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Processo n.º 258/2014
2ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, A. reclamou, em 24 de fevereiro de 2014 (fls. 1 a 3), ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em 07 de fevereiro de 2014 (fls. 140 e 141), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 03 de fevereiro de 2014 (fls. 126 a 130), com fundamento na falta de suscitação processualmente adequada da questão, conforme determinado pelo artigo 72º, n.º 2, da LTC.
2. Da reclamação consta a seguinte argumentação:
«1.º
Pelo aqui Recorrente foi apresentado recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 70° e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional, tendo o mesmo preenchido todos os pressupostos para que este fosse admitido, tendo até, inclusivamente, no seu Requerimento de interposição de recurso, tornado bem patente todo o circunstancialismo processual ocorrido desde o início do processo em causa, não se encontrando obrigado legalmente do mesmo.
2.º
Não se compreende, pois, como veio a 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça proferir um Despacho de não admissão de recurso.
3.º
Caso se verificasse que, de facto, o Requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não se encontrasse totalmente fundamentado ou não preenchesse algum dos pressupostos a que obriga a Lei do Tribunal Constitucional, o que por hipótese meramente académica se coloca, e por dever de patrocínio se admite, sempre sem prescindir o que acima foi alegado, sempre deveria o Recorrente ter sido convidado a fazer tal indicação, nos termos do disposto no artigo 75°-A, n.º 5 da LTC.
4.º
Assim, e porque tal decisão é suscetível de recurso, por forma a que melhor se possa aplicar a lei, sempre seria desejável para o ora Recorrente que a decisão tomada não se imponha só em razão da autoridade do órgão que a tomou, mas acima de tudo pela sua racionalidade, não podendo a mesma fundamentação ser parca, ao ponto que não habilite um Tribunal superior a uma avaliação cabal e segura do porquê da decisão e do seu suporte legal e lógico-mental, pois só desta forma se asseguram as garantias constitucionais de defesa do ora Recorrente.
5.º
Observados estão os formalismos legais para tal previstos, porque para tal o Recorrente tem legitimidade, está em tempo e representado por advogado (artigos 72.º, n.º 1, alínea B, 75° e 83° da L TC), requer-se a V. Exa. que, desde já, considerem validamente interposto o presente recurso da decisão deste Supremo Tribunal para o Tribunal Constitucional, seguindo os ulteriores termos, sendo certo que as respetivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal 'ad quem', de acordo com o disposto no artigo 79º da Lei do Tribunal Constitucional e no prazo aí previsto.
6.º
Nestes termos, por tudo aqui atrás exposto, o Despacho ora reclamado, não fez a melhor justiça na aplicação da Lei vigente, quando, não admitiu o Recurso apresentado pelo ora Reclamante.
7.º
Mais se deverá revogar o Despacho que não admite o Recurso interposto, devendo este ser substituído por outro que determine a sua admissão e subida imediata, assim se fazendo como sempre a costumada, JUSTIÇA!
8.°
O que, desde já e aqui, se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.» (fls. 1 a 3)
3. Em sede de vista, ao abrigo do n.º 2 do artigo 77º da LTC, o Procurador-Geral Adjunto, a exercer funções junto deste Tribunal, pronunciou-se nos seguintes termos:
«1. A decisão proferida pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 7 de outubro de 2013, indeferiu a reclamação apresentada da decisão da Relação de Coimbra que não admitira o recurso interposto para aquele Supremo Tribunal do acórdão proferido por aquela Relação, em 8 de maio de 2013, que negara provimento ao recurso interposto pelo arguido da sentença condenatória, proferida em 1.ª instância.
2. Como essa reclamação apenas apreciou a recorribilidade do acórdão quanto à parte penal, porque apenas tinha sido quanto a essa parte que o recurso não havia sido admitido, foi determinado que “no respeitante à parte cível a sua admissibilidade deverá ser apreciada no Tribunal da Relação”
3. Em cumprimento do determinado, em 13 de novembro de 2013, foi proferida decisão que também não admitiu o recurso quanto à parte cível (fls. 63).
4. O arguido reclamou dessa decisão para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
5. Apreciando tal reclamação, o Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 17 de dezembro de 2013, indeferiu-a.
6. Por decisão proferida em 15 de janeiro de 2014, foi indeferida, pelo Senhor Vice--Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, uma reclamação para a conferência daquela decisão, porque o requerimento não tinha objeto, não se encontrando previsto o meio de impugnação utilizado.
7. Veio então o arguido interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
8. Não tendo o recurso sido admitido reclamou para este mesmo Tribunal.
9. O requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional não é minimamente claro quanto à identificação da decisão da qual vem interposto recurso para o Tribunal Constitucional: se a proferida em 17 de dezembro de 2013 (vd. n.º 5) se a proferida em 15 de janeiro de 2014 (vd. n.º 6).
10. Naturalmente que se foi a primeiramente referida, ela limitou-se a indeferir o pedido porque o recorrente utilizara um meio processual inexistente: reclamação para a conferência da decisão do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação contra a não admissão do recurso, na Relação.
11. Ora, o recurso interposto para o Tribunal Constitucional nada tem a ver com tal matéria.
12. Porém, se se entender que o recurso foi interposto da decisão proferida em 15 de janeiro de 2014, desde logo se coloca a questão da tempestividade.
13. Efetivamente constituindo a reclamação para a conferência daquela decisão um meio processual anómalo e inexistente (vd. n.ºs 6 e 10) a sua utilização não tem a virtualidade de suspender ou interromper o prazo de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional (vd. vg. Acórdão n.º 195/2009).
14. Nestas circunstâncias, quando foi interposto recurso, o prazo de dez dias contados da data da notificação do acórdão de 17 de dezembro, havia sido ultrapassado.
15. Acresce que vendo o requerimento de interposição do recurso, nele não se vislumbra a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, desconhecendo-se, em absoluto, qual deveria ser o objeto do recurso.
16. Por outro lado, “durante o processo “ o reclamante não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade daquela natureza.
17. Na verdade, na reclamação dirigida ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o reclamante imputa a violação da Constituição direta e expressamente à decisão - ao “despacho reclamado” na terminologia utilizada -, como se pode ver pelas conclusões 62, 63 e 64, que reproduzem o que fora dito no texto da reclamação (fls. 16, 17, 24 e 25).
18. Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
4. Face à invocação de um novo fundamento de não conhecimento, que não constava da decisão reclamada, que não admitiu o recurso, a Relatora proferiu despacho de convite, em 20 de março de 2014 (fls. 17), nos termos dos artigos 654º, n.º 2, e 655º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis “ex vi” artigo 69º da LTC, para que o recorrente viesse aos autos, querendo, pronunciar-se sobre o mesmo. Na sequência desse despacho, o recorrente pronunciou-se nos seguintes termos:
«1.º
Não é verdade que Requerimento de interposição de recurso para este Venerando Tribunal não tenha sido 'minimamente claro' quanto à identificação da decisão da qual vem interposto recurso.
2.º
Para tal, basta uma leitura atenta à referida peça processual, na qual o Recorrente até, inclusivamente, tomou bem patente todo o circunstancialismo processual ocorrido desde o início do processo em causa, apesar de não se encontrar obrigado legalmente do mesmo.
3.º
O Recorrente apresentou recurso para este Venerando Tribunal, nos termos dispostos nos artigos 70.º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional, preenchendo todos os pressupostos para que este fosse admitido.
4.º
Foram, pois, observados todos os formalismos legais para tal previstos para que o referido Requerimento de interposição de recurso deva ser recebido e, consequentemente, apreciado.
5.º
O Recorrente, ao deduzir reclamação nos termos em que fez, utilizou um meio processual legalmente existente, previsto na lei, e que produz efeitos suspensivos da decisão de que se reclamou.
6.º
Nestes termos, por tudo aqui atrás exposto, não assiste razão ao Digníssimo Magistrado do Ministério Público, pelo que dúvidas não existem de que o seu Parecer não pode ser tido em conta.
7.º
O que, desde já e aqui, se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.» (fls. 23 e 23-verso)
Posto isto, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Atenta a tramitação dos autos, importa notar que o recurso de constitucionalidade interposto visava reagir contra a “decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, a qual indeferiu a Reclamação que deduziu contra a Decisão Singular” (fls. 126). Ora, tal decisão corresponde, em rigor, à que foi proferida pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 17 de dezembro de 2013 (fls. 109 a 111). Na medida em que o recorrente foi dela notificada por ofício expedido em 19 de dezembro de 2013 (fls. 113), torna-se evidente que, à data em que o recurso foi interposto – isto é, em 03 de fevereiro de 2014 (fls. 126) –, o prazo de 10 (dez) fixado pelo artigo 75º, n.º 1, da LTC, já se encontra, há muito, ultrapassado.
Além disso, o requerimento apresentado, em 13 de janeiro de 2013 (fls. 115), ao abrigo do qual o recorrente pretendia impugnar aquele despacho, através de reclamação para a conferência e invocando o artigo 417º, n.º 8, do Código de Processo Penal (CPP), não logra suspender ou protelar o prazo legal para interposição de recurso, já que constitui, de modo inequívoco e manifesto, um “meio processual inidóneo ou legalmente inadmissível”. Isso mesmo, aliás, comprovou o despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 15 de janeiro de 2014, que explicitou, precisamente, essa flagrante inadmissibilidade legal do meio empregue (fls. 121 e 122).
Mas, mesmo que assim não fosse, mais se corrobora o entendimento expresso pelo Relator junto do tribunal recorrido de que o recorrente nem sequer suscitou, de modo processualmente adequado, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa – conforme lhe impunha o artigo 72º, n.º 2, da LTC – quando deduziu reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, nessa sede, o recorrente limitou-se a invocar, de modo genérico e sem se reportar a uma específica norma jurídica, a alegada inconstitucionalidade do próprio ato jurisdicional de que pretendia reclamar:
«60) O Despacho reclamado viola todos os princípios de prova consagrados tanto no C.P.P., como na Constituição da República Portuguesa (…);
62) O Despacho reclamado viola o disposto no artigo 208º da C.R.P. (…);
63) O Despacho reclamado viola o disposto no artigo 207º da C.R.P. (…);
64) Viola também o Despacho recorrido o disposto no artigo 205º da C.R.P. (…)» (fls. 39-verso)
Por conseguinte, confirma-se a decisão reclamada, indeferindo-se a reclamação deduzida.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 7 de maio de 2014. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.