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Procº nº 21/99.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. P..., 1º sargento de transmissões, interpôs, perante o Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, recurso contencioso de anulação do despacho proferido em 22 de Dezembro de 1997 pelo General Comandante da Logística, no uso de competência delegada pelo despacho nº 3214/97, prolatado em
3 de Junho de 1997 pelo General Chefe do Estado Maior do Exército. Segundo o recorrente, por intermédio do despacho de 22 de Dezembro de 1997 foi indeferido o pedido, formulado pelos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea, 'de pagamento de retroactivos correspondentes à diferença entre as remunerações efectivamente percebidas no posto de primeiro-sargento, desde a publicação do DL nº 80/95 de 22 de Abril até 01 de Julho de 1997, data do início da produção de efeitos do DL nº 299/97 de 31 de Outubro'. Por sentença de 25 de Novembro de 1998, o Juiz do aludido Tribunal Administrativo de Círculo concedeu provimento ao recurso, anulando o acto recorrido. Para tanto, recusou a aplicação, por inconstitucionalidade - já que considerou violado o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental - o disposto no artº 8º do Decreto-Lei nº 299/97, de 31 de Outubro, dizendo, inter alia:-
'...............................................................................................................................................................
O D.L. 80/95, de 22/4, veio determinar que um primeiro-sargento dos quadros permanentes da Marinha auferindo remuneração inferior à de sargentos com menor antiguidade seria reposicionado no escalão da escala indiciária correspondente ao maior valor da remuneração efectivamente percebida por sargentos com menor antiguidade. Isto é, em tais casos nunca os primeiros-sargentos poderiam auferir menor retribuição, pelo que o mecanismo usado para obviar ao facto foi o de reposicionamento em novo escalão. Entretanto, o D.L. 299/97, de 3/10, veio dizer que esta foi uma má opção. Porquê? Porque a disciplina instituída teve ‘repercussões no Exército e na Força Aérea, ao colocar os primeiros-sargentos daqueles ramos numa situação de relativa desigualdade remuneratória, com prejuízo dos princípios informadores da prestação do serviço militar e da coesão que garanta a necessária eficácia no cumprimento das missões. Assim,...importa não adiar por mais tempo a aprovação de uma medida de efeito equivalente ao regime ali instituído, aplicável também aos primeiros-sargentos do exército e da Força Aérea, por forma a superar, entretanto, a relativa desigualdade acima mencionada’ (preâmbulo deste diploma). Portanto, em vez do reposicionamento em novo escalão este decreto consagrou o direito ao abono de um diferencial de remuneração, aplicável aos primeiros-sargen- tos da Marinha na situação acima referida e também aos primeiros-sargentos do Exército e Força Aérea em igual situação. Isto é, a lei foi alterada porquanto se concluiu que criava situações de desigualdade injustificada, tanto assim que estendeu o novo regime aos primeiros- -sargentos dos três ramos das Forças Armadas, quando antes só os primeiros- -sargentos da Marinha eram contemplados. Resulta, em meu entender inequivocamente, o reconhecimento de que o anterior D.L. 80/95 criou situações de desigualdade injustificadas e o objectivo deste novo diploma foi saná-las. Nesse caminho fez o seguinte:
- criou um novo sistema de evitar que a remuneração dos primeiros-sargentos da Marinha fosse inferior à dos sargentos;
- estendeu o regime a todas as situações iguais dos três ramos das Forças Armadas;
- revogou o D.L. 80/95. Mas havia que tratar das situações de desigualdade que entretanto foram surgindo ao longo da vida do decreto revogado. Sobre isto a nova lei não se pronunciou, limitando-se a determinar o início da sua vigência a 1/7/97.
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... Ora, se a causa deste novo regime foi sanar as desigualdades então ter-se-ia que fazer retroagir este ‘remédio’ ao início do mal ou então dizer porque tal medida não era adoptada, de forma clara. Mas isto não foi feito e, deste modo, o novo diploma sancionou as desigualdades anteriormente geradas, não obstante reconhecer que elas não tinham justificação.
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... A lei não tratou igualmente pessoas que, como ela própria diz, não há razão para tratar diferentemente. Existe, pois, violação do princípio da igualdade, consagrado no artº. 13º da Const. Rep. Port., donde resulta que o artº. 8º do D.L. 299/97, de 31/10, é inconstitucional.
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................'
É do assim decidido que, pelo Ministério Público, e fundado na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vem interposto o presente recurso, circunscrito à recusa de aplicação do artº 8º do Decreto-Lei nº 299/97, de 31 de Outubro.
2. Determinada a feitura de alegações, rematou o recorrente a por si elaborada com as seguintes «conclusões»:-
'1º - A norma constante do artigo 8º do Decreto-Lei nº 299/97, de 31 de Outubro, que se limita a prescrever acerca do início da vigência do regime criado neste diploma legal - traduzido na criação de um novo abono ou diferencial de remuneração, destinado a alterar e corrigir anomalias ao sistema retributivo dos militares dos diversos ramos das Forças Armadas, imputáveis ao Decreto-Lei nº
80/95, de 22 de Abril - não viola o princípio constitucional da igualdade.
2º - Na verdade, nada na Lei Fundamental impõe que a inovatória criação de um novo abono deva retroagir `data da publicação do diploma legal, revogado pelo citado Decreto-Lei nº 299/97, estando fora do objecto do presente recurso de constitucionalidade averiguar se as discriminações remuneratórias, imputadas ao Decreto-Lei nº 80/95, afrontam ou não o referido princípio da igualdade.
3º - Termos em que deverá proceder o presente recurso'
De seu turno, o recorrido conclui a sua alegação do seguinte jeito:-
'1ª) É falso que a norma do art. 8º do DL 299/97 de 31.10 se traduza, quanto aos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea num novo abono ou num novo diferencial de remuneração. Apenas constatando que o DL 80/95 de 22.04 não dera a estes sargentos as regalias (reposicionamento no escalão da escala indiciária + contrapartida remuneratória competente) que conferira apenas aos da Marinha e que, legalmente, estava obrigado a tratá-los de modo igualitário, abonou, pelo DL 299/97 de 31.10 aos prejudicados o diferencial de remuneração correspondente ao acréscimo dado desde 22.04.95 aos da Marinha. O abono em causa foi, para o Exército e Força Aérea o primeiro, já que o DL 80/95 lhes não dera nada, e não novo e equivale ao valor em que estavam prejudicados em relação aos da Marinha. É, de algum modo, impróprio configurar como abono o reconhecimento do que já pertencia aos
‘abonados’! Mais correcta e própria é a designação diferencial de remuneração. De facto, o DL 80/95 de 22.04 não se traduziu em abono remuneratório aos primeiros- -sargentos do Exército e da Força Aérea, já que apenas regeu e deu aos da Armada. Daí decorre que o DL 299/97 de 31.10 não conferiu aos prejudicados novo abono, apenas lhes reconheceu o direito de auferirem o que lhes estava sendo indevidamente retido a pretexto de a lei os não ter contemplado, devendo tê-lo feito, com o que conferiu aos da Marinha desde 22.04.95. Fica assim posta em crise quer a natureza de abono e, por maioria de razão, a de novo abono que é irreal e até ofensiva.
2ª) O DL 299/97 de 31.10 nasceu da necessidade de se sanarem as desigualdades remuneratórias que vitimizaram, por efeito do DL 80/95 de 22.04 os primeiros-sargen- tos do Exército e da Força Aérea no confronto com os beneficiados da Marinha que exclusivamente contemplou. Sendo esta a finalidade que determinou a sua aprovação, os seus efeitos teriam que alcançar a rectificação de toda a discriminação havida e não apenas alguma que por razões particulares interessasse ao legislador ordinário. E o início da discriminação tinha data certa e consabida: 22.04.95. Para fazer jus ao seu objectivo e para não ser mera demagogia, por retroacção ou por qualquer forma de deferir efeitos, teria que contemplar toda a discriminação desde aí emergente. Não o tendo feito senão a partir de 01.07.97 e não indicando razões justificativas para a omissão referente ao período não contemplado, deixou ostensivamente intocado o regime do DL 80/95 de 22.04 fazendo derivar o aumento remuneratório nele previsto, também para os prejudicados do Exército e da Força Aérea e não tendo conferido ao recorrido o que aos da Marinha concedeu desde
22.04.95 até 01.07.97, discriminou-o remuneratoriamente no valor correspondente aos diferenciais vencidos em todo esse tempo. O DL 299/97 de 31.10 teve a preocupação de tornar estáveis e definitivas as regalias conferidas pelo DL 80/95 de 22.04 exclusivamente à Armada e, ao mesmo tempo, tornar extensiva ao Exército e Força Aérea a diferença remuneratória que desde 22.04.95 favorecia a remuneração da Armada e não a eles. Por isso que não corresponde bem à realidade a ‘revogação’ que se propôs fazer deste decreto-lei. A violação do princípio constitucional da igualdade, está, portanto, relativamente a esse período, perfeitamente demonstrada e, em coerência, ainda se impõe ao legislador, a pretexto da sua intenção de correcção das desigualdades, efectivamente rectificá-las, atribuindo aos prejudicados o que lhes pertence por Direito.
3ª) O que, do ponto de vista dos discriminados primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea, o recorrente chamou, impropriamente de novo abono, traduz-se, quanto a estes, no mero reconhecimento exacto da discriminação ocorrida. Se de abono se tratasse, seria, para estes, não um novo mas um primeiro abono. A sua justificação ficou marcada pelo diferencial de remuneração que só contemplou os da Marinha e, por força do DL 299/97 teve de repercutir-se também aos lesados do Exército e da Força Aérea. Este DL foi, assim, aditamento ao regime do DL 80/95, vindo estender o diferencial remuneratório que este apenas concedeu aos da Marinha quando a lei lhe impunha, sob pena de discriminação ilegítima e respectivas consequências, que o atribuísse, a partir da mesma data, aos homólogos dos três ramos das Forças Armadas. Ora, tal aditamento, para fazer jus ao seu propósito, tinha de reportar efeitos remuneratórios, não, como veio paradoxalmente a acontecer, a 01.07.97, - que é a data aleatoriamente escolhida pelo legislador, suposto que em razões particulares nunca vindas a lume, tendo que ser conhecidas -, mas sim à de início da discriminação remuneratória injustificada: 22.04.95. Os discriminados viram, pelo DL 299/97 de 31.10 confirmada a lesão do seu direito (e violado o princípio constitucional consagrado no art. 13º da C.R.P.), mantida e sufragada de 22.04.95 até 01.07.97, suportando indevidamente o peso dessa discriminação.
4ª) O DL 299/97 de 31.10 não foi destinado a alterar e corrigir anomalias ao sistema retributivo dos militares dos diversos ramos das Forças Armadas, imputáveis ao DL 80/95 de 22.04, não! Nasceu sim da necessidade de se conferir aos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea o valor remuneratório equivalente ao que o DL 80/95 de 22.04, devendo ter atribuído a todos os militares da mesma categoria, como era de lei, apenas atribuiu aos da Marinha. Daí a nomenclatura de diferencial de remuneração, equivalente ao abono àqueles do diferencial que beneficiou, desde 22.04.95, exclusivamente os da Marinha. As anomalias a que o recorrente se refere mais não são que as desigualdades remuneratórias que vitimizaram apenas e só os primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea. Daí que não entrem no lote destas anomalias os antes beneficiados da Marinha, como, habilidosa e subrepticiamente se procura fazer crer. Aliás, neste sentido concorre o facto de no Preâmbulo do DL 299/97, parágrafo
4º, o legislador ter reconhecido no DL 299/97 a configuração de «... uma medida de efeito equivalente ao regime ali (isto é, no DL 80795, sublinhado nosso) instituído, aplicável também aos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea, por forma a superar, entretanto, a relativa desigualdade remuneratória acima mencionada».
É o próprio legislador quem reconhece ser o DL 299/97 uma extensão do regime do DL 80/95, por forma a abranger a situação dos discriminados mas com a ambição de sanar o prejuízo que aquele lhes provocara. Se assim não fora, bastaria alargar a extensão dos efeitos do DL 80/95 determinando que seria aplicável também aos primeiros- -sargentos do Exército e da Força Aérea. Mas não! Havia que repor o que lhes era devido. Tal reposição apenas foi arbitrada, arbitrariamente, a partir de 01.07.97 (Cfr. art. 8º), quando se impunha que o fosse desde 22.04.95. Entre estas datas foi o recorrido ilegitimamente discriminado na sua remuneração e até efectiva entrega do diferencial que lhe é devido, persiste a violação do princípio constitucional da igualdade.
5ª) O DL 299/97 não admite confundir-se com a alegada «...inovatória criação de um novo abono...» porque, na verdade, não é um novo abono.
É que os primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea não foram contemplados com o diferencial de remuneração que o DL 80/95 de 22.04 atribuiu apenas aos da Marinha. Onde está, portanto, para aqueles, o primeiro abono, para que, com legitimidade, se possa falar de um novo ou segundo abono? Daí que se reclame evidente a discriminação havida com relação à não atribuição aos prejudicados do diferencial remuneratório vencido de 22.04.95 até 01.07.97, estando, por isto, nitidamente exposto à declaração de inconstitucionalidade reclamada, o art. 8º do DL 299/97 que baliza, de modo inequívoco, a desigualdade injustificada e ilegal. No entanto, a permissão dada pela amplitude normativa do art. 8º à remissão para o DL 80/95 que autoriza o acesso à apreciação da constitucionalidade das suas normas, permite concluir que ambos os diplomas se encontram eivados de desconformidade à Constituição e seus princípios, como deriva da obrigatoriedade legal de tratar os primeiros-sargentos do três ramos todos por igual. Tudo razões que inquinam os fundamentos do recurso interposto, impondo a sua improcedência, sem embargo de dever determinar-se se, nos termos sobreditos, ocorre ou não, por efeito das normas de ambos os Decretos-Leis, objectivada, no entanto, no art. 8º do DL 299/97 de 31.10, efectiva violação do princípio constitucional da igualdade que se repercute em prejuízo injustificado do recorrido com relação à álea de tempo que decorreu de 22.04.95 até à arbitrária e injustificada data de 01.07.97, implicando a necessidade de uma conformação do legislador ordinário que se apresente respeitadora do conteúdo das normas, princípios e axiologia constitucionais, maxime do art. 13º da C.R.P. que se entende, por ele, efectivamente violado'.
Cumpre decidir.
II
1. Preliminarmente, é de realçar que, como deflui do requerimento de interposição do presente recurso, o mesmo se restringe, exclusivamente, à apreciação da inconstitucionalidade, ou da não inconstitucionalidade, da norma
ínsita no artº 8º do Decreto-Lei nº 299/97, de 31 de Outubro, norma essa, aliás, que foi a única sobre a qual recaiu, por banda da decisão ora impugnada, um juízo de desaplicação, fundado numa descortinada desconformidade com a Lei Fundamental. Estando, assim, restringido o objecto da vertente impugnação, não colhe a pretensão do recorrido no sentido de, nela, poder igualmente ser aferida a validade ou invalidade constitucional de qualquer normativo constante do Decreto- -Lei nº 80/95, de 22 de Abril, ao que se adita que aquele artº 8º do Decreto-Lei nº 299/97, de todo em todo, não apresenta qualquer «amplitude normativa» que opere, seja porque forma for, remissão para o citado Decreto-Lei nº 80/95. Aliás, as únicas menções ao Decreto-Lei nº 80/95 que se descortinam no Decreto-Lei nº 299/97 são as que constam dos seus artigos 6º e 7º, o primeiro a comandar a revogação daquele primeiro diploma e o segundo a prescrever que a aplicação do Decreto-Lei nº 299/97 não prejudica as situações já constituídas ao abrigo do diploma que revoga. Isto posto, passar-se-á a enfrentar a questão de constitucionalidade de que este Tribunal deve curar.
2. Com o Decreto-Lei nº 80/95 intentou o legislador corrigir a 'existência de anomalias com especial incidência na categoria de sargentos da Marinha e, dentro desta, no posto de primeiro-sargento', anomalias essas que originaram 'efeitos perversos com nítido prejuízo da hierarquia funcional, dadas as especificidades de alimentação e a natureza do desenvolvimento de tal carreira e das praças da Marinha das classes homónimas' (em itálico, palavras do exórdio do citado diploma). Na sequência desse intento, estabeleceram-se as seguintes prescrições:- Artigo 1.º - 1 - Sempre que um primeiro-sargento dos quadros permanentes da Marinha, na situação do activo, aufira remuneração inferior à de sargentos com menor antiguidade ou posto é reposicionado no escalão da respectiva escala indiciária correspondente ao maior valor da remuneração efectivamente percebida por sargentos com menor antiguidade,
2 - Caso não exista índice de valor igual à remuneração a que se refere a parte final do número anterior, o reposicionamento é feito para o índice imediatamente superior.
3 - A remuneração que serve de referência é a correspondente ao valor da adição do índice e do diferencial de integração, caso exista. Art. 2º - 1 - Nas promoções a primeiro-sargento de segundos-sargentos cuja remuneração inclua diferenciais de integração, estes são colocados na escala indiciária do novo posto no índice que corresponde à adição da remuneração base e do diferencial de integração, se superior ao 1.º escalão de primeiro-sargento.
2 - Caso não exista índice de valor igual à adição a que se refere o número anterior, a integração é feita no índice imediatamente inferior, atribuindo-se um diferencial correspondente à diferença entre este índice e o valor da referida adição.
Resulta, assim, que o legislador de 1995, ciente de que o regime remuneratório estabelecido genericamente para as carreiras dos quadros permanentes dos três ramos das Forças Armadas (cfr. Decreto-Lei nº 57/90, de 14 de Fevereiro e, nomeadamente, os seus artigos 3º, 8º, 9º, 13º e 20º e anexo I, e Decreto-Lei nº
