Imprimir acórdão
Processo n.º 1176/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de maio de 2013, pretendendo ver apreciada a norma constante do artigo 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, interpretado no sentido de que “a alternativa conferida por este artigo ao trabalhador é, tão-só, a de acatar o despedimento ou de enveredar pela sua impugnação; já quanto à forma de impugnação, a norma não deixa alternativas, pois tem de ser feita pela apresentação do requerimento nele referido, no prazo estipulado”. Entende o recorrente que um tal segmento normativo viola o princípio da igualdade, consagrado nos artigos 13.º, 59.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
2. Dá causa aos presentes autos a ação intentada pelo ora recorrente contra a ré (ora recorrida), na qual se pedia que fosse declarada a ilicitude do despedimento promovido pela segunda e, bem assim, que esta fosse condenada a: a) reintegrar o autor no seu posto de trabalho; b) a pagar ao autor todas as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão proferida nos autos; c) a pagar ao autor o montante que vier a apurar-se ter sido sofrido por este, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Na contestação, a ré alegou erro na forma de processo e arguiu a exceção perentória da caducidade do direito do autor impugnar o despedimento, tendo em conta que decorreram mais de 60 dias entre a data em que o autor recebeu a comunicação do despedimento (4 de janeiro de 2012) e aquela em que a presente ação foi instaurada. No despacho saneador, o juiz da primeira instância considerou verificada a mencionada exceção perentória, absolvendo a ré de todos os pedidos formulados.
Inconformado, o autor (ora recorrente) interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo apresentado, para o efeito, as seguintes conclusões:
«(…)
2.ª –Entendeu a, aliás douta, decisão ora posta em crise que, querendo o autor impugnar o despedimento de que foi alvo, deveria ter apresentado o formulário a que aludem os artigos 98.º, n.º 1-C e 98.º-D do Código de Processo de Trabalho, dando assim início à ação especial de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento e não instaurando a ação com processo comum, concluindo pela desadequação do aproveitamento da petição inicial, por efeito do preceituado no art. 199.º do CPC, por aplicação do previsto no art. 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT, mercê do conhecimento da exceção da caducidade.
3.ª - O ora Recorrente não se conforma com tal entendimento, pois considera tal interpretação da lei inadmissível, quer por absoluta ausência de correspondência na própria letra da lei, quer por constituir inconstitucionalidade interpretativa da norma contida no n.º 2 do art. 387.º do CT, concretamente, quando interpretada no sentido de que a fórmula ali utilizada “pode opor-se ao despedimento”, significa que a oposição do trabalhador ao despedimento de que tenha sido alvo, só pode ter lugar por via de ação judicial regulada na lei adjetiva, mais precisamente nos arts. 98.º-B e ss. do CPT.
4.ª - Ao intentar em juízo ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, o autor fez uso da faculdade que resulta do próprio teor do n.º 2 do art. 387.º do CT que estatui que “o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do Tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior, exceto no caso do artigo seguinte.”
5.ª - De acordo com a enunciação contida na predita norma é patente que a utilização pelo legislador, da expressão “o trabalhador pode opor-se ao despedimento” quis significar uma faculdade e não uma obrigatoriedade; pois que se pretendesse impor o uso obrigatório de tal forma especial de processo teria usado não o verbo “poder”, como efetivamente veio a usar, mas o verbo “dever”.
6.ª - O que o legislador quis foi, à semelhança do que ocorre já noutras situações do direito civil, facultar ao trabalhador, meios processuais alternativos de resolução do litígio, mormente de forma simplificada – como é o caso das injunções – sem que, contudo, tal signifique a impossibilidade de intentar uma ação declarativa de condenação de processo comum, na forma que concretamente se adeque, tendo em conta os critérios estabelecidos no art. 462.º do CPC.
7.ª - A enunciação pelo legislador da norma contida no n.º 2 do art. 387.º do CT quis consagrar, e consagrou, uma faculdade ao dispor do trabalhador e não uma imposição.
(...)
11.º - A interpretação do n.º 2 do art. 387.º do CT propugnada no processo sub judice é violadora do princípio fundamental consagrado no art. 13.º da CRP e reafirmado no art. 59.º do mesmo diploma fundamental, ao beneficiar infundadamente os trabalhadores cujo contrato cesse por motivo diferente do despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, comunicado por escrito ao respetivo trabalhador destinatário.
12.ª - Também imperativos de congruência interna do ordenamento jurídico impõem igual raciocínio, uma vez que, se por via da norma contida no n.º 1 do art. 337.º do CT se disciplina substantivamente que “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho”; é forçoso que se subordine o processualismo contido na lei adjetiva aquela disciplina material, arredando limitações de caráter formal cuja utilidade se reconduz a uma natureza de mera instrumentalidade à aplicação daquele direito e da realização da Justiça e não o inverso.
13.ª - Enquanto a prescrição atinge o âmago do direito, a caducidade reconduz-se à exercitação, não podendo, no entanto, deixar de se reconhecer a prescrição como o intuito em matéria de eficácia do decurso do tempo nas relações jurídicas, por aplicação do princípio consagrado no art. 298.º do C. Civil.
14.ª - Encontrando-se fixado no art. 337.º, n.º 1 do CT que o crédito do trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve no prazo de um ano contado a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho, não pode derrogar-se tal norma por simples apelo a argumentos de rápida definição da situação jurídica, argumento, aliás, inconciliável com a própria natureza dos direitos em causa.
(...)
29.ª - O recurso do trabalhador aos tribunais tendo em vista a declaração de ilicitude de despedimento de que tenha sido alvo corresponde ao exercício de um direito com respaldo constitucional que, em dimanação do princípio do Estado de Direito, impõe a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao Direito e de realização da Justiça.
30.ª - Uma vez que a realização do Direito é lograda à custa da conformação jurídica do processo e do procedimento, é a própria Constituição a avançar os princípios e normas norteadores daqueles – ou seja, as denominadas garantias de procedimento e de processo.
31.ª - Os princípios da igualdade processual das partes e da conformação do processo segundo os Direitos fundamentais – arts. 13.º, 18.º e 20.º da CRP – como matrizes orientadoras e de referência para a intervenção legislativa concretizadora das normas da constituição, sobretudo dos preceitos respeitantes a normas fundamentais, impõem um processo que assegure a imediata realização daqueles Direitos Fundamentais, como é o caso do Direito de acesso aos Tribunais ou direito de recurso à via judiciária para defesa dos Direitos (art. 20º do CRP).
32.ª - Só através de uma estrutura processual de densificação constitucional, designadamente em sede interpretativa é possível assegurar a efetividade de muitos direitos, liberdades e garantias.
33.ª - No caso ora em apreço, o A. que ao interpretar o n.º 2 do art. 387.º CT considerando que a expressão “pode opor-se ao despedimento” deve ser no sentido de que a oposição só pode ter lugar por via de ação judicial regulada nos arts. 98.º-C e ss do CPT; de que decorre ser de caducidade de exercício do Direito, o prazo de 60 dias ali fixados; o Tribunal a quo fez uma interpretação inconstitucional de tal norma.
(...)»
Por acórdão de 2 de maio de 2013, o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida. Quanto à questão de constitucionalidade suscitada nos autos, concluiu o Tribunal o seguinte:
«(...)
Por força do disposto no artigo 387.º do CT/09, o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do Tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior.
De sublinhar que a alternativa conferida por este artigo ao trabalhador é, tão-só, a de acatar o despedimento ou enveredar pela sua impugnação; já quanto à forma de impugnação, a norma não deixa alternativa , pois tem de ser feita pela apresentação do requerimento nele referido, no prazo nele estipulado.
(...)
Acresce dizer que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta interpretação dos normativos acima enunciados, com fundamento em violação do princípio da igualdade.
Na verdade, é hoje pacífico que o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado (artigo 13.º da CRP) não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas, implicando antes que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, de tal maneira que só haverá violação desse princípio da igualdade se houver tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais.
(...)
Ora, não se vislumbra que a sujeição dos despedimentos individuais inequívocos, ocorridos no âmbito de indiscutidas relações de trabalho subordinado, comunicados por escrito e fundados em facto imputável ao trabalhador, em extinção, processual e temporal, represente o tratamento desigual de outras situações iguais, nem o tratamento igual de outras situações desiguais, não tendo o autor demonstrado factualmente esse tratamento discriminatório.
Não se verifica, pois, qualquer situação de inconstitucionalidade do tipo daquela pela qual pugna o recorrente.
(...)»
3. O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido. Notificado para apresentar alegações, nos termos do artigo 79.º da LTC, formulou o recorrente as seguintes conclusões:
«(...)
1ª- O presente recurso pretende submeter à cognição deste Tribunal Superior a suscitada questão da inconstitucionalidade do art. 387º, n.º 2 do C. Trabalho, interpretado no sentido de que “a alternativa conferida por este artigo ao trabalhador é, tão-só, a de acatar o despedimento ou enveredar pela sua impugnação; já quanto à forma de impugnação, a norma não deixa alternativas, pois tem de ser feita pela apresentação do requerimento nele referido, no prazo nele estipulado.”, por tal entendimento violar o principio da igualdade consagrado nos arts. 13º, 59º e 20º da Constituição da Republica Portuguesa;
2ª - A enunciação pelo legislador da norma contida no n.º 2 do art. 387º do C.T., quis consagrar, e consagrou, uma faculdade ao dispor do trabalhador e não uma imposição.
3ª - Para o entendimento que se defende concorre decisivamente, e para além do elemento literal, o elemento histórico, pois que se o atual nº 2 do art. 387º do atual CT, corresponde ao anterior n.º 2 do art. 435º do Código do Trabalho de 2003, que o precedeu imediatamente, e no qual se utilizava a fórmula “A ação de impugnação tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento (...)”; vindo a atual redação do nº 2 do art 387º a exarar a expressão “pode”; tal alteração de redação que, em tudo o mais, se manteve idêntica, não é de todo inócua.
4ª - Se na norma contida no n.º 2 do art. 435º (C.T. de 2003) se impunha; no atual nº 2 do 387º, permite-se.
5ª - Não é legalmente admissível que se retire do texto legislativo, sentido absolutamente contrário ao que resulta da reconstituição do pensamento legislativo, em violação ao disposto no art. 9º do C.C., isto é, que se desconsidere a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
6ª - A interpretação do n.º 2 do art. 387º do C.T. propugnada no processo sub judice é violadora do princípio fundamental consagrado no art. 13º da C.R.P. e reafirmado no art. 59º do mesmo diploma fundamental, ao beneficiar infundadamente os trabalhadores cujo contrato cesse por motivo diferente do despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, comunicado por escrito ao respetivo trabalhador destinatário.
7ª- Também imperativos de congruência interna do ordenamento jurídico impõem igual raciocínio, uma vez que, se por via da norma contida no n.º 1 do art. 337º do C.T. se disciplina substantivamente que “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho”; é forçoso que se subordine o processualismo contido na lei adjetiva aquela disciplina material, arredando limitações de caráter formal cuja utilidade se reconduz a uma natureza de mera instrumentalidade à aplicação daquele direito e da realização da Justiça e não o inverso.
8ª- Enquanto a prescrição atinge o âmago do direito; a caducidade reconduz-se à sua exercitação; não podendo, no entanto, deixar de se reconhecer a prescrição como o instituto regra em matéria de eficácia do decurso do tempo nas relações jurídicas, por aplicação do princípio consagrado no art. 298º do C.Civil.
9ª- Encontrando-se fixado no art. 337º, nº 1 do CT que o crédito do trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve no prazo de um ano contado a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho, não pode derrogar-se tal norma por simples apelo a argumentos de rápida definição da situação jurídica, argumento, aliás inconciliável com a própria natureza dos direitos em causa.
10ª- A harmonização do sistema jurídico impõe tal exercício de compatibilização normativa e interpretativa, com assumida relevância em matérias de redobrado significado social, como é o caso das matérias laborais.
11ª- Segundo os ensinamentos do Insigne Mestre José Oliveira Ascensão, em “O Direito- Introdução e Teoria Geral”, 2ª edição, página 342, na interpretação da lei devem considerar-se o elemento gramatical ou literal e os elementos lógicos: o sistemático (que tem em conta a unidade do sistema jurídico); o histórico (constituído por precedentes normativos, trabalhos preparatórios e occasio legis) e o teleológico (que é a justificação social da lei); relevando ainda o facto de, na dúvida, os direitos deverem prevalecer sobre as restrições — in dubio pro libertate. - Cfr. Jorge Miranda, in “Manual do Direito Constitucional”, 4º, 308 -;
12ª- Se a letra da lei é o limite da sua interpretação, é inquestionável que dela emerge uma função negativa de delimitação e eliminação daqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou correspondência nas palavras da lei.
13ª- A posição sufragada na decisão ora posta em crise viola frontalmente o preceituado no art 387º do CT., concretamente, quanto à interpretação que faz da expressão contida no nº 2 de tal norma na parte em que dispõe que o trabalhador “pode opor-se ao despedimento”, no sentido de que, querendo impugnar o despedimento que lhe fora comunicado por escrito, o trabalhador só poderia lançar mão de uma ação especial e não da ação de processo comum.
14ª- A questão a colocar situa-se em sede de interpretação da norma, mais concretamente quanto ao segmento “pode opor-se ao despedimento”, o qual se impõe seja no sentido de ser lícito ao A., querendo, fazer uso da ação de processo comum, como aconteceu in casu, de que decorre impor ao Tribunal de primeira instância que, em substituição da decisão proferida, profira outra, de indeferimento de arguição de erro na forma de processo e consequente prosseguimento dos autos.
15ª- Entendendo-se, como se entende e pelas razões vindas de expor, que a forma de processo especial estabelecida nos arts. 98º - B e ss. do C.P.Trabalho não é obrigatória, então é consequência lógica que o prazo estipulado no n.º 2 do art. 387º do C.T. não é um prazo de caducidade.
16ª- Sendo lícito ao trabalhador optar pela propositura da ação sob a forma comum no prazo previsto no art. 337º, n.º 1 do C.T., então o prazo de 60 dias não pode produzir os efeitos apontados, designadamente o da caducidade.
17ª- Os princípios de igualdade processual das partes e da conformação do processo segundo os Direitos fundamentais — arts. 13º, 18º e 20º da C.R.P. – como matrizes orientadoras e de referência para a intervenção legislativa concretizadora das normas da constituição, sobretudo dos preceitos respeitantes a normas fundamentais, impõem um processo que assegure a imediata realização daqueles Direitos fundamentais, como é o caso do Direito de acesso aos Tribunais ou direito de recurso à via judiciária para defesa dos Direitos (art. 20º do C.R.P.).
18ª- Só através de uma estrutura processual, de densificação constitucional, designadamente em sede interpretativa é possível assegurar a efetividade de muitos Direitos, Liberdades e Garantias.
19ª- No caso ora em apreço, o A. considera que ao interpretar o n.º 2 do art. 387º C.T. considerando que a expressão “pode opor-se ao despedimento” deve ser no sentido de que a oposição só pode ter lugar por via da ação judicial regulada nos arts. 98º-C e ss. do C.P.T.; de que decorre ser de caducidade de exercício do Direito, o prazo de 60 dias ali fixados; o Tribunal a quo fez uma interpretação inconstitucional de tal norma.
20ª- Da conjugação das disposições contidas no n.º 1 do art. 337º e nos nºs 1 e 2 do art. 387º, ambos do C.T., resulta inequívoca certeza de que a opção legislativa pelo vocábulo pode, em vez de deve, é expressão do entendimento de que é lícito ao trabalhador socorrer-se daquela concreta forma especial de ação ou, em alternativa, da ação de processo comum.
21ª- Argumentos de natureza histórica militam em tal sentido pois que, quisesse o legislador impor o uso de tal ação especial e teria utilizado a fórmula usada no anterior n.º 2 do art. 435º do Código do Trabalho de 2003, que a precedeu imediatamente.
22ª- A interpretação do n.º 2 do art. 387º do C.T. propugnada no processo sub judice é violadora do princípio fundamental consagrado no art. 13º da C.R.P. e reafirmado no art. 59º do mesmo diploma fundamental, ao beneficiar infundadamente os trabalhadores cujo contrato cesse por motivo diferente do despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, comunicado por escrito ao respetivo trabalhador destinatário; existindo, de forma ostensiva, uma restrição inconstitucionalmente intolerável do direito de tratamento equitativo dos trabalhadores, sem se assegurar a efetividade da tutela jurisdicional.
23ª- O direito de ação e o direito a um processo justo e equitativo, integrantes do Direito do trabalhador ao acesso ao Direito, saem ampla e injustificadamente condicionados com reflexo no princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da C.R.P., enquanto proibições de distorções no acesso à Justiça; pois que, condicionar-se o acesso ao Direito, por razões de natureza adjetiva, constitui uma ofensa clamorosa ao princípio da igualdade de tratamento, que não pode deixar de ser sancionada pela via da declaração de inconstitucionalidade da interpretação da norma.
24ª- Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou frontalmente o disposto nos arts. 98º-C do CPT; 337º, nº 1 e art. 387º, nºs 1 e 2 do CT; art.9º e 298º do C.C. e arts. 13º, 18º, 20º e 59º da C.R.P., devendo, em consequência, ser revogada a decisão proferida.
(...)»
A recorrida contra-alegou, apresentando, por seu turno, as seguintes conclusões:
«(...)
1. A ação declarativa com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, regulada nos artigos 98º-B a 98º-P do Código de Processo do Trabalho de 2010, tem por fim a impugnação de despedimento individual que seja comunicado por escrito ao trabalhador, seja por facto imputável ao mesmo, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, e está sujeita ao prazo de caducidade de 60 dias previsto no nº 2 do artigo 387º do Código do Trabalho de 2009, contados a partir da receção da comunicação de despedimento.
2. O prazo de prescrição a que alude o art. 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 abrange os direitos e créditos inerentes à impugnação judicial de despedimento individual que não seja comunicado através de decisão escrita invocando facto imputável ao trabalhador, extinção do posto de trabalho ou inadaptação.
3. Os termos “pode opor-se ao despedimento”, contidos no nº 2 daquele artigo 387º, deverão ser entendidos como a tradução da faculdade do trabalhador se opor ou não ao despedimento, oposição que só pode ter lugar por via de ação judicial regulada nos artigos 98º-B a 98º - P do C.P.T., sendo que esta interpretação concretiza o princípio da igualdade, na medida em que pondera as especificidades das situações previstas no artigo 98º - C do Código do Processo do Trabalho, nomeadamente em que o despedimento é inequívoco; todas as demais situações, que continuam a seguir a forma de processo comum, encontram-se abrangidas pelo regime de prescrição previsto no nº 1 do artigo 337º do Código do Trabalho/09.
4. Acresce que o artigo 48º, nº 3, do Código do Processo do Trabalho igualmente conduz à interpretação de que tais meios processuais não são alternativos entre si, porquanto, de forma imperativa, estabelece que o processo especial aplica-se nos casos expressamente previstos na lei e o processo comum é aplicável nos casos a que não corresponda processo especial, pelo que sendo subsumível ao caso sub-judice o processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento , não pode recorrer-se ao processo comum, sob pena de violação do mencionado art. 48º nº3 do Código de Processo do Trabalho.
5. A sujeição do despedimento individual inequívoco do trabalhador, ao regime específico de impugnação processual e temporal previsto nos artigos 387º do C.T e artigos 98º-B e seguintes do C.P.T., não incorre na violação dos artigos 13º, 20º e 59º da C.R.P. com fundamento em violação do princípio da igualdade, pois não representa um tratamento desigual de outras situações iguais, nem o tratamento igual de outras situações desiguais, ao invés do pugnado pelo Recorrente.
6. O princípio da igualdade constitucionalmente previsto não impede que a lei faça distinções, proibindo-lhe sim, que proceda a distinções discriminatórias e a desigualdades de tratamento materialmente infundadas e objetivamente injustificadas. O legislador não está impedido de regular de modo desigual situações diferentes, como é o caso.
7. Não se vislumbra, minimamente – nem aliás o recorrente o concretiza - em que medida a interpretação perfilhada no Acórdão recorrido, implica que o direito de ação e o direito a um processo justo e equitativo integrante do direito do trabalhador ao acesso ao Direito, saem ampla e injustificadamente condicionados com reflexo no princípio da igualdade, enquanto proibições de distorções no acesso à justiça, conforme alega o Recorrente.
8. No próprio preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13/10, que alterou o Código de Processo do Trabalho a partir de 1 de janeiro de 2010, vislumbramos o percurso tomado para esta diferenciação, referindo que a prossecução da “ (…) reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais (…)”, sendo expressamente mencionado neste Livro Branco os fundamentos diferenciadores no respetivo tratamento da questão ora em apreço, quando refere que: “Dada a ilicitude do despedimento não se questiona que tais retribuições sejam devidas, pois constituem um dos danos mais relevantes que o trabalhador poderá sofrer. Há, contudo, casos em que a excessiva demora do processo judicial contribui significativamente para agravar esses danos, fazendo com que os mesmos sejam muito superiores aos que diretamente foram provocados pelo despedimento em si mesmo.” (Cfr. ponto 8.3. do cap. V).
9. O artigo 387º do C.T/2009 e os artigos 98º-B e sgts do CPT/2010, vieram consagrar a distinção entre duas realidades, isto é, o despedimento individual em que a comunicação ao trabalhador é feita por escrito e as demais situações em que há um despedimento verbal ou de facto. A nova ação aplica-se apenas aos despedimentos escritos, que são inequívocos.
10. Com a criação desta ação especial com caráter urgente, foi agilizado os casos em que é inequívoco o despedimento: não foi retirado qualquer direito ao trabalhador, outrossim, foi-lhe reforçado um direito, acelerando o devido processo, o que se deveu à justa composição dos interesses de cada uma das partes, sem detrimento da equidade e das garantias do trabalhador, muito pelo contrário, sendo especialmente ponderado os interesses do trabalhador.
11. Ínsito a esta constatação estão as razões de vivência social, que o protelamento de Decisão judicial conduz a um cada vez maior número de situações cada vez mais danosas para os litigantes trabalhadores.
12. Assim, reside na tutela dos interesses dos trabalhadores ter sido consagrado um processo mais célere, com caráter de urgência, com impulso absolutamente simplificado, sem necessidade de constituir advogado sequer, tudo para que o trabalhador possa ser privilegiado com uma decisão equitativa e célere, na devida interpretação do espirito que presidiu à consagração dos princípios constitucionais de celeridade e equidade, consagrados nos nºs 4 e 5 do art. 20º da C.R.P.
13. Encurtado o período decisório, o trabalhador pode alcançar o pretendido mais celeremente, assumindo especial relevância o recebimento das contribuições devidas, e a certeza jurídica com repercussões vantajosas na gestão das próprias expectativas pessoais do trabalhador – seja a reintegração seja o despedimento.
14. Por outro lado, a celeridade do processo judicial deve ser igualmente considerada de vantajosa para o empregador, pois quanto mais depressa a decisão sobre a ilicitude ou não do despedimento for decidida menos retribuições intercalares, no caso de ser reconhecida a ilicitude do despedimento, terá de pagar.
15. E também não deixa de existir um interesse geral do Estado em ver em tempo útil solucionada uma questão, atento o ónus do pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C até à notificação da decisão de 1.ª instância, e, por outro lado, no interesse (presumido) do Estado na “boa e melhor execução” dos princípios constitucionais, entre os quais o da celeridade tem incontornável relevância, sob pena de poder ser responsabilizado nos termos do art. 22º da C.R.P.
16. Esta nova forma processual – em que o legislador porém apenas assumiu este compromisso e publicou esta vontade para os casos em que não se levantam dúvidas, o que é o mesmo que dizer, para os casos em que ninguém pode ocultar uma realidade laboral a que se põe termo por despedimento, e em que por isso as preocupações sociais são manifestas – representa uma maior aproximação da Justa composição dos princípios constitucionalmente consagrados e da própria “unidade do sistema constitucional”, pois, por esta via, o tratamento das relações entre a entidade empregadora e o trabalhador tornou-se mais equitativo, equilibrando os interesses de ambos, bem como dos do próprio Estado – quer na vertente dos seus próprios interesses económicos, quer na vertente da “boa e melhor execução” dos princípios constitucionais - concretizando procedimentos que melhor materializam, de per si e de forma conjugada, o princípio da igualdade, o princípio da equidade e o princípio da celeridade processual.
17. Não se vislumbrando qualquer fundamento para considerar que foi violado, ou sequer preterido, o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, o conjunto dos princípios constitucionais não merecem ser interpretados de forma estanque, sem a devida, por irrenunciável, correlação com os restantes princípios constitucionais com igual força obrigatória, estando englobados neste conjunto de princípios constitucionais, que reciprocamente se informam e se infirmam, os da igualdade, da celeridade e da equidade processuais.
18. Assim, o legislador visou uma efetivação do principio da celeridade constitucionalmente consagrado, sem prejuízo de qualquer outro aplicável – nomeadamente do principio da igualdade, atenta a diferenciação objetiva nas situações do despedimento comunicado ser ou não por escrito – do que resultou, de forma inequívoca, a ação especial e urgente de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, aplicável ao peticionado pelo ora recorrente, e não a ação sob a forma de processo comum intentada, sendo que esta é a interpretação mais Sã e Justa que flui dos princípios constitucionais e legais aplicáveis ao caso.
(...)».
A mandatária judicial do recorrente renunciou à procuração (cfr. fls. 1053), tendo este, após lhe ter sido notificada a renúncia, constituído novo mandatário judicial (cfr. fls. 1065 e 1066).
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. O objeto do presente recurso de constitucionalidade é integrado pela norma constante do artigo 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, na parte em que do mesmo resulta que a impugnação do despedimento individual comunicado por escrito ao trabalhador passa exclusivamente pela apresentação de um requerimento no prazo de 60 dias, contados a partir da data da receção daquela comunicação ou da data da cessação do contrato, se posterior. Tal preceito tem, com efeito, a seguinte redação (o itálico é nosso):
«(…)
Artigo 387.º - Apreciação judicial do despedimento
1 – A regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial.
2 – O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior, exceto no caso previsto no artigo seguinte.
3 – Na ação de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.
4 – Em casos de apreciação judicial de despedimento por facto imputável ao trabalhador, sem prejuízo da apreciação de vícios formais, o tribunal deve sempre pronunciar-se sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento.
(…)»
4.1. Ao longo da sua intervenção processual, foram fundamentalmente duas as questões jurídicas levantadas pelo recorrente. A primeira, de cunho estritamente hermenêutico, prende-se com o sentido normativo a extrair do n.º 2 do artigo 387.º, do Código do Trabalho. Ou seja, trata-se de saber se, de acordo com os cânones da interpretação jurídica, a previsão nele contida quanto à impugnação do despedimento deve ser entendida no sentido de possibilitar ao trabalhador uma opção entre vários mecanismos processuais, ou, alternativamente, em termos de o vincular a um tipo processual específico, a saber, a ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.
A segunda, por seu turno, visa indagar se, assumindo o tribunal recorrido que a norma em crise não deixa qualquer alternativa ao empregador, tal resultado normativo se afigura conforme ao parâmetro normativo-constitucional, mormente ao princípio da igualdade (cfr. o artigo 13.º da CRP) e ao princípio do acesso ao direito (cfr. artigo 20.º da CRP). Entende o recorrente que daquele resultado se extrai o estabelecimento de diferenciações de tratamento injustificadas entre as várias formas de cessação do vínculo laboral no que concerne o prazo para o exercício do direito de impugnar o despedimento.
Como é bom de ver, de entre as duas questões enunciadas, apenas a primeira, por consubstanciar uma questão de constitucionalidade normativa, reentra no objeto de controlo inerente ao nosso modelo de justiça constitucional.
5. Feita esta precisão, é mister enquadrar e caracterizar o normativo cuja constitucionalidade se contesta. Ora, antes da revisão do Código do Trabalho promovida em 2009, abriam-se, para o trabalhador que entendesse ter sido despedido ilicitamente, duas modalidades de reação judicial: tratando-se de despedimento individual, o trabalhador deveria intentar a ação declarativa comum, no prazo de um ano a contar da data do despedimento; tratando-se de despedimento coletivo, tal prazo seria de apenas seis meses contados a partir da data de cessação do contrato (cfr. artigo 435.º, n.º 2, do Código de Trabalho de 2003).
O mesmo é dizer, portanto, que, antes da reforma de 2009, o critério de distinção considerado relevante pelo legislador em matéria de impugnação judicial do despedimento tinha que ver, em exclusivo, com o caráter individual ou coletivo do despedimento.
O Livro Branco das Relações Laborais, de 2007, que orientou a revisão do Código de Trabalho em 2009, bem como a subsequente revisão do Código de Processo do Trabalho, propôs uma série de mudanças relevantes nesta matéria, entre as quais se contam:
- A redução substancial do prazo para a interposição da ação de impugnação do despedimento, na linha do que é usual noutros países da União Europeia.
- A modificação das regras processuais relativas à ação de impugnação do despedimento, por forma a que o trabalhador apenas tenha de desencadear a ação, invocando a simples realização de um despedimento que considera ilícito, cabendo ao empregador apresentar o primeiro articulado.
- A consagração de um sistema semelhante ao vigente em Espanha, que faça o Estado suportar o custo dos salários intercalares quando a ação judicial se prolonga;
A estas recomendações e à previsão contida no n.º 2 do artigo 387.º, do Código do Trabalho de 2009, seguiu-se a necessária articulação adjetiva, concretizada pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro, emanado ao abrigo de uma lei de autorização legislativa – a Lei n.º 76/2009, de 13 de agosto. Vale a pena atentar no seguinte trecho do respetivo preâmbulo:
«(…)
Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT, prosseguindo a reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais e consubstanciado no acordo de concertação social entre o Governo e os parceiros sociais para reforma das relações laborais, de 25 de junho de 2008, cria-se agora no direito adjetivo uma ação declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a ação inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT. A recusa, pela secretaria, de recebimento do formulário apresentado pelo autor é sempre passível de reclamação nos termos do Código de Processo Civil.
Todas as demais ações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT.
(…)»
5.1. Por aqui se vê que o Código de Processo de Trabalho passou, a partir de 2009, a prever uma ação declarativa de condenação com processo especial e de natureza urgente, talqualmente previsto nos artigos 26.º, n.º 1, alínea a) e 98.º-B a 98.º-P daquele diploma. A intenção do legislador passou – já o vimos – pela criação de uma ação célere e de tramitação simplificada, (v. José Eusébio Almeida, “Impactos do Código do Trabalho no Código de Processo do Trabalho”, Código do Trabalho – a Revisão de 2009, Coimbra Editora, 2011, p. 577). Sucintamente, dir-se-ia que, para além do caráter urgente, a simplificação da tramitação se vislumbra em três traços do respetivo regime.
Um deles prende-se com o modo como tem início a ação, que passa pela apresentação, pelo trabalhador, de um requerimento em formulário próprio (aprovado pela Portaria n.º 1460-C/2009, de 31 de dezembro), do qual consta – tão-só - a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento (cfr. o artigo 98.º-C, n.º 1). Ou seja, tal formulário tem um conteúdo minimalista, nele não se exigindo, mesmo que de forma sumária, a fundamentação das razões da discordância com o despedimento efetuado, circunstância que não deixa de merecer a crítica unânime da doutrina (v. Albino Mendes Batista, A nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, 2010, p. 58, Paulo Sousa Pinheiro, “Breve apreciação crítica das alterações ao Código de Processo de Trabalho”, Revista do Ministério Público, 2010, p. 192, e Pedro Furtado Martins, Cessação de Contrato de Trabalho, 3.ª ed., Principia, 2012, p. 398).
O segundo, intrinsecamente ligado ao primeiro, reporta-se ao prazo de que passa a dispor o trabalhador para impugnar o respetivo despedimento. Através de um tal prazo – 60 dias – visou-se aproximar a situação portuguesa daquilo que é usual noutros ordenamentos jurídicos (sobre este ponto, v. Albino Mendes Batista, ob. cit., p. 58), na convicção de que o mesmo, atenta a manifesta simplicidade do formulário de oposição ao despedimento, não colocaria entraves desproporcionados ao exercício do direito em causa.
Finalmente, destaca-se a não obrigatoriedade da constituição de advogado até à apresentação dos articulados (cfr. artigo 98.º-B), estatuição que é igualmente alvo de críticas por parte da doutrina, entre outras razões por o trabalhador poder surgir desacompanhado de advogado na audiência de partes, um “momento relevantíssimo do processo laboral” (José Eusébio Almeida, ob. cit., p. 195).
A par destes inequívocos traços de simplificação, a nova ação prevê ainda aquilo que pode qualificar-se como um “incentivo” à celeridade dos Tribunais do Trabalho, que se traduz na assunção, pelo Estado, do pagamento dos salários intercalares devidos ao trabalhador após o decurso de doze meses desde a apresentação do formulário até à notificação da decisão da primeira instância (cfr. artigo 98.º-N, n.º 1). Trata-se, é bom de ver, de um normativo que visa desonerar o empregador dos custos da excessiva morosidade da justiça, uma questão – aliás - já aflorada no acórdão n.º 284/11 (disponível em www.tribunalconsticional.pt).
5.2. Um outro ponto importante prende-se com o âmbito de aplicação deste novo mecanismo processual, talqualmente delimitado pelo artigo 98.º-C, n.º 1, do CPT. Daqui resulta que a ação judicial que ora se analisa se circunscreve aos casos em que seja comunicado por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual (i), e desde que se trate de despedimento por facto imputável ao trabalhador, despedimento por extinção de posto de trabalho ou despedimento por inadaptação (ii).
Destarte, é inequívoco que deixou de haver unidade em matéria de reação do trabalhador ao despedimento, porquanto a par da ação com processo especial privativa do despedimento coletivo, regulada no artigo 388.º, n.º 2, do CT e nos artigos 156.º a 161.º do CPT, e que se mantém, sobressaem atualmente duas ações de impugnação do despedimento individual: uma especial, instaurada no prazo de 60 dias, que vale para os despedimentos comunicados por escrito ao trabalhador, outra comum - que segue o regime do processo sumário (artigo 49.º, n.º 2, do CPT), devendo ser instaurada no prazo de um ano - aplicável a todos os despedimentos não formalizados por escrito (cfr., neste sentido, Albino Mendes Batista, ob. cit., p. 84, Pedro Furtado Martins, ob. cit., p. 397, João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2014, p. 402, e Paulo Sousa Pinheiro, ob. cit., p. 191).
Portanto, o legislador introduziu, a partir de 2009, no quadro dos despedimentos individuais, uma diferenciação de tratamento alicerçada no critério da comunicação por escrito, pretendendo reservar a ação especial urgente entretanto criada para aquelas situações em que a decisão patronal de despedimento é inequívoca e formalizada, isto é, já não é ela mesma razão ou fundamento de litígio. De fora ficam, por conseguinte, os despedimentos verbais, tácitos ou implícitos, bem como as múltiplas situações em que a própria ocorrência de despedimento se revela controvertida (v. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 6.ª ed., Almedina, 2013, p. 1203).
6. Como foi referido, sustenta o recorrente - na argumentação expendida - que a diferenciação de tratamento introduzida pelo legislador em 2009 comporta uma violação dos princípios da igualdade e do acesso ao direito, por “beneficiar infundadamente os trabalhadores cujo contrato cesse por motivo diferente do despedimento individual”. Sem razão, como seguidamente se verá.
6.1. A fixação de prazos de reação contra o despedimento não é uma questão inédita na jurisprudência constitucional. No acórdão n.º 140/94 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal esclareceu que o “o direito de acesso aos tribunais não é violado pela simples fixação pelo legislador de um prazo para o seu exercício”. Na verdade, tal violação só existe quando tal prazo se revelar “desadequado” ou “desproporcionado”, em termos de dificultar gravemente o exercício daquele direito, uma vez que, a ser assim, estar-se-ia perante uma restrição ao direito de acesso ao direito e aos tribunais e não em face de um simples condicionamento ou acomodação do exercício desse direito (v., também, os acórdãos n.ºs 99/88, 370/91 e 299/93, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Nessa ponderação, não deixará de levar-se em conta, naturalmente, a motivação subjacente à fixação de prazos pelo legislador (seja de caducidade, seja de prescrição), a qual consiste, genericamente, em razões de certeza e segurança jurídica, e no caso específico da impugnação do despedimento, nas “expectativas da entidade patronal em ver, para além de certo prazo, judicialmente inatacável um despedimento por si ditado e assim poder fazer uma gestão sem sobressaltos do seu quadro de trabalhadores” (cfr. o acórdão n.º 140/94, citado supra). É conveniente não olvidar, por outro lado, a preeminência das posições subjetivas que se visam fazer valer através do acesso à via judiciária, concretamente, o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53.º da CRP, e as correspondentes garantias de reintegração e indemnização do trabalhador ilicitamente despedido (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 710, e, entre outros, o recente acórdão n.º 602/13, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Acresce que, talqualmente se vincou no acórdão n.º 276/06 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “embora vinculado a criar meios jurisdicionais de tutela efetiva dos direitos e interesses ofendidos dos cidadãos, o legislador não deixa de ser livre de os conformar, não sendo de todo o modo obrigado a prever meios iguais para situações diversas”. A pertinência jurídica dessa diversidade há de aferir-se mediante a mobilização do princípio da proibição do arbítrio, o qual permite apurar uma violação do princípio da igualdade “se se provar a inexistência de qualquer relação entre o fim prosseguido pela lei e as diferenças de regimes que, por causa desse fim, a própria lei estatui”, ou, por outras palavras, se ficar demonstrada a “ausência de qualquer elo de adequação objetiva e racionalmente comprovável entre uma coisa e outra” (Maria Lúcia Amaral, “O princípio da igualdade na Constituição portuguesa”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Armando Marques Guedes, Coimbra Editora, 2004, p. 42).
6.2. Esmiuçados estes parâmetros, o objeto do presente recurso, delimitado nos termos supra veiculados, verte-se fundamentalmente na questão da razoabilidade do critério de diferenciação de que se passou a servir o legislador em matéria de impugnação de despedimento, ou, se quisermos, no problema da respetiva pertinência no quadro da teleologia normativa ínsita à nova ação de impugnação judicial.
Ora, são muitas as reservas da doutrina no que concerne a bondade do critério selecionado. Elas reconduzem-se, em síntese, a duas proposições. A primeira acentua a incoerência da aplicação, aos despedimentos por causas objetivas, de um prazo de impugnação distinto daquele que vale para o despedimento coletivo (seis meses). Neste sentido, teria sido preferível consignar a ação prevista no artigo 387.º, n.º 2 do CT aos despedimentos por justa causa subjetiva (cfr., neste sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª ed., 2010, p. 944, e Pedro Romano Martinez, ob. cit., p. 1206). A segunda questiona a validade de uma solução legislativa que priva certos trabalhadores – aqueles cujo despedimento não foi comunicado por escrito e que, porventura, estarão mais carecidos de tutela legal – dos benefícios advenientes de uma tramitação processual mais simples e célere (Paulo Sousa Pinheiro, ob. cit., p. 190).
Porém, não é posto em causa pela doutrina que as inovações trazidas pela reforma de 2009 conferiram aos trabalhadores por elas abrangidos uma tutela de benefício relativamente ao regime anterior e uma tutela mais vantajosa do que aquela de que beneficiam, à luz do regime atual, os trabalhadores objeto de despedimento não escrito. Esta asserção seria per se suficiente para afastar a violação do princípio da igualdade (e do princípio do acesso ao direito), atenta a instrumentalidade inerente ao controlo concreto de constitucionalidade. Mas a ela há que aduzir, ainda, dois argumentos.
Em primeiro lugar, o tertium comparationis mobilizado pelo legislador – a natureza inequívoca/escrita do despedimento – não se afigura arbitrário quando conectado com a razão de ser do regime jurídico instituído. Recorde-se, com efeito, que a pedra de toque do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro, passou precisamente por acelerar e simplificar a tramitação da ação de impugnação do despedimento, finalidade para cuja consecução se revela indispensável uma demarcação prévia e definitiva do objeto do litígio.
Depois, embora com diferente fundamentação, semelhante conclusão vale também para o tratamento diferenciado outorgado pelo legislador ao despedimento coletivo. Este integra o leque de despedimentos com motivações objetivas, leia-se, não imputáveis ao trabalhador a título de culpa, e releva quando há um conjunto (mínimo) de despedimentos que obedece a um intuito de reestruturação da empresa em situação de crise ou de reorientação estratégica da mesma (Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., p. 965). Concretamente, só é tido como despedimento coletivo aquele que abranja, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, consoante se reporte a uma pequena ou microempresa, ou a uma média ou grande empresa, respetivamente, devendo a “cadeia” de despedimentos operar simultânea ou sucessivamente no espaço de três meses (cfr. artigo 359.º, n.º 1, do CT, na sua versão atual).
Prescreve o artigo 388.º, n.º 2, do Código do Trabalho que “a ação de impugnação do despedimento coletivo deve ser intentada no prazo de seis meses contados a partir da data da cessação do contrato”. No CPT, tal ação surge qualificada como “urgente” (cfr. artigo 26.º, n.º 1, alínea d)), e tratada nos artigos 156.º a 161.º.
Na verdade, o despedimento coletivo é objeto de um controlo judicial individualizado, no qual emergem diversas relações materiais controvertidas. Isto porque se podem existir fundamentos de ilicitude comuns a todos os despedimentos operados, também é verdade que alguns deles reportar-se-ão exclusivamente a algum ou alguns dos trabalhadores visados. Não obstante, o legislador não perde de vista a natureza essencialmente “global” do despedimento coletivo, razão pela qual exige, nos termos do n.º 3 do artigo 156.º do CPT, que o réu requeira “o chamamento para intervenção dos trabalhadores que, não sendo autores, tenham sido abrangidos pelo despedimento” (cfr. Bernardo Lobo Xavier, “O processo especial de impugnação do despedimento coletivo”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol. VI, Coimbra Editora, 2012, p. 907 e ss.).
Portanto, a ação especial de impugnação do despedimento coletivo assumirá potencialmente uma complexidade que não é expectável que tenha paralelo nos despedimentos individuais, maxime, nos despedimentos individuais reduzidos a escrito e cuja ocorrência seja inequívoca. Essa complexidade desvela-se não só no (já mencionado) chamamento ao processo dos demais trabalhadores simultânea ou sucessivamente despedidos, e na obrigatória apensação das respetivas ações (cfr. artigo 31.º, n.º 2, do CPT), mas também na assessoria técnica prevista no artigo 157.º, nas eventuais interrogações em matéria de competência territorial (cfr. artigo 16.º, n.ºs 1 e 2, do CPT), e na própria qualificação do despedimento como “coletivo”, que também pode ser controversa (v., em sentido idêntico, Pedro Romano Martinez, ob. cit., p. 1207).
Tanto basta para asseverar a validade, à luz do princípio da proibição do arbítrio, do tratamento diferenciado conferido pelo legislador a esta modalidade de despedimento, consubstanciado num prazo distinto de impugnação judicial e numa tramitação processual específica.
7. Destarte, há que concluir pela não inconstitucionalidade do artigo 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, na parte em que aí se prevê que a impugnação do despedimento individual comunicado por escrito ao trabalhador passa exclusivamente pela apresentação de um requerimento no prazo de 60 dias, porquanto do mesmo não advém lesão para os princípios da igualdade e do acesso ao direito, consagrados, respetivamente, nos artigos 13.º e 20.º da Constituição.
III. Decisão
8. Termos em que o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, e confirmar a decisão recorrida na parte respeitante à questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs.
Lisboa, 6 de maio de 2014. – José da Cunha Barbosa – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Caupers – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.