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Proc. nº 23/99
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório
1. O Estado Português (Direcção Regional da Educação do Norte – DREN), representado pelo Ministério Publico (ora recorrido) interpôs acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o Município da Póvoa do Lanhoso (ora recorrente). Alegou para o efeito, em suma, o seguinte: i) entre o DREN e o Município da Póvoa de Lanhoso foi celebrado um acordo de colaboração relativo à construção da Escola Secundária da Póvoa de Lanhoso, segundo a qual aquele Município assumia a obrigação de suportar o custo do terreno onde ia ser implantada a obra, até ao limite de 20% do valor total do empreendimento; ii) não tendo o Município conseguido adquirir o terreno por via negocial, foi intentada uma acção de expropriação do mesmo, tendo o respectivo valor sido fixado em 88.821.855$00; iii) como o Munícipio não depositou oportunamente tal quantia, foi suspensa a respectiva acção de expropriação, acabando a DREN por celebrar um contrato
«forçado» com os expropriados, mediante o qual se comprometeu a pagar-lhes a quantia de 108.000.000$00, o que já fez. Em consequência dos factos alegados, pediu o Autor a condenação do Réu no pagamento da quantia de 82.760.564$00 (correspondente a 20% do total do empreendimento), acrescido de juros de mora, até integral pagamento.
2. Por decisão do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, de 6 de Outubro de 1993, foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi o Município da Póvoa de Lanhoso condenado a pagar à DREN a quantia de
78.924.935$00, acrescida dos respectivos juros de mora.
3. Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo Autor e Réu, tendo este dito nas suas alegações, a concluir, designadamente o seguinte:
'I – A decisão recorrida, julgando que o artigo 17º, nº 1, do DL 384/87, de 24 de Dezembro, não fere a Constituição, viola o art. 74º e 75º da CRP, ou seja, a citada norma será inconstitucional. Como inconstitucional será o Dec-Lei nº 77/84, de 8 de Março, no segmento em que viola o art. 167º, al. e) da CRP, redacção de 1982 (cfr. p.f. art. 167º, al. i), redacção actual), ou seja, no seu art. 8º, al. e)). II – A procedência da invocada inconstitucionalidade repercutir-se-á na existência ou subsistência do questionado «acordo de colaboração» fazendo-o desaparecer da ordem jurídica.
(...)'.
4. Sobre a questão de constitucionalidade suscitada pelo Réu nas suas alegações, pode ler-se na decisão recorrida:
'Será que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 74º, 75º e 167º, alínea i) da Constituição da República Portuguesa ? Como ressalta dos autos, o R. veio apenas em sede de alegações escritas levantar a questão da inconstitucionalidade dos artigos 8º, alínea e) do Decreto-Lei nº
384/87, de 24 de Dezembro, por entender que a obrigação de criação de escolas, ao nível do ensino secundário, compete exclusivamente à Administração Central – concluindo depois que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 74º,
75º e 167º, alínea i) da Constituição da República Portuguesa. Que dizer ? Desde logo que, sendo a questão de inconstitucionalidade de conhecimento oficioso, não há que levantar o problema da eventual extemporaneidade da sua invocação. Assim, dela conhecendo, convém referir que, nestes autos, não está em causa apurar a quem compete a obrigação de construção de escolas, no nível do ensino secundário – se à Administração Central, se à Administração Local, para daí concluir pela eventual violação dos artigos 74º, 75º e 167º, i) ou e) da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, no caso, apenas está em causa o acordo de colaboração, constante de fls. 6 e verso e as cláusulas nele insertas, bem como as obrigações e direitos dele emergentes. Na verdade, independentemente de «de iure constituendo» a obrigação de criação ou construção de escolas no nível do ensino secundário poder pertencer à Administração Central ou à Administração Local, o certo é que foi celebrado o acordo de colaboração atrás referido, acordo esse permitido por lei (vale o artigo 405º do Código Civil), já que não é proibido. E, sendo viável e legal a sua celebração, o mesmo deve ser pontualmente cumprido, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei (artigo 406º do Código Civil). Ora, como ressalta dos autos, o R. não demonstrou que tal acordo tenha sido assinado pelo então Presidente da Câmara em nítido estado de necessidade, bem como não alegou e muito menos demonstrou a existência de qualquer vício violador da vontade negocial, dos princípios da boa-fé ou do exercício de um direito
(vide artigos 227º e 334º do Código Civil). E, não o tendo feito, tem ele que honrar os compromissos assumidos, em obediência aos ditames da boa-fé negocial. Como tal, não pode, no caso, invocar-se a eventual inconstitucionalidade dos artigos 8º, alínea e) do Decreto-Lei nº 77/84 e 17º, nº 1 do Decreto-Lei nº
384/87, e a eventual violação dos artigos 74º, 75º e 167º, alínea i) (ou e)) da Constituição da República Portuguesa, já que o acordo celebrado entre as partes, porque legalmente permitido, tem de ser pontualmente cumprido, dada a inexistência de vícios que o afectem'.
5. Já neste Tribunal foi o Recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
'I – O direito ao ensino impõe ao Estado a obrigação de este criar uma rede escolar oficial que cubra as necessidades de toda a população. É o que resulta, liquidamente, do disposto no art. 75º, nº 1 da Lei Fundamental. II – O artigo 17º, nº 1 do DL 384/87, de 24/12, viola o artigo 75º e 74º da Constituição da República Portuguesa, sendo, por isso, inconstitucional. III – Como inconstitucional será o DL 77/84, de 8/3, no segmento em que viola o artigo 167º, al. e) da CRP, redacção de 1982 e al. i) na redacção de 1993, ou seja no seu artigo 8º, al. e). IV – A procedência da invocada inconstitucionalidade repercutir-se-á na existência ou subsistência do questionado «acordo de colaboração» fazendo-o desaparecer da ordem jurídica'.
6. Notificado para responder, querendo, às alegações do recorrente, disse, a concluir, Ministério Público:
'1º - O acórdão recorrido, ao dirimir o litígio, não aplicou as normas que integram o objecto do presente recurso de constitucionalidade, considerando tal aplicabilidade prejudicada em consequência da solução dada ao pleito, reportando a obrigação imposta ao réu exclusivamente à concreta e válida celebração de certo contrato e aos princípios consignados nos artigos 405º e 406º do Código civil.
2º - Termos em que não deverá conhecer-se do objecto do recurso.'
7. Notificado o Recorrente para se pronunciar sobre a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, pelo mesmo foi dito:
'1 – O presente recurso foi interposto porque o Município da Póvoa do Lanhoso não pôde conformar-se com o douto acórdão de 3 de Novembro de 1998, enquanto considerou improcedentes as alegadas inconstitucionalidades dos artigos que, por entender que tais normas foram aplicadas não obstante a inconstitucionalidade
(artigo 70º, nº 1, al. b) da Lei nº 28/82, de 15711).
2 – Com efeito, pretende-se que seja declarada a inconstitucionalidade dos artigos 17º, nº 1 do DL 384/87, de 24/12 e 8º, al. e) do DL 77/84, de 8/3, por violarem as normas e princípios contidos nos artigos 75º, 74º e 167º, al. e) (na redacção de 1982) e i) (esta na redacção vigente em 1993) todos da Constituição da República Portuguesa.
3 – Salvo o devido respeito, o Supremo Tribunal Administrativo conheceu das inconstitucionalidades alegadas pelo ora recorrente e considerou-as improcedentes. Com o fundamento de que o questionado acordo de colaboração deve ser considerado válido. O Tribunal não considerou prejudicada a questão da inconstitucionalidade. Conheceu dela e considerou improcedentes as alegações do recorrente.
4 – Assim, o ora recorrente entende que se mantêm todos os pressupostos para que se conheça do recurso interposto.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação.
7. Questão prévia. Delimitação do objecto do recurso. O recurso previsto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - o interposto pelo ora recorrente - pressupõe, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua interpretação normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha efectivamente aplicado no julgamento do caso como ratio decidendi. Importa, pois, começar por verificar se estão reunidos aqueles pressupostos de admissibilidade do recurso, designadamente - o que é questionado pelo Ministério Público -, se a decisão recorrida efectivamente aplicou no julgamento do caso, como ratio decidendi, as normas cuja apreciação de constitucionalidade é requerida pelo recorrente. Vejamos. Pretende o recorrente ver apreciada a constitucionalidade das normas que se extraem dos artigos 8º, al. e) do Decreto-Lei nº 77/84, de 8 de Março, e 17º, nº
1 do Decreto-Lei nº 384/87, de 24 de Dezembro, por entender que tais normas violam o disposto nos artigos 75º, 74º e 167º, al. e) (na redacção de 1982) e i)
(na redacção vigente em 1993) da Constituição da República Portuguesa. É o seguinte o seu teor: Decreto-Lei nº 77/84, de 8 de Março: Artigo 8º
(Competências municipais)
É da competência dos municípios a realização de investimentos públicos nos seguintes domínios: a. (...) b. (...) c. (...) d. (...) e. Educação e ensino:
1. Centros de educação pré-escolar;
2. Escolas dos níveis de ensino que constituem o ensino básico;
3. Residências e centros de alojamento para estudantes dos níveis de ensino referidos no número anterior;
4. Transportes escolares;
5. Outras actividades complementares da acção educativa na educação pré-escolar e no ensino básico, designadamente nos domínios da acção social escolar e da ocupação de tempos livres;
6. Equipamentos para educação de base de adultos. a. (...) b. (...). Decreto-Lei nº 384/87, de 24 de Dezembro: Artigo 17º
(Acordos de colaboração)
1 – Poderão ainda ser celebrados acordos de colaboração nos domínios técnico e financeiro entre municípios e departamentos da administração central para a realização de empreendimentos de natureza sectorial e que, relevando exclusivamente do âmbito da competência de um departamento e de um município, não se revistam de complexidade, custo e duração justificativos da elaboração de um contrato-programa.
2 – (...)
Sustenta o representante do Ministério Público neste Tribunal que a decisão recorrida não aplicou, como ratio decidendi, as normas supra referidas, o que, a verificar-se, determinará efectivamente a impossibilidade de conhecer do objecto do recurso interposto por falta de um dos seus pressupostos legais de admissibilidade. Vejamos o que, nesta parte, disse a decisão recorrida. Em resposta à alegada inconstitucionalidade das normas que se extraem dos artigos 17º, nº 1 do Decreto-Lei nº 384/87, de 24 de Dezembro, e 8º, al. e) do Decreto-Lei nº 77/84, de 8 de Março, pode ler-se no Acórdão de 3 de Novembro de 1998 (fls. 209 e 210):
' (...) nestes autos, não está em causa apurar a quem compete a obrigação de construção de escolas, no nível do ensino secundário – se à Administração Central, se à Administração Local, para daí concluir pela eventual violação dos artigos 74º, 75º e 167º, i) ou e) da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, no caso, apenas está em causa o acordo de colaboração, constante de fls. 6 e verso e as cláusulas nele insertas, bem como as obrigações e direitos dele emergentes. Na verdade, independentemente de «de iure constituendo» a obrigação de criação ou construção de escolas no nível do ensino secundário poder pertencer à Administração Central ou à Administração Local, o certo é que foi celebrado o acordo de colaboração atrás referido, acordo esse permitido por lei (vale o artigo 405º do Código Civil), já que não é proibido. E, sendo viável e legal a sua celebração, o mesmo deve ser pontualmente cumprido, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei (artigo 406º do Código Civil). Ora, como ressalta dos autos, o R. não demonstrou que tal acordo tenha sido assinado pelo então Presidente da Câmara em nítido estado de necessidade, bem como não alegou e muito menos demonstrou a existência de qualquer vício violador da vontade negocial, dos princípios da boa-fé ou do exercício de um direito
(vide artigos 227º e 334º do Código Civil). E, não o tendo feito, tem ele que honrar os compromissos assumidos, em obediência aos ditames da boa-fé negocial. Como tal, não pode, no caso, invocar-se a eventual inconstitucionalidade dos artigos 8º, alínea e) do Decreto-Lei nº 77/84 e 17º, nº 1 do Decreto-Lei nº
384/87, e a eventual violação dos artigos 74º, 75º e 167º, alínea i) (ou e)) da Constituição da República Portuguesa, já que o acordo celebrado entre as partes, porque legalmente permitido, tem de ser pontualmente cumprido, dada a inexistência de vícios que o afectem'.
Do que antecede resulta desde logo evidente que o Supremo Tribunal de Justiça não sustentou normativamente a decisão de indeferir, nesta parte, o objecto do recurso, no artigo 8º, alínea e) do Decreto-Lei nº 77/84. Efectivamente, na perspectiva da decisão recorrida, a fonte do dever da recorrente de suportar o custo do terreno onde ia ser implantada a obra, até ao limite de 20% do valor total do empreendimento, manifestamente não se encontra naquela alínea e) do art. 8º, que estabelece, em abstracto, a competência dos municípios em matéria de investimentos públicos no domínio da educação e ensino, mas no 'acordo de colaboração' validamente celebrado - no entendimento da decisão recorrida - entre a recorrente e a Direcção Regional da Educação do Norte. Ora, não tendo a decisão recorrida aplicado no julgamento do caso, como ratio decidendi, o disposto no artigo 8º, alínea e) do Decreto-Lei nº 77/84, não pode efectivamente, nesta parte, conhecer-se do objecto do recurso. E que dizer do artigo 17º, nº 1 do Decreto-Lei nº 384/87 ? Foi esta norma utilizada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida ? Cremos que sim.
É certo que no acórdão recorrido apenas se referem expressamente, como bases normativas da decisão, os preceitos dos artigos 405º e 406º do Código Civil. Na perspectiva da decisão recorrida o dever da recorrente de suportar o custo do terreno onde ia ser implantada a obra, até ao limite de 20% do valor total do empreendimento, tem como fonte o acordo de colaboração que, porque foi validamente celebrado (art. 405º), tem de ser pontualmente cumprido (art. 406º).
O raciocínio subjacente à decisão recorrida assenta assim na validade do acordo de colaboração. Porém, essa validade depende necessariamente da validade
(nomeadamente da validade constitucional) da norma ao abrigo da qual esse mesmo acordo foi celebrado; ou seja, do disposto no artigo 17º do Decreto-Lei nº
384/87, de 24 de Dezembro. Sendo inconstitucional a norma atributiva de poderes aos Municípios para celebrarem acordos de colaboração do tipo do que foi celebrado, ao abrigo da qual foi efectivamente celebrado o acordo entre o ora Recorrente e a DREN, tal implicaria a sua invalidade, com a consequente impossibilidade de invocar, como base legal da decisão, o disposto nos artigos
405º e 406º do Código Civil. Em suma: a aplicação dos artigos 405º e 406º do Código Civil como bases normativas da decisão assenta na possibilidade legal de validamente celebrar o acordo de colaboração; possibilidade legal que, por sua vez, resulta do disposto no art. 17º do Decreto-Lei nº 384/87, que assim é também, embora implicitamente, convocado como base normativa da decisão. Improcede assim, nesta parte, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, passando, por isso, a conhecer-se do objecto do recurso no que se refere à alegada inconstitucionalidade do artigo 17º do Decreto-Lei nº 384/87, de 24 de Dezembro.
8. Julgamento do objecto do recurso. A alegada inconstitucionalidade do artigo
17º do Decreto-Lei nº 384/87, de 24 de Dezembro. Entende a Recorrente que o disposto no artigo 17º do Decreto-Lei nº 384/87, de
24 de Dezembro, enquanto permite aos municípios 'celebrar acordos de colaboração nos domínios técnico e financeiro entre municípios e departamentos da administração central para a realização de empreendimentos de natureza sectorial e que, relevando exclusivamente do âmbito da competência de um departamento e de um município, não se revistam de complexidade, custo e duração justificativos da elaboração de um contrato programa' é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 75º, 74º e 167º, al. e) (na redacção de 1982) e i) (na redacção vigente em 1993) da Constituição da República Portuguesa. Cremos, porém, como vai ver-se, que não lhe assiste razão.
9. A alegada inconstitucionalidade material do disposto no artigo 17º do Decreto-Lei nº 384/87, de 24 de Dezembro, por violação do disposto nos artigos
74º e 75º da Constituição. Os artigos 74º e 75º inserem-se no Capítulo III, do Título III, da Parte I, da Constituição, relativo aos direitos e deveres culturais, e dispõem como segue: Artigo 74º
(Ensino)
1. Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar.
2. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a. Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; b. Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar; c. Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo; d. Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística; e. Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino; f. Inserir as escolas nas comunidades que servem e estabelecer a interligação do ensino e das actividades económicas, sociais e culturais; g. Promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando necessário; h. Proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades; i. Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa; j. Assegurar aos filhos dos imigrantes apoio adequado para efectivação do direito ao ensino.
Artigo 75º
(Ensino público, particular e cooperativo)
1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidas de toda a população.
2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei.
Pois bem, não se vê em que é que a existência de uma norma permitindo a celebração de acordos de colaboração nos domínios técnico e financeiro, entre os municípios e departamentos da administração central, para a realização de empreendimentos na área da educação, possa pôr em causa o preceituado naqueles artigos da Constituição.
É que, note-se, o artigo 17º do Decreto-Lei nº 384/87, de 24 de Dezembro, não está a proceder a uma transferência para os Municípios de deveres que por força da Constituição (designadamente daqueles artigos 74º e 75º) incumbam ao Estado, mas apenas a prever um mecanismo de colaboração a que, em condições de perfeita liberdade, o Estado e aqueles possam recorrer para a realização de um determinado empreendimento de natureza sectorial (no caso, na área da educação). Não se trata, pois, de uma norma que desonere o Estado dos deveres que lhe incumbem por força daqueles artigos 74º e 75º da Constituição, nem de uma norma que atribua esses deveres aos Municípios. É, pelo contrário, uma norma permissiva, atributiva de uma faculdade (e não de um dever) a que os Municípios podem, ou não, em condições de perfeita liberdade, repete-se, recorrer, de forma a contribuir para a criação de condições de natureza técnica e financeira para a realização, na sua área de competência, de um determinado empreendimento. Improcede, por isso, a alegada inconstitucionalidade material do disposto no art. 17º do Decreto-Lei nº 384/87, de 24 de Dezembro, por violação do preceituado nos artigos 74º e 75º da Constituição.
10. A alegada inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto no artigo
167º, al. e) (na redacção de 1982, alínea i) na redacção vigente) da Constituição. Também no que se refere à alegada inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 167º, al. e) (na redacção de 1982, alínea i) na redacção vigente) da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre 'as bases do sistema de ensino', a sua improcedência é manifesta. Como se referiu no Acórdão nº 14/84 (Acórdãos do Tribunal constitucional, II vol., p. 354), não obstante a Constituição não definir o que sejam «bases gerais», 'parece seguro que nelas se há-de incluir aquilo que em cada área constitua as «opções político-legislativas fundamentais»'. Ora, o simples estabelecimento da possibilidade de celebração de acordos de colaboração nos domínios técnico e financeiro entre os municípios e departamentos da administração central para a realização de empreendimentos, claramente não assume a importância suficiente para que possa ser considerada uma opção político-legislativa fundamental em termos de integrar aquele conceito.
III - Decisão Por tudo o exposto, decide-se: a) não conhecer do objecto do recurso, na parte em que se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 8º, al. e) do Decreto-Lei nº 77/84, de 8 de Março; b) não julgar inconstitucional, designadamente por violação dos artigos 74º, 75º e 167º, al. e) (na redacção de 1982) e i) (na redacção vigente) da Constituição da República Portuguesa, o disposto no artigo 17º do Decreto-Lei nº 384/87, de
24 de Dezembro; c) Consequentemente, negar provimento ao recurso nesta parte. Lisboa, 23 de Fevereiro de 2000 José de Sousa e Brito Messias Bento Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida