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Processo n.º 84/14
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, notificado do acórdão n.º 263/14, de 25 de março de 2014, vem requerer a respetiva reforma, ao abrigo do artigo 613.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC).
2. Consta do requerimento de fls. 623 o seguinte:
«(…)
Refere o Colendo Tribunal, perfilhando o entendimento já expendido na douta decisão sumária, que nenhum dos acórdãos proferidos pelo tribunal recorrido adotou a interpretação enunciada pelo reclamante no seu requerimento de recurso.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com este douto entendimento.
É certo que o recurso de constitucionalidade apenas pode incidir sobre a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, impendendo sobre o recorrente o ónus de enunciar o concreto critério normativo cuja desconformidade constitucional invoca, reportando-o a uma determinada disposição ou conjugação de disposições legais. A enunciação terá necessariamente de corresponder a um dos sentidos extraíveis da literalidade do(s) preceito(s) escolhido(s) como suporte da norma ou interpretação normativa colocada em crise.
Então vejamos,
Os artigos 374.º, n.º 1 e 379.º n.º 1, alínea a), por remissão dos artigos 425.º, n.º 4, 428.º e 431.º, todos do Código de Processo Penal, impõem ao Tribunal de Recurso o dever de reexaminar a matéria de facto, não visando naturalmente a realização de um novo julgamento, mas antes que se permita um controlo daquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso.
O princípio de fundamentação que, na sequência do princípio constitucional da obrigatoriedade da fundamentação das decisões, estabelecido no artigo 205º da CRP, também se aplica ao regime legal do reexame da prova que serviu para a formação da convicção do Tribunal de 1ª instância.
Ora, o Tribunal da Relação, ao elaborar a decisão, entende ser suficiente para fundamentar o reexame da prova que serviu para formar a convicção do Tribuna1 de 1ª Instância, a enunciação de reproduções do entendimento daquele Tribunal, bem como o recurso a formulações tabelares e genéricas.
E é assim que o Tribunal da Relação de Guimarães, ao entender ser suficiente para fundamentar o reexame da prova que serviu para formar a convicção do Tribunal de 1ªinstância, a enunciação de reproduções do entendimento do Tribunal a quo, bem como o recurso a formulações tabelares e genéricas, opera uma interpretação inconstitucional das disposições conjugadas nos artigos 374.º, n.º 1 e 379.º n.º 1, por remissão dos artigos 425.º, n.º 4, 428.º e 431.º, todos do Código de Processo Penal, por violação dos imperativos constitucionais plasmados nos artigos 32º e 205º da Constituição da República Portuguesa.
E este Colendo Tribunal Constitucional, limita-se, salvo o devido respeito, a abnegar os argumentos expendidos pelo Recorrente socorrendo-se de argumentação ora superficial, ora formal, sem nunca responder em concreto à questão fulcral suscitada (a interpretação normativa inconstitucional por parte do Tribunal Recorrido e o facto de este entendimento ter constituído ratio decidendi da decisão, inquinando todo o reexame da prova operado pelo Tribunal de Recurso, e consequentemente toda a decisão)
A pretensão do Recorrente não é mais que a exigência de fundamentação rigorosa e inteligível que justifique cabalmente a objeção do conhecimento do objeto do recurso por parte deste Colendo Tribunal, uma vez que os pressupostos para conhecimento da questão suscitada se encontram cumpridos (porém sem êxito).
E, uma vez mais esta decisão se revela, salvo o devido respeito, vaga e insuficiente clara e fundamentada, permanecendo o Recorrente sem a clara perceção do que fora decidido.
De acordo com o n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Ora, ao não fundamentar devidamente a sua decisão, nem esclarecer o processo lógico mental de convicção que lhe permitiu chegar àquelas conclusões, aduzindo apenas e de forma genérica, apenas algumas considerações jurídicas, o douto Acórdão prolatado por esta Colenda Conferência é nulo por falta de fundamentação nos termos do artigo 615º n.º 1 alínea b) do Novo Código de Processo Civil, não habilitando ou possibilitando ao Recorrente, fazer uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respetivo conteúdo decisório.
3. O Ministério Público pugnou pelo indeferimento do requerido.
II. Fundamentação
4. Invoca o requerente, no requerimento que ora se aprecia, que o acórdão n.º 263/2014, de 25 de março de 2014, enferma de nulidade, por falta de fundamentação.
Ora, como se lê no n.º 1 do artigo 78.º-A, da LTC, “se entender que não pode conhecer-se do objeto do recurso (…) o relator profere decisão sumária”. Foi precisamente isso que sucedeu nos presentes autos, tendo concluído o Relator, e posteriormente a conferência, que não estavam preenchidos os pressupostos processuais viabilizadores do conhecimento do objeto do recurso. Tal asserção fundou-se, essencialmente, na falta de natureza normativa da questão de constitucionalidade enunciada e, cautelarmente, na ausência de coincidência entre a interpretação impugnada pelo (então) recorrente e o entendimento sufragado pelo tribunal recorrido.
Não se vislumbra, neste sentido, que deficit de inteligibilidade poderá inquinar a validade do mencionado aresto - mormente quanto ao último fundamento veiculado - uma vez que dele resulta de forma clara o itinerário argumentativo percorrido pelo Tribunal. Tal itinerário, atenta a evidência da situação, passou por demonstrar que o tribunal recorrido – o Tribunal da Relação de Guimarães – não aplicou os preceitos em causa em termos de deles extrair um entendimento segundo o qual o reexame da prova em segunda instância pode bastar-se com o recurso a “formulações tabelares e genéricas”.
Tanto basta para concluir no sentido de que o acórdão reformando especificou os fundamentos de fato e de direito que justificam a decisão, não enfermando da nulidade arguida.
III. Decisão
5. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir o requerido.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça que se fixa em 15 (quinze) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 6 de maio de 2014. – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.