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Processo n.º 325/14
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., Lda., melhor identificada nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho proferido pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em 10 de fevereiro de 2014, pelo qual se indeferiu o recurso de constitucionalidade interposto pela então recorrente.
2. Na reclamação para a conferência, a reclamante oferece, no essencial, os seguintes argumentos:
«(…)
Da improcedência dos fundamentos para a não admissão do recurso
A) Da putativa irrecorribilidade do despacho de fls. 287
24.º
Entende o Tribunal a quo que “(…) o despacho interlocutório referido supra na alínea h) é, em abstrato, recorrível conjuntamente com o, eventual e hipotético recurso, que venha a ser interposto da sentença (no caso de uma, eventual e hipotética, condenação)”.
25.º
Conclui o Tribunal que “(…) só se a decisão final for irrecorrível (por exemplo, se, por hipótese, o Tribunal vier a aplicar uma admoestação) é que o recurso para o Tribunal Constitucional seria, nessa altura, admissível (sem prejuízo dos demais fundamentos para a rejeição que infra se irão expor)”.
26.º
Salvo o devido respeito, semelhante entendimento não procede.
27.º
Desde logo porque, como decorre do disposto no artigo 73.º, n.º 1, do RGCO, e aliás, vem sendo jurisprudencialmente incontroverso, em processo contraordenacional apenas as decisões finais são suscetíveis de recurso (com exceção, é certo, do disposto no n.º 2 do art. 63.º do RGCO).
(…)
30.º
Entende, porém, o Tribunal a quo, que, apesar da irrecorribilidade dos despachos interlocutórios, em caso de condenação do Arguido em sanção diversa da admoestação, poderá mesmo socorrer-se do mecanismo do recurso da decisão final para recorrer de todos os despachos interlocutórios proferidos pelo Tribunal a quo que lhe tenham sido desfavoráveis.
31.º
Dois óbices se suscitam quanto à generalização destas premissas: o primeiro prende-se com o objeto do recurso, o segundo, com a lógica do sistema.
32.º
Com efeito, é sabido que “os recursos ordinários são meios de impugnação de decisões ainda não transitadas em julgado (sendo que) a própria interposição do recurso é facto impeditivo ou paralisador do trânsito (…)” – cf. Germano Marques da Silva, Curso de Direito Processual Penal, Vol. III, Lisboa: Verbo, 2009, p. 315.
33.º
Os recursos ordinários em matéria contraordenacional têm, portanto, por objeto decisões finais desfavoráveis ao recorrente, em relação às quais não se tenha formado ainda caso julgado.
34.º
Ora, a decisão que constitui o objeto do recurso previsto no artigo 73.º, n.º 1 do RGCO, é a decisão final do processo (seja em que sentido e momento for), porquanto (i) é essa decisão que se visa reverter ou anular e (ii) é essa decisão que permanece por se consolidar no ordenamento jurídico.
35.º
A utilização desse mecanismo como modo de impugnação de qualquer decisão interlocutória proferida ao longo do processo, não só transforma o recurso da decisão final no recurso de todas as decisões, como promove insegurança jurídica, porquanto elimina por completo o caso julgado formal em matéria contraordenacional.
36.º
Por outro lado, coloca-se a questão de saber o que fazer se o arguido apenas quiser interpor recurso do despacho interlocutório e não da decisão final.
37.º
Imagine-se que o arguido requereu uma diligência de prova essencial que foi indeferida e, ao invés de arguir a nulidade correspondente, pretendia recorrer apenas do despacho interlocutório, uma vez que a ausência daquela diligência impediu que a matéria de facto fixada lhe permitisse obter uma decisão de direito justa em sede de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
38.º
Poderia o arguido optar livremente entre a arguição da nulidade ou o recurso do despacho interlocutório?
39.º
Não obstante tal seja a consequência lógica a retirar do despacho de que ora se reclama, não se afigura que seja a decisão correta.
Mas mais,
40.º
Semelhante entendimento coloca o arguido em processo contraordenacional numa posição processualmente mais favorável do que o arguido em processo criminal, em manifesta contrariedade à lógica do sistema.
41.º
Desde logo porque, em matéria penal, se o Arguido pretender interpor recurso de uma decisão interlocutória, a subir a final, terá de o fazer no prazo de trinta dias desde a prolação que constitui o seu objeto, devendo, por ocasião da interposição de recurso da decisão final, especificar se mantém interesse nos recursos interlocutórios retidos – cf. artigo 412.º, n.º 5, do Código de Processo Penal (doravante CPP).
42.º
Ao passo que, no entendimento vertido no despacho de que ora se reclama, o arguido em processo contraordenacional não teria de interpor recurso do despacho interlocutório no prazo legalmente delimitado, e tão-pouco teria de manifestar intenção de o fazer, antes lhe bastando aguardar pela prolação do despacho interlocutório – para, então, apresentar o seu recurso.
43.º
Do que acima se disse decorre que o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo quanto à recorribilidade condicionada do despacho interlocutório não pode proceder, pelo que deverá o mesmo ser considerado como decisão irrecorrível nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70.º, n.º 2, da LOFTC.
B) Da alegada não invocação tempestiva da inconstitucionalidade
44.º
Entende o Tribunal a quo que a Arguida não suscitou a inconstitucionalidade tempestivamente, pelo que, em seu entender, “com todo o respeito por quem tenha opinião diversa, parece que o art. 70.º, n.º 1, al. b) da LTC deve ser interpretado no sentido de que a questão da inconstitucionalidade deve ser suscitada no processo logo que o interveniente processual dela tenha conhecimento”.
(…)
45.º
Três argumentos impõem decisão inversa:
a) Em primeiro lugar, o Tribunal a quo não poderia deixar de admitir o recurso de constitucionalidade com base numa interpretação restritiva do âmbito de aplicação da norma em causa;
b) Em segundo lugar, a interpretação efetuada pelo Tribunal recorrido é, salvo todo o devido respeito, errónea;
c) Em terceiro lugar, a Recorrente suscitou a inconstitucionalidade invocada no momento em que a mesma se tornou evidente.
(…)
47.º
O Tribunal a quo fundou a não admissão do recurso de constitucionalidade no facto de “não estar preenchida a previsão do art. 70.º, n.º 1, al. b), da LTC”, ou seja, no motivo elencado na alínea e) supra.
48.º
Note-se, porém, que o tribunal a quo não referiu que o recurso era “manifestamente infundado” – fundamento invocado apenas na terceira objeção suscitada pelo Tribunal a quo, sobre o qual nos pronunciaremos adiante, e que, a contrario sensu, aqui entendeu por não verificada – mas antes se limitou a concluir que o mero não preenchimento de uma previsão processual, com base numa interpretação consabidamente restritiva da letra da lei, bastaria para a não admissão do recurso.
49.º
Aliás, em momento algum se pode concluir, da argumentação expendida pelo Tribunal a quo, pela existência de um recurso “manifestamente infundado”.
50.º
Desde logo porque o próprio Tribunal a quo reconhece que a interpretação da Recorrente cabe na letra da lei e tem a seu favor a unidade do sistema jurídico, e apresenta a sua posição com consciência da existência de opiniões diversas, limitando a sua interpretação ao foro da sua convicção: “com todo o respeito por quem tenha opinião diversa, parece-nos que o art. 70.º, n.º 1, al. b) da LTC deve ser interpretado no sentido de que a questão da inconstitucionalidade deve ser suscitada no processo logo que o interveniente processual dela tenha conhecimento” (destacado nosso).
(…)
Em segundo lugar,
52.º
Dispõe o artigo 70.º, n.º 1, alínea b) que “cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos Tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
53.º
Entende o Tribunal a quo que por “durante o processo” deverá entender-se, “logo que o interveniente processual dela (i.e., da inconstitucionalidade) tenha conhecimento”.
(…)
56.º
Como refere o próprio Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 15/95, “se a locução durante o processo exprime precisamente o desiderato da suscitação na pendência da causa da questão de constitucionalidade, em termos de essa mesma questão ser tida em conta pelo tribunal que decide.
Essa ideia é, afinal, corolário da natureza e do sentido da fiscalização concreta de constitucionalidade das normas e, em especial, do recurso de parte que dela participa.”
57.º
Note-se ainda que um dos casos em relação aos quais é, inclusivamente, admitido o recurso de constitucionalidade após a decisão final não transitada é, precisamente, aquele em que a inconstitucionalidade invocada pode determinar a incompetência do Tribunal.
(…)
59.º
Resta, portanto, também por aqui, concluir pela improcedência da argumentação aduzida pelo Tribunal a quo.
Em terceiro lugar,
(…)
62.º
Independentemente da falta de fundamentação do despacho recorrido, a verdade é que, ao aceitar a orientação vertida naquela decisão do STJ, declarando a sua competência em razão da matéria, o Tribunal a quo proferiu uma verdadeira decisão surpresa.
63.º
Não era previsível, no momento em que a ora Recorrente invocou a incompetência em razão da matéria perante o Tribunal, que o mesmo viesse a decidir a questão contra legem, obrigando-a a suscitar, nesse momento a inconstitucionalidade da norma que viria a aplicar.
64.º
Pelo que ainda que procedesse a interpretação restritiva propugnada pelo Tribunal a quo – o que não se concede – sempre seria inexigível à Recorrente suscitar a inconstitucionalidade invocada em momento anterior.
C) Da alegada manifesta improcedência do recurso
65.º
Por fim, entendeu o Tribunal a quo que o recurso interposto é manifestamente improcedente, porquanto “da própria alegação da A. se extrai que o Tribunal não fez qualquer interpretação contrária à reserva de lei. Da própria alegação se extrai que o Tribunal interpretou uma norma (o art.º 89.º-B) presente numa lei – a lei n.º 3/99”.
(…)
67.º
Também aqui não procede a argumentação do Tribunal a quo.
68.º
Desde logo porque, contrariamente ao que se refere nos citados excertos, a Arguida não fundou a sua alegação de inconstitucionalidade na interpretação da norma do artigo 89.º-B.
69.º
Fundou-a, sim, na aplicação, por parte do Tribunal a quo de “uma norma, por interpretação do artigo 89.º-B da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro (…), no sentido de que:
A competência do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão para conhecer das questões relativas a recurso, revisão e execução das decisões, despachos e demais medidas em processo de contraordenação de entidades administrativas independentes, com funções de regulação e supervisão, nos termos do artigo 89.º-B, al. g), da LOFTJ, abrange também decisões de institutos públicos, integrados na Administração indireta do Estado e que prossigam as atribuições de um Ministério, sob a sua superintendência e tutela do respetivo ministro”.
70.º
Em suma, a Arguida fundou, ainda que sumariamente, a sua alegação de inconstitucionalidade, na aplicação de uma norma, por parte do Tribunal a quo, obtida através da interpretação conjugada de diversos artigos, sendo que é essa norma que é inconstitucional por violação do princípio da legalidade e da reserva de lei em matéria de competência (artigos 32.º, n.º 9, in fine, e 10, e 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição).
(…)»
3. Por decisão de 8 de maio de 2013, foi a ora reclamante condenada pelo Infarmed no pagamento de uma coima. Desta condenação foi interposto recurso para a Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, que, por despacho de 1 de novembro de 2013, se declarou materialmente incompetente “atendendo ao disposto no art.º 89.º-B, n.º 1, al. g), da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro”, ordenando a remessa do processo ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (doravante, TCRS). Notificada de tal despacho, a reclamante apresentou o requerimento de fls. 144, onde invocou, em síntese: (a) a violação do caso julgado formal respeitante à competência em razão da matéria; (b) e a irregularidade do despacho, por falta de fundamentação.
Por despacho de 20 de janeiro de 2014, o TCRS indeferiu o requerimento da reclamante, louvando-se para tanto na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, mormente no processo n.º 376/12.7TFLSB-A, no qual foi dirimido, a propósito de questão idêntica, o conflito negativo de competência entre o 1.º Juízo do TCRS e o 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa (2.ª secção).
Inconformada, veio a reclamante, em requerimento de 28 de janeiro de 2014, invocar que aquele despacho não cumpria “o mandato de exposição dos motivos de facto e de direito da decisão”, padecendo – por conseguinte – de irregularidade nos termos dos artigos 118.º, n.º 2, e 123.º, do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 41.º do RGCO. Concomitantemente, suscitou a questão de constitucionalidade posteriormente reiterada no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 40), interposto em 4 de fevereiro de 2014, e que vem a ser a seguinte:
«(…)
14. Destarte, ao declarar-se materialmente competente para a apreciação do presente processo”, o Tribunal a quo aplicou uma norma, por interpretação do artigo 89.º-B, da Lei n.º 46/2011, de 24 de junho, e pela Portaria n.º 84/2012, de 29 de março), em conjugação com o artigo 61.º, n.º 1 do RGCO, e os artigos 77.º, n.º 1, alínea f), 95.º, alínea d), e 102.º, n.º 2, da mesma Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro (na redação conferida pela Lei n.º 46/2011, de 24 de junho), ou, em alternativa, nos casos em que seja aplicável, do disposto nos artigos 132.º, n.º 1, alínea d), e 133.º, alínea b), ambos da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, no sentido de que:
A competência do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão para conhecer das questões relativas a recurso, revisão e execução das decisões, despachos e demais medidas em processo de contraordenação de entidades administrativas independentes, com funções de regulação e supervisão, nos termos do artigo 89.º-B, al. g), da LOFTJ, abrange também decisões de institutos públicos, integrados na Administração indireta do Estado e que prossigam as atribuições de um Ministério, sob a sua superintendência e tutela do respetivo ministro.
15. Norma que é inconstitucional por violação do princípio da legalidade e da reserva de lei em matéria de competência (artigo 32.º, n.º 9, in fine, e 10, e 165.º, n.º 1, alínea p) da Constituição)
(…)»
Seguiu-se o despacho de não admissão do recurso, proferido em 10 de fevereiro de 2014, que se alicerçou em três fundamentos ou razões:
«(…)
Primeira: porque o despacho recorrido admite recurso ordinário.
(…)
Ora, o despacho interlocutório referido supra na alínea h) é, em abstrato, recorrível conjuntamente com o eventual e hipotético recurso que venha a ser interposto da sentença (no caso de uma, eventual e hipotética, condenação).
A A., em caso de uma, hipotética, condenação em coima na sentença, poderá sempre recorrer para o Tribunal da Relação e invocar, mais uma vez, a incompetência material do Tribunal.
Só se a decisão final for irrecorrível (por exemplo, se, por hipótese, o Tribunal vier a aplicar uma admoestação) é que o recurso para o Tribunal Constitucional seria, nessa altura, admissível (sem prejuízo dos demais fundamentos para a rejeição que infra se irão expor).
Por esse motivo, neste momento, por força do disposto no art.º 70.º, n.º 2 da LTC, o recurso não é admissível.
Segunda: porque a inconstitucionalidade não foi invocada no processo quando a A., pela primeira vez, foi confrontada com a questão.
Como se demonstrou supra, a A. foi confrontada com a decisão, datada de 01/11/2013, da 2.ª secção, Juízo de Média Instância Criminal, da Comarca da Grande Lisboa Noroeste, que se declarou materialmente incompetente “atendendo ao disposto no art.º 89.º-B n.º 1, al. g) da Lei n.º 3/99”.
A A. arguiu então a irregularidade e a violação do caso julgado, mas não invocou qualquer inconstitucionalidade. O mesmo Tribunal indeferiu o requerimento, e nenhuma reação houve por parte de A:.
O Processo foi enviado a este Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, e a A. veio requerer que este Tribunal se declarasse materialmente incompetente.
Nada veio referir quanto a qualquer inconstitucionalidade.
O Tribunal veio declarar-se materialmente competente.
A A. (em 28/01/2014), por um lado, veio invocar a falta de fundamentação. Por outro lado, veio então enxertar a inconstitucionalidade de uma questão com a qual já tinha sido diversas vezes confrontada.
E seis dias depois (03/02/2014) veio então interpor recurso para o Tribunal Constitucional, alegando então que a questão de constitucionalidade já tinha sido suscitada no processo (tinha sido suscitada no dia 28/01/2014).
Ora, com todo o respeito por quem tenha opinião diversa, parece-nos que o art.º 70.º n.º 1, al. b), da LTC deve ser interpretado no sentido de que a questão da inconstitucionalidade deve ser suscitada no processo logo que o interveniente processual dela tenha conhecimento.
O art. 70.º, n.º 1, al. b), da LTC não deve ser interpretado no sentido de ser conhecida pelo interveniente processual. Caso contrário, permite-se que o interveniente, num requerimento que nada tem a ver com a questão (até podia ser um requerimento probatório, por exemplo), a enxerte, para depois, logo de seguida, a poder suscitar.
E portanto, considera o Tribunal que a A. já tinha sido confrontada com esta questão da, alegada, inconstitucionalidade da interpretação do art.º 89.º-B da LOFTJ, logo quando foi notificada do despacho de 01/11/2013, da 2.ª secção, Juízo de Média Instância Criminal, da Comarca da Grande Lisboa. Arguiu então a irregularidade e a violação do caso julgado, não tendo suscitado a inconstitucionalidade.
Depois veio arguir a incompetência deste Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, tendo exposto a sua interpretação do mesmo art.º 89.º-B da LOFTJ. Mais uma vez, nada foi referido quanto à inconstitucionalidade.
Perante um despacho em que este Tribunal se declarou incompetente, é que veio a A. invocar a irregularidade e invocar a inconstitucionalidade da interpretação do art.º 89.º-B, da LOFTJ.
Esta inconstitucionalidade (que respeita ao art.º 89.º-B, da LOFTJ) nada tem a ver com a, alegada, irregularidade por falta de fundamentação do despacho (que respeita ao art.º 97.º, n.º 5 do CPP). Mas foi com esta alegação, desconexa com a irregularidade, que a A., 6 dias depois, no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, veio então afirmar que a questão “já tinha sido anteriormente suscitada”.
Perante estas circunstâncias, não é possível afirmar que a questão da inconstitucionalidade já tinha sido anteriormente suscitada, porque a A. não a suscitou quando dela teve conhecimento (quando foi confrontada com o despacho da 1.ª secção, Juízo de Média Instância Criminal, da Comarca da Grande Lisboa).
Por conseguinte, por não estar preenchida a previsão do art.º 70.º, n.º 1, al. b), da LTC, o Tribunal indefere a interposição de recurso.
Terceira: manifesta improcedência do recurso interposto.
(…)
Ora, da própria alegação da A. se extrai que o Tribunal não fez qualquer interpretação contrária à reserva de lei. Da própria alegação se extrai que o Tribunal interpretou uma norma (o art.º 89.º-B) presente numa lei – a Lei n.º 3/99.
O Tribunal não atribuiu qualquer competência, com base numa norma não presente em qualquer lei.
Tal como, aliás, o tem feito, por variadas vezes, o Supremo Tribunal de Justiça. Pode-se concordar – ou não – com a interpretação, mas o facto é que nos parece até contraditório alegar, por um lado, que o Tribunal não faz a correta interpretação da previsão de uma lei, e, por outro, que a interpretação viola a reserva de lei em matéria de competência.
(…)»
4. O Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação apresentada.
II. Fundamentação
5. Decorre do despacho de fls. 50 que a não admissão do presente recurso de constitucionalidade assentou na não verificação dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.ºda LTC. Considerou o tribunal recorrido que: (i) ainda não estavam esgotados os recursos ordinários tolerados pela decisão (cfr. o artigo 70.º, n.º 2, da LTC); (ii) o recorrente não suscitou durante o processo a questão de constitucionalidade que pretendia ver apreciada; (iii) o recurso em causa seria “manifestamente infundado” (cfr. o artigo 76.º, n.º 2, in fine, da LTC).
Como seguidamente se constatará, tal despacho não merece censura.
Com efeito, é patente que a decisão recorrida – o despacho de 10 de janeiro de 2014 – ainda admite recurso ordinário, porquanto tal decisão ainda poderá vir a ser impugnada no âmbito do recurso interposto da decisão final, isto é, da decisão que se pronuncie sobre a condenação no pagamento da coima. Neste sentido, não se acha preenchido o requisito de admissibilidade consagrado no n.º 2 do artigo 70.º, da LTC.
Como é bom de ver, a apreciação dos demais fundamentos vertidos no despacho de não admissão fica prejudicada pela procedência do primeiro. Vejamos. Por um lado, não tendo havido esgotamento dos recursos ordinários, poderá o recorrente, em momento ulterior, dar cabal adimplemento ao ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade em causa. Depois, uma vez que a “manifesta improcedência” do recurso, a que se reporta o artigo 76.º, n.º 2, da LTC, leva pressuposto o conhecimento do respetivo mérito, é de concluir que, não estando verificados os pressupostos formais de admissibilidade do presente recurso, fica naturalmente obstruída a apreciação daquele terceiro fundamento.
Tanto basta para indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho de não admissão do recurso proferido pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.
III. Decisão
6. Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 6 de maio de 2014. – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.