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Processo n.º 1018/98
2ª Secção Relator — Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Relatório
1. R... deduziu no Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto oposição contra execução que lhe foi instaurada com base em certidão emitida pela empresa pública Radiodifusão Portuguesa, na quantia de 2616$00, respeitante à taxa de radiodifusão relativa ao ano de 1991, fundamentando a sua oposição, em síntese, em que nunca foi avisado, notificado ou citado para proceder ao pagamento de qualquer taxa, que não possui nem nunca possuiu rádio, e ainda que o direito à liquidação da referida taxa caducou nos termos do artigo 33º do Código de Processo Tributário. Notificada para contestar, a Fazenda Pública não apresentou quaisquer alegações. O Ministério Público, por seu turno, emitiu parecer no sentido da improcedência da oposição, sustentando que, 'estando presente um imposto, o meio previsto para atacar a própria liquidação é a impugnação', pelo que não foi suscitada qualquer questão cujo conhecimento se deva efectuar em sede de autos de oposição a execução.
2. Por sentença de 9 de Outubro de 1998, o Juiz daquele Tribunal Tributário proferiu decisão que, recusando a aplicação da norma que actualizou a taxa de radiodifusão constante do n.º 1 da Portaria n.º 92/91, de 1 de Fevereiro, por violação do artigo 168º, n.º 1, alínea i), conjugado com o artigo 106º, n.º 2 da Constituição (versão de 1989), absolveu o oponente do pedido exequendo contra si formulado. Para tal, remeteu para a jurisprudência estabelecida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 354/98, publicado no Diário da República, II Série, n.º 161, de 15 de Julho de 1998.
3. Dessa parte da decisão foi interposto recurso obrigatório pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, nos termos dos artigos 70º, n.º1, alínea a), e 72º, n.º1, alínea a) e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, (Lei do Tribunal Constitucional), que concluiu as suas alegações de recurso escrevendo:
'1º - A norma que se contém no n.º 1 da Portaria n.º 92/91, de 1 de Fevereiro, ao fixar a taxa nacional de radiodifusão, que se configura, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como um imposto, é inconstitucional por violação da alínea i) do n.º 1 do artigo 168º, conjugado com o n.º 2 do artigo 106º da Constituição da República Portuguesa, na versão de 1989.
2º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.' R..., nas alegações que por sua vez apresentou, concluiu de igual modo 'pela inconstitucionalidade da norma que se contém no n.º 1 da Portaria n.º 92/91, de
1 de Fevereiro'. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4. A questão a decidir, embora a propósito da Portaria n.º 65/92, de 1 de Fevereiro, foi já objecto de decisão pelo Tribunal Constitucional, no referido Acórdão n.º 354/98, da 2ª Secção (publicado no Diário da República, II série, n.º 161, de 15 de Julho de 1998). Como se decidiu então, a 'taxa de radiodifusão' deve ser qualificada como um imposto, uma vez que a exigência do seu pagamento não se relaciona de modo exclusivo sequer com a possibilidade de utilização do serviço público de radiodifusão sonora, sendo, como é, a qualidade de consumidor de energia eléctrica que obriga ao seu pagamento, embora aquela utilização não tenha a sua fonte em tal consumo e possa estar totalmente desligada dele. Não pode, pois, essa 'taxa' ser perspectivada como contraprestação de um serviço público de radiodifusão sonora, sendo antes de qualificar como um imposto - neste sentido, além do citado Acórdão e da doutrina nele referida, ver também Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, volume II, Lisboa, 1996, págs. 47 e 49, e J.L. Saldanha Sanches, Manual de direito fiscal, Lisboa, 1998, pág. 21 (no sentido do referido Acórdão). Assim sendo, a criação deste imposto, incluindo a determinação da sua taxa, encontrava-se submetida à reserva de lei parlamentar, nos termos do artigo 168º, n.º 1, alínea i) da Constituição (versão introduzida pela revisão constitucional de 1989). Ora, não estando nos presentes autos em discussão a instituição da dita 'taxa de radiodifusão', pelo artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 389/76, de 24 de Maio,
é, todavia, controvertida a legalidade da actualização do montante respectivo, pela Portaria n.º 65/92, de 1 de Fevereiro, no seu n.º 1º. Esta actualização verificou-se sem a cobertura de qualquer autorização legislativa, e, aliás, não por via de decreto-lei, mas antes de regulamento.
5. Há quem sustente na doutrina, é certo, que o legislador pode delegar na Administração a simples actualização decorrente da taxa de inflação, não estando tal 'norma de tributação fictícia ou aparente', que não configura qualquer alteração real dos impostos, sujeita à reserva de lei (assim, J. Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1998, págs. 369-371). Todavia, pelo menos a partir de 1990, não foi isso que aconteceu com a 'taxa de radiodifusão', como bem se salientou no citado Acórdão n.º 354/98. Na verdade, o legislador do Decreto-Lei n.º 389/76, de 24 de Maio, delegou na Administração a revisão dos montantes da taxa (artigo 2º, n.º 3, desse diploma) que foram então fixados em diploma legislativo (primeiro no artigo 2º, n.º 2), tendo esses montantes sido revistos, primeiro, pelos Decretos-Leis n.ºs 203/82, de 22 de Maio, 33/83, de 24 de Janeiro e 59/84, de 15 de Fevereiro, e, a partir de 1986, pelas Portarias n.ºs 57-B/86, de 15 de Fevereiro, 198/87, de 20 de Março, 971-C/87, de 30 de Dezembro, 805-A/88, de 15 de Dezembro e 1110-A/89, de
28 de Dezembro. A partir de 1990, todavia, com a alteração introduzida no artigo 2º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 389/76, pelo Decreto-Lei n.º 411/90, de 31 de Dezembro, passou a prever-se a própria fixação mediante Portaria (e não a mera actualização ou 'revisão') do montante da 'taxa de radiodifusão'. Assim, a Portaria n.º 92/91, de 1 de Fevereiro não se limitou a actualizar o montante da dita 'taxa', previsto em diploma legislativo, antes o fixando em
218$, na sequência da 'deslegalização' da fixação do montante da taxa ocorrida com a alteração introduzida pelo citado Decreto-Lei n.º 411/90 no artigo 2º, n.º
2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 389/76, de 24 de Maio. E, do mesmo modo, a Portaria n.º 65/92, de 1 de Fevereiro, não procedeu apenas à
'revisão' ou actualização do montante da dita taxa que estivesse previsto em diploma legislativo - antes fixou esse montante em 235$ (actualizando, é certo, o montante que havia já sido fixado pela Portaria n.º 92/91). Logo por esta razão – para além de não ser seguro que a Portaria n.º 92/91 tenha procedido a mera actualização decorrente da inflação –, há, pois, que reiterar no caso vertente a orientação adoptada no citado Acórdão n.º 354/98 (ver ainda, no mesmo sentido, Nuno Sá Gomes, Manual de direito fiscal, cit., pág. 47, nota
87), julgando inconstitucional o n.º 1º da Portaria n.º 92/91, de 1 de Fevereiro, por violação da alínea i) do n.º 1 do artigo 168º (conjugado com o artigo 106º, n.º 2) da Constituição (versão de 1989). III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
Julgar inconstitucional a norma que se contém no n.º 1º da Portaria n.º
92/91, de 1 de Fevereiro, por violação da alínea i) do n.º 1 do artigo 168º
(conjugado com o artigo 106º, n.º 2) da Constituição (versão de 1989);
Em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida
no que respeita à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 18 de Maio de 1999- Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida