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Processo n.º 181/14
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. e B., recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação que apresentaram, nos termos do artigo 276.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário, do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia de indeferimento do pedido de dispensa de depósito do preço de imóvel adjudicado.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão proferido em 18 de dezembro de 2013, negou provimento ao recurso.
Os Requerentes recorreram desta decisão para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, pedindo a fiscalização da constitucionalidade do artigo 256.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, no segmento em que prevê regimes diferentes para os diversos adquirentes, por violar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.
Foi proferida decisão sumária que julgou improcedente o recurso com a seguinte fundamentação:
“Os Recorrentes pretendem que o Tribunal Constitucional fiscalize a constitucionalidade da norma constante do artigo 256.º, alínea h), do Código de Processo e de Procedimento Tributário, alegando que essa disposição, ao vedar ao adquirente do imóvel penhorado a dispensa do depósito do preço, ainda que demonstre a sua qualidade de credor, configura uma violação da igualdade de tratamento entre os adquirentes particulares em relação ao Estado, aos institutos públicos e às instituições de segurança social, que se encontram dispensadas de efetuar esse depósito (alínea i), do mesmo artigo).
A constitucionalidade desta norma já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional que no seu Acórdão n.º 255/12 não a julgou inconstitucional.
Aderindo à fundamentação deste Acórdão deve ser proferida decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, remetendo-se para os seus termos.
Por esta razão deve ser negado provimento ao recurso.”
Os Recorrentes reclamaram desta decisão, expondo os seguintes argumentos:
“Entendeu o Exmo Sr Juiz Conselheiro proferir decisão sumária, fundamentando para o efeito já existir decisão anterior sobre a mesma matéria, aderindo à sua fundamentação e remetendo-se para os seus termos, e em consequência negando provimento ao recurso.
Salvo o devido respeito, que muito é, entendemos que lhe fenece a razão.
Na situação em concreto existe um facto que diverge da situação analisada no âmbito do Acórdão 255/12, designadamente, a prolação da sentença de graduação de créditos.
Na verdade da factualidade existente no Acórdão 255/12, não consta a prolação de sentença de graduação, apenas a realização da venda no âmbito da execução fiscal, a remessa do processo ao Tribunal Administrativo do Porto para verificação e graduação de créditos e a reclamação deduzida pelos Recorridos do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de indeferimento de dispensa do depósito do preço.
Na presente situação e no recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo é invocado o facto de ter sido já proferida sentença de graduação de créditos que reconheceu e graduou o crédito dos recorrentes em segundo lugar, sendo que em primeiro foi graduado o crédito da Fazenda referente a IMI de valor substancialmente inferior ao do preço.
Infelizmente a sentença ainda não transitou, uma vez que a Fazenda interpôs recurso da mesma, no qual peticiona apenas a inclusão de mais dois anos IMI, os quais deverão vir a ser graduados em primeiro lugar.
É inquestionável que tal facto torna a presente situação substancialmente diversa da analisada no Acórdão 255/12.
Razão pela qual não se concorda com a decisão sumária proferida por adesão aos fundamentos constantes do Acórdão 255/12.
Mas, mesmo atendendo aos fundamentos do referido Acórdão 255/12, não podem os Recorrentes deixar de manifestar a sua mais profunda indignação.
Pois, em nome de uma celeridade processual inexistente, permite-se que o Estado imponha ao cidadão comum um ónus totalmente desproporcional (depósito do preço) quando este, na qualidade de credor garantido, apresenta uma proposta de aquisição em venda realizada em execução fiscal.
Note-se que não podendo o Estado adquirir bens no âmbito das execuções fiscais, são muitas vezes os credores garantidos que evitam que os imóveis sejam vendidos por valores irrisórios, em prejuízo do Executado e do próprio Estado.
Porém, qual a cominação para tal defesa operada pelo credor garantido, nem mais, nem menos, do que o depósito do preço, que uns bons anos mais tarde lhe será restituído praticamente na íntegra.
Pois, à frente do credor garantido apenas são graduadas as custas, dívidas de IMI e IMT (a existir), as quais são sempre de valor bastante inferior ao preço.
Porquê a imposição do depósito do preço a um particular, que já se viu desapossado do valor correspondente ao seu crédito, e apresentando proposta de valor igual ou inferior a tal crédito, ainda se vê obrigado a depositar à ordem do Estado novamente tal valor???
Nestas situações a Fazenda encontra-se em situação de apurar logo após a venda o valor aproximado de custas, IMI e IMT caso existam, e sendo requerida e comprovada a impossibilidade ou extrema onerosidade que o depósito do preço constitui para o credor/proponente, deveria este apenas ser obrigado a depositar tal valor (custas, IMI e IMT), sendo por exemplo constituída hipoteca para segurança do depósito do preço.
Caso após a graduação se constatasse existir necessidade de depósito de valor superior, ou não fosse reconhecido o crédito do proponente e tal depósito não ocorresse, sempre o Estado se encontraria salvaguardado.
Bem sabe este Douto Tribunal, como os restantes, que a celeridade na execução fiscal é uma mera utopia.
Veja-se o presente caso,
A venda na execução fiscal realizou-se em dezembro de 2008 e ainda não transitou em julgado a sentença de verificação de créditos.
E este não é caso único, como este existem centenas, senão milhares de casos. E mesmo após o trânsito em julgado das sentenças de graduação de créditos, tal não significa o fim do calvário, ainda há que esperar vários meses, senão anos.
Nas situações em que já foi proferida sentença de graduação de créditos, e encontrando-se reconhecido e graduado o crédito do proponente, mais não pode ser exigido a este do que o valor correspondente às custas e créditos graduados à sua frente,
Tendo a norma contida no art. 256º do CPPT, nestas situações, de ser considerada inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, em especial na vertente de igualdade na aplicação do direito, violando igualmente o princípio da proporcionalidade como princípio informador das leis restritivas.”
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Fundamentação
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
O objeto destes recursos é, pois, uma determinada norma.
Os Recorrentes pediram a fiscalização da constitucionalidade do artigo 256.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário, no segmento em que prevê regimes diferentes para os diversos adquirentes, ou seja o disposto na sua alínea h).
Foi exatamente essa norma que foi objeto de julgamento de constitucionalidade no Acórdão n.º 255/12 deste Tribunal.
O facto das circunstâncias processuais em que foi aplicada a norma nos respetivos processos não coincidirem é indiferente para o juízo de constitucionalidade que sobre ela recaia, uma vez que não se mostra incluído no seu conteúdo tais circunstâncias. A apreciação de constitucionalidade incide sobre a norma em causa, enquanto critério geral e abstrato, e não sobre a sua aplicação no caso concreto.
Por estas razões revela-se perfeitamente transponível para a decisão deste recurso a fundamentação do Acórdão n.º 255/12.
Mas o Reclamante também discorda do juízo de não inconstitucionalidade que foi proferido, alegando a irrazoabilidade da obrigação do credor particular adquirente ter de proceder ao depósito do preço, independentemente do valor dos créditos que se encontrem graduados à frente do seu.
Ora, conforme se disse no referido Acórdão não cabe ao Tribunal Constitucional substituir-se ao legislador na avaliação da razoabilidade das medidas legislativas, formulando sobre elas um juízo positivo, e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável, justa e oportuna. O controlo do Tribunal é antes de caráter negativo, cumprindo-lhe tão-somente verificar se a solução legislativa se apresenta em absoluto intolerável ou inadmissível, de uma perspetiva jurídico-constitucional, por para ela se não encontrar qualquer fundamento razoável e em concreto compreensível (cfr., entre outros, o acórdão n.º 166/10).
Ora, o mesmo aresto verificou que a previsão de diversos regimes jurídicos para os adquirentes, consoante sejam particulares ou entidades públicas (no artigo 256.º do CPPT), é justificada pela diferente natureza dos credores, e a diversidade de soluções jurídicas consagradas na execução fiscal e na execução comum, em relação aos adquirentes particulares (como resulta dos artigos 256º, alínea h), do CPPT e 887.º do CPC), é justificada quer pela celeridade requerida pela execução fiscal, quer pela necessidade de assegurar o eficaz pagamento das dívidas nessa forma de processo.
Existindo uma razão para a especial exigência dirigida aos credores privados e não se revelando a mesma desproporcionada aos fins visados, concorda-se com a solução sustentada no Acórdão n.º 255/12, devendo, por isso, ser indeferida a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. e B..
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Custas pelos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 7 de maio de 2014. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.