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Processo n.º 103/99
2ª Secção Relator — Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Por decisão, não recorrida, da Inspecção Regional do Trabalho da Região Autónoma dos Açores, tomada em 11 de Maio de 1998, foi J... condenado ao pagamento de uma coima de 5.000$00, por infracção ao disposto no n.º 1 do artigo
3º do Decreto-Lei n.º 332/93, de 25 de Setembro, em conjugação com a alínea e) do n.º 1 do artigo 8º do mesmo diploma. Face ao seu não pagamento, o Magistrado do Ministério Público instaurou, no Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada, a competente execução por coima, que acabou por dar origem ao pagamento da quantia exequenda e respectivas custas em
4 de Dezembro de 1998.
2. Em 18 de Janeiro de 1999, a Secretaria do Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada fez os autos conclusos ao Juiz por entender que as normas do n.º 1 do artigo 131º do Código das Custas Judiciais, alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/97, de 22 de Abril, e do n.º 2 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 491/85, de 26 de Novembro (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 255/89, de 10 de Agosto, aplicável à Região Autónoma dos Açores por força do Decreto Legislativo Regional n.º 17/86/A, de 16 de Agosto, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 14/90/A, de 7 de Agosto), se apresentavam como contraditórias. De facto, enquanto aquela primeira disposição mandava reverter para o Cofre Geral dos Tribunais o produto da coima cobrada em juízo, já destas últimas disposições resultava que o produto da coima devia reverter para o Gabinete de Gestão Financeira do Emprego.
3. Por decisão de 25 de Janeiro de 1999, o M.º Juiz do Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada considerou inconstitucional e ilegal a alínea a) do n.º 1 do artigo 131º do Código das Custas Judiciais determinando 'que não se aplique, no que ao destino das coimas concerne, o disposto no art.º 4º do D. Leg. Reg. n.º
17/86-A, com a redacção introduzida pelo do D. Leg. Reg. 14/90-A', fundamentando-se para tal em que
'O artigo 95º, alínea b) do E.P.AR.AA, com a redacção introduzida pela Lei n.º
9/87, de 26 de Março, dispõe: ‘Constituem receitas da Região todos os impostos, taxas, multas, coimas e adicionais cobrados no seu território’. Em função disso, a legislação regional que adaptou o D.L. n.º 491/85 à R.AA indicou um destino a dar ao produto das coimas e que é o Gabinete de Gestão Financeira do Emprego, organismo regional. Até aqui sempre foi claro qual o destino a dar às receitas provenientes da aplicação de coimas em matéria laboral na R.AA. O novo Código das Custas Judiciais, publicado antes da lei Constitucional n.º
1/97 e da última alteração do EPARAA (Lei n.º 61/98) veio dar outro destino ao produto das coimas cobradas na Região e que é aquele que consta do seu artigo
131º, n.º 1, alínea a). Este preceito legal, na medida em que retira à Região, a favor do Estado uma receita que lhe estava legalmente atribuída é inconstitucional e ilegal. Inconstitucional porque o Governo não tem competência para alterar o Estatuto Político-Administrativo de uma Região Autónoma, seja de forma indirecta
(legislando em sentido contrário ao Estatuto), seja de forma directa (alterando os dispositivos do Estatuto) – artigo 164º, alínea b) da Constituição. Inconstitucional também porque as Regiões Autónomas têm o poder de exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, e dispor de receitas fiscais nelas cobradas e de outras que lhe sejam atribuídas – artigo 229º, n.º 1, alínea i) da Constituição. Ilegal porque, nos termos do artigo 280º, n.º 2, alínea c) da Constituição (e porque prevê um tipo específico de ilegalidade cuja constitucionalidade cabe ao Tribunal Constitucional aferir), a legislação nacional não pode, quando aplicada numa Região Autónoma, contrariar o que dispõe o respectivo Estatuto. E já vimos que o artigo 131º, n.º 1, alínea a) do Código das Custas Judiciais contraria formalmente o artigo 95º, alínea b) do E.P.AR.AA. E o mesmo acontece com as últimas redacções introduzidas naquele Estatuto e na Constituição – com referência, respectivamente, aos artigos 102º, alínea b) e
161º, alínea b), 227º, n.º 1, alínea j) e 288º, n.º 2, alínea c).'
4. Interposto recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, o Procurador-Geral Adjunto em exercício de funções neste Tribunal conclui assim as suas alegações de recurso:
'1º - A norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 131º do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, ao estabelecer que reverte para o Cofre Geral dos Tribunais o produto das coimas de qualquer natureza cobradas em juízo, ainda que constituam receitas das Regiões Autónomas, por força do preceituado em norma constante do respectivo Estatuto Político-Administrativo, é organicamente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 164º, alínea b) e 228º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, na redacção então em vigor.
2º- Tal norma padecerá ainda de ilegalidade por violação da lei com valor reforçado, vício este que é do conhecimento deste Tribunal, nos termos do artigo
70º, n.º 1, alínea e) da Lei n.º 28/82.
3º- Termos em que deverá confirmar-se a recusa de aplicação da norma que constitui objecto do presente recurso.' Cumpre decidir.
5. Este Tribunal concluiu já que norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo
131º do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de
26 de Novembro (com a redacção do Decreto-Lei n.º 91/97, de 22 de Abril), aqui em causa, na apontada interpretação, viola os artigos 164º, alínea b), e 228º da Constituição da República Portuguesa, na versão de 1989. Em face do exposto, tendo em conta que sobre as mesmas questões de constitucionalidade e legalidade se pronunciou já este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º 162/99, que se junta aos autos, remete-se na presente decisão para a fundamentação deste aresto, e decide-se:
(a) julgar inconstitucional, por violação dos artigos 164º, alínea b), e 228º da Constituição, na versão de 1989, a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 131º do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-
-A/96, de 26 de Novembro (com a redacção do Decreto-Lei n.º 91/97, de 22 de Abril), na parte em que manda reverter para o Cofre Geral dos Tribunais o produto das coimas cobradas em juízo, sem exceptuar as que o são nas Regiões Autónomas;
(b) em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida quanto ao julgamento de inconstitucionalidade proferido. Lisboa, 12 de Maio de 1999 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa