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Proc. nº 636/97
1ª Secção Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. No Tribunal Militar Territorial de Tomar, D..., identificado nos autos, foi condenado pela prática de um crime de deserção, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 20º, nº 11, 26º, nº 4, 39º, 142º, nº 1, alínea b), e 149º, nº 1, alínea a), 1ª parte, do Código de Justiça Militar, na pena de seis meses de presídio militar. No décimo dia útil posterior à data da publicação da decisão recorrida, D... interpôs recurso para o Supremo Tribunal Militar. Requereu a atenuação da pena, ao abrigo do artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro (que institui o regime penal especial para jovens imputáveis com idade compreendida entre os
16 e os 21 anos), e a fixação da pena aplicável no mínimo legal de dois meses de prisão militar.
Nas suas alegações de recurso, o recorrente sustentou, por um lado, que uma interpretação do artigo 4º do Código de Justiça Militar que exclua a aplicação das disposições constantes do Decreto-Lei nº 401/82 é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade, acolhidos pela Lei Fundamental. Alegou que, consagrando o artigo 4º do Código de Justiça Militar um princípio de aplicação subsidiária das normas do direito penal geral no âmbito do direito penal militar, 'sempre que não contrariem os princípios fundamentais deste', o caso sub judice seria um claro exemplo de necessidade dessa aplicação (do artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82).
Por outro lado, defendeu também a aplicação ao seu caso do disposto no artigo 44º, nº 1, do Código Penal de 1995 – ex vi dos artigos 4º do Código de Justiça Militar e 8º do Código do Processo Penal –, que levaria à substituição da pena de prisão em que fora condenado pelo pagamento de uma multa, ou por outra pena não privativa da liberdade. A não se entender assim, alega o recorrente, haverá uma patente inconstitucionalidade da norma do artigo 24º do Código de Justiça Militar – pondo em causa os princípios da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade –, pois, ao restringir as penas aplicáveis à pena de prisão no âmbito da justiça militar, o legislador ignora as mais modernas concepções das ciências penal e penitenciária.
2. O Supremo Tribunal Militar considerou que o recurso foi interposto em tempo, nos termos do artigo 411º do Código de Processo Penal. Recusou, portanto, a aplicação das normas conjugadas do artigos 428º e 431º, nº 1, do Código de Justiça Militar, com fundamento na sua desconformidade constitucional, em face dos artigos 13º e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Analisando o pedido de substituição da pena de prisão por multa, o Supremo Tribunal Militar considerou-o 'absolutamente infundado e até despropositado'. Isto porque, prevendo o artigo 46º do Código de Justiça Militar a possibilidade de substituição das penas militares por outras – nomeadamente a multa –, sempre que o arguido não for militar, não se pode considerar haver uma lacuna que necessite, para o seu preenchimento, do recurso subsidiário ao Direito Penal geral. Quanto à invocada violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, decorrente, quer da não substituição da pena de prisão por multa, com base no disposto no artigo 24º do Código de Justiça Militar, quer da exclusão da aplicação do regime do Decreto-Lei nº 401/82 pelo artigo 4º do Código de Justiça Militar, o tribunal afirmou:
'Relativamente ao primeiro daqueles preceitos, cabe salientar que, para além de as situações passíveis da aplicação das penas previstas no CJM e no CP serem diferentes e distintas, não exigindo, consequentemente, igual tratamento, a haver inconstitucionalidade, seria por omissão e não cabe aos Tribunais suprir tal inconstitucionalidade – cfr. art. 283 da C.R.P. vigente. Em relação ao mencionado art. 4 dir-se-á apenas que ele nem sequer tem aplicação in casu já que, como se disse, não existe lacuna no CJM que importe suprir mediante o recurso ao art. 44º, nº 1, do CP. Assim, não é o referido art. 4 que obsta à aplicação deste art. 44, nº 1, do CPenal, pelo que inexiste a invocada inconstitucionalidade.'
O Supremo Tribunal Militar condenou o réu à pena de dois meses de prisão militar, concedendo assim parcial provimento ao recurso, mas confirmando quanto ao mais a decisão recorrida.
3. Deste acórdão foram interpostos dois recursos de constitucionalidade: um pelo Ministério Público, o outro por D....
3.1. O primeiro recurso, interposto pelo Ministério Público ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, 285º do Código de Justiça Militar, e 70º, nº 1, alínea a), e 72º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, tem por fundamento a recusa de aplicação do artigo 428º do Código de Justiça Militar, conjugado com o artigo 431º, nº 1, do mesmo diploma, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
3.2. O segundo recurso, foi interposto por D..., nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pedindo a apreciação da
'inconstitucionalidade da norma do Art. 4º do Código de Justiça Militar, com a interpretação que lhe foi dada pelo tribunal recorrido de não ser aplicável em processo penal militar o Regime Penal Especial para Jovens Imputáveis, previsto no D.L. nº 401/82, de 23 de Setembro, sendo certo que o recorrente tinha 20 anos
à data dos factos e era réu primário e ainda de não acolher a substituição por multa das penas curtas de prisão como dispõe o Art. 44º nº 1 do Código Penal de
1995.' e acrescentando no seu requerimento:
'O recorrente entende que se proceder a alegada inconstitucionalidade, como se requer, atendendo a que a condenação foi em pena inferior a seis meses de prisão, esta terá obrigatoriamente de ser substituída por pena de multa, nos termos do Art. 44º nº 1 do Código Penal.'
4. Em alegações do primeiro recurso, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional sustentou a inconstitucionalidade do artigo 428º do Código de Justiça Militar, enquanto conexionado com o artigo
431º, nº 1, do mesmo diploma, por violação dos artigos 13º e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, apoiando-se na jurisprudência constitucional (nomeadamente, nos acórdãos nºs 34/96 e 611/96).
5. Por sua vez, nas alegações do recurso por si interposto, D... concluiu do seguinte modo:
'1ª– A norma do Artº 4º do CJM, se interpretada com o sentido de não acolher as disposições constantes do D.L. nº 401/82, de 23 de Setembro, e o disposto no Artº 44º nº 1 do Código Penal, aplicáveis por força do disposto nos Artº 8º e 9º do mesmo Código, é inconstitucional, por violação dos princípios da universalidade, da igualdade e da proporcionalidade consagrados nos Artºs 12º, nº1, 13º, nº1 e 207º da Constituição da República Portuguesa, atento o disposto na Lei Geral.
2ª – A norma do Artº 24º do CJM, onde se faz a distinção das penas privativas da liberdade, entre prisão militar e presídio militar, esta mais gravosa e infamante, é inconstitucional em especial com a interpretação que dela faz o tribunal «a quo» que, em razão da designação «militar», considera estas penas privativas da liberdade diferentes da pena de prisão do Código Penal, retirando daí a impossibilidade da sua substituição por multa nos termos do Artº 44º, nº
1, do Código Penal, salvo nos casos previstos no Artº 46º do CJM, por violação dos princípios da universalidade, igualdade e proporcionalidade, consagrados nos Artºs 12º, nº1, 13º, nº 1 e 204º da Constituição da República Portuguesa, atento o disposto na Lei Geral. Nestes termos e nos demais de direito que V. Exªs doutamente suprirão, deverá ser declarada a inconstitucionalidade das normas dos Artºs 4º e 24º do Código de Justiça Militar, com a interpretação que lhe são dadas pelo tribunal «a quo».'
6. Nas contra-alegações do recurso interposto por D..., o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de que este recurso 'deve restringir-se à apreciação da questão de constitucionalidade da norma do artigo 4º do Código de Justiça Militar, na interpretação segundo a qual não é aplicável aos autores de crimes essencialmente militares o regime penal especial para jovens previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, bem como a substituição da pena de prisão não superior a 6 meses por multa, nos termos do artigo 44º, nº 1, do Código Penal'. Na sua opinião, o recorrente 'deixou cair' a questão de inconstitucionalidade do artigo 24º do Código de Justiça Militar no requerimento de interposição de recurso, acto idóneo para a delimitação do seu objecto. Ao que acresce que a invocação desta inconstitucionalidade se esvaziou de sentido, na medida em que o recorrente acabou por ficar beneficiado na decisão recorrida, que o condenou na pena de dois meses de prisão militar – e não de presídio militar, como o fizera o Tribunal Militar Territorial de Tomar. Quanto ao artigo 4º do Código de Justiça Militar, o Ministério Público concluiu pela sua inconstitucionalidade,
'[...] quando interpretado no sentido da inaplicabilidade do regime penal especial para jovens no direito penal militar, bem como da substituição das penas de prisão não superiores a 6 meses, viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade, lidos conjugadamente, por discriminar injustificadamente o arguido em processo penal militar em relação ao arguido em processo penal comum.'
Cumpre, agora, apreciar e decidir. II
Recurso interposto pelo Ministério Público. Da inconstitucionalidade da norma do artigo 428º do Código de Justiça Militar, em conjugação com o disposto no artigo 431º, nº 1, do mesmo Código.
7. O objecto do recurso interposto pelo Ministério Público é a norma do artigo 428º do Código de Justiça Militar, conjugada com o nº 1 do artigo 431º do mesmo diploma, cujo texto a seguir se transcreve: Artigo 428º:
'O prazo para interposição do recurso é de cinco dias, a contar daquele em que foi publicada a decisão, salvo se o recorrente não tiver assistido à publicação e a lei ordenar que seja notificado, porque, neste caso, o prazo começará a correr desde a notificação.' Artigo 431º, nº 1:
'O recorrente deve apresentar a sua alegação no próprio requerimento do recurso, quando este seja apresentado por escrito.'
8. A inconstitucionalidade consiste, de acordo com a orientação do Tribunal Constitucional, na infundada desigualdade – aliada à diminuição das garantias de defesa – criada relativamente aos recorrentes de um processo que corre os seus termos nos tribunais militares em face das partes envolvidas em processos junto da jurisdição penal comum, sempre que queiram impugnar os despachos e demais actos judiciais que lhes forem desfavoráveis. Estabelecendo o Código de Processo Penal um prazo de dez dias para interposição e motivação do recurso (artigos 411º e 412º), o disposto na legislação processual penal militar
é claramente mais reduzido. Conforme se escreveu no acórdão nº 611/96 (Diário da República, II, nº 115, de 6 de Julho de 1996, p. 9118 ss),
'[...] o prazo de 5 dias dentro do qual os arguidos em processo penal militar hão-de recorrer, alegar e instruir documentalmente os recursos, quando confrontado com outros prazos, nomeadamente com o prazo de 10 dias estabelecido pelo Código de Processo Penal para os arguidos do processo penal comum, não dispõe de uma específica base material credenciadora do tratamento desigual assim definido pelo legislador, apresentando-se num plano de paralelismo interprocessual como uma solução carecida de proporcionalidade. Por outro lado, no plano das garantias de defesa asseguradas pelo artigo 32º, nº
1, da Constituição, o limitado prazo de cinco dias dentro do qual o arguido há-de decidir sobre a interposição ou não do recurso, sobre a definição da estratégia de defesa e do delineamento e exposição da respectiva fundamentação, bem como sobre a junção dos documentos que lhe seja lícito oferecer na sequência da indispensável selecção e recolha, pode apresentar-se como exíguo e insuficiente, nomeadamente, quando se tiverem em conta as complexas questões que podem suscitar-se a propósito de muitos dos tipos legais de crimes previstos no Código de Justiça Militar. Deste modo, o prazo de cinco dias concedido ao arguido pelo processo criminal militar para recorrer, alegar e provar o respectivo recurso, para além de se mostrar um prazo dissonante em relação a prazos de recurso previstos em outras disciplinas jurídicas, pode não assegurar, de modo efectivo, a organização de uma defesa rigorosa e eficaz nos termos que se acham constitucionalmente garantidos. E à luz da conjugação desta dupla ordem de razões, a norma questionada deve ter-se por inconstitucional.'
Este entendimento, perfilhado igualmente pelo acórdão nº 34/96 (publicado no Diário da República, II, nº 100, de 29 de Abril de 1996, p. 5711 ss, rectificado pelo acórdão nº 469/96, publicado no Diário da República, II, nº 100, de 29 de Abril de 1996, p. 5714), é aqui reiterado. A norma do artigo 428º, conjugada com a norma do nº 1 do artigo 431º, ambas do Código de Justiça Militar, é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e das garantias de defesa do arguido em processo penal, com assento nos artigos 13º e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Recurso interposto por D.... Da inconstitucionalidade da não aplicação do regime especial penal para jovens no âmbito do direito penal militar.
9. O objecto do presente recurso, tal como delimitado no requerimento de interposição apresentado por D..., é apenas a norma do artigo 4º do Código de Justiça Militar, na interpretação segundo a qual não é aplicável aos autores de crimes essencialmente militares o regime penal especial para jovens previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, em confronto com os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Com efeito, apesar de o recorrente ter suscitado durante o processo outras questões de inconstitucionalidade, certo é que não as submete à apreciação deste Tribunal, no requerimento de interposição do recurso. Ao aludir, no mesmo requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, à necessidade de substituição da pena de prisão por multa, nos termos do artigo 44º, nº 1, do Código Penal, o recorrente não caracteriza tal questão como autêntica questão de inconstitucionalidade normativa, nem a relaciona, nesse requerimento, com a norma do artigo 24º do Código de Justiça Militar (como fez durante o processo e como veio a fazer de novo nas alegações produzidas perante este Tribunal). Diferentemente, o recorrente refere-se a tal problema como respeitando ao momento da aplicação do direito na sequência de um eventual juízo de inconstitucionalidade a proferir pelo Tribunal Constitucional, o que significa que a questão se coloca em momento posterior ao do exercício da fiscalização que compete a este Tribunal.
10. É, assim, da conformidade entre o artigo 4º do Código de Justiça Militar e os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade que cura o presente recurso ou, numa outra perspectiva, da questão de saber se é aplicável no âmbito do direito penal militar o regime especial para jovens estabelecido no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, em face da previsão do artigo 4º do Código de Justiça Militar. Prescreve o artigo 4º do Código de Justiça Militar:
'As disposições gerais da lei geral são subsidiárias do direito penal militar, desde que não contrariem os princípios fundamentais deste.'
Por seu turno, o artigo 8º do Código Penal (versão de 1995), dispõe que:
'As disposições deste diploma são aplicáveis aos factos puníveis pelo direito penal militar e da marinha mercante e pela restante legislação de carácter especial, salvo disposição em contrário.'
Finalmente, o artigo 9º do Código Penal determina que:
'Aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial'.
11. A defesa militar da República, que incumbe constitucionalmente às Forças Armadas (artigo 275º, nº 1, da Constituição), pode justificar, até certo ponto, uma justiça e uma disciplina militares autónomas, de específica valoração
– o que é susceptível de legitimar diferenciações de tratamento. A Constituição da República, ao consagrar, no nº 1 do seu artigo 218º – na redacção originária – a competência dos tribunais militares para o julgamento, em matéria criminal, dos crimes essencialmente militares, modificou substancialmente o âmbito da jurisdição militar, cujo foro, até então definido pela qualidade do agente, passou a ser, de novo, determinado em função da natureza do crime. O preenchimento do conceito de crime militar foi deixado pela Constituição ao legislador ordinário, vindo o Código de Justiça Militar a definir crimes essencialmente militares como 'os factos que violem algum dever militar ou ofendam a segurança e a disciplina das forças armadas, bem como os interesses militares da defesa nacional, e que sejam como tal qualificados pela lei militar' (nº 2 do artigo 1º). O Tribunal Constitucional, no seu labor jurisprudencial, foi densificando o conceito, caracterizando-o, fundamentalmente, através da natureza dos bens jurídicos violados. Existirá em princípio, crime essencialmente militar quando se verifique ofensa dos interesses específicos enunciados no nº 2 do artigo 1º do Código de Justiça Militar – violação de algum dever militar ou ofensa da segurança e da disciplina das Forças Armadas ou dos interesses militares da defesa nacional e que como tal sejam qualificados pela lei militar.
A esta luz, não é necessariamente lesiva do princípio da igualdade uma interpretação da qual resulte uma diferenciação de tratamento, em consequência do afastamento do direito penal especial para jovens no âmbito do direito penal militar.
Assim considerou o Tribunal Constitucional, no acórdão em que teve oportunidade de analisar a questão da constitucionalidade da aplicação do regime especial para jovens no âmbito do direito penal militar (acórdão nº 118/99, inédito).
12. No caso dos autos, tendo em conta o crime pelo qual o recorrente foi condenado (o crime de deserção, previsto e punível pelas disposições dos artigos
142º, nº 1, alínea b), e 149º, nº 1, alínea a), 1ª parte, do Código de Justiça Militar), não estão em confronto situações diferentemente tuteladas no âmbito do Código Penal e do Código de Justiça Militar, de modo a poder discutir-se a conformidade constitucional do respectivo tratamento e a razoabilidade de uma moldura penal mais severa fixada para a conduta prevista no Código de Justiça Militar, como sucedeu em outras situações apreciadas em anteriores acórdãos deste Tribunal. Todavia, como se ponderou no acórdão nº 118/99:
'As sanções penais só se justificam, tanto na sua existência como na sua medida, quando indispensáveis «à conservação e à paz da sociedade social» (José de Sousa e Brito, «A lei penal na Constituição», in – Estudos sobre a Constituição, 2º vol., Lisboa, 1978, pág. 218), o que coloca um problema de desmedida – em que pesam as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, pág. 263) – se for manifestamente excessivo o sacrifício de um dos bens ou interesses prosseguidos em face de outro, mesmo que este seja de diferente peso. A justa medida imposta por uma relação de ponderação deve harmonizar-se com o princípio da proporcionalidade, no sentido estrito considerado, como tal acolhido no nº 2 – parte final – do artigo 18º da Constituição da República.'
Isto é, não pode deixar de intervir neste domínio o critério da proporcionalidade. O artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa tem a sua influência também no direito penal militar, não podendo o artigo 4º do Código de Justiça Militar ser interpretado no sentido de excluir a ponderação da razoabilidade da pena aplicada em função da juventude do agente, ainda que na condição de militar.
Nessa medida, a interpretação do artigo 4º do Código de Justiça Militar, feita no acórdão recorrido, ao afastar, em absoluto, a aplicação do regime penal especial para jovens aos crimes praticados no domínio militar, é inconstitucional, por violação dos parâmetros de proporcionalidade decorrentes do artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, especialmente da sua parte final (proibição do excesso).
Como o Tribunal Constitucional decidiu no citado acórdão nº 118/99, não se pode ter como aceitável 'a exclusão em absoluto do regime previsto no Decreto-Lei nº 401/82, devendo ficar sempre aberta a possibilidade de os tribunais militares o considerarem sempre que o mesmo se lhes mostre adequado, ponderação essa que ao tribunal recorrido compete'. III
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide:
Julgar inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e das
garantias de defesa do arguido em processo penal, com assento nos artigos 13º
e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 428º,
conjugada com a norma do nº 1 do artigo 431º, ambas do Código de Justiça
Militar, negando, assim, provimento ao recurso interposto pelo Ministério
Público e confirmando, neste ponto, o acórdão recorrido;
Julgar inconstitucional, por violação conjugada dos princípios da igualdade e
da proporcionalidade, a norma do artigo 4º do Código de Justiça Militar,
interpretada no sentido de excluir em absoluto a aplicabilidade ao direito
penal militar do regime penal especial para jovens, estabelecido no
Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, concedendo, assim, provimento ao
recurso interposto pelo recorrente D... e ordenando a reforma do acórdão
recorrido de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa, 11 de Maio de 1999 Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Vitor Nunes de Almeida Paulo Mota Pinto Artur Maurício Luís Nunes de Almeida (vencido, parcialmente, por entender que nada impõe constitucionalmente a aplicação, relativamente aos crimes essencialmente militares, do regime penal especial para jovens, dado que, quanto a eles, se encontra consagrada uma especificidade na própria Lei Fundamental).