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Processo n.º 444/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. e B. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 3 de maio de 2012 que não admitiu um recurso de revista excecional interposto por estes Recorrentes.
Na mesma data apresentaram no Supremo Tribunal de Justiça requerimento arguindo uma nulidade.
O recurso subiu imediatamente para o Tribunal Constitucional sem que tenha sido apreciada a arguição de nulidade.
No Tribunal Constitucional foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso com a seguinte fundamentação:
“Uma vez que os arguidos arguiram a nulidade do Acórdão recorrido, não tendo ainda sido apreciado este incidente pós-decisório e não tendo o Tribunal Constitucional competência para o julgar, aquela decisão ainda não pode ser considerada definitiva, só se iniciando o prazo para dela recorrer para o Tribunal Constitucional, após a notificação da decisão daquele incidente pelo Supremo Tribunal de Justiça (vide, neste sentido, mesmo após as últimas alterações ao regime de recursos no Código de Processo Civil, Lopes do Rego, em Os recursos de fiscalização concreta na lei e na jurisprudência do Tribunal Constitucional, pág. 189-191, da ed. 2010, da Almedina).
O recurso foi, pois, interposto extemporaneamente, pelo que não pode ser conhecido, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.”.
Os Recorrentes reclamaram desta decisão, alegando o seguinte:
“1. Conforme resulta da leitura conjugada do disposto nos arts. 685º, nº 1, do Cód. Proc. Civil e do art. 75º, nº 1, da LTC, o recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se no prazo de dez dias contados desde a data da notificação da decisão de que se recorre.
2. Sendo que, de um modo generalizado e pacífico, se entende que no caso de serem arguidas nulidades imputadas à decisão de que se pretende recorrer para o Tribunal Constitucional, o prazo para a interposição deste recurso só se inicia com a decisão proferida sobre aquela arguição de nulidade.
3. O que se justifica nos casos em que já não existindo lugar a recurso ordinário a parte está constituída no dever de suscitar aquelas nulidades perante o Tribunal que proferiu a decisão.
4. Procurando-se, desse modo, assegurar “que a parte disponha da possibilidade de arguir e ver apreciadas nulidades de que entenda enfermar a decisão de que pretende interpor o recurso de constitucionalidade. Efetivamente, nos termos gerais do processo civil, admitindo a decisão recurso, a arguição de nulidades de que porventura enferme faz-se no recurso dessa decisão. Porém, como a competência do Tribunal Constitucional é restrita às questões de constitucionalidade, a nulidade não pode ser arguida nesse tipo de recurso, pelo que se impõe compatibilizar o prazo de interposição de recurso com a possibilidade de arguição da nulidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Mas, obtida a pronúncia sobre a arguição de nulidade, cessa a razão que leva a que a regra de que o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional se conta a partir da notificação da decisão recorrida. Efetivamente, se a arguição de nulidade é atendida, a nova decisão incorpora-se, nessa medida, na decisão primitiva. Se é desatendida, a decisão arguida de nula torna-se a esse nível jurisdicional definitiva. Em qualquer dos casos, cessa a razão que justifica o diferimento do prazo de interposição do recurso da primitiva decisão (aquela cuja nulidade se arguira sem sucesso)” - cfr., Ac. Trib. Constitucional nº 419/11 de 28.11.11, Proc. nº 180/11, 3ª Secção.
5. Situação distinta ocorre aquando seja suscitada uma nulidade processual e já não uma nulidade da decisão proferida.
6. A qual tem de ser arguida autonomamente, mesmo quando a decisão proferida ainda admita recurso.
7. Recurso esse que, independentemente daquela arguição de nulidade processual, tem de ser interposto no prazo fixado na lei para o efeito, contando-se o mesmo desde a data da notificação da decisão de que se pretende recorrer.
8. Sob pena de, não sendo interposto aquele recurso, aquela decisão se tornar definitiva.
9. Ou seja, o prazo para a interposição do recurso começa a correr com a notificação da decisão de que se pretende recorrer e não com a decisão que vier a ser proferida sobre a nulidade processual que tenha sido arguido.
10. É o que, sem tirar nem pôr, ocorre nos presentes autos.
Vejamos
11. Notificados do Acórdão de fls. … proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça os recorrentes arguiram nulidade processual – que não nulidade do Acórdão - com fundamento no facto de ter sido violado o princípio do contraditório e os arts. 3º, nº 3 e 704º, nº 1, do Cód. Proc. Civil.
12. Paralelamente, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão proferido sob pena de, não o fazendo, se extinguir o direito de os recorrentes verem apreciadas as inconstitucionalidades invocadas no requerimento de interposição de recurso de fls. ….
13. Em face do que, o recurso interposto foi tempestivamente apresentado e, assim sendo, deverá ser apreciado.
14. Atente-se ainda o que ficou dito no Ac. Trib. Constitucional nº 419/11 de 28.11.11, Proc. nº 180/11, 3ª Secção:
“E neste tipo de situações [arguição de nulidades processuais] é até duvidoso que deva ter aplicação a referida regra jurisprudencial de que o início do prazo fica deferido para o momento da notificação da decisão do incidente, porque não está em discussão qualquer vício intrínseco da estrutura da decisão, mas um vício do procedimento”.
15. Acresce que, tendo em conta o que vem referido a fls. … da Decisão Sumária (“Uma vez que os arguidos arguiram a nulidade do Acórdão”) afigura-se que a Decisão Sumária reclamada participa de um lapso manifesto, qual seja o de a mesma assentar no pressuposto de que a arguição de nulidade deduzida pelos recorrentes tem por objeto o Acórdão recorrido quando, em boa verdade, aquela arguição de nulidade configura uma arguição de nulidade processual.
Fundamentação
Na decisão reclamada entendeu-se que tendo os Recorrentes arguido a nulidade do Acórdão recorrido, não tendo ainda sido apreciado este incidente pós-decisório e não tendo o Tribunal Constitucional competência para o julgar, aquela decisão ainda não podia ser considerada definitiva, só se iniciando o prazo para dela recorrer para o Tribunal Constitucional, após a notificação da decisão daquele incidente pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Contudo, como bem referem os Recorrentes, a nulidade arguida perante o Supremo Tribunal de Justiça não foi apontada ao acórdão recorrido, mas sim à tramitação processual seguida anteriormente à sua prolação – falta de audição das partes – a qual não tem a virtualidade de diferir o início do prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional para a data da notificação da decisão desse incidente, uma vez que não respeita à decisão recorrida.
Por esta razão deve ser deferida a reclamação apresentada.
Contudo, como a decisão desse incidente pode conduzir a anulação da decisão recorrida, o que tornará inútil o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, deve a mesma anteceder a remessa dos autos a este Tribunal.
Decisão
Pelo exposto, defere-se a reclamação apresentada, revogando-se a decisão reclamada e determina-se a remessa dos presentes autos ao Supremo Tribunal de Justiça a fim de ser apreciado previamente o requerimento de arguição de nulidade de fls. 512 e seguintes.
Sem custas.
Lisboa, 26 de setembro de 2012.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.