânica.
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Q.- No mesmo Acórdão também se procedeu à aplicação do disposto no art. 18º do Dec. Lei nº 384/88, de 25 de Outubro que é um diploma com vigência suspensa,
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S.- Para além do mesmo Diploma abordam matéria da competência exclusiva da Assembleia da República, não objecto de delegação legislativa para o Governo, pelo que padece de inconstitucionalidade; de facto,
T.- a definição das bases de política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola privadas, é da competência da Assembleia da República (alínea n) , do nº 1, do art. 168º da Constituição Política).
U.- Foram violadas as disposições dos arts. 168º, nº 1, al. g) da Constituição (sendo inconstitucional o Dec. Lei nº 93/90, de 19 de Março), assim como foram violadas as disposições das alíneas g) e n), do nº 1 do mesmo art.
168º, sendo inconstitucional igualmente o Dec. Lei nº 384/88, de 25 de Outubro, para além da sua vigência estar suspensa por não regulamentação a ainda foram violados os artigos 1380º, 204º nº 2, 1 381º, 1 377º do Cód. Civil, 659º, 660º e
668º do C. Proc. Civil e mais disposições legais aplicáveis.
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O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 8 de Junho de 1999, negou a revista.
Pode ler-se nesse aresto, no que agora interessa:-
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- Nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia;
- Inconstitucionalidade orgânica do Dec-Lei n.º 384/88, de 25/10;
- Inaplicabilidade do citado Dec-Lei por se encontrar suspenso:
- A preferência na alienação de prédios confinantes só é admissível se ambos tiverem áreas inferiores à da unidade de cultura.
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A segunda questão respeita à inconstitucionalidade orgânica do Dec-Lei n.º 384/88, de 25/10. Segundo os recorrentes, a matéria deste Diploma está abrangida pela competência exclusiva da Assembleia da República - artigo
168º, n.º 1, alíneas g) e n) da Constituição da República. E não tendo havido autorização legislativa, o Dec-Lei padece da referida inconstitucionalidade.
Também aqui os recorrentes laboram em erro, pois o Diploma refere expressamente que foi concedida ao Governo autorização legislativa pelos artigos
1º e 2º da Lei n.º 79/88, de 7 de Julho.
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A questão de fundo (preferência por confinância) foi objecto de decisão pelas instâncias por forma que não merece qualquer censura. Aí se entendeu que, no caso de venda de terreno, de área inferior à unidade de cultura, ser feita a proprietário de terreno confinante, já nenhum outro proprietário confinante, em qualquer circunstância, terá então direito de preferência.
Esta conclusão afasta a aplicação da al. b) do n.º 2 do art.º 1380º do Código Civil, conforme resulta, aliás, do acórdão recorrido, no seguimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal, que acatamos - Cfr. Ac. STJ, de
1994.07.07, in Col. Jur. do STJ, ano II, Tomo III, pág. 52 e segs.
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É do acórdão de que parte se encontra transcrita que C... e mulher vieram interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
Na sequência de convite que, já neste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, lhes foi dirigido, vieram os mesmos indicar que por intermédio do vertente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendiam que este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa apreciasse a desconformidade com a Lei Fundamental dos Decretos-Leis números
93/90, de 19 de Março, e 384/88, de 25 de Outubro, 'por violação do artigo 165º, nº 1, alíneas g) e n) da Constituição', tendo suscitado tal questão na alegação do recurso de revista.
2. Por despacho de 7 de Outubro de 1999 (cfr. fls. 464 a 470), foi, ao abrigo do nº 3 do artº 3º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso limitado à apreciação da norma contida no artº 18º do Decreto-Lei nº 384/88, de
25 de Outubro, determinando- -se a notificação das «partes» para a produção de alegações com essa advertência.
Na verdade, disse-se nesse despacho, no que ora releva:-
'.......................................................................................................................................................................................................................................................................................
2. O acórdão intentado impugnar fundou fáctico-juridicamente o decidido nos seguintes pontos :
- o prédio vendido ao réu tinha a área de 3.850 metros quadrados, destinava--se a cultura e confinava com um outro prédio, pertença do mesmo réu, com a área de 36.000 metros quadrados;
- o nº 1 do artº 1380º do Código Civil não concede preferência a outros confinantes quando o adquirente do prédio com área inferior à unidade de cultura é também proprietário confinante;
- o artº 18º do Decreto-Lei nº 384/88 veio prescrever que o direito de preferência a que alude aquele nº 1 do artº 1380º é concedido ainda que a
área do terreno confinante seja superior à unidade de cultura.
- em consequência, aos autores, ora recorrentes, não assistia o direito de preferência que pretenderam ver reconhecido por intermédio da acção em causa.
2.1. Como se viu, a acção foi proposta pelos autores, agora recorrentes, fundada no artº 1380º do Código Civil, o que, como é claro, pressupunha que o prédio vendido ao réu, ora recorrido, denominado Campo de Travassos ou Leira de Agra e Bateis, apresentava uma área inferior à da unidade de cultura.
Na verdade, o direito de preferência consignado naquela disposição legal reporta-se às situações de venda, dação ou aforamento de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura a quem não seja proprietário confinante.
E, igualmente, o direito de preferência prescrito no nº 1 do artº 18º do Decreto-Lei nº 384/88, de 25 de Outubro - (diploma que veio a estabelecer o novo regime de emparcelamento rural), editado ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei nº 79/88, de 7 de Julho (que concedeu a autorização com a duração de noventa dias contados a partir do dia 8 de Julho de
1988 - cfr. seus artigos 2º e 3º), e que foi aprovado em Conselho de Ministros de 1 de Setembro de 1988 -, porque se reporta ao já citado artº 1380º do Código Civil, pressupõe a alienação de terreno com área inferior à da unidade mínima de cultura.
2.1.1. Perante este circunstancionalismo, a questão que se levanta é a de saber se, tendo em conta que os recursos de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa têm um carácter instrumental, a vertente impugnação, no que tange ao Decreto-Lei nº 196/89, de 14 de Junho, apresenta qualquer utilidade ou se, verdadeiramente, houve, por banda do acórdão impugnado, aplicação de qualquer norma ínsita em tal diploma.
A resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.
Efectivamente, ainda que este Tribunal viesse a concluir que o mencionado Decreto-Lei nº 196/89 (estatuidor do novo regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional), e, mais concretamente o seu artº 18º (que veio a dispor que nas áreas da Reserva Agrícola Nacional a unidade de cultura corresponde ao dobro da área fixada pela lei geral para os respectivos terrenos e regiões), padecia de inconstitucionalidade e, na sequência de um tal hipotético juízo, o Alto Tribunal a quo, na reformulação do acórdão sub iudicio, houvesse de não tomar em linha de conta na presente acção aquela disposição, então isso acarretaria o mesmo lançasse mão do que se encontra prescrito na Portaria nº 202/70, de 21 de Abril, de harmonia com a qual a unidade mínima de cultura para a região em causa era a correspondente a 2 hectares para os terrenos de regadio arvenses, 0,50 hectares para terrenos de regadio hortículas e 2 hectares para terrenos de sequeiro (cfr. quadro do artº 1º da citada Portaria).
Ora, ponderando a área do terreno alienado ao ora recorrido - 3.850 metros quadrados - torna-se por demais evidente que, quer à luz do artº 1º da Portaria, quer à luz do artº 18º do Decreto-Lei nº 196/89, sempre essa área se haveria de considerar como sendo inferior à da unidade de cultura.
E será justamente por isso que o acórdão tirado em 8 de Junho de 1999 no Supremo Tribunal de Justiça, ao dar como assente que o prédio rústico alienado apresentava uma área inferior à da unidade mínima de cultura, nem sequer fez apelo, na mensuração desta última, ao Decreto-Lei nº 196/88, pelo que se concluirá que nenhuma norma deste diploma foi aplicada no aresto impugnado.
3. O recurso em causa deve, assim, limitar-se à apreciação da conformidade (ou não conformidade) da norma ínsita no artº 18º do Decreto-Lei nº
384/88, o que se consigna para os efeitos do disposto no nº 3 do artº 3º do Código de Processo Civil'
3. Na sequência, os recorrentes apresentaram a sua alegação, que remataram com as seguintes «conclusões»:-
'A.- O Dec. lei n.º 384/88, de 25 de Outubro é globalmente inconstitucional, B.- acarretando a inconstitucionalidade do seu art. 18.º. C.- Porque o Governo ultrapassou o prazo consignado na Lei n.º 79/88, de 7 de Julho (90 dias). D.- porque o Dec. lei n.º 384/88, por força do seu art. 24.º nunca foi mais do que um decreto-lei de bases, E.- que nunca foi regulamentado. F.- O mesmo Diploma, ao dispor como no art. 24.º, admitiu que havia um conjunto indeterminado de questões a ‘regulamentar’, G.- que não especificou, H.- não sendo a nós legítimo ‘advinhar’ quais as questões que carecem ou não carecem de regulamentação, I.- sob pena do mesmo art. 24.º se traduzir numa disposição inútil'.
De seu lado, o recorrido terminou a sua alegação concluindo:-
'1 - É jurisprudência pacífica deste Alto Tribunal a quo, que para que ‘se considere respeitado o prazo de autorização legislativa, basta que ocorra dentro desse prazo a aprovação pelo Conselho de Ministros do decreto-lei emitido no uso dessa autorização’
- v.g. Acs. nºs 156/92, 386/93, 206/94, 672/95, 269/97, in DR II Série, respectivamente de 28.7, 2.10, 13.7, 30.3 e 22.5.
2 - No caso sub judice, a aprovação do D.L. nº 384/88, de 25 de Outubro, ocorreu no dia 1 de Setembro de 1988 e, portanto, perfeitamente dentro do prazo de 90 dias concedido pela autorização referenciada (contada a partir do dia 8 de Julho de 1988 - vide arts. 2º e 3º da Lei nº 79/88, de 7 de Julho).
3 - O que está em causa no artigo 25º do Decreto-Lei nº 384/88, de 25 de Outubro, á apenas e tão só a competência regulamentar do Governo.
4 - Ademais, o sobredito diploma, sendo um decreto-lei autorizado, não faz depender a sua entrada em vigor da regulamentação referida no seu artigo
24º.
5 - Mesmo que seja entendido como um ‘decreto-lei de bases’, estes, tal como as próprias ‘leis de bases’ (por maioria de razão), não ficam suspensos da respectiva legislação de desenvolvimento.
6 - A este propósito, é incontroverso que ‘a lei de bases é de aplicação imediata, ainda que a sua exequibilidade, pelo menos em parte, dependa ou possa depender de decreto-lei ou de decretos legislativo de desenvolvimento’
- vide v.g. Jorge Miranda, Manual de Dtº Constitucional, tomo V, Lisboa, 1998, págs. 375 e 376.
7 - Quando muito - e sem conceder - poderá é existir uma previsão de
‘excesso de forma’, o que nunca configurará qualquer espécie de inconstitucionalidade
8 - Que, em todo o caso, só poderia ser circunscrita ao artº 24º do diploma em causa
9 - Em nada atingindo - em hipótese alguma - o conteúdo material do Decreto- -Lei nº 384/88, de 25 de Outubro, na sua globalidade e, por conseguinte, o mencionado artigo 18º aí inserto'.
Cumpre decidir
II
1. A questão a equacionar nos presentes autos reconduz-se, pois, a duas vertentes, quais sejam, por um lado, saber se o Decreto-Lei nº 384/88, editado que foi ao abrigo da autorização parlamentar conferida pela Lei nº
79/88, de 7 de Julho, o foi dentro do prazo de noventa dias concedido como duração de tal autorização (cfr. artº 2º daquela Lei); por outro, saber se da circunstância de não ter sido emitido diploma regulamentador da matéria constante daquele Decreto-Lei, não obstante o disposto no seu artº 24º - que estatuiu que a respectiva matéria deveria ser regulamentada pelo Governo, através de decreto-lei, no prazo de sessenta dias - isso invalida uma norma como a ora em apreço (o seu artº 18º, que prescreve, no seu nº 1, que os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura), invalidade, aliás, que não é sequer explicitamente subsumida pelos recorrentes a qualquer vício de natureza constitucional.
Vejamos a primeira vertente.
2. O diploma onde se insere a norma em crise, que veio a ser publicado em 25 de Outubro de 1988, foi aprovado em Conselho de Ministros em 1 de Setembro desse ano, ou seja, dentro do prazo de noventa dias contados a partir 8 de Julho de 1998 (data da entrada em vigor da Lei nº 79/88 - cfr. seu artigo 3º), tendo sofrido promulgação no sequente dia 10 de Outubro.
Significará este condicionalismo que tal diploma se pode considerar como emitido já para além do prazo da autorização constante da Lei nº 79/88?
Adianta-se, desde já, que não.
De harmonia com a jurisprudência que tem sido seguida por este Tribunal (cfr., por entre muitos outros e, por isso, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos números 400/89 in Diário da República, 2ª Série, de
14 de Setembro de 1989, 150/92, idem, idem, de 28 de Julho de 1992, 121/93, idem, idem, de 8 de Abril de 1993, 265/93, idem, idem, de 10 de Agosto de 1993,
651/93, idem, idem, de 31 de Março de 1994, 703/93, idem, idem, de 31 de Março de 1994, e 672/95, idem, idem, de 20 de Março de 1996), para que se considere respeitado o prazo de autorização legislativa, basta que ocorra dentro desse prazo a aprovação pelo Conselho de Ministros do decreto-lei emitido no uso dessa autorização.
Citam-se, a propósito, alguns passos do já citado Acórdão nº 121/93.
Assim, pode ler-se no mesmo:-
'.......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................no domínio da versão originária da Constituição de 1976, o art. 122º, nº 4, da Lei Fundamental determinava que a falta de publicidade dos actos legislativos implicava a respectiva inexistência jurídica. A partir da primeira revisão constitucional, o nº 2 do art. 122º passou a estabelecer que a falta de publicidade dos actos de conteúdo genérico dos órgãos de soberania previstos no artigo anterior - entre os quais, se contam as leis e os decretos-leis - implica a sua ineficácia jurídica.
Ora, esta alteração tem especial importância nesta matéria e, por isso, a doutrina que considerava, face ao texto de 1976, atendível o momento da publicação passou a admitir que não seria exigível que a publicação do diploma autorizado ocorresse durante a vigência da lei de autorização (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1ª ed.,
1978, pág. 336, e 2ª ed., vol. 2º, da mesma obra, pág. 205).
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
O Tribunal Constitucional, por seu turno, teve ocasião de acentuar, no acórdão nº 400/89, que não considerava relevante o momento da publicação de um diploma autorizado para aferir da sua constitucionalidade, quando nesse momento já houvesse caducado a respectiva autorização legislativa:
‘Seja qual for a resposta que deva dar-se à questão de saber qual o momento relevante para se poder conclui que a autorização legislativa foi atempadamente utilizada - se o da aprovação em Conselho de Ministros do diploma autorizado, se antes o do seu envio para promulgação pelo Presidente da República, se o da data em que a promulgação teve lugar, se, ainda, o da referenda - a verdade é que a publicação não é, seguramente, elemento constitutivo do acto legislativo [...].
O entendimento de que a publicação não é elemento constitutivo do acto legislativo pode hoje considerar-se pacífico, uma vez que o artigo 122º, nº
2, da Constituição revista prescreve que a falta de publicidade dos actos normativos apenas «implica a sua ineficácia jurídica» (não a sua inexistência)’.
(in Boletim do Min. Justiça, nº 387, pág. 220; também publicado no Diário da República, II Série, nº 212, de 14 de Setembro de 1989).
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
Na doutrina constitucionalista, os autores dividem-se sobre o momento relevante para se saber se o diploma autorizado foi elaborado durante a vigência da lei de autorização.
A favor da relevância do momento da aprovação em Conselho de Ministros, costuma acentuar-se que, tal como a lei parlamentar se considera aprovada depois de tal aprovação ter ocorrido na Assembleia da República, também os decretos-leis devem ter-se por perfeitos no momento da sua aprovação pelo Governo.
A favor da relevância dos momentos da promulgação e da referenda, invoca-se que, só a partir de ambas, podem os diplomas ser publicados no Diário da República.
Quanto ao momento da referenda , em especial, há quem faça notar que se trata de um acto que representa o exercício de poderes partilhadas entre o Presidente da República e o Governo, co-responsabilizando estes dois órgãos de soberania, assumindo, no que toca à promulgação de diplomas legislativos ou regulamentares ou à assinatura de decretos do Governo, uma ‘função certificatória da assinatura do Presidente da República e uma função notarial-formal do processo legislativo adoptado’ (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5ª ed., Coimbra, 1991, pág. 739).
Por último, a favor dos momentos do envio ou da recepção para promulgação, pelo Presidente da República, momentos em regra coincidentes no tempo, tem-se dito que se trata de momentos que se revestem de ‘maior objectividade’, impedindo a prática abusiva de antedatar o momento de aprovação do diploma, isto na medida em que o Governo envia o diploma aprovado para o Presidente da República, assim pondo termo aos actos dele dependentes relativos ao iter legislativo. A solução tem, porém, o inconveniente de não constar tal data do texto do diploma legislativo, exigindo-se uma actividade instrutória do
órgão jurisdicional com competência em matéria de constitucionalidade (sobre os diferentes momentos e sua relevância, vejam-se Jorge Miranda, Autorizações Legislativas, in Revista de Direito Público, ano I, nº 2, 1986, pág 18, nota 46; do mesmo autor, Funções, Órgãos e Actos do Estado, policop., Lisboa, 1990, págs
476-477, nota 4; Gomes Canotilho, Direito Constitucional cit., pág. 865; Isaltino Morais, J.M. Ferreira de Almeida e Ricardo L. Leite Pinto, Constituição da República Portuguesa Anotada, Lisboa, 1983, pág. 331; António Nadais, António Vitorino e Vitalino Canas, Constituição da República Portuguesa - Texto e Comentários à Lei nº 1/82, Lisboa, 1982, pág. 196; António Vitorino, As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, policop., Lisboa, págs.
252 e segs).
Recentemente, teve ocasião a 2ª secção deste Tribunal de abordar a questão de saber se a aprovação pelo Governo do diploma autorizado devia ocorrer dentro do prazo de vigência da lei de autorização legislativa. Pode ler-se nesse acórdão, em que se manifesta concordância com a posição assumida por António Vitorino na sua dissertação acima citada:
‘Por um lado, não constituindo a promulgação um acto de competência do Governo, não é de exigir que ela ocorra dentro do prazo concedido ao Governo para legislar em determinada matéria.
Por outro lado, e quanto à possibilidade de o Governo antedatar os diplomas, sempre se poderia estabelecer a presunção de que a sua aprovação ocorreu na data que deles consta (com admissão da prova em contrário).
Finalmente, deve entender-se que o decreto-lei aprovado dentro do prazo de autorização legislativa «existe» para o efeito de se considerar respeitado esse prazo, como «existe» qualquer decreto do Governo enviado ao Presidente da República para promulgação e que este resolve enviar ao Tribunal Constitucional para efeito de apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das suas normas’.
Perfilha-se, por inteiro, a solução acolhida neste acórdão nº 150/92
(publicado no Diário da República, II Série, nº 172, de 28 de Julho de 1992).
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Em face de tal jurisprudência, também no vertente caso se há-de concluir que o Decreto-Lei nº 384/88 foi respeitado validamente o prazo de autorização legislativa concedido pela Lei nº 79/88, pelo que não padecerá o mesmo de inconstitucionalidade orgânica.
3. Resta, assim, apreciar a segunda vertente da questão, qual seja a de, como já acima se disse, saber se, tendo em conta o disposto no artº 24º desse diploma, e ponderando a circunstância de não ter sido emitido diploma regulamentador da matéria constante do mesmo, isso invalida a norma vertida no seu artº 18º, cujo conteúdo já se transcreveu, sem embargo de, concernentemente a este ponto, se repetir aqui o que acima já foi dito no ponto II 1..
Mas, ainda admitindo que, ao falarem em invalidade, os recorrentes visam referir um vício de inconstitucionalidade, e que uma tal questão assim pudesse ser qualificada, também aqui dá este Tribunal resposta negativa.
De facto, desde logo, não se lobriga no Decreto-Lei nº 384/88 a existência de qualquer norma de onde decorra que a produção dos respectivos efeitos quanto à globalidade normativa ali vertida fica dependente da edição do diploma regulamentador a que se faz alusão no seu artº 24º.
Por outro lado, suposto que aquele diploma se perspectiva verdadeiramente como uma «lei de bases», e como assinala Jorge Miranda (in Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 1997, 376), ao estabelecer o quadro comparativo entre uma lei de enquadramento e uma lei de bases, é apenas de considerar esta última como uma lei substantiva de aplicação imediata, 'ainda que a sua exequibilidade, pelo menos em parte, dependa ou possa depender de decreto-lei ou decreto legislativo de desenvolvimento' (sublinhado nosso), revogando 'lei anterior contrária (seja ou não outra lei de bases)'.
Significa isso que nada impede que numa «lei de bases», de uma banda, se estabeleçam normas que, pelo seu conteúdo perceptivo, são imediatamente aplicáveis e, por isso, sem que haja necessidade de ulterior regulamentação e, de outra, normas que desta careçam, sendo que, quanto às primeiras, podem elas vir a prescrever de modo diverso do anteriormente normativizado no ordenamento jurídico ou a introduzir modificações no mesmo, assim se assistindo a uma alteração ou a uma modificação desse ordenamento imediatamente eficaz (ou seja, sem carência de subsequente regulamentação; cfr., a propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 671, onde se pode ler que 'nada parece impedir que a AR se abstenha de uma regulamentação exaustiva, remetendo para regulamento do Governo os pormenores executivos').
3.1. Ora, tendo em atenção o que se veio a estatuir no nº 1 do artº
18º do Decreto-Lei nº 384/88, torna-se por demais claro que essa norma, ao estabelecer que os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de prédios a quem não seja proprietário confinante, ainda que a área dos primeiros não seja inferior à unidade de cultura, veio porventura introduzir uma modificação a um regime concessivo do direito de preferência que se surpreende do nº 1 do artº
1380º do Código Civil (que concedia tal direito aos proprietários de terrenos confinantes com área inferior à unidade de cultura). E diz-se porventura, por isso que se não desconhece jurisprudência de harmonia com a qual o regime que hoje se extrai do artº 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 384/88 era já de aplicar, pese embora o teor meramente literal do nº 1 daquele artº 1380º, no domínio deste (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 1994 na Colectânea de Jurisprudência, ano 2, 1994, 52 e segs.).
E igualmente se torna claro, mesmo na óptica segundo a qual o mencionado nº 1 do artº 18º veio, efectivamente, a efectuar uma alteração do regime do direito de preferência que se extrai do nº 1 do artº 1380º do Código Civil, que ela não necessita de qualquer regulamentação ou pormenor executivo para se tornar exequível.
Por isso nem sequer se descortina qualquer ineficácia ou inexequibilidade da norma em questão que pudesse, como vem alegado, conduzir à sua invalidade.
III
Em face do que se deixa exposto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando em 15 unidades de conta a taxa de justiça. Lisboa, 28 de Março de 2000 Bravo Serra Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa