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Processo n.º 242/14
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Pela Decisão Sumária n.º 193/2014, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto.
Pelo Acórdão n.º 309/2014, apreciando-se o pedido de aclaração da mencionada decisão, foi confirmada a decisão de não conhecimento do objeto do recurso.
3. Notificado desta decisão, o recorrente requereu o seguinte:
“A douta decisão reclamada prejudica os interesses processuais do rogante e foi proferida apenas pela Exma. Relatora, pelo que assiste- lhe o direito que exerce de “requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão”, na literalidade do n° 3, do art. 700º do CPC).
E tal porque, com o devido respeito, o requerente discorda da argumentação expendida no douto despacho em referência por se considerar existir uma inconstitucionalidade material decorrente da aplicação dos artigos 405º, 414º nº 3, 420º nº 1 al. b) todos do CPP, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, igualdade e exercício do contraditório consagrados pelos arts. 20º nºs 1 e 5 e 32º da CRP, disposições normativas estas feridas de inconstitucionalidade que o arguido suscitou na interposição do recurso para este Venerando Tribunal.”
4. Notificado deste requerimento, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
“3. Acontece, porém, como o próprio aresto refere, que o Acórdão 309/14, de que o arguido agora reclama, já constitui a resposta a uma reclamação para a conferência (cfr. fls. 79 dos autos) (destaques do signatário):
“5. Como sublinhado por, Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 245-246, «a impugnação da decisão sumária do relator […] realiza-se através da reclamação para a conferência, prevista nos n.os 3 e 4 deste artigo 78.º-A […]. Incumbe, deste modo, à parte que pretenda questionar o sentido e conteúdo da decisão sumária lançar mão da reclamação para a conferência, não sendo admissível a dedução, prévia e autónoma, de incidentes pós-decisórios (“falsos” pedidos de aclaração, arguição de pretensas nulidades, pedidos de “reforma” manifestamente insubsistentes, face ao âmbito de tal instituto)».
Em conformidade, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional «determinar a convolação daqueles incidentes pós-decisórios inadmissíveis (nomeadamente, “falsos” pedidos de aclaração, em que se não especifica qualquer obscuridade ou ambiguidade, pedidos de reforma obviamente desprovidos de fundamento sério, arguição de pretensas ou ficcionadas nulidades) em reclamação para a conferência, independentemente do “rótulo” processual que o requerente lhes atribui (cfr., Acórdãos n.os 623/04, 716/04, 125/05, 479/05, 363/06, 379/06, 427/06, 541/06, 590/07 e 147/08)» (ob. cit., loc. cit.).
6. Assim, e uma vez que o requerente se limita a reproduzir um parágrafo da fundamentação da decisão sumária proferida, indicando que não compreende o seu sentido, com o que, ainda que enviesadamente, revela não concordar com o decidido, é de interpretar-se o seu requerimento como uma reclamação para a conferência.
Ora, apreciando a reclamação apresentada, cumpre salientar que nos termos dos artigos 613.º a 618.º do Código de Processo Civil vigente, aplicáveis por força do artigo 69.º da LTC, proferida a decisão, ao juiz só é lícito, retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença. O mesmo se aplica aos despachos (artigo 613.º,n.º 3).
No Código anterior é que estava prevista a possibilidade de ser pedido o esclarecimento da sentença (artigo 669.º,n.º 1, alínea a)).
7. Face ao exposto, e não se vislumbrando razões para alterar a decisão sumária reclamada por não ter o reclamante aduzido quaisquer argumentos (que, aliás, inexistem), que contrariem as razões pelas quais se não conhece do objeto do recurso, é de concluir pela sua confirmação.
Termos em que se decide confirmar a decisão sumária reclamada.”
4. O novo requerimento do arguido só pode, assim, resultar de manifesto lapso na compreensão do texto do Acórdão 309/14, supondo que tal Acórdão tenha, de facto, sido lido pelo mesmo arguido.
5. De qualquer modo, havendo o risco de o novo requerimento poder resultar de uma compreensível, embora reprovável, preocupação do arguido de evitar o trânsito em julgado das decisões anteriormente proferidas por este Tribunal Constitucional, crê-se de ponderar se deverá, agora, recorrer-se à faculdade concedida pelo art. 84º, nº 8 da LTC.
Como referido, por exemplo, no recente Acórdão 700/13, de 10 de Outubro:
“6. Nos termos do n.º 8 do artigo 84.º, a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), contempla mecanismo de defessa contra manobras dilatórias e determina que, quando for manifesto que, com determinado requerimento, se pretende obstar à baixa do processo, seja observado o disposto no artigo 720.º do Código de Processo Civil. Essa remissão, por força da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o Código de Processo Civil, com modificação da organização e localização sistemática dos preceitos, deve considerar-se feita para o artigo 670.º, cuja redação mantém, quase na íntegra, o que constava do artigo 720.º do CPC de 1961, na redação do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto. Apenas se altera a referência ao artigo 456.º, substituído pelo correspondente (novo) artigo 542.º do CPC.
Como sustenta o Ministério Público, acompanhado pelo assistente IFAP, os requerimentos formulados pelos recorrentes, tomados individualmente, e na sua conjugação, configuram, desde já, comportamento processual claramente votado ao protelamento da tramitação dos autos e a obstar à sua baixa, com o propósito de evitar a execução do julgado.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. Como resulta da fundamentação do Acórdão n.º 309/2014, de que o arguido agora reclama para a conferência, aquela decisão já constitui a resposta a uma reclamação para a conferência da decisão sumária inicialmente proferida. Sendo assim, o conteúdo do requerimento agora apresentado aponta, claramente, no sentido de estarmos perante um incidente pós-decisório manifestamente infundado. Por esta razão, justifica-se que seja processado em separado, nos termos previstos no artigo 670.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 84.º, n.º 8, da LTC, decretando-se o imediato trânsito em julgado das decisões proferidas por este Tribunal Constitucional nos presentes autos.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Mandar extrair traslado das peças processuais pertinentes para processamento em separado do requerimento de fl. 84 e de quaisquer outros que venham a ser apresentados, cuja decisão será proferida após o pagamento de custas contadas neste Tribunal;
b) Decretar o imediato trânsito em julgado das decisões proferidas por este Tribunal Constitucional nos presentes autos;
c) Ordenar que, extraído o traslado, sejam os autos de imediato remetidos ao Tribunal da Relação de Guimarães, para prosseguirem os seus termos (artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 6 de maio de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Caupers – Maria Lúcia Amaral.