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Processo n.º 552/97
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. A. P. e mulher recorreram contenciosamente para o Supremo Tribunal Administrativo do despacho de 15 de Abril de 1992 do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, que indeferiu o pedido de reversão de um prédio sito no lugar do Alcarial, no concelho de Sines, o qual havia sido expropriado pelo Gabinete da Área de Sines. Os recorrentes fundamentaram a impugnação aduzindo que o acto administrativo carece de fundamentação ou tem fundamentação obscura, contraditória e insuficiente 'porque não consegue explicar como é que teria caducado um inexistente direito de reversão dos recorrentes'. Por outro lado, 'o imóvel expropriado não foi aplicado a qualquer fim de utilidade pública e portanto os recorrentes têm o direito à reversão'. Finalmente, sustentou ainda serem inconstitucionais os números 1 e 3 do artigo 7º do Código das Expropriações de
1976, o primeiro por recusar o direito de reversão, e o segundo por estabelecer que o prazo previsto para o exercício desse mesmo direito é contado independentemente do conhecimento do interessado. Respondeu a autoridade recorrida, sustentando que o acto recorrido não merece qualquer censura, pois ao direito de reversão é aplicável o diploma existente à data do despacho expropriativo, no caso a Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948 e o Decreto-Lei n.º 46 027, que fazem caducar o direito de reversão no prazo de um ano, a contar da verificação da causa da reversão, pelo que, quando em Março de
1992 vieram os recorrentes exercer esse direito, teria sempre decorrido aquele prazo. O Ministério Público e a Administração do Porto de Sines, contra-interessados, contestaram, sustentando o primeiro a ilegitimidade passiva do Estado e contrapondo a segunda que 'se, como alegam os recorrentes, e sem conceder, o prédio não tivesse nunca estado afecto aos fins de utilidade pública determinantes da expropriação, o exercício do direito de reversão teria caducado, na pior das hipóteses, em Julho de 1990 – um ano após a data da extinção do GAS'.
2. Em 9 de Março de 1995, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu Acórdão pelo qual negou provimento ao recurso, mantendo o despacho impugnado. Desta decisão interpuseram os ora recorrentes, e, subordinadamente, o Ministério Público – na parte que se julgou improcedente a questão prévia da ilegitimidade passiva – recurso de agravo para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo. Este, por Acórdão com data do dia 9 de Julho de 1997, julgou o Estado Português parte ilegítima no recurso – pois 'o interesse dos Estado que pode sair prejudicado com a eventual procedência do recurso é esse mesmo e único a cargo do recorrido Ministro que, neste caso, não desempenha outra função do que órgão representativo da pessoa colectiva na respectiva defesa' – e decidiu negar provimento ao recurso jurisdicional, fundamentando-se para tal em que:
'(...) não só o destino do prédio dos agravantes está concretamente enunciado, se não directamente, por remissão para os objectivos bem definidos da APS, como também decorre da lei que, pela afectação a este instituto, tal prédio teve a mesma destinação que tinha enquanto afecto ao GAS, acrescida da sua submissão ao domínio público do Estado, o que lhe deu maiores e definitivas garantias de prosseguimento de fins colectivos por passar a estar fora do comércio jurídico. Não foram deste modo atentados os preceitos constitucionais referidos pelos recorrentes, designadamente os arts. 20º e 62º, na medida em que aqueles se devem considerar suficientemente esclarecidos dos desideratos concretos da afectação do seu prédio que sustentem eventual impugnação'.
3. É deste Acórdão que vem interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, por A. P. e mulher, ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), para apreciação da constitucionalidade das normas dos números 1, 3 e 4 do artigo 7º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro. Nas alegações apresentadas junto deste Tribunal os recorrentes concluíram do seguinte modo:
'a) Os recorrentes foram proprietários de um prédio urbano sito no lugar de A..., na freguesia e concelho de Sines, inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º ...., e de metade indivisa do prédio inscrito na matriz rústica da mesma freguesia sob o art.º ...., descrito na Conservatória do Registo Predial de Sines sob o n.º .., a fls. .. verso do livro B-1; b) O referido prédio foi expropriado pelo Gabinete da Área de Sines (GAS) e essa expropriação foi confirmada por acórdão de 29.11.77 do Tribunal da Relação de
Évora; c) A expropriação por utilidade pública foi fundamentada na ‘necessidade do prédio para execução dos objectivos que o Decreto-Lei nº 270/71, de 19 de Junho, cometia ao GAS’; d) Pela Portaria n.º 215/90, de 23 de Março, no seguimento do disposto no Decreto-Lei 182/88, de 21 de Maio, o prédio expropriado aos recorrentes foi integrado no domínio público do Estado e afecto à Administração do Porto de Sines; e) Em 17 de Julho de 1989 foi extinto o Gabinete da Área de Sines (GAS); Até este dia, e posteriormente até 21.03.91 e 19.06.92 – datas do exercício do direito de reversão pelos recorrentes (fls. 10 a 12) e da interposição do recurso contencioso (fls. 2) respectivamente – não foi dada qualquer utilização ou aproveitamento aos bens expropriados, quer de interesse publico, quer outro; f) A expropriação é um instituto excepcional determinado pela prevalência do interesse colectivo sobre o direito do cidadão à propriedade privada; os bens expropriados ficam vinculados ao fim concreto de utilidade pública que fundamentou a expropriação, isto é, a transferência da propriedade para o expropriante fica sujeita à condição resolutiva de lhe ser dado esse destino específico. g) O direito de reversão constitui um corolário da garantia constitucional da propriedade privada e dos princípios de justiça constitucionalmente assegurados; Os recorrentes são assim titulares do direito de reversão sobre o prédio que lhe foi expropriado e a que não foi dado o fim específico de utilidade pública; h) São inconstitucionais as normas que recusem ou restrinjam o direito de reversão. i) Em conformidade, o Tribunal Constitucional já declarou inconstitucionais os n.ºs. 1 e 3 do art.º 7 do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º
845/76, de 11 de Dezembro; j) O n.º 4 do art.º 7º daquele diploma recusa o direito de reversão quando os bens expropriados forem integrados no domínio público do Estado ou de uma autarquia, ou quando esses bens tiverem outro destino de utilidade pública. l) Em ambos os casos, o referido n.º 4 do artº 7º omite a necessidade de especificação do fim concreto a que se destinarão os bens expropriados, pressupondo que a integração no domínio público ou a destinação abstracta de utilidade pública seja bastante; m) Tal circunstancialismo é insuficiente para garantir que sobre um direito fundamental existe a prevalência do interesse colectivo se não houver a destinação concreta dos bens expropriados, não salvaguardado os princípios de justiça constitucionalmente garantidos; n) Assim o n.º 4 do art.º 7º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro, ao recusar o direito de reversão, é inconstitucional e não pode ser aplicado pelos Tribunais – artºs. 13º, 18º, n.º
2, 20º, n.º 1, 62º, 266º e 207º da Constituição – o que não aconteceu no acórdão recorrido. o) Em consequência deve ser dado provimento ao recurso, com todos os efeitos legais.' Também o recorrido Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território apresentou alegações, em cuja conclusão pode ler-se:
'1. O acórdão recorrido interpretou a norma do artigo 7º, n.º 4 do Código das Expropriações no sentido de que a mesma exige a indicação concreta do fim de utilidade pública prosseguido com a afectação dos bens expropriados.
2. Em causa no presente recurso não está uma questão de constitucionalidade da norma do n.º 4 do art.º 7º, ou da sua interpretação pelo tribunal a quo. Nestes termos, e nos mais que doutamente se suprirão, não deve ser admitido o recurso interposto.'
4. Da questão prévia do não conhecimento do recurso por não aplicação da norma questionada com o sentido alegadamente inconstitucional invocado, foram os recorrentes e (após mudança do relator, devida a alteração da composição do Tribunal Constitucional) os restantes recorridos notificados para sobre ela se pronunciarem. Na resposta entretanto oferecida pelos primeiros, concluíram nos seguintes termos:
'O n.º 4 do art.º 7º do Código das Expropriações de 1976 veio eliminar assim a referência ao fim concreto de utilidade publica dos bens expropriados porque lhe bastava que estes tivessem sido integrados no domínio público do Estado ou das autarquias. Complementando o n.º 1, este n.º 4, ambos do art.º 7º, veio reforçar a recusa do direito de reversão e por isso é inconstitucional. O acórdão recorrido não poderia aplicá-lo – como fez – no cumprimento do art.º
207º da Constituição da Republica.' A Administração do Porto de Sines entendeu dever acompanhar e subscrever a questão suscitada, de não conhecimento do objecto do recurso, tendo por sua vez o Ministério Público formulado na sua resposta as seguintes conclusões:
'1º Não tendo a decisão recorrida interpretado e aplicado a norma constante do artigo 7º, n.º 4, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
845/76, com o sentido, alegadamente inconstitucional, apontado pelo recorrente, não deverá conhecer-se do objecto do recurso.
2º Na verdade, tal decisão não inferiu ou presumiu, de forma abstracta, a utilidade pública da expropriação da mera integração do bem expropriado no domínio público do Estado, considerando antes que apesar da sucessão de pessoas colectivas públicas na titularidade e usufruição de tal prédio, se mantiveram (e reforçaram) as concretas finalidades de utilidade pública que haviam ditado a necessidade da expropriação.
3º A interpretação adoptada no douto acórdão recorrido – ao considerar que a mera sucessão de pessoas colectivas públicas na titularidade ou usufruição do prédio expropriado não implica, só por si, alteração substancial dos concretos fins de utilidade pública, visados originariamente com o acto expropriativo – não viola qualquer preceito ou princípio constitucional, pelo que o presente recurso sempre teria de improceder.' Cumpre, agora, apreciar e decidir. II. Fundamentos
5. Uma vez que os n.ºs 1 e 3 do artigo 7º do Código das Expropriações de 1976 já tinham sido julgados inconstitucionais pelo Acórdão n.º 827/96, proferido em 26 de Junho de 1996 pelo Tribunal Constitucional – que confirmou, nessa parte, o Acórdão de 24 de Setembro de 1992 do Supremo Tribunal Administrativo que já julgara inconstitucionais ambas as normas –, poderia defender-se, numa certa perspectiva, que, quanto a elas, o recurso de constitucionalidade próprio no presente caso seria, não o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (que foi interposto), mas sim o da alínea g) do mesmo número (que não foi intentado). Não se admitindo a convolação de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) em recurso interposto ao abrigo da alínea g) – até por os requisitos de admissibilidade de um e outro serem diferentes – poder-se-ia pretender excluir tais normas do objecto do presente recurso. No presente caso, porém, deve concluir-se – pelo menos numa certa perspectiva – que a existência de um julgamento anterior de inconstitucionalidade das normas em causa, proferido pelo Tribunal Constitucional, não obstará ao conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada ao abrigo do disposto na alínea b), já que a publicação do referido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 827/96 só ocorreu no Diário da República, II Série, de 4 de Março de 1998 – posteriormente, portanto, à interposição do recurso de constitucionalidade, que deu entrada em 2 de Setembro de 1997 –, pelo que se poderia duvidar da existência de anterioridade do julgamento de inconstitucionalidade, relevante para efeitos de interposição do recurso previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional (v. os Acórdãos deste Tribunal n.ºs
105/85, 107/85 e 120/86, publicados, respectivamente, no Diário da República, II série, de 6 de Agosto de 1985, 3 de Maio e 4 de Agosto de 1986, bem como, mais recentemente, o Acórdão n.º 586/98, publicado no Diário da República, II série, de 1 de Março de 1999). Nem sequer estariam, pois, nesta perspectiva, preenchidos os requisitos de interposição do recurso ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que dúvidas não restam de que se deve conhecer do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do mesmo normativo, se os outros requisitos estiverem preenchidos. Acresce, aliás, que não pode afirmar-se uma relação de exclusão entre os recursos da alínea b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, em termos de ser vedada a interposição de recurso ao abrigo da primeira, quando se verifiquem os requisitos da segunda (podendo, pois, interpor-se recurso também ao abrigo da alínea g)). Tal relação de exclusão, aliás, redundaria, paradoxalmente, em manter a vigência de normas já julgadas inconstitucionais, já que, trazidas a este Tribunal ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, acabariam por ficar fora do objecto da sua apreciação, e, portanto, a salvo da censura que levaria ao seu afastamento, no caso, por já terem sido julgados inconstitucionais em outro caso.
6. O facto de não haver obstáculo ao conhecimento da alegada inconstitucionalidade de tais normas em razão do tipo de recurso interposto não implica, porém, que tenha de se conhecer dela na presente decisão.
É que o recurso a coberto do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – como, aliás, a coberto do disposto na alínea g) do mesmo número – sempre exigiria que as referidas normas tivessem sido aplicadas no caso pela decisão recorrida. E não foram: uma – a do n.º 3 do artigo 7º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro – porque, prevendo um prazo para o exercício do direito de reversão ('A faculdade de obter a reversão só poderá ser exercida dentro do prazo de um ano a contar da verificação do facto originador da reversão, independentemente da data em que o interessado dele teve conhecimento'), este não chegou a ser invocado, por se não ter reconhecido a possibilidade de se exercer o direito de reversão; a outra – a do n.º 1 do artigo 7º do mesmo Código das Expropriações ('Quando a entidade expropriante seja de direito público, não há direito de reversão, salvo se o expropriado for uma autarquia local') – porque, prevendo um limite ao exercício do direito de reversão, que poderia ter sido invocado no caso, não serviu para fundamentar a decisão de não reconhecer o direito de reversão. Como se escreveu no Acórdão ora recorrido:
'O agravante, no recurso contencioso, invocou a inconstitucionalidade, quer do n.º 1, quer do n.º 3 [do artigo 7º do Código das Expropriações de 1976] o primeiro por recusar pura e simplesmente o direito de reversão, o segundo por estabelecer um termo a quo independentemente do conhecimento do interessado. O acórdão da secção não se debruçou sobre tais questões de pretensa inconstitucionalidade pois, no seu entender, à mesma solução de indeferimento do acto contenciosamente recorrido se chega pela via do n.º 4 do artigo 7º, pelo que, para conservar aquele na ordem jurídica, lho aplicou, independentemente do acto assentar no DL 46027, de 13.11.64.' Assim, embora não se descortine razão para alteração do que anteriormente decidiu este Tribunal no Acórdão n.º 827/96, não pode pronunciar-se novamente sobre as normas aí julgadas inconstitucionais, no âmbito do presente processo, pois tais normas não foram aplicadas na decisão recorrida.
7. Resta, portanto, a norma do n.º 4 do artigo 7º do Código das Expropriações de
1976, tida pelos recorrentes como inconstitucional na medida em que 'não exige a destinação concreta do bem expropriado', e que foi aplicada, tanto pela decisão recorrida (o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo de 9 de Julho de 1977), como pela decisão que a precedeu (o Acórdão da 1ª Subsecção da
1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Março de 1995), o qual, 'ao aplicar ao caso o n.º4 do artigo 7º do CE 76, claro está que partiu de um juízo positivo de aferição constitucional.' Segundo o referido artigo 7º, n.º 4:
'Não haverá direito de reversão quando por lei ou por contrato os bens deverem ser integrados no domínio público do Estado ou das autarquias ou ainda quando lhe for dado outro destino de utilidade pública.' Porém, pesem embora as suspeitas pendentes na doutrina sobre a inconstitucionalidade de tal normativo – tido por 'claramente inconstitucional' por Gomes Canotilho, Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos fundamentais, procedimento, processo e organização, Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXVII (1990), pág. 184 (ou pág. 37 da separata); e também por
'injustificado' e traduzindo um 'grave cerceamento das garantias do particular perante a expropriação' por Alves Correia, As garantias do particular na expropriação por utilidade pública, Coimbra, 1982, pág. 169 –, não pode concluir-se que o sentido alegadamente inconstitucional da norma ora sub iudicio tenha sido aplicado na decisão recorrida. De facto, o sentido de tal norma que se reputou incompatível com a Constituição foi o de se bastar ela com a integração no domínio público – ou com a abstracta afectação a um fim de utilidade pública – para afastar o direito de reversão. Nessa medida, poder-se-iam invocar, também aqui, as palavras de Freitas do Amaral e Paulo Otero ('Nacionalização, reprivatização e direito de reversão', O Direito, Ano 124º, 1992, I-II, pág. 310-311), segundo os quais (a propósito do n.º 1 do referido artigo 7º):
'a Administração passa a desfrutar de ampla margem de discricionariedade numa zona ablativa de um direito fundamental do administrado, sem que este tenha qualquer meio de fiscalização ou controlo da exacta prossecução do fim que justificou o sacrifício do seu direito de propriedade. Num tal esquema, o Estado de legalidade cede lugar a um verdadeiro Estado de arbítrio. Ora, num Estado de direito democrático, baseado no respeito e garantia dos direitos fundamentais, uma tal solução é constitucionalmente inadmissível: o direito de reversão constitui uma garantia inerente à tutela constitucional do direito de propriedade, configurando-se a sua exclusão legal como inconstitucionalidade.' No mesmo sentido, já Oliveira Ascensão ('Reprivatização e direitos dos ex-titulares das empresas nacionalizadas', Revista da Ordem dos Advogados, Ano
51, 1991, pág. 311) escrevera:
'Não é a transformação física que impede a reaquisição dos bens. Tão pouco o é, sequer, a hipótese de os bens serem integrados no domínio público. Não há incompatibilidade entre a integração de uma coisa no domínio público e a subsistência de direitos dos particulares sobre ela. [itálico aditado. Em nota remetia para Direito Civil-Reais , 4ª Ed., Coimbra Ed., 1983, n.º 76/III]. Por isso, a norma que exclui do efeito da reversão, em caso de desafectação dos bens, a expropriação em benefício do Estado, é inconstitucional, pelas mesmas razões invocadas para a hipótese de os bens não chegarem a ser aplicados à finalidade que comandou a expropriação.'
8. Fosse esse o sentido atribuído pela decisão recorrida à norma do n.º 4 do artigo 7º do Código das Expropriações de 1976, e, a mais de conhecer do recurso, teria este Tribunal de retomar a questão da natureza do direito de reversão, que debateu a propósito do n.º 1 desse normativo, e que deixou em suspenso no Acórdão n.º 827/96: é que o argumento, aí utilizado, de que 'a razão de ser da reversão é a ausência de utilidade pública da expropriação', haveria de ser reequacionado como esteio da posição que vê o direito de reversão 'como decorrência de uma suposta sujeição da expropriação a uma condição resolutiva', uma vez que 'utilidade pública' e 'condição resolutiva' se podem articular de modo diverso: pode a condição resolutiva operar 'se os bens não tiverem sido aplicados ao fim público indicado no acto de declaração de utilidade pública, ou se essa aplicação tiver cessado' (como na exposição de Alves Correia, ob. cit., pág. 167); pode a condição resolutiva operar se os bens não tiverem sido aplicados ao fim público indicado no acto de declaração de utilidade pública ou em momento posterior (designadamente no caso de extinção da entidade pública a favor de quem foram afectos os bens); ou pode a condição resolutiva operar apenas se um qualquer fim público lhes não estiver reservado [cfr., hoje, os n.º
1, 4, b) e d), 6, 8 e 9 do artigo 5º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro]. Como se viu, é este último o entendimento que os recorrentes imputam à decisão recorrida e que têm por inconstitucional.
É outro, porém, o entendimento professado pelo Supremo Tribunal Administrativo, e que nas contra-alegações do Ministério Público foi assim recortado:
'É que tal decisão entende e sustenta que a destinação de utilidade pública carece de uma determinação clara, concreta e efectiva dos seus objectivos ou fins: só que, no caso em apreciação, entendeu o acórdão recorrido que tal determinação ou especificação dos objectivos da expropriação se verificou integralmente: na realidade, não se basta a decisão recorrida com a mera integração do prédio expropriado no domínio público do Estado – dela inferindo ou presumindo a concreta utilidade pública da afectação – concluindo antes, em função de uma análise das atribuições da pessoa colectiva que sucedeu ao originário expropriante – a APS – que o prédio expropriado manteve integralmente a destinação de utilidade pública que tinha enquanto afecto ao GAS. Ou seja – e em suma: o que a decisão recorrida entendeu é que a mera sucessão de pessoas colectivas públicas na titularidade ou usufruição do prédio expropriado não implica necessariamente mutação da destinação de tal imóvel – podendo perfeitamente a afectação deste a um determinado fim objectivo de utilidade pública manter-se apesar da alteração subjectiva da entidade pública, a cuja fruição está afecto o imóvel.' Com este sentido – que é ainda o que subjaz à exposição de Alves Correia –, não há sequer uma renovação, concreta, posto que diversa, da utilidade pública declarada inicialmente: entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo aceitar
'que a destinação de utilidade pública da expropriação careça da determinação dos seus objectivos em termos suficientemente claros e concretos que permitam aos interessados, neles se incluindo a própria Administração e o Estado, pelo Ministério Público, controlá-los para aferição da legalidade ou oportunidade de procedimentos.
(…) Porém, no caso em análise tal exigência foi cumprida.
(…) Ou seja: não só o destino do prédio dos agravantes está concretamente enunciado, se não directamente, por remissão para os objectivos da APS, como também decorre da lei que, pela afectação a este instituto, tal prédio manteve a mesma destinação que tinha enquanto afecto ao GAS, acrescida da sua submissão ao domínio público do Estado, o que lhe deu maiores e definitivas garantias de prosseguimento de fins colectivos por passar a estar fora do comércio jurídico.'
(itálicos aditados). Não há, pois, coincidência entre o sentido com que a norma do n.º 4 do artigo 7º do Código das Expropriações de 1976 foi aplicada e o sentido que é tido como inconstitucional (segundo o qual tal norma 'não exige a destinação concreta do bem expropriado'). Como esta dimensão normativa impugnada não foi aplicada na decisão recorrida – mas sim uma outra, como resulta da transcrição efectuada –, falta um dos pressupostos de conhecimento do objecto do recurso, já reduzido, nos termos vistos, a esta norma. Procede, pois, a questão prévia suscitada pelo Ministro do Planeamento e Administração do Território, e há que concluir-se que, como as normas em apreciação neste recurso, ou não foram aplicadas nos acórdãos recorridos, ou não o foram com o sentido que os recorrentes imputam,
'falta, assim, um pressuposto (a saber: que as decisões recorridas tenham aplicado as normas cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo) para se poder conhecer do recurso.' (Acórdão n.º 367/94, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1994). III. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso e condenar os recorrentes em custas, com 6 (seis) unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 5 de Abril de 2000 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa