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Proc. nº 760/97
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1 – F... (ora reclamado) interpôs contra T..., Lda (ora reclamante), acção com processo sumário emergente de contrato de trabalho pedindo que fosse decretada a ilicitude do seu despedimento, por inexistência de justa causa, e, em consequência, condenada a ré a reintegrá-lo ao serviço com a categoria e antiguidade que possuía e pagar-lhe todas as remunerações deixadas de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, acrescidas de juros à taxa de 15% até integral pagamento.
2 – O tribunal de Trabalho, nos termos do nº 5 do art. 90º do C.P.T., proferiu sentença em que, com base nos factos considerados provados, julgou 'inexistente a justa causa invocada pela Ré com base na qual proferiu o despedimento do A. e, consequentemente, ilícito o despedimento'.
3 – Não se conformando com o teor do aresto supra referido, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por aresto de 24 de Abril de 1997, decidiu, nos termos do nº 5, do art. 713º, do CPC, na redacção vigente (cfr. art. 25º do Dec. Lei nº 180/96, de 23 de Setembro), negar provimento ao recurso pelos fundamentos da decisão impugnada, que se limitou a confirmar.
4 – Inconformada, apresentou a Ré, em 5 de Maio de 1997, e ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, recurso para o Tribunal Constitucional. Pretendia a recorrente 'ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do art. 713º, nº 5, do Código de Processo Civil (redacção vigente), aplicável ex vi do art. 25º do Dec. Lei nº 180/96, de 23 de Setembro, ou, pelo menos, dessa norma com a interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida quando conjugada com o disposto nos arigos 2º, nº 1; 3º, nº 3 e 660º, nº 2, todos do CPC', por entender que 'tal norma ou, pelo menos, a interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida viola os artigos 17º, 20º, 205º, 207º e 208, nº 1, da Constituição, e os princípios constitucionais consagrados nos artigos
12º e 13º da mesma Constituição. Mais acrescentou a recorrente que 'não dispôs de oportunidade processual para levantar a questão da inconstitucionalidade antes de ser proferida a decisão recorrida (...), embora tenha intervindo no processo, porque a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver declarada – ou, pelo menos, com a interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida – i.e., o art. 713º nº 5, do CPC, na redacção vigente (sublinhado nosso), foi publicada e entrou em vigor em
1 de janeiro de 1997, ou seja, após a última intervenção processual da Recorrente – as alegações de apelação foram apresentadas em 26 de Outubro de
1994 – e antes da decisão recorrida ser proferida em 21 de Abril de 1997. Refere ainda não lhe ser 'exigível que antecipasse as possibilidade de aplicação da norma do art. 713º, nº5, do CPC, ao caso concreto, de modo a impor-se-lhe o
ónus de suscitar a questão antes da decisão, pela singela razão de que em 26 de Outubro de 1994 – data da apresentação das alegações para o Tribunal da Relação do Porto – não tinha sido publicada nem tinha entrado em vigor essa norma.
5 – O Tribunal da Relação do Porto, por decisão de 14 de Julho de 1997, decidiu não admitir o recurso, argumentando, em síntese, nos seguintes termos:
'No seu requerimento de fls. 185 e ss., a Apelante nos presentes autos, hesita em pedir a declaração de inconstitucionalidade da norma do art. 713º, nº 5 do CPC e a declaração de inconstitucionalidade da forma pela qual foi interpretada, no Acórdão deste tribunal da Relação do Porto (...). Compreende-se aquela hesitação: é que o nº 5, do art. 713º, do CPC, não está, realmente, em causa. Em causa sim, estaria, a aplicação do art. 25º do Dec. Lei nº 180/96, de 25 de Setembro (e, eventualmente, a inconstitucionalidade deste, que não é invocada) na forma como este Tribunal da Relação o interpretou. Basta ver as epígrafes dos artigos da CRP de que se socorre a recorrente, para se verificar que nada têm com a presumida inconstitucionalidade do nº 5, do art.
713º do CPC: é suficiente cotejá-los. Na realidade, o que está em causa, como se disse, não é aquela norma, mas sim a sua aplicação. Essa aplicação decorre interpretação dada por este Tribunal da Relação ao art. 25º, do DL 180/96, citado. Norma essa que não é questionada pela recorrente. Por outro lado a alínea b) do nº 1, do art. 70º, da Lei 28/82, de 15 de Novembro
(...) indica que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões «que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo». Tal não sucedeu (...). De qualquer forma, repete-se, não é aquele nº 5, do art. 713º do CPC, que está em causa. O que pode estar em causa é a aplicação dessa norma, por força do art.
25º, do Dec. Lei nº 180/96. Ora, este preceito não foi questionado. Foi sim, e na realidade, questionada a sua interpretação. A decisão em crítica pode ter errado nessa interpretação, mas não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a bondade ou acerto com que o Tribunais Comuns interpretam um dispositivo legal, no exercício das funções que lhe estão conferidas (artºs 205º e ss., da CRP) e, tendo em atenção o disposto no art.
664º, do CPC. Seria transformar o Tribunal Constitucional numa nova instância de recurso, na hierarquia dos Tribunais Comuns, que eventualmente tivessem errado, nas suas decisões, por má interpretação do direito aplicável. E, se o erro cometido fosse
«manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável» (como implicitamente a requerente sugere) dava-lhe a lei processual os meios de pedir a sua reforma – al. a), do nº 2, do art. 669º e art. 716º, do CPC. Faculdade que a recorrente não usou. Pelo exposto, e tendo em atenção o que dispõe o art. 70º, nomeadamente na sua alínea b), da Lei 28/82, citada, não admito o recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão lavrado'.
6 – Contra este despacho de não admissão do recurso apresentou a recorrente, em
29 de Setembro de 1997, a reclamação para o Tribunal Constitucional que agora se aprecia, onde concluiu da seguinte forma:
'1. A questão da inconstitucionalidade da norma em causa não podia ser suscitada antes do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, pela singela razão que essa mesma norma foi promulgada, publicada e entrou em vigor após a última intervenção da Reclamante no processo;
2. Não era previsível – nem era exigível à recorrente que previsse – a promulgação, publicação e entrada em vigor da citada norma;
3. A reclamante pode, pois, nos termos da al. b), do nº 1, do art. 70º da Lei
28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso do Acórdão da Relação do Porto para o Tribunal Constitucional, como o fez a fls. do processo;
4. Aliás, a decisão recorrida – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto – não admite recurso ordinário para o STJ, uma vez que estão esgotados todos os recursos ordinários que no caso cabiam (vide art. 70º nº 2 da LTC);
5. O despacho que indeferiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional
– e de que agora se reclama – carece, pois, de total e absoluto fundamento fáctico e legal'.
7 – Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no termos que seguem:
'É, desde logo, evidente que, numa situação com a configuração da dos autos, não recaía sobre o recorrente o ónus de suscitar antecipadamente a questão da constitucionalidade daquela norma, em relação ao momento da prolação do acórdão que se pretendia impugnar (...). Nesta perspectiva terá razão o reclamante quando sustenta que lhe seria ainda possível suscitar tal questão de inconstitucionalidade em momento posterior à prolação da decisão recorrida.
É certo, porém, que o requerimento de interposição do recurso padece de algumas insuficiências, quer na perspectiva da fundamentação da pretendida inconstitucionalidade, quer no que respeita à própria delimitação «alternativa» do objecto do recurso. Assim, o recorrente não curou de especificar minimamente qual foi a concreta «interpretação» dada na decisão recorrida à citada norma – sendo certo que, embora seja possível questionar a constitucionalidade, não apenas de normas, mas também de interpretações normativas, incumbe, neste caso, ao recorrente, o ónus de claramente a indicar e especificar – o que se não fez no caso dos autos. O objecto do recurso terá de se considerar reportado exclusivamente à apreciação da constitucionalidade da norma constante do art.
713º, nº 5, do CPC, em si mesma considerada. E sem que se verifique qualquer conexão com a norma do direito transitório, constante do art. 25º do DL
329º-A/95, na redacção emergente do DL 180/96 – não nos parecendo, aliás, que, apesar da manifesta falta de fundamentação do recorrente, ele tenha tido a intenção de questionar a constitucionalidade daquela norma de direito transitório. Ora, delimitado desta forma o objecto do recurso, em função da existência de um regime sumário e simplificado de decisão dos recursos, é amplamente duvidoso se ele não seria de considerar «manifestamente infundado», nos termos e para os efeitos do disposto na parte final do nº 2 do art. 76º da Lei 28/82 (...). Só que – e como vem entendendo este Tribunal – [não se pode] fundamentar a rejeição do recurso de constitucionalidade no preceituado na parte final do nº 2 do art. 76º da Lei 28/82, quando o tribunal a quo não utilizou tal fundamentação ou via argumentativa, «convolando» da «intempestividade» na suscitação da questão de constitucionalidade para a manifesta falta de fundamentação do recurso. E, assim sendo, deverá proceder a presente reclamação, sendo admitido o recurso relativamente à questão da constitucionalidade da norma do nº 5 do art. 713º do CPC, suscitada tempestivamente no requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta.'
8 – Na sequência, o Relator do processo emitiu parecer no sentido de que seria de considerar o recurso manifestamente infundado e, consequentemente, de manter, embora na base de um fundamento diferente, a decisão de não admissão do recurso que o recorrente pretendeu interpor. Notificadas as partes, nos termos do preceituado no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, para se pronunciarem sobre o parecer supra referido, por parte do reclamante e reclamado não foi apresentada qualquer resposta dentro do prazo legal. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação
9 – A admissibilidade do recurso que o reclamante pretendeu interpor – o previsto na al. b), do nº 1, do art. 70º, da Lei do Tribunal Constitucional – pressupõe, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica, e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso. Vejamos, pois, se tais pressupostos se podem ter por verificados no caso que é objecto dos autos.
10 - Quanto ao primeiro dos pressupostos referidos, tem este Tribunal entendido que tal exige, por regra (veja-se, entre muitos nesse sentido, os acórdãos nºs
62/85, 90/85 e 450/87, in Acórdãos do T.C., 5º vol., p. 497 e 663 e 10º vol., pp. 573, respectivamente), que a questão da constitucionalidade tenha sido suscitada antes da prolação da sentença de que se recorre. E, só em casos excepcionais, tem este Tribunal admitido que não tenha de ser assim. É o que acontece, por exemplo, nas hipóteses em que o recorrente não teve oportunidade processual de suscitar a questão da constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida, por essa questão só se ter colocado perante um circunstancialismo ocorrido já depois da sua última intervenção processual, embora antes da decisão. Ora, como vamos ver, é exactamente isso que se passa na situação que é objecto dos autos. A questão que agora se coloca, aliás, não é nova, tendo já sido objecto de decisão por parte deste Tribunal no âmbito do Acórdão nº 94/88 (Colectânea de Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º Volume, pp.1089 e ss.). Também aí – como no caso que é objecto dos autos – se verificou uma situação em que a norma cuja inconstitucionalidade se questionava foi publicada depois da última intervenção processual normal do recorrente e antes de proferida a decisão. Ao Tribunal colocou-se então a questão de saber se seria de exigir ao recorrente que, uma vez publicada essa legislação e sabendo da sua aplicabilidade imediata ao processo, viesse arguir a sua inconstitucionalidade antes da prolação da decisão. E, colocada a questão nestes termos, entendeu o Tribunal dever responder-se negativamente, com base na consideração de que 'tão só à luz da tramitação normal do processo em causa e das oportunidades de intervenção nela consentida aos recorrentes' se há-de analisar da possibilidade de cumprimento ou não desse requisito.
É pois essa jurisprudência, e pelas razões então invocadas, que agora se reitera. Em consequência, tem razão o reclamante quando alega que suscitou, tempestivamente, a questão de constitucionalidade do art. 713º nº 5 do CPC - não obstante só o ter feito depois de proferida a decisão recorrida - não sendo possível utilizar como fundamento de não admissão do recurso, como fez o Tribunal da Relação do Porto, a sua intempestividade.
11 – E, no caso que é objecto dos autos, também não restam dúvidas de que no acórdão recorrido o Tribunal de Relação do Porto aplicou, como ratio decidendi, o disposto no art. 713º nº 5 do CPC – norma cuja inconstitucionalidade foi efectivamente suscitada pelo reclamante no requerimento de interposição do recurso -, pelo que também é inequívoca a verificação deste pressuposto processual de admissibilidade do recurso. Assim, não se vê, nesta sede, qualquer obstáculo à admissibilidade do recurso que o recorrente pretendeu interpor.
12 - Falta, porém, decidir uma questão, suscitada pelo Ministério Público nas suas alegações, e que pode enunciar-se nos seguintes termos: não tendo o tribunal a quo utilizado como fundamento de não admissão do recurso – entendendo que este tem por objecto, como disse o recorrente no respectivo requerimento de interposição, a questão da constitucionalidade da norma do art. 713º, nº 5, do CPC, ou, pelo menos, dessa norma com a interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida quando conjugada com o disposto nos artigos 2º, nº 1; 3º, nº 3 e 660º, nº 2, todos do CPC, por violação viola dos artigos 17º, 20º, 205º, 207º e 208, nº 1, da Constituição, e os princípios constitucionais consagrados nos artigos
12º e 13º da mesma Constituição - a circunstância de este ser «manifestamente infundado», apoiando-se para esse efeito na parte final do nº 2 do art. 76º da Lei do Tribunal Constitucional, pode agora o Tribunal Constitucional fazê-lo ? Tem este Tribunal afirmado que não. De facto, tem entendido o Tribunal Constitucional que nas hipóteses em que o fundamento de rejeição do recurso utilizado pelo Tribunal a quo não consiste no carácter «manifestamente infundado» do mesmo – mas na não verificação de qualquer pressuposto formal de admissibilidade do recurso – não pode o Tribunal Constitucional, mesmo que assim o considerasse, indeferir a reclamação ao abrigo do disposto na parte final do nº 2 do art. 76º, da Lei 28/82 (mais recentemente, o acórdão nº 115/98, Diário da República, II série, de 29 de Abril de 1998).
Entendemos, porém, que esta jurisprudência deve ceder face ao sentido manifesto das mais recentes alterações à Lei do Tribunal Constitucional, na sequência da entrada em vigor da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, que visam claramente evitar trâmites processuais inúteis em nome da economia e celeridade processual.
De facto, é possível identificar em muitas dessas alterações - inclusive nas de que foi objecto o artigo 77º, que trata, especificamente, de aspectos da tramitação da reclamação do despacho que indefira a admissão do recurso - uma linha condutora comum; a saber: o serem reveladoras de uma intenção normativa no sentido da procura de uma maior economia e celeridade do processo constitucional. E essa intenção normativa está patente, como já deixámos antever, nas alterações de que foi objecto o próprio artigo 77º da Lei do Tribunal Constitucional - aqui especialmente importantes na medida em que esta norma trata precisamente da tramitação da reclamação do despacho que indefira a admissão do recurso. Por um lado, a competência para decidir da reclamação passou a ser da conferência a que se refere o nº 3, do artigo 78º-A, por remissão do nº 1, do artigo 77º; por outro lado, consagrou-se a possibilidade de dispensa de vistos dos restantes juizes na hipótese de se entender que a questão a decidir é simples (artigo 77º, nº3). Mas decisivamente o que importa é que o artigo 78º-A, nº 1 veio permitir que o relator do Tribunal Constitucional profira decisão sumária a rejeitar o recurso, se considerar a questão manifestamente infundada
É pois, fundamentalmente, esta linha orientadora das mais recentes alterações à Lei do Tribunal Constitucional, designadamente no que respeita à tramitação da reclamação do despacho que indefira a admissão do recurso, que justifica que não se mantenha a solução normativa que vinha sendo sustentada em face da versão anterior da Lei 28/82. Por outro lado, a própria razão de ser da previsão da possibilidade de não admissão do recurso com fundamento no seu carácter manifestamente infundado concorre para sustentar a bondade da solução que agora se adopta. É que, como se disse já no Acórdão nº 269/94 (Colectânea de Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27º vol. pp. 1165 e ss.) o conceito de recurso manifestamente infundado '...visa impedir que o recurso de constitucionalidade sirva fins dilatórios: a questão de constitucionalidade só deve subir ao Tribunal Constitucional quando apareça, prima facie, dotada de uma certa atendibilidade'. Ora, sendo assim, a solução que melhor realiza a função daquela previsão – e intenção – normativa é, inequivocamente, a que permita ao Tribunal Constitucional, mesmo em sede de reclamação do despacho que não admitiu o recurso, apreciar do carácter manifestamente infundado do recurso que o recorrente pretende interpor. Acresce, no mesmo sentido, que esta solução – que permite ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de reclamação do despacho que indefira a admissão do recurso, do carácter manifestamente infundado do mesmo, ainda que o Tribunal a quo não tenha utilizado esse fundamento de rejeição do recurso – é sistematicamente conforme ao regime previsto no artigo 76º, nº 2, in fine, da Lei do Tribunal Constitucional. É que, podendo o tribunal a quo não admitir o recurso com fundamento no seu carácter manifestamente infundado, dificilmente se perceberia que não o pudesse igualmente fazer o Tribunal Constitucional, quando, a um primeiro exame, a sua improcedência seja para este Tribunal evidente. Contra esta solução apenas se poderia invocar que ela não tutela de forma suficiente as garantias de defesa do recorrente, a quem não seria dada oportunidade processual de se pronunciar, sobre uma decisão que lhe é desfavorável, num momento prévio à decisão do Tribunal Constitucional. Consideramos, porém, que o argumento não é decisivo.
É que, o argumento que se relaciona com as garantias de defesa não obsta, em absoluto, à possibilidade de conhecer em sede de reclamação do carácter manifestamente infundado do recurso, mas apenas a que se decida nesse sentido sem dar previamente ao recorrente oportunidade de se pronunciar. Ora, o argumento perde validade na hipótese de se recorrer - como aconteceu nos presentes autos - ao disposto no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, notificando o recorrente para se pronunciar sobre o projecto de acórdão a apresentar pelo Relator, quando este vá no sentido de considerar o recurso manifestamente infundado. Por tudo o exposto, consideramos que nada obsta a que o Tribunal Constitucional possa apreciar, já nesta sede, do carácter manifestamente infundado do recurso, para, na hipótese de se verificar a sua manifesta improcedência, julgar, embora escudado num fundamento diferente do utilizado pelo tribunal a quo, improcedente a reclamação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida no sentido da não admissão do recurso. Assim, cumpre agora averiguar se os fundamentos do recurso não admitido lhe conferem esse carácter manifestamente infundado. E, de facto, entendemos que o recurso que a recorrente pretendeu interpor é manifestamente infundado, uma vez que a sua improcedência é, a um primeiro exame, evidente, ostensiva, (cf., sobre o conceito de recurso manifestamente infundado os acórdãos nºs 269/94 e 501/94, publicados na Colectânea de Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27º vol. Pp. 1165 e ss. e 28º vol., pp. 537 e ss., respectivamente; e, mais recentemente, o Acórdão nº 132/98, ainda inédito). Como se disse no Acórdão nº 501/94 (já citado) '...o recurso será, por exemplo, manifestamente infundado, quando nele falte qualquer fundamentação (ou seja, não se apresente – nem se vislumbre – argumentação no sentido da alegada inconstitucionalidade) ou quando a fundamentação revele contradições insanáveis de ordem lógica ou valorativa. Nestes casos, uma simples análise sumária ou liminar do requerimento de recurso basta para concluir pelo carácter manifestamente infundado do mesmo, sem necessidade de uma apreciação circunstanciada dos fundamentos, ou seja, sem entrar na apreciação do fundo do recurso que é reservada para um momento processual ulterior.
É precisamente o que se passa nos autos, uma vez que não é apresentada, nem se vislumbra, qualquer argumentação no sentido da alegada inconstitucionalidade do artigo 713º nº 5 do Código de Processo Civil. Como sublinha o Ministério Público 'Não se vê, na verdade, em que poderá atingir os preceitos e princípios constitucionais invocados pelo ora reclamante a circunstância de em processo civil – tal como ocorre nos domínios do processo penal e do processo constitucional (artigos 420º do CPP e 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional) – existirem formas simplificadas de decisão dos recursos considerados pelo tribunal ad quem manifestamente infundados; facultando-se, v.g., a sua decisão pelo relator (art. 705º CPC) ou, como sucedeu no caso dos autos, aligeirando a estrutura material do acórdão, permitindo a remissão para os fundamentos da decisão impugnada, inteiramente – e por unanimidade – confirmada (artigos 713º, nºs 5 e 6 do CPC). Na realidade, os princípios do contraditório, da igualdade de partes e da fundamentação das decisões judiciais em nada são abalados pela circunstância de, perante um recurso considerado como obviamente improcedente, o tribunal ad quem fundamente a sua improcedência remetendo – e, acolhendo inteiramente – a fundamentação que constava da decisão proferida pelo tribunal a quo (...). Em suma: é, a nosso ver, de qualificar como manifestamente infundado o recurso de fiscalização concreta em que o recorrente se limita a questionar, em termos genéricos, o conteúdo da norma do nº 5 do art. 713º, isto é, a possibilidade de o Tribunal superior decidir sumariamente os recursos que considere claramente improcedentes, confirmando a decisão recorrida através do integral acolhimento da respectiva fundamentação – e sem que o recorrente haja arguido a nulidade proveniente de tal esquema decisório adoptado haver deixado sem resposta questões efectivamente colocadas à apreciação do tribunal ad quem, não inteiramente respondidas pelo teor da decisão recorrida'. Nada havendo a acrescentar a esta doutrina, que se tem por inteiramente correcta, é de considerar o recurso manifestamente infundado, mantendo, embora na base de um fundamento diferente, a decisão de não admissão do recurso que o recorrente pretendeu interpor. III – Decisão.
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 12 de Maio de
1999 José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Messias Bento ( entende que a reclamação devia ser indeferida, desde logo porque não era caso de dispensar o reclamante do ónus de suscitar a inconstitucionalidade do artigo 713º, nº 5, do CPC, durante o processo; é que tal norma, na sua actual redacção entrou em vigor em 1/1/97, e o acórdão recorrido só foi proferido em 27/4/97. Por isso, dispôs o ora reclamante de tempo de sobra para ir ao processo com um requerimento a suscitar aquela questão de inconstitucionalidade (neste sentido, e para maiores desenvolvimentos, cf. o ac. nº 94/88 (DR, II,de 22/8/88). Guilherme da Fonseca (votei a decisão). José Manuel Cardoso da Costa