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Processo n.º 1375/2013
2ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, A. reclamou, em 16 de dezembro de 2013 (fls. 2 a 8), ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da LTC, do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da 5ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa, em 03 de dezembro de 2013 (fls. 198 a 201), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 21 de novembro de 2013 (fls. 191 a 196), com fundamento na intempestividade do mesmo.
Para melhor compreensão da tramitação dos presentes autos, transcreve-se, de seguida, a decisão de rejeição do recurso interposto, circunscrita à parte em que o aprecia:
«Entretanto, com data de entrada de 22.11.2013 o arguido veio interpor novo recurso para o Tribunal Constitucional (cfr fls 1367 e ss).
Tanto quanto é possível perceber o que o recorrente pretende é recorrer da decisão deste tribunal.
Vejamos.
Recorde-se que após o indeferimento da reclamação do despacho que lhe não admitiu o recurso para o STJ - na parte em que pretendia recorrer da decisão que negara provimento ao recurso do Ministério Público, é bom que se lembre - o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (cfr supra 4.3).
O Sr. Vice-Presidente do STJ não admitiu em parte o recurso por considerar que uma parcela das invocações do requerimento diziam respeito não à sua própria decisão mas sim ao que fora decidido no acórdão do TR Lisboa (cfr supra 4.4 e 4.5)
Ou seja, o que o Sr. Vice-Presidente considerou foi que parte do mencionado recurso visaria 'atacar' a decisão que fora proferida pelo TR Lisboa.
E efetivamente, como o próprio recorrente afirmou no requerimento respetivo (fls 111-118 do apenso 1246/05.0TASNT.LI-A - cfr supra 4.3) a questão cuja inconstitucionalidade pretende ver declarada é a da interpretação que a Relação fez dos arts. 411.º, nºs 1, 3 e 4, 412°, nºs 3 e 4 e 417.º, n.º 3 do CPP (cfr pontos 5 e 6 do citado requerimento).
Explicitando a questão de outro modo e procurando fazer, digamos, a síntese da síntese:
a) O acórdão do TR Lisboa negou provimento ao recurso do Ministério Público (além de rejeitar o do arguido por extemporaneidade);
b) O arguido recorreu dessa parte do acórdão para o STJ;
c) O recurso não foi admitido;
d) O arguido reclamou para o Sr. Presidente do STJ;
e) A reclamação foi indeferida;
f) O arguido recorreu para o TC;
g) O recurso foi em parte admitido e noutra parte rejeitado
h) Na parte em que o recurso foi admitido o TC negou provimento;
i) Na parte em que o recurso não foi admitido o arguido reclamou para o TC:
j) E o TC indeferiu a reclamação.
Por conseguinte, tudo se passa no âmbito do sobredito recurso que o arguido interpôs da parte do acórdão do TR Lisboa que negou provimento ao recurso do Ministério Público e não na parte em que o dito acórdão rejeitou o recurso do arguido. Relativamente a essa parte foi já admitido o recurso (cfr supra 8).
Ora, assim sendo, visando o arguido impugnar este último segmento do dito acórdão deveria tê-lo feito no prazo de que beneficiou para esse efeito após a notificação do mencionado acórdão porventura com o recurso que interpôs em 26.01.2012 (cfr supra 1.1) e a que, então deveria ter conferido âmbito mais alargado se assim o entendesse.
Não o fazendo então, a pretensão de o fazer agora apresenta-se como manifestamente extemporânea face ao estabelecido no art. 75.º, n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82).
Em face do que se não admite o recurso para o Tribunal Constitucional.
Notifique.» (fls. 200 e 201)
2. Os termos da reclamação deduzida, que ora se resumem, são os seguintes:
«III. Da não admissão do Recurso para o Tribunal Constitucional:
28. feito o enquadramento posicional do problema em decisão - tempestividade ou não de recurso penal interposto no 27º dia do prazo de 30 dias por também versar sobre matéria de facto - veio o arguido a recorrer para o Tribunal Constitucional da decisão da Relação que lho não admitiu por, alegadamente, estar 'mal feito' em sede de recurso sobre matéria fáctica.
29. O Despacho de não admissão de que ora se reclama para o Tribunal Constitucional é o que versa sobre este recurso.
30. Salvo o devido respeito, quer parecer ao recorrente que o Excelentíssimo Desembargador Relator lavra num erro de partida quando refere, logo de entrada, no seu douto ponto 1, 1.1 e 1.2, os recursos que o arguido interpôs do despacho que lhe não admitiu o recurso da decisão da Comarca;
31. Escreve o Venerando Desembargador que o arguido dessa decisão interpôs dois recursos:
- um para o Tribunal Constitucional da decisão que rejeitou o seu recurso e outro;
- para o STJ da decisão que negou provimento ao recurso do M.P ..
32. Ora, salvo o devido respeito, é precisamente o contrário:
Da decisão que negou provimento ao recurso do M.P. recorreu para o Tribunal Constitucional, recurso esse que ficou a aguardar a decisão definitiva sobre o primeiro (vide fls.1273);
33. O subsequente trajeto processual que o Venerando Desembargador refere no douto despacho reclamado prende-se com a circunstância da não admissão do recurso para o STJ.
34. Foi esse despacho de não admissão de recurso para o STJ que deu origem a toda a dinâmica processual descrita no douto despacho.
35. Mas, e isso é o que releva neste momento, a via de recurso aberta com o recurso para o STJ da decisão da Relação de não admissão do recurso para ela deduzido da decisão Comarca por extemporaneidade, veio a fechar-se com o Acórdão do Tribunal Constitucional de 7 de novembro de 2013.
36. mas, salvo erro, a via de recurso que se fechou nesse momento é a que se prende com a decisão que não admitiu o recurso do arguido por extemporaneidade que, assim, voltaria à Relação de Lisboa - de onde saíra pelo Recurso para o STJ - e onde, por esgotamento de recursos ordinários, seria possível recorrer para o Tribunal Constitucional.
37. Que foi o que o arguido fez por requerimento de fls. 1367 e ss.;
38. O Recurso para o Tribunal Constitucional já admitido por douto despacho de 19/11/2013 (ref. 6505734), salvo o devido respeito, é o que se refere no ponto 1.2 do douto despacho reclamado e a que se reporta o último parágrafo do despacho/Acórdão de fls. 1273),
39. Aliás, a não ser assim, ou a ser elegível o momento para tal recurso, como defende o Exmo. Senhor Desembargador Relatar no douto despacho reclamado, o do recurso que interposto foi para o STJ equivale a negar o direito ao Recurso pois, na prática, ao recorrer para o STJ faz-se uma opção legislativa possível - é bom não esquecer que o Exmo. Senhor Procurador no seu parecer considerou a decisão recorrível para o STJ! - que, pela não admissibilidade derradeira vetaria o recurso sobre a constitucionalidade da decisão da Relação (que, de resto, se invoca claramente no recurso para o STJ); Isto é:
40. A Decisão, douta, do Exmo. Senhor Desembargador, está a cercear o direito ao recurso para o Tribunal Constitucional sobre aquela que é, afinal, a 'causa petenti' principal dos autos: a tempestividade - ou não - de um recurso penal se e quando a alegação sobre matéria de facto não é 'perfeita' apesar de percetível a intenção de dela recorrer no âmbito dos 30 dias qua a tal recurso cabe.
41. Pode a Relação, a seu belo talante e sem sindicância superior - em primeira instância - decidir da tempestividade de um recurso por considerar - também em primeira instância - se o recurso é ou não elegível como recurso sobre matéria de facto?
42. É esta a 'questio decidendi' que, pese o caráter abstrato que se lhe possa assacar é absolutamente relevante quer para o destino do recurso do arguido, ora recorrente como é generalizável em termos de uma norma ou princípio abstrato a aplicar a todas as situações futuras, o que, aliás, o já citado Ac. do STJ (vide ponto 21 desta reclamação) parece pretender fazer.
43. Mas, dado o caráter constitucional fundamental do direito ao recurso - a um recurso efetivo - parece relevante que o tribunal Constitucional se pronuncie, em moldes abstratos, sobre a inconstitucionalidade de uma interpretação do artº 412º, nº 3 do CPP no sentido de, por deficiência de alegação ainda que percetível de recorrer sobre a matéria de facto, se rejeitar um recurso penal por, assim, ter apenas um prazo de 20 dias e não os 30 atribuíveis quando versa sobre matéria fáctica.
44. Tal interpretação da Lei processual viola o nº 1 do artº 32º da C.R.P .
45. A presente reclamação é pertinente pois, salvo erro e com o devido respeito por opinião diversa, o recurso que já foi admitido não é o recurso da decisão da Relação sobre a inadmissibilidade do Recurso da Comarca 'porque intempestivamente interposto' (fls. 864) mas o do Recurso quanto à decisão de não provimento do Recurso do M.P ..
Concluindo:
Motivo porque, sob pena de rejeição de recurso relevante e fundamental para a boa decisão do caso, deve a presente reclamação ser admitida e ser admitido o recurso para o Tribunal Constitucional nos moldes do requerimento de 22/11/2013 (fls. 1367 e ss.) por ser esse o que está agora em causa e ser o momento processualmente correto de o dar ajuízo.» (fls. 2 a 4)
3. Em sede de vista, ao abrigo do n.º 2 do artigo 77º da LTC, o Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nos seguintes termos:
«1. A Relação de Lisboa, por acórdão de 7 de janeiro de 2012, decidiu:
“A) não conhecer do objeto do recurso interposto pelo arguido A., que, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, rejeitam porque intempestivamente interposto;
B) negar provimento ao recurso do Ministério Público e confirmar o acórdão recorrido.”
2. Dessa decisão, da parte que não conheceu do objeto do recurso (“A”) foi, pelo arguido, interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e, no mesmo requerimento foi, da segunda parte (“B”) - a que negou provimento ao recurso do Ministério Público -, interposto recurso para o Tribunal Constitucional, reportando-se a inconstitucionalidade à “interpretação e aplicação dos artigos 50.º, 70.º e 71.º do Código Penal” (fls. 59 e 60).
3. Quanto ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que este não foi admitido, o recorrente reclamou para o Senhor Presidente daquele Supremo Tribunal.
4. Na sequência da decisão que indeferiu a reclamação foram apresentados dois recursos para o Tribunal Constitucional, sendo um admitido e outro não.
5. Quanto ao admitido, o Tribunal Constitucional não conheceu do seu objeto (Acórdãos n.ºs 337/2013, 619/2013 e 762/2013).
6. Quanto ao não admitido, a reclamação apresentada foi indeferida pelo Tribunal Constitucional (Acórdãos n.ºs 588/2012, 61/2013 e 189/2013).
7. Desta forma, as questões de inconstitucionalidade relacionadas com a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, ficaram definitivamente resolvidas.
8. Como atrás se disse (n.ºs 1 e 2) do acórdão da Relação foi também interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
9. Sobre esse recurso disse na altura o Senhor Desembargador Relator:
“Recurso para o Tribunal Constitucional: pronunciar-nos-emos sobre a sua admissão quando houver decisão definitiva do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.”
10. Resolvida a questão da recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, como atrás vimos, o Senhor Desembargador Relator, fazendo referência ao seu despacho, o anteriormente referido (fls. 1273), admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 1362).
11. Sendo este o único recurso para o Tribunal Constitucional cuja admissibilidade estava pendente e sendo admitido e mandado subir, não nos parece que a “reclamação” agora apresentada e na qual nem sequer se indica com clareza de que decisão se reclama, tenha algum sentido.
12. Pelo exposto, não se deve conhecer da “reclamação”.»
4. Face à complexidade dos autos e à falta de elementos indispensáveis a uma boa decisão, a Relatora proferiu o seguinte despacho, em 29 de janeiro de 2014:
«1. Notifique-se o reclamante para vir aos autos indicar qual é o despacho de não admissão do recurso, bem como a data em que ele foi proferido, no prazo de 10 (dez) dias.
2. Oficie-se o tribunal recorrido para que informe este Tribunal, com urgência, sobre se foi proferido despacho de admissão ou rejeição relativamente ao recurso interposto a 22 de novembro de 2013 (fls. 1367 dos autos originais) e para que envie cópia do requerimento de interposição de recurso e do respetivo despacho de admissão ou de rejeição, caso tenha sido proferido.» (fls. 173)
Após ter recebido cópias do requerimento de interposição de recurso e do despacho de não admissão, a Relatora disso notificou o Procurador-Geral Adjunto a exercer funções junto deste Tribunal, para que ele se viesse pronunciar sobre estes novos elementos, por despacho proferido em 18 de fevereiro de 2014 (fls. 203)
5. Na posse desses elementos, o Ministério Público veio pronunciar-se, no seguinte sentido:
«1. Segundo se vê, das conclusões da resposta apresentada pelo Ministério Público e pelo assistente à motivação do recurso interposto pelo arguido para a Relação de Lisboa - que vêm transcritas no acórdão daquela Relação (fls. 32 e 33) -, aqueles sujeitos processuais levantaram a questão de extemporaneidade do recurso interposto pelo arguido.
2. Na Relação, o Ministério Público emitiu parecer, tendo sido cumprido o artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
3. Assim, promovo se solicite ao Tribunal da Relação de Lisboa, certidão das seguintes peças processuais:
- Parecer do Ministério Público ali emitido;
- Resposta do arguido a esse parecer.
4. Por outro lado, no ponto 7 da decisão que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional refere-se:
“7 – Perante o desfecho do apenso 1246/05.0TASNT.L1-A com o fundamento em que o recurso para o STJ não foi admitido e o TC não se pronunciou sobre o fundo da questão veio o arguido interpor recurso de fixação de jurisprudência o qual foi admitido por despacho de 11.07.2013 e subiu em separado (cfr fls 1356 e 1357 do processo principal).”
5. Assim, promovo se solicite o envio de certidão das pertinentes peças que compõem esse recurso para fixação de jurisprudência, designadamente do requerimento de interposição do recurso e da decisão que o admitiu.»
Na sequência desta promoção, que a Relatora deferiu e determinou o seu cumprimento, através de despacho proferido em 26 de fevereiro de 2014 (fls. 208). Em 12 de março de 2014, os documentos solicitados deram entrada na Secretaria deste Tribunal, provenientes do tribunal recorrido.
6. Tendo ido a vista, o Ministério Público pronunciou-se no seguinte sentido:
«1. Face aos elementos que constam do processo, em 15 de janeiro de 2014, o Ministério Público emitiu o parecer que, seguidamente, reproduzimos:
(…)
2. Porém, face aos novos elementos trazidos ao processo, aquele parecer apenas mantém, em nossa opinião, inteira validade até ao ponto 7.
3. Definitivamente resolvida a questão da recorribilidade do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente veio, em 21 de novembro de 2013 - a última decisão do Tribunal Constitucional respeitante à recorribilidade data de 6 de novembro de 2013 (fls.151) -, interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
4. O requerimento é apresentado invocando as alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC).
5. Nesse requerimento é citada variada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional e na parte em que vem enunciada a questão de inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada, diz-se:
“Nos termos expostos e nos mais que o Excelentíssimo Senhor Desembargador venha a suprir deverá ser admitido o presente recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento nas alíneas b) e g) do nº 1 do artº 70º do dito Tribunal por forma a que seja declarada a inconstitucionalidade da interpretação defendida pelo Tribunal recorrido dos artºs 411º, nºs 1 e 4; 412º, nºs 3 e 4 e 417º, nº 3 por violarem os princípios que resultam dos nºs 1 e 2 do artº 32º da C.R.P. – e afrontarem decisão já proferida por este Tribunal – e do artº 400º do CPP por violar os artºs 202, nºs 1 e 2, 205º e 26º, nº 1 da C.R.P. sem prejuízo de se considerar que a decisão em causa o é em primeira instância pelo que não admitir o recurso é negar o princípio do duplo grau de jurisdição, devendo proferir-se decisão por este constitucional areópago que declare a inconstitucionalidade da interpretação desses artigos no sentido de considerar extemporâneo um recurso por inadequação ou imperfeição em sede de alegação sobre a matéria de facto quando fique claro nos autos que há a intenção do recorrente impugnar a matéria de facto.” (sublinhado nosso)
6. O acórdão da Relação não conheceu do objeto do recurso interposto pelo arguido por intempestividade, mais concretamente:
“. o recorrente não impugnou a decisão sobre a matéria de facto nos termos previstos nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do Cód. Proc. Penal e por isso não podia beneficiar do alargamento do prazo de 20 para 30 dias, previsto no n.º 4 do artigo 411.º da mesma Codificação;
. o recurso foi interposto treze dias após o termo do prazo, já que, no caso, o início da sua contagem coincidiu com a data do depósito da sentença na Secretaria (art.º 411.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Penal).”
7. Saliente-se que no acórdão da Relação não se põe em causa que o prazo de trinta dias foi respeitado.
8. Portanto, em síntese, a norma que resulta da conjugação dos artigos 411.º, n.ºs 1, alínea b) e 4, e 412.º, n.ºs 3 e 4, todos do CPP, interpretado no sentido de que é extemporâneo o recurso apresentado para além dos vinte dias contados da data do depósito da sentença (mas dentro do prazo de 30 dias) quando venha a ser rejeitado o recurso sobre a matéria de facto, com fundamento no não cumprimento adequado dos ónus previstos dos nºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP.
9. Sendo esta a norma - a interpretação normativa – efetivamente aplicada, facilmente se constata que o Acórdão do Tribunal Constitucional citado no requerimento (Acórdão nº 404/2004), não julgou inconstitucional ou sequer se pronunciou sobre esta concreta interpretação.
10. Tanto basta para que não possa conhecer-se do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
11. Quanto à alínea b) do mesmo preceito, parece-nos que se verificam os pressupostos para a sua admissibilidade.
12. Na verdade, apesar da enunciação da questão não ser absolutamente clara – o que, aliás, poderia justificar a prolação do despacho-convite a que alude o artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6 da LTC – parece-nos que o afirmado na parte final da “conclusão” corresponde à dimensão normativa efetivamente aplicada.
13. Quanto à não suscitação prévia da questão, parece-nos que não era, no caso, exigível.
13. Com efeito, o Ministério Público na resposta ao recurso do arguido suscitou a questão de sua tempestividade invocando os mesmos fundamentos que a Relação acolheu.
14. Porém, apesar de poder ser notificado dessa resposta e dela ter conhecimento, não está processualmente prevista a notificação para responder à resposta.
15. Quando na Relação de Lisboa o Ministério Público emitiu parecer, não levantou essa questão, pelo que o arguido também não tinha que a referir na resposta que apresentou.
16. Por último, diremos que o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência interposto pelo recorrente tinha a ver com a interpretação agora em causa no recurso de constitucionalidade.
17. Porém, e independentemente do entendimento que se tiver sobre tal matéria e o alcance do disposto no artigo 75.º, n.º 2, da LTC (vd. Acórdão n.º 573/2006), como no caso, o recurso foi rejeitado, parece-nos que não existe, por essa via, obstáculo à admissão do recurso para este Tribunal.
18. Pelo exposto, parece-nos que a reclamação será de deferir, na parte em que o recurso é interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC.»
Posto isto, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
7. Conforme se demonstra supra, após o Tribunal da Relação de Lisboa ter decidido, por acórdão proferido em 07 de janeiro de 2012, não conhecer do objeto do recurso interposto pelo ora reclamante, com fundamento na sua intempestividade, este reagiu, interpondo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Na medida em que aquele também negou provimento a recurso interposto pelo Ministério Público, o ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, relativamente à interpretação extraída dos artigos 50º, 70º e 71º do Código Penal, que já foi decidido e que não afeta ou diz respeito à questão em apreço nos presentes autos.
Face à rejeição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o ora reclamante deduziu reclamação para o respetivo Presidente, que foi indeferida por despacho do Vice-Presidente daquele Tribunal. Desse despacho, foram interpostos dois recursos de constitucionalidade, que tiveram por objeto outras normas jurídicas (e interpretações normativas) que não coincidem com aquela que se pretendia discutir no âmbito dos presentes autos – in casu, os artigos 400º, n.º 1, alínea c), e 405º, ambos do CPP. Um dos recursos foi admitido, pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, mas foi, posteriormente, alvo de uma decisão de não conhecimento, já no Tribunal Constitucional, dando lugar aos Acórdãos n.º 337/2013, n.º 619/2013 e n.º 762/2013 (todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Por sua vez, o outro recurso não foi admitido pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que foi alvo de reclamação para este Tribunal, tendo essa decisão de não conhecimento sido confirmada pelos Acórdãos n.º 588/2012, n.º 61/2013 e n.º 189/2013 (igualmente disponíveis no mesmo sítio eletrónico).
Aliás, deve notar-se que o Acórdão n.º 588/2012 tomou posição expressa sobre a impossibilidade de se pronunciar-se sobre a questão substancial – extraída dos artigos 411º, n.º 4, 412º, n.ºs 3 e 4, e 417º, n.º 3, todos do CPP –, precisamente porque o despacho (então) proferido no Supremo Tribunal de Justiça não se havia pronunciado sobre a admissão do recurso de constitucionalidade quanto àquelas normas, por essa ser – no entendimento daquele Tribunal – da competência do Tribunal da Relação de Lisboa, na medida em que foi o único tribunal que aplicou aquelas normas. Veja-se, então, o teor desse despacho, tal como transcrito pelo nosso Acórdão n.º 588/2012:
«Admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, mas apenas na parte em que se refere à decisão da Reclamação proferida no âmbito dos poderes do artigo 405 CPP (pontos 7 e 14 e seg. do requerimento de interposição); o recurso sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
As restantes invocações do requerimento respeitam à decisão do Tribunal da Relação, não cabendo pronúncia sobre a admissão ou não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional».
Na senda desse raciocínio, o mesmo Acórdão n.º 588/2012 mais demonstrou que:
«6. No recurso interposto para o Tribunal Constitucional, o aqui Reclamante formula o seguinte pedido:
«(…) deverá ser admitido o presente recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento nas alíneas b) e g) do n.º 1 do art. 70.º do dito Tribunal por forma a que seja declarada a inconstitucionalidade da interpretação defendida pelo Tribunal recorrido dos arts. 411.º, n.ºs 1 e 4; 412.º, n.ºs 3 e 4 e 417.º, n.º 3 por violarem os princípios que resultam dos n.ºs 1 e 2 do artº 32.º da CRP – e afrontarem decisão já proferida por este Tribunal – e do art. 400º do CPP por violar os artºs 202.º, n.ºs 1 e 2, 205º e 26º, n.º 1 da CRP, sem prejuízo de se considerar que a decisão em causa o é em primeira instância pelo que não admitir o recurso é negar o princípio do duplo grau de jurisdição».
7. Importa começar por recordar que o despacho reclamado se desdobra em dois segmentos diferenciados:
- um primeiro a admitir o recurso para o Tribunal Constitucional na parte referente à decisão da reclamação proferida no âmbito dos poderes do artigo 405.º do Código de Processo Penal (CPP) (respeitante aos pontos 7 e 14 do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional), e
- um segundo a esclarecer que, respeitando as restantes invocações do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional à decisão do Tribunal da Relação, nessa parte não cabe pronúncia do STJ sobre a admissão ou não admissão daquele recurso.
A presente reclamação tem por objeto apenas a segunda parte do aludido despacho, sendo que as questões de inconstitucionalidade ali suscitadas se reportam à decisão proferida no Tribunal da Relação que rejeitou o recurso (interposto do acórdão condenatório proferido em 1.ª instância) por intempestividade sem prolação de despacho a convidar o recorrente a suprir deficiências das conclusões do recurso.
8. A decisão proferida no STJ limitou-se, assim, ao conhecimento da reclamação do despacho de não admissão de recurso para este Tribunal, não tendo interpretado ou aplicado as normas cuja inconstitucionalidade é suscitada naquela parte do recurso e se traduzem, por um lado, na interpretação dos artigos 412.º, n.os 3 e 4 e 411.º, n.º 4 do CPP que fundou a rejeição do recurso por intempestividade, pelo Tribunal da Relação, e em segundo lugar na interpretação do art.º 417.º, n.º 3 do CPP não conducente ao convite, mais uma vez pelo Tribunal da Relação, para suprimento das deficiências das conclusões da motivação.
Não tendo o Supremo Tribunal de Justiça apreciado aquelas duas questões, foi entendimento do despacho reclamado não caber àquele Tribunal, pronunciar-se sobre a sua admissibilidade. Com efeito, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LTC, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respetivo recurso.
9. Dispõe, por sua vez, o n.º 4 do referido artigo 76.º da LTC, que do despacho que indefira o requerimento de interposição de recurso ou retenha a sua subida cabe reclamação para o Tribunal Constitucional.
A decisão reclamada não admitiu o recurso de constitucionalidade por, devendo o mesmo ter sido interposto no tribunal que proferiu a decisão recorrida – Tribunal da Relação de Lisboa – a este último competia apreciar a sua admissão.
Termos em que se impõe indeferir a presente reclamação.»
Ora, o recurso de fiscalização de constitucionalidade interposto em 21 de novembro de 2013, vem precisamente na sequência dos acórdãos anteriormente proferidos neste Tribunal. Logo que o ora reclamante foi notificado do último acórdão que colocou termo ao último dos recursos de constitucionalidade anteriormente interpostos, veio então colocar o Tribunal da Relação de Lisboa perante uma questão que já constara de recurso de constitucionalidade – entretanto, deu causa aos autos relativos ao Acórdão n.º 588/2012 e subsequentes –, mas que, em bom rigor, não foi alvo de decisão de admissão ou de rejeição pelo Supremo Tribunal de Justiça, por – no entendimento daquele Tribunal – caber ao Tribunal da Relação de Lisboa pronunciar-se sobre a sua admissibilidade. Em suma, o recurso interposto em 21 de novembro de 2013 mais não faz do que confirmar anterior recurso de constitucionalidade, relativamente ao qual não tinha sido proferido qualquer despacho de admissão ou de rejeição, por parte do Tribunal da Relação de Lisboa.
Assim sendo, não procedem as objeções constantes do despacho reclamado, pelo que se defere a reclamação apresentada, mais se determinando que seja o recorrente notificado para proferir alegações escritas, perante este Tribunal, no prazo de 30 (trinta) dias, conforme determinam os artigos 77º, n.ºs 1 e 4, e 79º, n.º 2, ambos da LTC.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se deferir a presente reclamação, admitindo-se o recurso.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 7 de maio de 2014. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.