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Procº nº 549/97.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1.A..., Ldª, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa providência destinada a ser intimado o Presidente do Conselho de Administração do INFARMED - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, a fim de este passar a entregar à requerente determinadas certidões e de lhe facultar a consulta integral de um de dado processo administrativo que correu termos por aquele Instituto, processo esse que se reportava à autorização de introdução no mercado de um medicamento comercializado por uma empresa concorrente da peticionante.
Por sentença de 4 de Abril de 1997 foi parcialmente deferida a solicitada providência, pois que a entidade requerida foi intimada a, em dez dias, fornecer à requerente certidão dos elementos relativos à composição qualitativa e quantitativa de determinado medicamento, das indicações terapêuticas para as quais ele foi autorizado e dos resultados dos ensaios farmacológicos, toxicológicos e clínicos incluídos em documentação científica referida na alínea c) do nº 2 do artº 5º do Decreto-Lei nº 72/91, de 8 de Fevereiro.
Não se conformando com o assim decidido recorreu a A... para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo, na alegação que então formulou, concluido, inter alia:-
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..................................................... b) o dever funcional de sigilo previsto no artigo 17º do Decreto-Lei nº 72/91 não dá ao INFARMED a possibilidade de recusar à recorrente a consulta e a passagem de certidões dos documentos, solicitados pela ora recorrente nos termos e para os efeitos do artigo 82 da LPTA, porquanto, se tivesse por objectivo restringir o exercício do direito à informação administrativa nos termos da lei, estaria eivado, não apenas de ilegalidade, mas também de inconstitucionalidade material e formal; c) o direito de informação decorrente do artigo 82º da LPTA é um direito prévio e instrumental relativamente ao exercício do direito de recurso contencioso dos actos administrativos e não se confunde com o previsto na Lei nº 65/93, nem com o consagrado nos artigos 61º e seguintes do CPA, configurando-se antes como uma prerrogativa autónoma que traduz a concretização no plano da lei ordinária de dois direitos constitucionalmente consagrados nos números 1, 4 e 5 do artigo
268º da lei fundamental; d) ainda que, contra o que se sustenta, o artigo 82º, nº 1 e nº 3 da LPTA devesse ser interpretado como limitando a divulgação de documentos contendo segredos relativos à propriedade intelectual e segredos comerciais e industriais ou sobre a vida interna das empresas ficou claramente demonstrado que nem em abstracto, nem em concreto, a passagem de certidões dos documentos solicitados pela ora recorrente poria em causa a reserva legalmente reconhecida a eventuais segredos dessa natureza; e) mas, ainda que assim não se entenda, a terem o alcance que a douta decisão recorrida pretende, o artigo 17º do Decreto-Lei nº 72/91, o artigo 10º da Lei
65/93, e o artigo 82º, nº 1 e nº 3 da LPTA seriam materialmente inconstitucionais porquanto não são tão vastos os limites do direito à informação expressamente traçados no artigo 268º, nº 2 da Constituição, nem existem outros direitos constitucionais de carácter fundamental cujo respeito seja posto em causa pelo exercício do direito de acesso aos documentos entregues para instrução dos processos de introdução no mercado de medicamentos.
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2. Por acórdão de 1 de Julho de 1997, negou o Supremo Tribunal Administrativo provimento ao recurso,
Para atingir uma tal decisão, ponderou-se naquele aresto, para o que ora releva:-
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Como a jurisprudencia deste Supremo Tribunal a mais de um título tem salientado, o direito à informação (artº 268º, nºs 1 e 2 da Const.), que o meio processual do artº 82º, da LPTA, visa, a par de outros, garantir, não constitui em si um direito absoluto, antes o mesmo terá de ser compatibilizado, no que ao respectivo exercício diz respeito, com outros direitos, e desde logo com o direito de propriedade, que do mesmo modo, tem também garantia constitucional
(artº 62º da Lei Fundamental).
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..................................................... Daí que na esteira da citada jurisprudência deste Supremo Tribunal, ..., se tenha de concluir pela necessidade de se proceder a uma casuística ponderação, tendo em vista uma adequada harmonização dos referidos direitos na perspectiva da sua aplicação prática, por modo a salvaguardar o melhor equilíbrio entre eles.
Ora, num quadro assim delimitado, tem-se como representando uma solução de justo equilíbrio a que passa pela atribuição aos interessados do direito de acesso por parte dos mesmos à composição qualitativa e quantitativa dos medicamentos em causa, com as indicações terapêuticas para as quais ele foi autorizado, bem como os resultados dos ensaios farmacológicos e clínicos incluídos na documentação científica referida na al. c) do nº 2 do artº 5º do DL nº 72/91.
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Não se vê assim como, fora disso, se possam acoimar as limitações impostas - resultantes da aplicação referida na citada norma da al. c) do nº 2 do artº 5º do DL nº 72/91 - como inconstitucionais, já que as mesmas, com o alcance acima enunciado, representam uma solução equilibrada de concordância prática no exercício de direitos de igual valia, mas que são susceptíveis de conflituar entre si quando convocados na aplicação de um caso concreto, como no sub judice.
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3. É deste aresto que vem , pela A..., interposto o vertente recurso, pretendendo, por seu intermédio, a apreciação da
(in)constitucionalidade das normas constantes dos artigos 82º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, do artº 17º do Decreto-Lei nº 72/91, de 8 de Fevereiro, do artº 62º do Código de Procedimento Administrativo e do artº 10º da Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, na redacção conferida pela Lei nº 8/95, de 29 de Março.
Por despacho proferido pelo Relator em 7 de Novembro 1997, àcerca do qual a recorrente não manifestou oposição, foi o âmbito do recurso limitado à norma constante do artº 82º da LPTA, devendo, assim, constituir objecto desta impugnação tal normativo quando interpretado no sentido de direito geral à informação, o direito à informação procedimental e o direito instrumental à informação, extraídos do artigo 268º da Constituição, podiam ser restringidos pela lei ordinária por razões de protecção de segredos comerciais, de segredos industriais, de segredos sobre a vida interna das empresas ou segredos relativos
à propriedade literária, artística ou científica.
Determinada a feitura de alegações, rematou a recorrente a por si formulada com as seguintes «conclusões»:-
'a) os artigos 82º da LPTA, 10º da Lei nº 65/93 e 17º do Decreto-Lei nº 72/91, na interpretação que lhes é dada pelo acórdão recorrido, excluem do direito à informação administrativa determinados documentos integrados nos procedimentos de autorização de introdução no mercado de medicamentos, com fundamento na necessidade de proteger a propriedade industrial e a propriedade intelectual e respectivos segredos comerciais e industriais; b) os artigos 82 da LPTA, 10º da Lei nº 65/93 e 17º do Decreto-Lei nº 72/91, com a interpretação que lhes é dada pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão recorrido, são materialmente inconstitucionais, por violação do artigo 268º nº
1, nº 2, nº 4 e nº 5 e do artigo 18º, nº 2 e nº 3 da Constituição, porquanto: i) os números 1, 2 e 4 do artigo 268º da Cons- tituição reconhecem o direito fundamental de acesso e de informação administrativa e as condições e limites do seu exercício relativa- mente a diversas situações de interesse dos administrados, a saber, o direito procedimen- tal de informação, o direito geral de acesso e o direito de informação instrumental da tutela jurisdicional efectiva, em particular, do direito de interposição de recurso conten- cioso; ii) de acordo com o artigo 268º nº 2 da Cons- tituição, apenas podem ser impostas restrições explícitas ao exercício do direito de informa- ção administrativa com fundamento na tutela dos valores e direitos aí exaustivamente enumerados - segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade dos cidadãos; iii) quando muito, são também apenas estas e não outras as restrições que podem ser estabelecidas ao direito de informação procedimental e instru- mental reconhecido nos números 1 e 4 do artigo 268º da Constituição; iv) da interpretação dada aos artigos 82º da LPTA, 10º da Lei nº 65/93 e 17º do Decreto-Lei nº 72/91 decorre necessáriamente a restrição do exercício do direito
à informação administrativa - em qualquer uma das suas vertentes subjectivas - relativamente a documentos que não podem ser qualificados como confidenciais por razões de tutela da segurança interna e externa, da investigação criminal e da intimidade dos cidadãos e, consequentemente, também a limitação do direito fundamental de tutela jurisdicional, em particular, de recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos; v) mesmo admitindo, por recurso à teoria das restrições implícitas, que o direito de informação pudesse ser restringido para tutela de outros direitos fundamentais constitucio- nalmente consagrados, em particular, do direito de propriedade privada, esta restrição não poderia justificar a exclusão absoluta do direito à informação sobre certas categorias de documentos com fundamento na necessidade de proteger segredos comerciais e industriais, que de modo algum se podem qualificar como direitos de propriedade, ou como manifestações de qualquer direito de propriedade, em especial, da propriedade industrial e intelectual, direitos que, em todas as suas vertentes, não podem ser postos em causa pela divulgação ou pela publicidade e que enquanto valor autónomo não gozam de tutela constitucional; vi) ainda que, por recurso à aplicação da teoria das restrições implícitas, o direito de informação pudesse ser limitado para tutela de outros direitos fundamentais constitucional- mente consagrados, em particular, dos segredos comerciais e industriais relacionados com a propriedade industrial e intelectual, esta restrição não poderia por si só justificar a exclusão absoluta do direito à informação sobre certos documentos ou categorias de documentos, porquanto tal restrição é inadequada à protecção da propriedade industrial e comercial ou à salvaguarda de qualquer das suas manifestações e incompatível com o artigo 18º, nº 2 da Constituição; vii) ainda que, por recurso à aplicação da teoria das restrições implícitas, o direito de informação pudesse ser limitado para tutela de outros direitos fundamentais constitucional- mente consagrados, em particular, dos segredos comerciais e industriais relacionados com a propriedade industrial e intelectual, esta restrição não poderia por si só justificar a exclusão absoluta do direito à informação sobre certos documentos ou categorias de documentos, porquanto tal restrição é desnecessária à protecção da propriedade industrial e intelectual ou à salvaguarda de qualquer das suas manifestações e incompatível com o artigo 18º, nº 2 da Constituição; viii) ainda que, por recurso à aplicação da teoria das restrições implícitas, o direito de informação pudesse ser limitado para tutela de outros direitos fundamentais constitucional- mente consagrados, em particular, dos segredos comerciais e industriais relacionados com a propriedade industrial e intelectual, esta restrição não poderia por si só justificar a exclusão absoluta do direito à informação sobre certos documentos ou categorias de documentos, porquanto tal restrição é incompatível com o artigo 18º, nº 3 da Constituição, afectando o núcleo essencial do direito de recurso contencioso e do direito à informação administrativa; c) tem pois de concluir-se que o artigo 82º da LPTA, o artigo 62º do CPA, o artigo 10º da Lei nº 65/93 e o artigo 17º do Decreto-Lei nº 72/91, na medida em que permitam recusar o acesso a documentos apresentados para instrução de processos de autorização de introdução no mercado de medicamentos, com fundamento na protecção de direitos de propriedade industrial e de propriedade intelectual, ou na protecção de segredos comerciais e industriais, são materialmente inconstitucionais por violarem os artigos 18º, nºs 2 e 3, e 268º, nºs 1, 2, 4, e 5 da Constituição; d) o artigo 82º da LPTA, o artigo 62º do CPA, o artigo 10º da Lei nº 65/93 e o artigo 17º do Decreto-Lei nº 72/91, permitem, por parte de qualquer directamente interessado, ou titular de um interesse legítimo, maxime quando pretenda garantir a tutela jurisdicional dos seus direitos, consultar e obter certidões dos documentos apresentados para instrução de processos de autorização de introdução no mercado de medicamentos, excepto se tais documentos se referirem à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade da vida das pessoas, ou se a sua divulgação incondicional diminuir o conteúdo essencial de outro direito fundamental, o que nunca acontece quando este, por natureza, não puder ser posto em causa por qualquer divulgação ou publicidade, como sucede com o direito de propriedade.'
De seu lado, o Presidente do Conselho de Administração da INFARMED concluiu a sua alegação do seguinte modo:-
'1ª - Os dispositivos legais em questão não padecem da alegada inconstitucionalidade por não verificação do disposto no art. 268º, nº 2 da Constituição uma vez que não implica qualquer restrição ao direito de informação procedimental não autorizada pela Lei Fundamental;
2ª - Consubstanciando tão-somente uma explicitação dos limites imanentes do direito em causa, concretização que a Constituição não apenas permite como impõe para harmonização dos bens e valores nela tutelados;
3ª - Ainda que de uma restrição se tratasse sempre a mesma se encontraria conforme ao disposto no art. 268º/2 da Constituição, assumindo manifestamente as vestes de um preceito necessário, adequado e proporcional aos objectivos de tutela dos direitos de propriedade intelectual e industrial que pretende prosseguir'.
Cumpre decidir.
II
1. Muito embora, no vertente recurso, dados os termos que já acima se indicaram, esteja apenas em causa a norma ínsita no artº 82º da L.P.T.A., na interpretação que acima se delineou, o que é certo é que a questão de inconstitucionalidade que no mesmo recurso é colocada se posta nos mesmos termos que nos processos, já distribuídos ao ora relator e em que figuram como «partes» os agora recorrente e recorrido (ou seja, os processos números 456/97 e 495/97), nos quais estava em causa não somente aquela norma, mas também as normas constantes dos artigos 17º, do Decreto-Lei nº 72//91, de 8 de Fevereiro, 10º, da Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, na redacção dada pela Lei nº 8/95, de 29 de Março, e 62º do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro.
Haverá, por outro lado, que realçar que, mais concretamente, de entre as várias normas constantes do dito artº 82º da L.P.T.A., releva, dada a postura seguida pelo acórdão impugnado e a que é perfilada pela recorrente, a que se contém no seu nº 3, que estatui que '[s]ó podem considerar-se matérias secretas ou confidenciais aquelas em que a reserva se imponha para a prossecução de interesse público especialmente relevante, designadamente em questões de defesa nacional, segurança interna e política externa, ou para a tutela de direitos fundamentais dos cidadãos, em especial o respeito da intimidade da vida privada'.
Assinale-se, por fim, que a circunstância de a recorrente, na sua alegação produzida neste Tribunal, se reportar a outros normativos (os atrás indicados) que não só o artº 82º da L.P.T.A., isso não implica que dos mesmos vá conhecer este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, dada a delimitação do objecto do recurso, já efectuada sem oposição da recorrente.
2. Na sequência da decisão tomada em Plenário deste Tribunal no Acórdão n.º 254/99 (proferido no processo n.º 456/97, ainda inédito e de que se junta fotocópia), que não julgou inconstitucional, entre outras, a norma constante do artigo 82º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (decisão tomada por maioria e com voto de vencido, por entre outros, do ora relator), impõe que aqui se siga a orientação ali expressa quanto ao juízo de não inconstitucionalidade.
III
Em face do exposto, decide este Tribunal negar provimento ao recurso. Lisboa, 9 de Junho de 1999 Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José Manuel Cardoso da Costa