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Proc. nº 407/98
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. L... foi condenado pelo Tribunal Militar da Marinha na pena de três meses de prisão militar (com atenuação extraordinária, nos termos do artigo
39º), como autor material de um crime de deserção, com apresentação voluntária, previsto e punido pela alínea b) do nº 1 do artigo 142º e pela primeira parte da alínea a) do nº 1 do artigo 149º, todos do Código de Justiça Militar. Desta decisão recorreu o arguido para o Supremo Tribunal Militar, concluindo do seguinte modo as respectivas alegações:
'1ª - O recorrente por ter cometido um crime de deserção p. e p. pelos artºs
142º, nº 1 al. a) e 149º, nº 1 al. a) 1ª parte do C.J.M. foi condenado na pena efectiva de três meses de prisão militar.
2ª - Tal pena é desproporcional face ao regime da lei geral.
3ª - O regime das penas previstas no Código de Justiça Militar, face ao regime estabelecido no Código Penal, desrespeita o princípio de igualdade e o da proporcionalidade estabelecidos nos artigos 13º, 18º, nº 2, 2ª parte e 266º, todos da Constituição da República Portuguesa.
4ª- A pena aplicada ao recorrente não foi substituída pela pena de multa por ter sido considerado indivíduo militar, ou seja, por ainda deter a condição militar. Ora,
5ª - O recorrente, que se encontra na situação de disponibilidade, face à não obrigatoriedade do serviço militar imposta pela Constituição, deixou de ter condição militar e por esta razão deve ser considerado indivíduo não militar.
6º - Sendo, assim, como indivíduo não militar, que é, deve-lhe ser aplicado o disposto no artigo 46º do C.J.M.
7ª - Caso contrário, deve o artigo 46º do C.J.M. ser considerado inconstitucional, por violar o artigo 13º da Constituição.
8ª - Deve ser igualmente julgada inconstitucional a Lei nº 30/87 de 7 de Julho
(Lei do Serviço Militar), mormente o seu artigo 5º, que impõe a condição de militar ao recorrente até 31 de Dezembro do ano em que complete 38 anos de idade, por ofensa ao princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição relativamente aos jovens da sua idade que neste momento não tem preocupações com o Serviço Militar que deixou de ser obrigatório'.
2. O Promotor de Justiça em funções junto do Tribunal Militar da Marinha contra-alegou, defendendo a manutenção do acórdão recorrido, por ser 'ajustada ao desvalor do crime por ele praticado' a pena cominada ao arguido, prevista na Lei Penal Militar, e por não ter sido aplicada nenhuma norma inconstitucional. Por seu turno, o Promotor de Justiça junto do Supremo Tribunal Militar pronunciou-se no sentido da não verificação das inconstitucionalidades invocadas pelo recorrente e da improcedência do recurso. Defendeu, porém, a agravação da pena aplicada ao arguido, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar. O arguido foi o notificado deste parecer, nada respondendo no prazo de três dias fixado para o efeito. Na audiência de julgamento, todavia, o defensor do recorrente requereu o não conhecimento do pedido de agravação da pena, por violação da proibição da reformatio in pejus, garantida pelo artigo 32º da Constituição.
3. O Supremo Tribunal Militar negou provimento ao recurso interposto, considerou não serem procedentes as questões de constitucionalidade suscitadas e agravou a condenação para 6 meses de presídio militar. Assim, quanto à alegada inconstitucionalidade do 'regime das penas previstas no Código de Justiça Militar', o acórdão do Tribunal de recurso entendeu ser inaceitável o paralelo formulado pelo recorrente entre o crime de deserção previsto nos artigos 142º e 149º do Código de Justiça Militar e o crime de abandono de funções punido pelo Código Penal, atendendo à diferença de interesses e bens jurídicos e à 'natureza da realidade subjacente a cada uma daquelas situações', sendo aquele 'bem mais grave, não só em si mesmo mas também nas suas consequências', e concluiu pela não verificação de ofensa aos princípios da igualdade e da proporcionalidade. No que toca à alegada inconstitucionalidade do artigo 46º do Código de Justiça Militar, o Supremo Tribunal Militar considerou a questão 'prejudicada pela decretada agravação da pena imposta ao réu, atento o disposto no art. 46º al. c) do CJM.', acrescentando, em síntese, que 'mesmo que a pena aplicada ao réu fosse de prisão militar nem, por isso, seria de aplicar o art. 46º citado, porquanto o réu, não obstante a sua passagem à situação de disponibilidade, não perdeu a sua qualidade de militar, continuando sujeito às obrigações militares nos termos do art. 5º da mencionada Lei nº 30/87'. Além disso, acrescentou o acórdão ora recorrido, não é exacto que o serviço militar tenha deixado de ser obrigatório com a última revisão constituicional. Afirmou, ainda, que o artigo 5º da Lei nº 30/87 'não enferma de inconstitucionalidade'. Finalmente, quanto à eventual inconstitucionalidade da alínea b) do nº 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar, o Supremo Tribunal Militar pronunciou-se nos seguintes termos:
'Conquanto se tenha por tempestiva a arguição de inconstitucionalidade formulada nesta audiência, o certo é que, como tem decidido o Tribunal Constitucional em diversos acórdãos, é legalmente possível a agravação da pena, nos termos da referida norma – art. 440º nº 2 al. B –, desde que tenha sido dada ao réu a oportunidade ou possibilidade de se defender de tal pedido, como aconteceu no caso sub judice'.
4. Do acórdão do Supremo Tribunal Militar veio o arguido recorrer para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pedindo a apreciação da inconstitucionalidade:
· 'do regime das penas previstas no Código de Justiça Militar donde se extraiu a pena que lhe foi aplicada na medida em que, face ao regime estabelecido no Código Penal, desrespeita o princípio da igualdade e da proporcionalidade estabelecidos nos artigos 13º , 18º nº 2, 2ª parte e 266º, todos da C.R.P.;
· da Lei nº 30/87 de 1 de Julho (Lei do Serviço Militar), mormente o seu artº 5 que impõe a condição de militar ao recorrente até 31 de Dezembro do ano que complete 38 anos de idade, por ofensa ao princípio da igualdade previsto no artigo 13º e ainda do próprio artigo 276º, ambos da C.R.P.;
· do artigo 440º, nº 2, al. B) do C.J. Militar por violação da proibição da reformatio in pejus, atento ao disposto no artigo 32º da C.R.P.' O recurso foi admitido. Notificado para alegar, o recorrente fundamentou a primeira das alegadas inconstitucionalidades, em síntese, no contraste entre o 'sentido pedagógico e ressocializador' do sistema punitivo do Código Penal e a política criminal do Código de Justiça Militar, 'assente única e simplesmente na retribuição'. Desse contraste resultaria a 'enorme diferença, quer nos limites mínimos, quer nos máximos, das penas de prisão' previstas para o crime de abandono de funções no Código Penal e para o crime de deserção. Ao que acresceria a circunstância de o Código de Justiça Militar não ter permitido ao recorrente beneficiar do disposto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro (Regime penal especial para jovens entre os 16 e os 21 anos). Quanto à segunda das questões de constitucionalidade, entende o recorrente que
'deixou de ter condição militar passando simplesmente a ser um indivíduo não militar', por força da mais recente Revisão Constitucional, que fez cessar a obrigatoriedade constitucional do serviço militar obrigatório. Relativamente ao último dos fundamentos do recurso, o arguido afirmou, por entre o mais, que 'a simples falta de resposta ao pedido de agravação da pena anteriormente aplicada ao recorrente nos autos com base no artigo 440º, nº 2, al. b) do C.J.M. não pode nem deve ter o efeito cominatório como aquele que foi dado pelo acórdão recorrido na medida em que o pedido em si enfermava de inconstitucionalidade'. Na parte final das conclusões, pode ler-se:
'13ª Sendo assim, verifica-se que: a. O regime das penas previstas no Código de Justiça Militar, face ao regime estabelecido no Código Penal, desrespeita o princípio da igualdade e da proporcionalidade estabelecidos nos artigos 13º, 18, nº 2, 2ª parte e 266º, todos da Constituição da República Portuguesa. b. São igualmente inconstitucionais:
· os artigos nºs 1º, nº 4, 2º, al. b) e 5º da Lei 30/87 de 7 de Julho;
· a interpretação que o acórdão recorrido fez do artigo 46º do Código de Justiça Militar;
· o artigo 440º, nº 2 al. b) do Código de Justiça Militar. Desde logo porque ofendem os princípios constitucionais do respeito pela dignidade humana (artigo 1º); os do respeito e garantia dos direitos fundamentais (artigo 2º); o da culpa; o princípio da necessidade da pena ou das medidas de segurança; o princípio da legalidade e o da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal, o princípio da humanidade e o princípio da igualdade'
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal contra-alegou, tendo concluído do seguinte modo:
'2. Conclusão
Atentos os fundamentos da decisão recorrida, deverá negar-se provimento ao recurso, excepto quanto á questão de inconstitucionalidade do artigo 440º, nº 2, alínea b), do Código de Justiça Militar, norma que, na medida em que admite a reformatio in pejus, sem estar em causa qualquer interesse militar específico, enquanto o artigo 409º do Código de Processo penal a proíbe, deve julgar-se inconstitucional, por violação conjugada dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.'
5. Importa, antes de mais, delimitar o objecto do presente recurso.
São três as questões de constitucionalidade suscitadas, sendo necessário apurar se estão reunidos os pressupostos para o respectivo conhecimento.
Em primeiro lugar, impugna o recorrente a constitucionalidade 'do regime das penas previstas no Código de Justiça Militar'.
Como se escreveu na Exposição de fls. 175, elaborada e notificada nos termos do nº 1 do artigo 704º do Código de Processo Civil, 'segundo o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, ao abrigo da qual foi interposto o presente recurso, cabe recurso das decisões dos tribunais ‘que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo’.
O recurso aí previsto tem assim por objecto a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas efectivamente aplicadas. Tem entendido o Tribunal Constitucional que não pode considerar-se satisfeito o correspondente pressuposto processual nos casos em que o recorrente se limita a imputar a inconstitucionalidade (ao menos, a inconstitucionalidade material) a todo o diploma legal (cfr. os acórdãos nº 442/91, 21/92 e 270/97, os dois primeiros publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente, vols. 20º, pág. 469 e segs. e 21º, pág. 125 e segs., não estando publicado o terceiro), não indicando, de entre as normas aplicadas na decisão recorrida, aquela ou aquelas cuja compatibilidade constitucional pede que seja apreciada, sobretudo quando não seja logicamente possível a aplicação simultânea de todas as normas que desse diploma se possam extrair (cfr. o acórdão nº 442/91).
Não pode, pois, apreciar-se em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, não devendo, por isso, integrar o objecto do processo, ‘o regime das penas previstas no Código de Justiça Militar’, que alegadamente contraria os princípios da igualdade e da proporcionalidade.'
Quanto à segunda questão, o recorrente revela alguma dificuldade na sua caracterização rigorosa. Como igualmente se disse na referida Exposição, ' (...) ao recorrer para o Supremo Tribunal Militar, invocou a inconstitucionalidade do artigo 4º do Código de Justiça Militar, por violar o artigo 13º da Constituição, bem como da ‘Lei nº
30/87, de 7 de Julho (Lei do Serviço Militar), mormente o seu artigo 5º, que impõe a condição de militar ao recorrente até 31 de Dezembro do ano em que complete 38 anos de idade, por ofensa ao princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição relativamente aos jovens da sua idade que neste momento não tem preocupações com o Serviço Militar que deixou de ser obrigatório’. No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, refere-se apenas, quanto a este ponto, a inconstitucionalidade ‘da Lei nº 30/87 de 1 de Julho (Lei do Serviço Militar), mormente o seu artº 5 que impõe a condição de militar ao recorrente até 31 de Dezembro do ano que complete 38 anos de idade, por ofensa ao princípio da igualdade previsto no artigo 13º e ainda do próprio artigo 276º, ambos da C.R.P.’. Por seu turno, nas alegações produzidas neste Tribunal, considera inconstitucionais ‘os artigos nºs 1º, nº 4, 2º, al. b) e 5º da Lei 30/87 de 7 de Julho’ e a ‘a interpretação que o acórdão recorrido fez do artigo 46º do Código de Justiça Militar’. Ora, como tem sido reiteradamente afirmado por este Tribunal, é no requerimento de interposição do recurso que se define o respectivo objecto. Não pode o recorrente, nas alegações ou noutra peça processual, ampliá-lo de forma a abranger outras normas. Por outro lado, também não pode o Tribunal conhecer da inconstitucionalidade de uma norma que não haja sido suscitada durante o processo (cfr., quanto a ambos os pontos, o acórdão nº 366/96, publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Março de 1996). Não pode assim o Tribunal Constitucional aceitar como objecto do processo ‘os artigos nºs 1º, nº 4, 2º, al. b)’ da Lei 30/87, de 7 de Julho, cuja inconstitucionalidade não foi invocada durante o processo (al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional), e sobre os quais, de resto, também o requerimento de interposição do recurso é omisso. Não pode também o Tribunal pronunciar-se sobre o artigo 46º do Código de Justiça Militar, já que o recorrente não o incluiu no leque de preceitos legais indicados no requerimento de interposição do recurso. Assim, e sempre quanto à segunda questão, pode afirmar-se que, entre as disposições legais mencionadas nas alegações, só o artigo 5º da Lei 30/87, de 7 de Julho, foi impugnado durante o processo e incluído nas disposições indicadas no requerimento de interposição do recurso, restringindo-se em conformidade o respectivo objecto.' Finalmente, e em terceiro lugar, o recorrente pede a declaração de inconstitucionalidade da norma da alínea b) do nº 2) do artigo 440º do Código de Justiça Militar.
Esta questão, como se disse já, foi suscitada pelo advogado do recorrente durante a audiência de julgamento do recurso interposto perante o Supremo Tribunal Militar. Pode colocar-se o problema de saber se foi tempestiva a arguição desta inconstitucionalidade, uma vez que, tendo sido notificado do parecer do Promotor de Justiça no sentido do agravamento da pena, nos termos previstos na alínea b) do nº 2) do artigo 440º do Código de Justiça Militar, o arguido não respondeu, no prazo de três dias legalmente fixado. Há que ter em conta que o Supremo Tribunal Militar a considerou oportuna, tanto que julgou não procedente a inconstitucionalidade invocada. Não estando o Tribunal Constitucional vinculado à decisão do Tribunal a quo sobre a tempestividade da arguição, importa saber se deve considerar-se cumprido o ónus do recorrente de suscitar a inconstitucionalidade 'durante o processo'
(alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei nº 28/82). Ora, tendo em conta que a ratio desta exigência legal consiste em pretender a lei que a questão de constitucionalidade seja colocada em termos tais que o tribunal recorrido tenha tido oportunidade de a ponderar e decidir, não pode deixar de se entender preenchido este pressuposto de admissibilidade do recurso.
Conclui-se, assim, que a terceira das questões de constitucionalidade foi suscitada durante o processo, nada obstando ao seu conhecimento por este Tribunal.
6. Começa-se então por analisar a alegada inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, do artigo 5º da Lei nº 30/87, de 7 de Julho.
Note-se, desde logo, que o recorrente dá como vigente a redacção da citada disposição anterior à Lei nº 22/91, de 19 de Junho. O teor da norma impugnada, na redacção em vigor, é o seguinte:
'Artigo 5º Reserva de disponibilidade e licenciamento
1. Na reserva de disponibilidade e licenciamento são incluídos todos os cidadãos que prestaram serviço efectivo, a partir da data em que cessarem essa prestação.
2. A reserva de disponibilidade e licenciamento compreende dois escalões: a. Disponibilidade; b. Tropas licenciadas.
1. Disponibilidade é o escalão que abrange o período de seis anos subsequentes ao termo do serviço efectivo e destina-se a permitir o aumento dos efectivos das Forças Armadas, por convocação ou mobilização, até aos quantitativos tidos por adequados.
2. As tropas licenciadas constituem o escalão seguinte ao de disponibilidade, o qual termina em 31 de Dezembro do ano em que os cidadãos completem 35 anos de idade, e destina-se a permitir o aumento dos efectivos das Forças Armadas até ao limite normal da capacidade de mobilização do país. Como foi indicado no acórdão recorrido, a alegação de inconstitucionalidade assenta num equívoco. Com efeito, a Revisão Constitucional de 1997 não determinou o fim do serviço militar obrigatório, limitando-se a remeter para a lei, entre outros aspectos, a decisão sobre a natureza voluntária ou obrigatória da respectiva prestação (nº 2 do artigo 276º da Constituição). Não existindo até ao momento lei que afaste o carácter obrigatório da prestação do serviço militar, cai por terra qualquer sentido que pudesse existir na imputação de inconstitucionalidade.
7. Passa-se, então, à questão seguinte: a da alegação da inconstitucionalidade da norma da alínea b) do nº 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar. O artigo 440º do Código de Justiça Militar dispõe o seguinte:
'Artigo 440º
1. Interposto recurso de uma decisão condenatória somente pelo réu, pelo promotor de justiça no exclusivo interesse da defesa ou pelo réu e pelo promotor nesse exclusivo interesse, o Supremo Tribunal Militar não pode, em prejuízo de qualquer dos réus, ainda que não recorrente: a. Aplicar pena que, pela espécie ou pela medida, deva considerar-se mais grave do que a constante da decisão recorrida; b. Revogar o benefício da substituição da pena por outra menos grave; c. Modificar, de qualquer modo, a pena aplicada pela decisão recorrida.
1. A proibição estabelecida neste artigo não se verifica: a. Quando o tribunal superior qualificar diversamente os factos, quer a qualificação respeite à incriminação, quer a circunstâncias modificativas da pena; b. Quando o promotor de justiça junto do tribunal superior se pronunciar, no visto inicial do processo, pela agravação da pena, aduzindo logo os fundamentos do seu parecer, caso em que serão notificados os réus, a quem será entregue cópia do parecer, para resposta no prazo de três dias.' Resulta da alínea b) do nº 2 do artigo 440º, que acaba de ser transcrito, a faculdade de o Promotor de Justiça em funções no Supremo Tribunal Militar requerer, em recurso interposto pela defesa ou no seu exclusivo interesse, a agravação da pena imposta ao réu, sem qualquer limitação. Deste modo, havendo parecer fundamentado do promotor de justiça que se pronuncie pelo agravamento da sanção, e estando garantida a possibilidade de resposta do réu, é admitida a reformatio in pejus. O problema da admissibilidade constitucional da reformatio in pejus não é novo na jurisprudência constitucional portuguesa. E a sua solução, nos diversos planos em que pode colocar-se (processo penal, processo penal militar, entre outros), deve ter em conta a tensão existente entre dois valores: o 'direito punitivo do Estado, de que decorre o poder dos juízes de aplicarem livremente as sanções adequadas, e as garantias de defesa dos arguidos' (acórdão do Tribunal Constitucional nº 15/99, ainda inédito). O valor da realização do poder punitivo do Estado conduziria, se ponderado de forma isolada e levado até às últimas consequências, a que o tribunal superior não estivesse de modo algum limitado pela definição do objecto do recurso feita pelo recorrente (defesa ou acusação). A tomada em consideração unicamente do interesse dos arguidos teria como consequência lógica a não admissibilidade de qualquer recurso pela acusação em prejuízo daqueles, com os inerente danos à realização da justiça. O que importa é, pois, apurar em que medida as garantias constitucionalmente estabelecidas impõem, nesta matéria, uma limitação à efectivação plena do poder punitivo do Estado.
8. Entre as garantias de defesa a ter em conta salienta-se o direito ao recurso, hoje formalmente previsto no nº 1 do artigo 32º da Constituição, mas que decorria já da consagração do princípio da plenitude das garantias de defesa. Ora, torna-se necessário reconhecer que a faculdade de recorrer das decisões condenatórias é claramente condicionada, num sistema em que a opção do arguido pelo recurso implica um sério risco de prejuízo para a sua situação jurídico-penal. Na verdade, um arguido que sabe que sua pena pode vir a ser agravada se interpuser recurso, tenderá a evitar o exercício do direito que lhe cabe. Razão bastante, pois, para que se aceite que a norma impugnada viola nitidamente o direito ao recurso, ao admitir a reformatio in pejus perante um recurso interposto apenas pelo arguido. De resto, o valor da realização da justiça penal não é afectado com o juízo de inconstitucionalidade formulado. Na verdade, não está vedado o recurso da acusação. O que se tem por inconstitucional é a solução legal de permitir o agravamento da pena subsequente ao recurso interposto apenas pelo arguido. Por outro lado, o próprio valor da realização da justiça penal ficaria afectado pela criação, nos termos descritos, de significativos entraves práticos ao exercício do direito de recurso pelo arguido. Aliás, já este Tribunal, nos acórdãos 499/97 (publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Outubro de 1997), 498/98 e 15/99, teve oportunidade para julgar inconstitucionais, por violação do direito ao recurso (nos acórdãos
499/97 e 498/98, também com outros fundamentos), normas que consagram, em dada medida, a reformatio in pejus. De resto, no acórdão 15/99 estava justamente em causa uma disposição paralela àquela que constitui objecto deste processo: a alínea a) do nº 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar, 'interpretada no sentido de ressalvar da proibição da reformatio in pejus a agravação da pena se, em recurso apenas interposto pelo arguido, for alterada a qualificação dos factos em sentido abstractamente mais favorável ao arguido'. Determina a norma em apreciação – a alínea b) do nº 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar – que a agravação da pena só pode ter lugar se o Promotor de Justiça em funções no tribunal de recurso se pronunciar fundamentadamente nesse sentido, havendo lugar à audição do arguido sobre o assunto. O regime aí previsto em nada afecta o juízo de inconstitucionalidade formulado com base na lesão do direito ao recurso. A este propósito, recordem-se as palavras de FIGUEIREDO DIAS (Direito Processual Penal, I, reimp., Coimbra, 1984, pág. 260), que considerou ser 'injustificável' a doutrina do Código de Processo Penal anterior, 'segundo a qual a proibição da reformatio in pejus não se verifica ‘quando o representante do MP junto o tribunal superior se pronunciar, no visto inicial do processo pela agravação da pena, aduzindo logo o seu parecer, caso em que serão notificados os réus, a quem será entregue cópia do parecer, para resposta no prazo de oito dias’'. Não se verifica já uma violação ao princípio do contraditório, que ocorreria se o tribunal de recurso pudesse proceder oficiosamente à agravação da pena, e sem que o arguido tivesse oportunidade para responder (cfr. o acórdão nº 499/97, onde aliás se afirmou: 'mesmo que o contraditório fosse garantido, estaríamos ante uma inconstitucionalidade material por violação da referida garantia de defesa', bem como o acórdão nº 498/98).
9. Questão adicional a apreciar é a que respeita à circunstância de o regime agora impugnado se integrar no sistema processual penal militar. Cabe desde logo afirmar que não se vê, 'em princípio, que os bens jurídicos militares sejam tais que a eles devam ser atribuídas específicas implicações ao nível do processo penal' (FIGUEIREDO DIAS, in Justiça Militar – Colóquio Parlamentar, Lisboa, 1995, pág. 28). Quanto à alínea b) do nº 2 do artigo 440º, não se afigura haver valores constitucionais que, no domínio do processo penal militar, especialmente justifiquem ou recomendem o regime dela resultante. Assim, a ponderação a fazer neste momento vai ao encontro do que defende o Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal, quando afirma que 'o Código de Processo Penal hoje vigente proíbe a reformatio in pejus e o Código de Justiça Militar permite-a quando o promotor de justiça junto do tribunal superior pedir a agravação da pena, não se vendo justificação material bastante para a diferença de regimes, por não estarem aqui em causa deveres militares e valores como a segurança e a disciplina das forças armadas ou interesses militares de defesa nacional, que, esses sim, poderiam justificar tal diferença'. Nestes termos, por estabelecer, sem justificação material, e, por isso, de forma arbitrária, um regime substancialmente mais desfavorável ao arguido em processo penal militar relativamente ao processo penal comum, a norma impugnada é também inconstitucional por violação dos princípios da igualdade (art. 13º) e da proporcionalidade (art. 18º).
Nestes termos, decide-se: a. Não tomar conhecimento da alegada inconstitucionalidade do regime das penas previstas no Código de Justiça Militar, dos artigos 1º, nº4 e 2º, al. b) da Lei nº 30/87, de 7 de Julho e do artigo 46º do Código de Justiça Militar; b. Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 5º da Lei nº
30/87, de 7 de Julho, na dimensão impugnada pelo recorrente; c. Julgar inconstitucional a alínea b) do nº 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar, na parte em permite, nas condições nela indicadas, a reformatio in pejus pelo Supremo Tribunal Militar em caso de recurso interposto apenas pelo réu, por violação do direito ao recurso (nº 1 do artigo 32º da Constituição) e dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (artigos 13º e 18º da Constituição), devendo o acórdão recorrido ser reformado em conformidade. Lisboa, 26 de Maio de 1999- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa