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Processo n.º 1318/2013
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A., foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso com a seguinte fundamentação:
(…) É manifesto que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objeto do recurso que se pretende interpor.
Nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República, bem como do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro: LTC), cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que tenham aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido arguida durante o processo.
Daqui decorre que o objeto do recurso de constitucionalidade é a norma (ou conjunto de normas) cuja inconstitucionalidade se arguiu perante a instância que proferiu a decisão recorrida, e que, não obstante a arguição, foi ainda assim aplicada pelo tribunal a quo.
No caso presente não se pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade de nenhuma norma. O que se diz, no requerimento de interposição do recurso, é que a decisão recorrida (presumivelmente, o Acórdão da Relação de Coimbra, proferido a 17 de setembro de 2013, que confirmou a decisão sumária do relator, proferida a 25 de junho), violou o disposto no artigo 13.º da CRP, ao que se acrescenta ainda a impugnação da constitucionalidade do ato legislativo do Parlamento que aprovou o Código de Processo Civil, por, no entender do requerente, se ter incumprido durante o respetivo procedimento o disposto no n.º 5 do artigo 168.º da CRP.
É portanto visível que nem num caso nem noutro se coloca ao Tribunal Constitucional um problema de constitucionalidade de normas.
Na primeira parte do requerimento – em que se sustenta que a decisão recorrida violou o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP – o que se contesta é o juízo feito pelo Tribunal da Relação quanto à pretensão do ora requerente, em si mesmo considerado, e não alguma norma que nesse juízo tenha sido aplicada. Na segunda parte do requerimento – em que se alude ao vício formal que, no entender do requerente, teria inquinado o procedimento parlamentar que conduziu à emissão de um decreto promulgado como lei – o que se contesta é um certo ato legislativo do Parlamento, em si mesmo considerado, e não nenhuma norma, eventualmente dele constante, que o Tribunal a quo tenha efetivamente aplicado.
Tanto basta para que se conclua que se não encontra in casu aberta a via de recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Notificado dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
III – Da reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do art.º 78.º-A da LTC:
3 – Não se conformando o ora recorrente vem reclamar da decisão para a conferência.
4- De acordo com a estatuição do art.º. 6 do C.C., “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nelas estabelecidas”.
5- Foi para afastar dúvidas, que se erigiu a máxima no direito: “ignorantia iuris nemini prodest; nemo censetur ignorare legem; error iuris non excusat”.
6- “Este princípio só pode estar certo no sentido de que a força das leis, - publicadas nos devidos termos, é independente do conhecimento que dela tenham os interessados; de que a lei vincula e obriga mesmo aqueles que a não conhecem”. - Vide in Teoria Geral da Relação Jurídica, Manuel de Andrade, Coimbra editora, Vol. II, 1992, pág 243.
7- Deveria o TC seguir esta orientação, em nome do princípio da legalidade, estaria a violar os artigos 13.º e 266.º n.º 2 da CRP, ao contrário do que se faz querer transparecer.
8- Invertendo o raciocínio evidente de que o recorrente é vítima de desigualdade.
9- O artigo 13.º da CRP tem um objetivo humanista, no sentido de que iguais devem ser tratados de forma igual e desiguais de forma desigual.
10- No relativo à igualdade, é intenção do legislador igualizar o tratamento na dimensão laboral.
11- Ora o recorrente não teve o tratamento que foi intenção do legislador ao prever o recurso para o TC.
12- Nos termos do art.º 12.º da CRP, todos os cidadãos gozam de direitos e estão sujeitos aos deveres constitucionais consignados na Constituição.
13- Nos termos do art.º 14.º da CRP, os portugueses que residam no estrangeiro gozam da proteção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência do país, ora in casu o requerente reside no estrangeiro e entende que os seus direitos não estão garantidos, o que entende dever o seu recurso ser apreciado.
14- Nos termos do art.º 20.º da CRP a todos é garantido o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, no sentido que a todos garantido o acesso aos tribunais na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o que é no caso, do recorrente, que usa os tribunais para defesa de direitos que entende terem sido violados.
15- Nos termos do art.º 21.º da CRP todos têm o direito de resistir, o que in casu, da parte do recorrente, que resiste e luta pela justiça.
16- Nos termos do art.º 32.º da CRP, todos têm direito a defesa, assim ao ser impedido o ato do recurso, está a ser impedida a defesa do recorrente.
17- Nos termos do art.º 204.º da CRP, estão os Tribunais vinculados à constituição e à lei, o que in casu, deveriam ter apreciado a inconstitucionalidade.
18- Devendo o recurso ter sido apreciado e deferido como o mesmo foi apresentado.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Nos presentes autos decidiu-se sumariamente, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: doravante LTC) não conhecer do objeto do recurso que se pretendia interpor para o Tribunal Constitucional por se ter entendido que nele se não colocava nenhuma questão de inconstitucionalidade de normas.
Vem agora o recorrente, nos termos do disposto pelo n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, reclamar para a conferência da decisão sumária do relator, que não conheceu do objeto do recurso.
Sucede, porém, que na reclamação – acima transcrita – se não contestam as razões que sustentaram a decisão sumária de não conhecimento. Com efeito, nela o recorrente, agora reclamante, apenas vem manifestar a sua discordância face ao decidido, invocando para tanto os princípios constitucionais que já tinha identificado no requerimento de interposição do recurso. Nunca será demais recordar, porém, que, e em matéria de inconstitucionalidade, a via de recurso para o Tribunal Constitucional só se encontra aberta nas seguintes circunstâncias: (i) caso o tribunal a quo tenha desaplicado a norma, fundamento da sua decisão quanto à questão principal que tem que julgar, por entender que a mesma é inconstitucional; (ii) caso o tribunal a quo tenha aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido arguida durante o processo (iii) caso o tribunal a quo aplique norma já anteriormente julgada inconstitucional, num outro caso concreto, pelo Tribunal Constitucional. É o que decorre do disposto pelo artigo 280.º da CRP, e 70.º, n.º 1, da LTC. Mas a nenhuma destas vias corresponde a situação dos autos, na qual se não coloca ao Tribunal nenhuma questão relativa à aplicação [ou desaplicação], por parte do tribunal comum, de quaisquer normas.
Assim sendo, e não contrariando a reclamação as razões apresentadas pela decisão reclamada, só resta confirmá-la.
III – Decisão
4. Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que o mesmo eventualmente beneficie.
Lisboa, 6 de maio de 2014. – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.