307/91, de 17 de Agosto), veio, na prática e no que concerne à Marinha, criar anomalias tais como as decorrentes de um primeiro-sargento daquele ramo - categoria hierarquicamente superior à de segundo-sargento - poder auferir remuneração inferior à destes, decidiu corrigir uma tal situação (embora através de uma medida legislativa confessadamente transitória - cfr. o mencionado exórdio), criando um esquema de harmonia com o qual os primeiros-sargentos que auferissem remuneração inferior à dos sargentos de menor antiguidade ou posto, iriam ser remunerados de acordo com o escalão da respectiva escala indiciária equivalente ao valor daquele pelo qual aqueles sargentos de menor antiguidade eram efectivamente remunerados ou, na falta de um tal escalão, para o índice imediatamente superior. Tratando-se de promoções a primeiro-sargento de segundos-sargentos, gizou o legislador o que se contém no artº 2º, acima transcrito. Significa isto que a medida legislativa de 1995 visou, e tão somente, a correcção de anomalias, que se descortinaram por efeito da prática da vigência do regime remuneratório aplicável aos militares dos quadros permanentes das Forças Armadas, anomalias essas que se repercutiam com especial relevo na categoria de sargentos da Marinha. Se idênticas anomalias, também por força da aludida prática, se desencadeavam também nos demais ramos da Forças Armadas (Exército e Força Aérea), isso foi algo com que, em 1995, o legislador governamental se não preocupou, em termos de entender que o sistema que gizou para a sua correcção na Marinha se deveria estender àqueles demais ramos ou de entender por bem também gizar outro, ou outros, sistemas obstativos dessas hipotéticas anomalias. Por outro lado, e atento o objecto do presente recurso, também não incumbe a este Tribunal, in casu, dilucidar se o regime remuneratório instituído na sequência do Decreto-Lei nº 57/90 (aliás editado no seguimento dos princípios gerais em matéria de remunerações do pessoal da função pública constantes do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho) também importava o desencadeamento, ao menos na prática, de anomalias semelhantes no Exército e na Força Aérea, não lhe incumbindo, igualmente e pelo mesmo motivo, saber se, independentemente de anomalias, é, ou não, justificada qualquer diferenciação remuneratória para militares, com o mesmo posto e idêntica antiguidade, consoante o ramo das Forças Armadas em que prestem serviço.
2.1. Todavia, como a disciplina introduzida, quanto à remuneração dos primeiros-sargentos da Marinha - comparativamente aos demais sargentos daquele ramo com menor antiguidade ou posto - veio criar uma situação de acordo com a qual, objectivamente, aqueles poderiam vir a auferir remuneração desigual à vencida pelos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea com igual ou superior antiguidade, o Governo, em 31 de Outubro de 1997, editou o Decreto-Lei nº 299/97 que: -
- de uma banda, revogou o Decreto-Lei nº 80/95, instituidor daquela mesma disciplina (cfr. seu artº 6º);
- de outra, substitui a disciplina prescrita no Decreto-Lei nº 80/95 por uma nova que, simpliciter (cfr. seu artº 1º), consistiu na dação, aos primeiros-sar-gentos dos quadros permanentes da Marinha no activo que auferissem remuneração inferior à de sargentos, também da Marinha, com menos antiguidade ou com menor posto, de um abono, designado de «diferencial de remuneração», calculado nos termos do seu artº 3º, ou, nos casos de promoção de segundos-sar-gentos a primeiro-sargento, posicionando os promovidos segundos-sargentos, cuja remuneração efectivamente percebida já incluísse diferenciais de remuneração, no 1º escalão do posto de primeiro-sargento, mantendo o diferencial no montante que excedesse o índice do 1º escalão (cfr. artº 4º);
- ainda por outra, estatuindo, no seu artº 2º, que o direito ao abono do diferencial estabelecido para os primeiros-sargentos da Marinha se aplicava aos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea, na situação do activo, sempre que estes auferissem menor remuneração e tivessem igual ou maior antiguidade no posto relativamente aos primeiros-sargentos da Marinha (cfr. artº 2º);
- determinou a produção de efeitos a partir de 1 de Julho de 1997 (cfr. artº 8º, aqui sub iudicio).
2.2. Desde logo, convém sublinhar que, pelo Decreto-Lei onde se insere a norma sub specie constitucionis, não foi consagrada uma total equiparação, aos primeiros-sargentos do Exército ou da Força Aérea, da situação motivadora da atribuição do diferencial remuneratório aos primeiros-sargentos da Marinha (que, pelo regime geral de remuneração dos militares dos quadros permanentes, iam, na prática, perceber remuneração efectiva inferior à dos sargentos com menos antiguidade ou menor posto ), ou do seu posicionamento em diverso escalão, tal como foi consagrado no Decreto-Lei nº 80/95, sistema que foi revogado pelo diploma de 1997. É que, concernentemente aos primeiros, e não entrando agora em linha de conta com as regras tocantes às promoções, o diferencial (ou o posicionamento em novo escalão, como se prescrevia no Decreto-Lei nº 80/95) é atribuído sempre que eles aufiram remuneração inferior à de um outro sargento, também da Marinha, com igual ou menor antiguidade no posto. Já a atribuição do diferencial postulada pelo artº 2º aos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea só surge quando estes aufiram menor remuneração e tenham igual ou maior antiguidade no posto em relação aos primeiros-sargentos da Marinha, o que significa que essa mesma atribuição é independente do facto de, nestes dois ramos das Forças Armadas, se poder, hipoteticamente, desenhar uma situação de harmonia com a qual existam, nesses ramos, sargentos com menor antiguidade ou posto, que, porventura, aufiram remunerações efectivas superiores às de primeiro-sargento. Não se visou, assim, quanto à atribuição do diferencial, instituída pelo artº 2º do Decreto-Lei nº 299/97, aos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea, consagrar uma identidade de soluções legislativas relativamente às situações em que um primeiro-sargento, mercê do regime geral remuneratório dos militares dos quadros permanentes, viesse a auferir menos do que um sargento com menor antiguidade ou posto desses mesmos ramos. Visou-se, antes, obstar a que os primeiros-sargentos da Marinha com igual ou menor antiguidade no posto do que os primeiros-sargentos do Exército ou da Força Aérea, viessem, efectivamente, a auferir remuneração superior à destes.
2. Essa superior remuneração advinha, como é por demais claro, não por força do regime remuneratório aplicável aos militares dos quadros permanentes, mas sim por via da disciplina que foi consagrada pelo Decreto-Lei nº 80/95 (que, repete-se, intentou, e tão só, corrigir anomalias que, na Marinha, se descortinaram pela aplicação, na prática, daquele regime, na categoria dos sargentos). Ora, não estando aqui em causa a apreciação de qualquer enfermidade constitucional de que porventura padecesse o Decreto-Lei nº 80/95, é evidente que não se poderá, no presente recurso, aquilatar, se o regime dele recorrente, por não abranger na sua previsão os primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea, iria conflituar (em que termos e por que motivos) com o Diploma Básico. Fica, assim, assente que a eventual diferenciação de remunerações entre os primeiros-sargentos da Marinha com igual ou menor antiguidade no posto que os primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea só ocorreu, posteriormente à consagração do regime remuneratório aplicável aos militares dos quadros permanentes, depois da edição do Decreto-Lei nº 80/95, diferenciação essa a que o legislador de 1997 intentou obviar. Vale isto por dizer que, suposto que essa diferenciação se subsuma a uma desigualdade de tratamento não tolerável e, consequentemente, ferindo o princípio postulado pelo artigo 13º da Constituição
(o que, reitera-se, aqui não cabe dilucidar), então tal desigualdade foi originada pelas prescrições ínsitas naquele diploma (o citado Decreto-Lei nº
80/95).
3. A norma em apreço - o artº 8º do Decreto-Lei nº 299/97 - veio, unicamente, a comandar que esse diploma produz efeitos a partir de 1 de Julho de 1997. Isso significa que, a partir dessa data, a diferenciação remuneratória porventura existente entre os primeiros-sargentos da Marinha e os primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea com igual ou superior antiguidade no posto àqueles, diferenciação ocorrida em virtude das prescrições estabelecidas pelo Decreto-Lei nº 80/95, deixou de se verificar. Foi essa norma que a decisão ora impugnada considerou que feria o princípios da igualdade decorrente do artigo 13º da Constituição, sem que na mesma se tivesse aquilatado da conformidade ao Diploma Básico das regras do Decreto-Lei nº 80/95 em termos de se operar uma recusa de aplicação dos normativos deste constantes por, sobre eles, recair um juízo de inconstitucionalidade. Entende-se, contudo, que a decisão sobre recurso no que tange à consideração, nela feita, da inconstitucionalidade do artº 8º do Decreto-Lei nº 299/97, não tem razão de ser. Na verdade, se a diferenciação remuneratória que eventualmente ocorreu entre os primeiros-sargentos da Marinha com igual ou menor antiguidade no posto que os primeiros-sargentos do Exército ou da Força Aérea, porventura integrou uma desigualdade inadmissível, arbitrária e sem qualquer justificação fundada em valores objectivos constitucionalmente relevantes (cfr., sobre o princípio da igualdade, por entre muitos outros, os Acórdãos deste Tribunal números 186/90,
187/90 e 188/90, publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º volume,
383 a 421 e, sobre a problemática da proibição de discriminações versus diferenciações de tratamento, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 127 e 128), então isso deveu-se, única e exclusivamente, à normatização constante do Decreto-Lei nº 80/95. Por isso, a ter ocorrido desigualdade constitucionalmente censurável, ela desencadeou-se por força de tal diploma, o que vale por dizer que foram as suas estatuições as criadoras desse hipotético vício. O Decreto-Lei nº 299/97 limitou-se a conceder aos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea o direito ao abono do diferencial remuneratório (calculado nos termos do seu artigo 3º e que veio a substituir, a partir da sua produção de efeitos - 1 de Julho de 1997 -, sem «tocar» as situações já constituídas ao abrigo do Decreto-Lei nº 80/95, para os primeiros-sargentos da Marinha, o reposicionamento consagrado neste último diploma) concedido a estes últimos, contanto que os primeiros auferissem menor remuneração e tivessem igual ou superior antiguidade em relação aos segundos. E, com essa concessão, foi desiderato do legislador de 1997, tão somente, obviar a que os primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea, com igual ou superior antiguidade, viessem a perceber remuneração inferior aos seus homólogos da Marinha (independentemente, repete-se, de ter atentado se, naqueles dois ramos das Forças Armadas, poderiam eventualmente ocorrer situações de acordo com as quais aqueles primeiros-sargentos, com mais antiguidade ou maior posto do que os demais sargentos desses ramos, auferissem menor remuneração do que estes). Com essa disciplina, o Decreto-Lei nº 299/97 veio, assim, a partir da sua produção de efeitos, a terminar com uma situação em que, objectivamente, se descortinava uma diferenciação remuneratória mais favorável para os primeiros-sargentos da Marinha que detinham igual ou inferior antiguidade relativamente aos seus congéneres do Exército e da Força Aérea, situação essa que não foi por ele criada, mas sim pelo Decreto-Lei nº 80/95. Se tal diferenciação acarretava uma hipotética desigualdade constitucionalmente censurável, sublinha-se uma vez mais, ela seria imputável ao diploma de 1995; e sendo ela corrigida pelo diploma de 1997, não será da circunstância de a sua vigência ter sido protraída somente a 1 de Julho desse ano que se lobriga qualquer inconstitucionalidade por ferimento do princípio da igualdade condensado no artigo 13º da Lei Fundamental. Esse eventual vício será imputável, e só, ao Decreto-Lei nº 80/95, àcerca do qual a decisão recorrida se não pronunciou no sentido de desaplicar qualquer um dos seus normativos, vício esse que, de todo o modo, o ora recorrido, no recurso contencioso decidido pela sentença impugnada, nunca equacionou, não sendo da norma do artº 8º do Decreto-Lei nº 299/97, antes pelo contrário, que minimamente resulta qualquer diferenciação remuneratória para menos auferida pelos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea repeitantemente aos seus homólogos da Marinha com igual ou inferior antiguidade.
III
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso, determinando-se, em consequência, a reforma da decisão impugnada de harmonia com o presente juízo formulado sobre a questão de constitucionalidade. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 18 de Maio de 1999- Bravo Serra Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Luís Nunes de Almeida