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Proc. nº 329/99 Autor: Ministério Público Réu: Partido Trabalhista - PT
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional intentou contra o Partido Trabalhista – PT, cuja última sede conhecida se situou na Av. 5 de Outubro, 293-2º em Lisboa, a presente acção de extinção de partido político, com processo declaratório comum, sob a forma ordinária, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 21º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro, 103º, n.º 3, alínea b), e 103º-F, alínea c), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (na redacção emergente da Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro), nos termos e com os fundamentos seguintes (fls. 2 a 7):
'1º– Por deliberação de 15 de Junho de 1979 do Conselho Nacional da Aliança Operária – Camponesa – AOC – (partido constituído e registado em 1975), foi alterada a respectiva denominação, sigla e símbolo, sendo adoptados, respectivamente, os de Partido Trabalhista e de PT, tendo sido autorizado o registo daqueles por decisão do Supremo Tribunal de Justiça (despachos proferidos em 6 de Julho de 1979, quanto à denominação e sigla, e de 30 de Julho de 1979, quanto ao símbolo).
2º– Em 23 de Junho de 1980, foi requerida por aquele partido alteração ao desenho do símbolo inicialmente adoptado, a qual foi deferida por despacho proferido em 25 de Junho do mesmo ano.
3º– Em 31 de Julho de 1980, foi apresentado no Supremo Tribunal de Justiça requerimento em que, na sequência da realização do I Congresso do Partido, se pedia o registo dos filiados que integravam os respectivos corpos directivos – Conselho Nacional, Comissão Política e Secretário Geral do partido (doc. de fls.
68/ 71 do processo de registo, que se dá aqui por inteiramente reproduzido e cuja apensação se requer), indicando como sede a Av. 5 de Outubro, nº 293, 2º, em Lisboa.
4º– Na mesma data, foi apresentado requerimento em que o PT nomeava mandatário do Partido o seu Secretário-Geral, Heduíno dos Santos Gomes, incumbindo-o, nomeadamente, de representar o Partido perante os órgãos do Estado.
5º– O Partido Trabalhista não desenvolve qualquer actividade desde 1983, não conservando nem sede, nem qualquer património.
6º– Nunca cumpriu, até esta data, a obrigação legal de apresentação de contas, nos termos que resultam do preceituado na Lei nº 72/93, de 30 de Novembro e no artigo 103º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
7º– Não existindo presentemente qualquer pessoa que ainda se reclame da qualidade de filiado ou membro daquele Partido.
8º– Na sequência das diligências inseridas nos processos de fiscalização das contas dos partidos políticos por este Tribunal – e face ao incumprimento reiterado, referido no artigo 6º desta petição – verificou-se a impossibilidade absoluta de o notificar, quer no local da respectiva sede (há muito abandonada) quer na pessoa de algum ou alguns dos titulares dos respectivos órgãos centrais, constantes do registo existente neste Tribunal (fls. 68/71 do processo respectivo), até hoje inalterado.
9º– Na verdade, o Partido Trabalhista nunca diligenciou proceder ao registo neste Tribunal de possíveis e eventuais alterações à composição dos seus órgãos centrais, que tenham ocorrido posteriormente a 30 de Junho de 1980.
10º– Em consequência das diligências efectuadas pela competente secção deste Tribunal, apenas foi possível apurar do paradeiro dos Srs. Heduíno Gomes, Álvaro Alexandre Baptista, Artur Póvoa David, José João Marreiros das Chagas e Álvaro de Vasconcelos, todos presumidos membros da Comissão Política, em consequência do registo constante de fls. 70 dos autos respectivos.
11º– Na sequência das notificações que, nessa qualidade, lhes foram feitas, vieram os mesmos apresentar os requerimentos que constam de fls. 77, 78, 81, 82 e 83 da certidão incorporada no processo de registo, invocando desvinculação do partido e reconhecendo que este há muito deixou de ter efectiva existência.
12º– A inexistência de sede e a inviabilidade insuprível de localizar o paradeiro dos presumidos titulares dos órgãos centrais, registados no processo respectivo, implicam a absoluta impossibilidade de, em quaisquer processos, citar ou notificar o Partido requerido, dando-lhe, nomeadamente, conhecimento de quaisquer despachos ou decisões que o afectem, ou advertindo-o para o exercício de direitos ou faculdades ou cumprimento de ónus ou deveres processuais.
13º– Os factos alegados integram cumulativamente as causas de extinção dos partidos políticos previstas nos artigos 21º, alínea a) do Decreto-Lei nº
595/74, de 7 de Novembro, já que o partido em causa não tem o número mínimo de filiados – 4000 – aí previsto e no artigo 103º-F, alínea c) da Lei do Tribunal Constitucional, dada a absoluta impossibilidade de o citar ou notificar, por inexistência de sede e irremediável desconhecimento do paradeiro dos titulares dos órgãos centrais, constantes do registo efectuado em 1980 e até agora mantido inalterado. Termos em que deverá ser julgada procedente a presente acção de extinção de partido político, nos termos e ao abrigo das disposições legais precedentemente invocadas.'
Na petição inicial foi requerido o depoimento de parte à matéria dos artigos 5º,
7º, 8º, 9º, 10º e 11º da petição, dos presumidos membros da comissão política do PT cujo paradeiro foi possível apurar. Foi também arrolada uma testemunha e indicada prova documental – os documentos que compõem o processo de registo de partido político n.º 10-PP – cuja apensação foi requerida, bem como os documentos constantes da certidão aí incorporada, integrada pelos documentos de fls. 77 a 83.
2. Por despacho de fls. 9-9 v.º, foi ordenada a apensação, ao presente processo, do processo de registo de partido político n.º 10-PP. Foi igualmente ordenada a citação do partido político requerido por meio de carta registada com aviso de recepção endereçada para a sua sede, nos termos do artigo 236º do Código de Processo Civil, e, caso tal citação se frustrasse, a citação dos presumidos representantes do partido político nos termos do artigo
237º do mesmo Código.
3. Tendo sido devolvida a carta enviada para a sede do partido (fls. 10 a 12), foram expedidas cartas registadas com aviso de recepção para os seus presumidos representantes, mostrando-se assinados esses avisos (fls. 13 a 17) e, assim, feita a citação do partido nos termos dos artigos 236º e 237º do Código de Processo Civil. Decorrido o prazo legal, o partido político requerido não contestou (fls. 18).
4. Por despacho de fls. 19, considerou-se a revelia inoperante, nos termos do artigo 485º, alínea c), do Código de Processo Civil, e mandou-se cumprir o disposto no n.º 1 do artigo 512º do mesmo Código.
5. Notificado do despacho de fls. 19 e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 512º do Código de Processo Civil, veio o representante do Ministério Público requerer, a fls. 22, que fosse dado como reproduzido o requerimento probatório que havia apresentado conjuntamente com a petição inicial, relativamente ao depoimento de parte dos presumidos representantes do réu, bem como à inquirição da testemunha. Os presumidos representantes do réu foram também notificados do despacho de fls.
19 e para os mesmos efeitos (fls. 20), mas nada requereram.
6. Por despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional de fls. 23 v.º, foi designado para a audiência de julgamento o dia 1 de Março de 2000, pelas 15 horas. Foram dispensados os vistos, atenta a simplicidade da causa (fls. 24). Foram notificados para comparecer na audiência o representante do Ministério Público, a testemunha, e, para prestarem depoimento de parte, os presumidos representantes do partido político requerido (fls. 24 v.º).
7. Conforme acta de fls. 27 a 32, o Tribunal Constitucional reuniu-se em sessão plenária no dia 1 de Março de 2000, para a realização da audiência de julgamento, que decorreu com observância das formalidades legais.
8. Notificado para os efeitos do disposto no artigo 657º do Código de Processo Civil, veio o representante do Ministério Público apresentar alegações de direito (fls. 40 a 42), nas quais se pronunciou no sentido de que a presente acção 'poderá proceder através da verificação de qualquer das causas de pedir invocadas na petição inicial: inexistência do número mínimo de filiados, nos termos do artigo 21º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro; e impossibilidade de notificação do partido, nos termos do artigo 103º-F, alínea c), da Lei do Tribunal Constitucional.'. II
9. São os seguintes os factos provados:
1. Por deliberação de 15 de Junho de 1979 do Conselho Nacional da Aliança Operária – Camponesa (AOC) – partido constituído e registado em 1975 (cfr. fls.
1 a 44 do processo apenso n.º 10-PP) –, foi alterada a respectiva denominação, sigla e símbolo, sendo adoptados, respectivamente, os de Partido Trabalhista e de PT, tendo sido autorizado o registo daqueles por decisão do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. despacho proferido em 6 de Julho de 1979, quanto à denominação e sigla, a fls. 54 do processo apenso, e despacho proferido em 30 de Julho de
1979, quanto ao símbolo, a fls. 57-57 v.º do processo apenso) – artigo 1º da p.i.;
2. Em 23 de Junho de 1980, foi requerida por aquele partido alteração ao desenho do símbolo inicialmente adoptado, a qual foi deferida por despacho proferido em 25 de Junho do mesmo ano (cfr. despacho de fls. 67 do processo apenso) – artigo 2º da p.i.;
3. Em 31 de Julho de 1980, foi apresentado no Supremo Tribunal de Justiça requerimento em que, na sequência da realização do I Congresso do Partido, se pedia o registo dos filiados que integravam os respectivos corpos directivos – Conselho Nacional, Comissão Política e Secretário-Geral do partido (cfr. doc. de fls. 68 a 71 do processo apenso) –, indicando-se nesse requerimento, como sede do partido, a Av. 5 de Outubro, n.º 293, 2º, em Lisboa – artigo 3º da p.i.;
4. Também em 31 de Julho de 1980, foi apresentado requerimento em que o PT nomeava mandatário do Partido o seu Secretário-Geral, Heduíno dos Santos Gomes, incumbindo-o, nomeadamente, de representar o Partido perante os órgãos do Estado
(cfr. doc. de fls. 72 do processo apenso) – artigo 4º da p.i.;
5. O Partido Trabalhista (PT) não desenvolve qualquer actividade, pelo menos desde 1983 (n.º 1 do acórdão de fls. 33 a 36) – artigo 5º da p.i.;
6. O PT não conserva sede, pelo menos desde o início dos anos 80 (n.º 2 do acórdão de fls. 33 a 36) – artigo 5º da p.i.;
7. O PT não conserva património, pelo menos desde 1983 (n.º 3 do acórdão de fls. 33 a 36) – artigo 5º da p.i.;
8. Presentemente, não se conhece qualquer pessoa que seja filiado ou membro do PT (n.º 4 do acórdão de fls. 33 a 36) – artigo 7º da p.i.;
9. Não foi possível notificar o PT, no local da respectiva sede indicada a fls. 68 e segs. dos autos de registo de partido político n.º 10/PP (Av. 5 de Outubro, 293, 2º, em Lisboa), no âmbito dos processos de fiscalização de contas dos partidos políticos pelo Tribunal Constitucional (n.º 5 do acórdão de fls. 33 a 36) – artigo 8º da p.i.;
10. O PT não efectuou quaisquer diligências no sentido de alterar o registo relativo à composição dos seus órgãos centrais, posteriormente a 30 de Julho de
1980 (n.º 6 do acórdão de fls. 33 a 36) – artigo 9º da p.i.;
11. No âmbito dos processos de fiscalização de contas dos partidos políticos pelo Tribunal Constitucional, foram efectuadas diligências pela Secretaria deste Tribunal, tendo em vista apurar o paradeiro dos membros da comissão política do PT referenciados nos autos de registo de partido político n.º 10-PP (processo apenso) (n.º 7 do acórdão de fls. 33 a 36) – artigo 10º da p.i.;
12. Na sequência das diligências referidas no número anterior, apenas foi possível obter o paradeiro e notificar Heduíno Gomes, Álvaro Alexandre Baptista, Artur Póvoa David, José João Marreiros das Chagas e Álvaro de Vasconcelos (n.º 8 do acórdão de fls. 33 a 36) – artigos 10º e 11º da p.i.;
13. Uma vez notificados, Heduíno Gomes, Álvaro Alexandre Baptista, Artur Póvoa David, José João Marreiros das Chagas e Álvaro de Vasconcelos invocaram desvinculação do PT (n.º 9 do acórdão de fls. 33 a 36) – artigo 11º da p.i..
Para formar a sua convicção quanto aos factos dados como provados no acórdão de fls. 33 a 36, o Tribunal Constitucional 'considerou as seguintes circunstâncias, no que aos depoimentos de parte diz respeito: a de os depoentes terem sido membros da comissão política do Partido Trabalhista e um deles – Heduíno dos Santos Gomes – ter sido o seu último secretário-geral conhecido; a de terem invocado conhecimento directo e pessoal dos factos sobre os quais depuseram; a de os depoimentos terem sido concordantes entre si e a de não haver qualquer outra razão para pôr em causa a respectiva credibilidade. No que diz respeito ao depoimento da testemunha, o Tribunal considerou as seguintes circunstâncias: a de a testemunha ter procedido pessoalmente às diligências destinadas à notificação dos presumíveis membros da comissão política do PT, na qualidade de funcionário deste Tribunal; a de o respectivo depoimento ter sido concordante com os depoimentos de parte quanto aos factos a todos comuns e a de não haver qualquer outra razão para pôr em causa a sua credibilidade.' (cfr. acórdão de fls. 33 a 36). Não foi produzida prova sobre o facto constante do artigo 6º da p.i., por, não tendo sido a presente acção proposta ao abrigo do artigo 103º-F, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional (não apresentação de contas em 3 anos consecutivos), tal facto se afigurar irrelevante para a decisão da causa.
10. A presente acção vem proposta ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 21º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro, 103º, n.º
3, alínea b), e 103º-F, alínea c), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (na redacção emergente da Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro). Dispõe o artigo 21º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro:
'Os partidos políticos devem ser extintos por decisão do competente tribunal comum de jurisdição ordinária quando: a. O número dos seus filiados se tornar inferior a quatro mil;
[...]'.
No termos do artigo 9º, alínea f), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, compete ao Tribunal Constitucional ordenar a extinção de partidos e de coligações de partidos nos termos da lei. Também de acordo com o artigo 103º, n.º 3, alínea b), da mesma Lei, 'são atribuídas ao Tribunal Constitucional, em plenário, as competências [...] dos tribunais comuns de jurisdição ordinária previstas no artigo 21º do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro'. Dispõe, por sua vez, o artigo 103º-F da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
'Para além do que se encontra previsto na legislação aplicável, o Ministério Público deve ainda requerer a extinção dos partidos políticos que:
[...] c) Não seja possível citar ou notificar na pessoa de qualquer dos titulares dos seus órgãos centrais, conforme a anotação constante do registo existente no Tribunal.'.
Quando a extinção de um partido político seja requerida com fundamento neste preceito, é ainda competente para a decretar o Tribunal Constitucional (artigo
9º, alínea f), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), em plenário (por aplicação analógica do artigo 103º, n.º 3, alínea b), da mesma Lei).
11. A matéria de facto provada aponta decisivamente para o preenchimento da previsão do artigo 21º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro. Com efeito, ficou demonstrado (supra, nº 10.) que:
· o PT não desenvolve qualquer actividade, pelo menos desde 1983;
· não conserva sede, pelo menos desde o início dos anos 80;
· não conserva património, pelo menos desde 1983;
· presentemente, não se conhece qualquer pessoa que seja filiado ou membro do PT;
· o PT não efectuou quaisquer diligências no sentido de alterar o registo relativo à composição dos seus órgãos centrais, posteriormente a 30 de Julho de 1980;
· os membros da comissão política do PT referenciados no processo apenso, cujo paradeiro foi possível apurar, invocaram desvinculação do partido.
Perante tais factos, apenas resta concluir que, não só é certo que o PT possui menos de quatro mil filiados, como é muitíssimo duvidoso que possua sequer algum filiado. Justifica-se, pois, a sua extinção com fundamento na circunstância de o número dos seus filiados ser inferior a quatro mil, ao abrigo do artigo 21º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro.
12. Atingida esta conclusão, desnecessário se torna apreciar o segundo fundamento de extinção do Partido Trabalhista invocado pelo Ministério Público.
III
13. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
· Julgar procedente a presente acção de extinção de partido político, no que se refere ao fundamento previsto na alínea a) do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro;
· Consequentemente, decretar a extinção do Partido Trabalhista – PT, ordenando o cancelamento do respectivo registo.
Lisboa, 11 de Abril de 2000 Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Bravo Serra Messias Bento Guilherme da Fonseca Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa