Imprimir acórdão
Processo n.º 309/14
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Por decisão proferida em 1.ª instância, o arguido A. foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e quatro meses de prisão.
O arguido interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 26 de dezembro de 2013, negou-lhe provimento.
Notificado desse acórdão, por carta enviada em 6 de janeiro de 2014, o arguido, em 29 de janeiro de 2014, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes termos:
“…1/ O arguido A., por força do disposto na al. c) do nº 1 do artº 432º do Código de Processo Penal, que estabelece um mínimo de cinco anos de pena de prisão efetiva para a possibilidade de recurso à matéria de direito, encontra-se impedido de o fazer para o Altíssimo Supremo Tribunal de Justiça.
2/ O preceito legal supra referido, em nosso modesto entender, e salvo o devido respeito, que é total, está ferido de inconstitucionalidade, por violar o disposto no nº 1 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa, que assegura todas as garantias do processo penal.
3/ Na verdade, nos termos do artº 13º da C. R. P., o artigo em causa descrimina o cidadão condenado em pena de prisão, ao estabelecer diferença de fazer mão dos meios de garantia estabelecidos em sede de recurso, quando se é condenado em pena superior ou inferior aos cinco anos que estabelecem a diferença.
4/ Com suspensão de pena em 1ª Instância, sem contestar para o Venerando Tribunal da Relação e ora condenado na pena efetiva de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses, sem possibilidade de recorrer à matéria de direito para o Altíssimo S.T.J, e sobretudo,
5/ Por entender que o preceito que o priva dessa possibilidade, está ferido de inconstitucionalidade, ao estabelecer diferenciação e fazendo depender o recurso da pena em que é condenado, vem solicitar a V. Exas, se digne declarar inconstitucional o referido nº 1 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa, com todas as consequências legais daí decorrentes, nomeadamente possibilitando ao ora recorrente, a possibilidade de apelar à matéria de direito para o Doutíssimo S.T.J.”
Foi proferido despacho pelo Desembargador Relator de não admissão do recurso por extemporaneidade.
O arguido reclamou desta decisão, alegando o seguinte:
“…1º Não se conformando com a douta decisão, proferida no Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe manteve o cumprimento da sanção, dela interpôs recurso para o Douto Tribunal Constitucional, pois de molde algum concordava com a efetivação da pena aplicada, e a impossibilidade de recurso para o S.T.J.
2º O requerimento deu entrada, em 29 de janeiro último, vindo a sofrer despacho de não admissão, proferido em 31 do mesmo mês, tendo sido notificado em 7 de fevereiro p.p..
3º Acontece porém, que à data de interposição do recurso para esse Altíssimo Tribunal, ainda se encontrava em decurso o prazo de trinta dias, para o Douto Supremo Tribunal de Justiça, pelo que a decisão proferida no Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não se encontrava transitada.
4º Podendo ou não recorrer para o S.TJ., o prazo para tal, ainda não havia precludido, não havendo decisão de indeferimento.
5º E se o tivesse feito, à data de interposição de recurso para o TC., ainda poderia fazê-lo pelo facto da decisão não haver transitado em julgado.
6º Assim sendo, o prazo de dez dias a que alude o artº 75º da L.TC., só começaria a contar depois do transito em julgado da decisão.
7º E assim parece que entende o legislador, por extensão do espírito do nº 2 do artº 75º da Lei supra referida, ' in fine'.
Assim sendo, salvo o devido respeito e admiração, que é total, bem como melhor opinião, deve o recurso interposto em 29 de janeiro p.p., ser admitido e sequentemente apreciado pelo Mui Douto Tribunal Constitucional, com o que se fará, JUSTIÇA”.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação, alegando o seguinte:
“1. Por decisão proferida em 1.ª instância, o arguido A. foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e quatro meses de prisão.
2. Apreciando o recurso interposto pelo arguido, a Relação de Lisboa, por acórdão de 26 de dezembro de 2013, negou-lhe provimento.
3. Notificado desse acórdão por carta enviada em 6 de janeiro de 2014, o arguido, em 29 de janeiro de 2014, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional
4. Como o recurso não foi admitido, por extemporaneidade, reclamou para este Tribunal.
5. Apesar de no requerimento o recorrente referir o artigo 72.º, n.º 1, alínea b) da LTC, dessa peça processual conjugada com os restantes elementos do processo parece-nos evidente que é o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, a disposição legal convocável.
6. Como se vê pelo requerimento de interposição do recurso, o recorrente pretendia ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal (CPP).
7. Diz a propósito no requerimento:
“1/
O arguido A., por força do disposto na al.ª c) do n.º 1 ao art.º 432.º do Código de Processo Penal, que estabelece um mínimo de cinco anos de pena de prisão efetiva para a possibilidade de recurso à matéria de direito, encontra-se impedido de o fazer para o Altíssimo Supremo Tribunal de Justiça.
2/
O preceito legal supra referido, em nosso modesto entender, e salvo o devido respeito, que é total, está ferido de inconstitucionalidade, por violar o disposto no n.º 1 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, que assegura todas as garantias do processo penal.”
8. Ora, o acórdão recorrido, proferido pela Relação, que se limitou a apreciar o mérito do recurso interposto pelo arguido, negando-lhe provimento, não aplicou, nem podia aplicar, a norma indicada pelo recorrente.
9. Efetivamente tendo a constitucionalidade a ver com a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, apenas a decisão que se pronunciasse sobre essa admissibilidade, poderia aplicar tal norma.
10. Por outro lado essa decisão só poderia ser proferida se, interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o mesmo não fosse admitido, por aplicação da norma à qual é imputada a inconstitucionalidade.
11. Não se verifica, pois, esse requisito de admissibilidade (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), em conjugação com o artigo 79.º-C, todos da LTC).
12. Quanto à tempestividade, diremos que, ao contrário do que afirma o recorrente na reclamação, não tendo sido interposto recurso ordinário, não é aplicável o artigo 75.º, n.º 2, da LTC.
13. Poderia eventualmente, estar-se perante a situação prevista no artigo 75.º, n.º 4, da LTC (esgotamento, por não interposição do recurso ordinário no prazo legal).
14. Mas também aqui, atendendo às datas da notificação do acórdão da Relação e da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (vd. n.ºs 2 e 3), parece não se estar perante essa situação.
15. De qualquer forma, não há necessidade, sequer, de indagar se, no caso, se verificam as circunstâncias que levam à aplicação daquele preceito, porque, mesmo que o recurso tivesse sido atempadamente interposto, sempre subsistiria o evidente fundamento de inadmissibilidade que primeiramente referimos.
16. Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
Notificado para se pronunciar sobre o parecer do Ministério Público, o arguido nada disse.
*
Fundamentação
O Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação.
Nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LTC, o prazo de interposição de recurso é de 10 dias e conta-se desde a data da decisão recorrida quando a mesma não é passível de recurso ordinário e a parte não a impugnou no ordenamento processual onde foi proferida, como ocorre no caso presente.
Constatando-se que no momento de interposição do recurso esse prazo já havia decorrido o mesmo é extemporâneo conforme decidiu a decisão reclamada.
Além disso, também se verifica que a norma cuja constitucionalidade se pretendia ver apreciada não foi aplicada pela decisão recorrida, pelo que nunca o recurso poderia ser conhecido, atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
Por estas razões deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A..
*
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os elementos referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 7 de maio de 2014. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.