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Processo nº 183/99 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A recorrente interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de Junho de 1998, que negou provimento aos recursos interpostos (um, pela ora recorrente; outro, pela Câmara Municipal de Sintra) contra a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que declarara a nulidade da deliberação camarária, de 4 de Fevereiro de 1993, que aprovara o processo nº 14.007/92 da aqui recorrente, relativo à instalação de uma central para fabricar betão.
Pretende a recorrente que este Tribunal aprecie a constitucionalidade do artigo
659º do Código de Processo Civil, tal como foi interpretado pelo acórdão recorrido. Interpretação que – diz – foi 'no sentido de que o tribunal de recurso, querendo valorar uma questão essencial de direito em termos diferentes dos que foram colocados na decisão recorrida e nas alegações e contra-alegações das partes, pode decidir sem dar oportunidade às partes de a debaterem'.
É que – explicou -, apesar de estar em recurso uma sentença que anulou uma deliberação camarária 'que teria autorizado a instalação de uma central de betão da ora recorrente', o acórdão recorrido 'veio a julgar que o recurso da SOCALBIDES e a decisão recorrida, afinal, teriam versado sobre a legalização de obras'. Ora, isso significa – disse – que o tribunal recorrido entendeu que
'podia julgar [uma] questão nova [...] sem dar oportunidade à recorrente de se pronunciar sobre a solução de direito adoptada'.
2. O relator, por ter entendido que se não verificavam os pressupostos do recurso interposto, proferiu, em 15 de Abril de 1999, decisão sumária de não conhecimento do mesmo.
3. É desta decisão sumária que a recorrente, agora, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando que deve tomar-se conhecimento do recurso interposto, uma vez que
'não pode colocar-se qualquer dúvida – sempre ressalvado o devido respeito – que o Tribunal de recurso (o S.T.A.) valorou uma questão essencial de direito em termos diferentes dos que foram colocados na decisão recorrida e nas alegações e contra-alegações das partes, sem lhes ter dado oportunidade de a debaterem, o que tem as implicações constitucionais arguidas'.
A recorrida não respondeu.
4. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
5. Escreveu-se na decisão sumária: Só podia conhecer-se do recurso interposto, se o acórdão recorrido tivesse, efectivamente, aplicado o artigo 659º do Código de Processo Civil com aquele sentido que a recorrente apontou como tendo sido o por ele adoptado. Tal não sucedeu, porém. Antes de mais, deve precisar-se que a norma do Código de Processo Civil que o julgamento de um recurso convoca é a do artigo 713º - cujo nº 2 prescreve que 'o acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, exporá de seguida os fundamentos e concluirá pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 659º a 665º' –, e não, propriamente, o artigo 659º, que diz respeito à sentença a proferir em 1ª instância. Isto mesmo acabou a recorrente por reconhecer quando, na resposta ao convite de aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, refere o mencionado artigo 659º, 'maxime o seu nº 1', mas acrescenta: 'devidamente conjugado com o artigo 713º, nº 2, do Código de Processo Civil'. A norma sub iudicio só podia ter sido aplicada com a interpretação que se apontou, se, tal como sustenta a recorrente, o acórdão recorrido tivesse julgado uma questão nova (e, portanto, diferente) da que havia sido decidida pela sentença recorrida, que era, por isso, a que constituía objecto do recurso. Isso, porém, não aconteceu, pois – afirmou o tribunal recorrido no acórdão de 19 de Janeiro de 1999, que desatendeu a arguição de nulidades apontadas ao referido acórdão de 16 de Junho de 1998 -, 'perante as razões de facto e de direito apresentadas pelas partes, efectuou a sua apreciação da questão fáctica e jurídica suscitada', mas 'não apreciou ‘questão nova’, limitando-se a apontar a solução jurídica e fáctica da questão oportunamente suscitada pelas partes e sobre a qual as mesmas se haviam anteriormente pronunciado'. Como o tribunal recorrido concluiu que o acórdão sob recurso não decidiu uma questão nova (ou seja, uma questão diferente da que constituía o objecto do recurso), há, aqui, que concluir que tal aresto não aplicou a norma sub iudicio com a interpretação cuja constitucionalidade a recorrente questiona. E que concluir, bem assim, que, por isso, não pode conhecer-se do recurso. A esta conclusão opor-se-á que, contrariamente ao que decidiu o acórdão de 19 de Janeiro de 1999, o acórdão de 16 de Junho de 1998 julgou, efectivamente, uma questão diferente da que constituía objecto do recurso. Esta objecção não procede, porém.
É que, sendo a competência deste Tribunal restrita à questão de constitucionalidade da norma aplicada pela decisão recorrida, não pode ir-se aqui decidir se o tribunal recorrido julgou ou não questão diferente da que então constituía objecto do recurso. Isto, mesmo a pretexto de que se trataria de decidir uma questão prévia – questão prévia que, no entanto, o não seria sequer da questão de constitucionalidade que constitui objecto do recurso, mas de um pressuposto deste. Com efeito, se tal se fizesse, ir-se-ia, no caso, sindicar o acórdão recorrido num ponto que a Constituição e a lei não submetem ao controlo deste Tribunal, pois, decidir se o acórdão recorrido tinha julgado questão diversa da que constituía objecto do recurso então interposto, era, em direitas contas, julgar uma pura questão de direito ordinário: a questão da nulidade por excesso de pronúncia, que, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, se verifica toda a vez que o tribunal 'conheça de questões de que não podia tomar conhecimento' – questão, esta última, que o acórdão de 19 de Janeiro de 1999 decidiu não se verificar. Concluindo-se, pois: não tendo o acórdão recorrido aplicado a norma sub iudicio com a interpretação que a recorrente considera inconstitucional, não pode conhecer-se do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
6. Pois bem: dizer, como faz a recorrente, que o Supremo tribunal Administrativo, no acórdão recorrido, 'valorou uma questão essencial de direito em termos diferentes dos que foram colocados na decisão recorrida e nas alegações e contra-alegações das partes, sem lhes ter dado oportunidade de a debaterem', é manifestar discordância com o que o mesmo Supremo decidiu no acórdão de 19 de Janeiro de 1999, quando concluiu que aqueloutro aresto não enfermava de excesso de pronúncia. Mas, ao dizer isso, acrescentando que tal
'tem as implicações constitucionais arguidas', a reclamante não infirma a conclusão a que se chegou na decisão sumária reclamada – a saber: que se não verificam os pressupostos do recurso interposto.
Há, por isso, que indeferir a reclamação apresentada e confirmar a decisão de não conhecimento do recurso.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). indeferir a reclamação apresentada;
(b). consequentemente, confirmar a decisão de não conhecimento do recurso;
(c). e condenar a reclamante nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 26 de Maio de 1999 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida