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Processo n.º 226/98
2ª Secção Relator — Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. L... intentou pelo Tribunal do Trabalho de Almada e contra o Estado Português, através do Ministério da Educação, acção que seguiu a forma de processo ordinário, pedindo que fosse declarado nulo o despedimento das suas funções correspondentes à categoria de auxiliar de acção educativa, que exercia na Escola Preparatória n.º 2 de Vale da Romeira, para as quais foi admitida em
21 de Outubro de 1991, nos termos do contrato a termo então celebrado e depois renovado em 1 de Outubro de 1992. Apresentada contestação pelo Ministério Público, em representação do réu, foi, em 1 de Outubro de 1996, proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu dos pedidos formulados pela ora recorrente. Não se conformando com o assim decidido, recorreu a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o Ministério Público, em contra-alegações, a propósito da aplicabilidade ao caso do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, afirmado que:
'(...) Além disto, a proceder a tese da A. seria violado o disposto no artº 47º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Este artigo explicita ‘um direito de carácter pessoal, associado à liberdade de escolha de profissão, de acesso à função pública’, compreendendo o direito a que este se opere em condições de igualdade e liberdade, mediante um procedimento justo de recrutamento. Trata-se aqui de um domínio pautado por uma acentuada vinculação da Administração (...) Ora, no caso vertente, a A. nunca esteve integrada nos quadros da Administração Pública. Logo, não seria possível operar uma reintegração, na qual nunca existiu uma verdadeira integração nos quadros. E também não se poderá entender que a reintegração iria operar nos quadros da função pública, pois que, para além do referido, o Tribunal seria incompetente em razão da matéria. Mas também não se pode admitir a existência de um contrato sem prazo, de natureza privada, uma vez que esta situação conflitua com ao art.º 14º, n.º 1, a contrario, e com o art.º 43º do DL 427/89, que proíbem tal tipo contratual na função pública e no regime de emprego da Administração Pública. De facto, a admitir-se como válida esta reintegração, o que não se pode conceber, passariam a coexistir dois regimes de prestação de trabalho: o Um regime de direito privado, através do contrato individual de trabalho e do contrato de prestação de serviços; e, o Um regime de direito público, pela via da nomeação (funcionário) ou do contrato administrativo de provimento (caso em que a pessoa adquiria o estatuto de agente administrativo). Coexistência esta que surgiria à revelia de uma opção de política legislativa Assembleia da República, que possui reserva relativa de competência em matéria de bases gerais do regime e âmbito da função pública.' E concluiu:
'1 – A relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação e contrato de pessoal (artºs 5º do DL 184/89 de 2/6 e 3º do DL 427/89 de 7/12);
2 – O contrato de pessoal só pode revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes do DL 427/89;
3 – A lei é taxativa (‘só pode admitir’), pelo que a Administração Pública não pode admitir pessoal por outras formas que não as indicadas, estando-lhe, por isso, vedada a possibilidade da contratação mediante contratos de trabalho sem termo;
4 – Donde resulta que as formas de emprego na Administração Pública são típicas e taxativas e que a legislação que regula esta situações tem carácter especial e excepcional;
(...)
6 – Por isso, não é admissível a aplicação aos contratos a termo celebrados pelo Estado do disposto no artºs 41º, 44º e 47º do DL 64-A/89;
7 – Na verdade, além de o Estado estar impedido de celebrar contratos de trabalho sem termo, também os que celebrou a termo nunca se convertem em contratos de trabalho por tempo indeterminado;
8 – dado que o Estado celebrou com a A. um contrato a termo certo para o desempenho de funções de carácter permanente, em violação do disposto nos artºs
9º do DL 184/89 e 18º do DL 427/89, terá de concluir-se que não tinha competência para o outorgar, pelo que o mesmo será nulo (artºs 286º e 294º do Código Civil);
9 – Esta nulidade só poderá ter as consequências previstas no artº 15 do DL
49408 de 24/11/69;
10 – Ora, o contrato da A. teve de cessar por caducidade em 31/8/94, em virtude de, a partir desta data, inexistir qualquer legislação específica que permitisse a sua manutenção;
(...)
13 – É, pois, esta uma das especialidades do regime do emprego na Administração Pública, que leva ao afastamento do DL 64-A/89, já que este só tem aplicação subsidiária, ou seja, só se aplica nos casos não directamente previstos e estipulados no DL 427/89;
14 – Na verdade, se é o regime jurídico específico e excepcional do emprego na Administração Pública a prever esta forma de cessação do contrato de trabalho, não admitindo qualquer outra, torna-se impossível considerar que houve um despedimento ilícito da Autora;
15 – Por isso, tendo caducado o contrato de trabalho a termo certo da A., por o Estado não o ter renovado, a cessação operada é perfeitamente válida;
16 – Logo, não existiu qualquer despedimento ilícito da A., não sendo, por isso, aplicáveis as disposições dos art.ºs 12º e 13º do DL 64-A/89 de 27/2;
17 – E, uma vez que, até à referida data, o Estado pagou à A. todas as quantias a que esta tinha direito, nada mais lhe é devido;
18 – Da mesma forma, a reintegração da A. nunca seria possível, já que violaria o disposto no art.º 47º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa;
19 – Além do mais, não se concebe como é possível reintegrar quem nunca esteve integrado nos quadros do Estado, sem prejuízo de o Tribunal do Trabalho ser incompetente em razão da matéria para esse efeito;
20 – Mas, caso se entenda que a reintegração iria operar num regime de contrato de trabalho sem termo, de natureza privada, sempre se dirá que tal situação conflitua com o art.º 14º, n.º 1, a contrario, e com o art.º 43º, ambos do DL
427/89'.
2. A Relação de Lisboa, por Acórdão de 21 de Janeiro de 1995, deu provimento ao recurso de apelação, revogando a sentença recorrida e condenando o réu 'a pagar-lhe a indemnização correspondente a um mês de retribuição de base, por cada ano ou fracção, de antiguidade, até à data da sentença proferida na 1ª instância, bem como o valor das retribuições que aquela deixou de auferir, desde a data do despedimento até à mesma data.(...).' Notificado deste Acórdão, e com ele não se conformando, interpôs o Ministério Público o presente recurso de constitucionalidade, 'com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15/11', querendo com o mesmo a apreciação da questão da 'inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 14º do Dec.Lei n.º 427/89 de 7/12 por violação do artigo 47º n.º 2 da Constituição, quando interpretado, como o fez o douto acórdão recorrido, no sentido de que os contratos de trabalho a termo celebrados com o Estado, são passíveis de conversão em contratos de trabalho sem prazo.' Admitido o recurso, cumpre decidir. II. Fundamentos
3. O presente recurso de constitucionalidade tem por objecto a apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 14º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo. O recorrente sustenta que tal interpretação viola o princípio consagrado no artigo 47º, n.º 2 da Constituição da República, que assegura 'o acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso'. A constitucionalidade da norma em causa nestes autos, tal como vem identificada pelo recorrente, foi recentemente apreciada por este Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 683/99, tirado em Plenário no dia 21 de Dezembro de 1999 e publicado no Diário da República, II série, de 3 de Fevereiro de 2000, aí se concluindo que tal norma é inconstitucional, por violação do artigo 47º, n.º 2, da Lei Fundamental. O Tribunal Constitucional concluiu nesse aresto que:
'não só a Constituição da República não impõe – nem pela garantia da segurança no emprego, nem por força do princípio da igualdade – a aplicação aos contratos de trabalho a termo certo celebrados pelo Estado de um regime de conversão ope legis em contratos de trabalho por tempo indeterminado, como tal conversão, e a correspondente forma de acesso à função pública se revelariam violadoras da regra da igualdade nesse acesso e do princípio do concurso, consagrados no artigo 47º, n.º 2, da Constituição'. Não suscitando a recorrente qualquer questão nova que importe apreciar, remete-se para a fundamentação constante do Acórdão n.º 683/99, reiterando o juízo de inconstitucionalidade proferido nesse aresto, com a consequência do provimento do presente recurso. III. Decisão Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide: a. Julgar inconstitucional, por violação do artigo 47º, n.º 2, da Constituição, o artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo; b. Em consequência, conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa, 28 de Março de 2000 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa