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Processo n.º 436/13
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e são recorridos o MINISTÉRIO PÚBLICO, B. e C. (representado por sua Mãe, D.), o relator proferiu, após despacho para aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso (fls. 1626), a Decisão Sumária n.º 89/2014, de 3 de fevereiro de 2014 (cfr. fls. 1633-1638), a qual não conheceu do objeto do recurso por falta de um requisito formal do requerimento de interposição de recurso – a indicação da «norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie», como impõe o n.º 1 do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC) – cfr. II, 8, fls. 1637-1638.
2. Notificado da decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, alegando, quanto à procedência da reclamação e à apreciação do recurso de constitucionalidade, na parte relevante, o seguinte (cfr. fls. 1644-1654):
«(…) 12.º
Inconformado com as decisões, quer do 2° Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, quer do Supremo Tribunal de Justiça, o ora Reclamante, apresentou recurso ordinário para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 70°, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional.
13.º
Nos termos do art. 75° - A, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional, o ora Reclamante, no seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, indicou a alínea do n.º 1 do art. 70° da Lei do Tribunal Constitucional ao abrigo da qual o recurso é interposto.
Nos termos do art. 75° - A, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, o ora Reclamante, no seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, indicou os Princípios Constitucionais que considera violados ao longo de todo o processo.
14.º
Por manifesto lapso, o ora Reclamante e nos art. 75° - A, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional, não indicou as normas cuja inconstitucionalidade pretendia que o Tribunal Constitucional apreciasse.
15.º
Posteriormente, o ora Reclamante, foi notificado para aperfeiçoar o seu requerimento de interposição de recurso, nos termos do art. 75° - A, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional, indicando, nos termos do art. 75° - A, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional, as normas que visse apreciadas pelo Tribunal Constitucional.
16.º
No entanto, por manifesto erro, o ora Reclamante, indicou, não as normas cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional, indicando novamente os Princípios Constitucionais que considera violados ao longo de todo o processo.
17.º
Pelo que, foi proferida Decisão Sumária, nos termos do art. 78° - A, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional, decidindo-se não conhecer o objeto do recurso apresentado no Tribunal Constitucional.
18.º
Ou seja, o Tribunal Constitucional, decidiu não conhecer o recurso interposto para este Tribunal, apenas por uma questão de forma, ou seja, apenas pelo facto do ora Reclamante não ter indicado no seu requerimento inicial de interposição de recurso, as normas cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional.
19.º
O ora Reclamante, apesar de reconhecer que não indicou, nem no seu requerimento inicial de interposição de recurso, nem quando para isso foi convidado pela Exma. Senhora Juíza Conselheira Relatara, as normas que pretendia ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional não concorda com a Decisão Sumária proferida.
20.º
Pois, ao longo de todo o processo, quer nas suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quer no requerimento remetido para o Supremo Tribunal de Justiça, indicou todas as normas violadas pelas decisões de mérito proferidas por todos os Juízes intervenientes nos presentes autos.
21.º
O ora Reclamante, reconhece que não indicou as normas jurídicas violadas pelas decisões de mérito que pretendia ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional, mas tal deveu-se estrita e exclusivamente a erro grosseiro.
22.º
No entanto, entende o ora Reclamante que a violação de Princípios Constitucionais por parte dos Tribunais inferiores, devem ser sempre sindicadas pelo Tribunal Constitucional, fazendo este uma apreciação de mérito sobre as mesmas, a qual se deve sempre sobrepor a qualquer erro grosseiro ou qualquer erro de forma que tenha ocorrido durante o processo, nomeadamente no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
23.º
Pois, se assim não for, também o Tribunal Constitucional viola o art. 32° da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o Direito ao Recurso por parte do arguido.
24.º
Pelo que, as normas infraconstitucionais violadas ao longo de todo o processo, já indicadas em diversas peças processuais, apenas omitidas no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal constitucional, são as seguintes:
1) A norma jurídica infraconstitucional contida no artigo 9°, n.º 2 do Código Civil;
2) A norma jurídica infraconstitucional contida no artigo 132°, n.º 1 do Código Penal;
3) A norma jurídica infraconstitucional contida no artigo 132°, n.º 2 do Código Penal;
4) A norma jurídica infraconstitucional contida no artigo 358°, n.º 1 do Código de Processo Penal;
5) A norma jurídica infraconstitucional contida no artigo 358°, n.º 3 do Código de Processo Penal;
6) A norma jurídica infraconstitucional contida no artigo 133° do Código Penal;
7) A norma jurídica infraconstitucional contida no artigo 86° da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com redação que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2009 de 6 de maio.
25.º
Como bem podemos verificar da presente reclamação, existe um prejuízo sério para o ora Reclamante, caso o recurso de inconstitucionalidade não seja apreciado pelo Tribunal Constitucional.
26.º
E esse prejuízo sério, decorre da não verificação de uma formalidade no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, que decorreu um erro grosseiro do ora Reclamante.
27.º
Por outro lado, esse prejuízo sério igualmente decorre da incorreta aplicação da Lei, ou seja, da decisão de mérito, por parte dos Meritíssimos Juízes que proferiram as decisões ao longo de todo o processo.
28.º
Pelo que, é manifestamente injusto e contrário ao estabelecido no art. 32° da Constituição da República Portuguesa, recusar-se a apreciação do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, para apreciação das várias decisões de mérito, apenas com base num vício formal do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
29.º
Ainda de acordo com o Principio da Fungibilidade dos Procedimentos Processuais, devem ser aproveitados todos os atos jurídicos produzidos ao longo do presente processo, nomeadamente as alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e ainda o requerimento de aclaração, reforma e nulidade do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente Reclamação ser declarada procedente e o recurso de apreciação da constitucionalidade apreciado pelo Tribunal Constitucional.»
3. Notificados para responder, dois dos recorridos apresentaram resposta nos termos seguintes:
3.1 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu pelo indeferimento da reclamação por, no essencial, mesmo após o convite ao aperfeiçoamento, não ter sido indicada a norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada (cfr. fls. 1661-1663);
3.2 O recorrido C. concluiu pelo não conhecimento do objeto do recurso, solicitando a condenação do recorrente em multa com fundamento no (anterior) artigo 456.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil (cfr. fls. 1668-1670;
4. O recorrido B., notificado para o efeito, não apresentou resposta (cfr. cota de fls. 1671).
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Na decisão sumária reclamada decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com fundamento na falta de um requisito formal do requerimento de interposição de recurso – a indicação da «norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie», como impõe o n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC.
A Decisão Sumária ora reclamada foi proferida após prolação de despacho de aperfeiçoamento que convidou o recorrente, expressa e unicamente, a «proceder ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional indicando, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 75.º-A da LTC, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie» (cfr. fls. 1626).
E, como se referiu na Decisão Sumária ora reclamada, o recorrente, notificado daquele despacho, não respondeu ao expressamente solicitado, tendo-se limitado a reproduzir as normas e princípios constitucionais que considera violados e a indicar as peças processuais onde teria sido suscitada tal violação. E o recorrente assim fez quer no primeiro requerimento de resposta ao convite de aperfeiçoamento (cfr. fls. 1628-1629), quer no segundo requerimento de resposta que, espontânea e posteriormente, apresentou (cfr. fls. 1630-1631) – facto que, aliás, o recorrente não mencionou expressamente na sua reclamação (cfr. 16.º e 19.º).
6. Vem agora o recorrente reclamar para a conferência por discordar da Decisão Sumária proferida pelo relator e pugnando pelo conhecimento do recurso de constitucionalidade por si interposto.
Invoca agora, em defesa da sua pretensão, que não indicou as normas cuja inconstitucionalidade pretende que este Tribunal aprecie, quer no requerimento de interposição de recurso, quer na resposta ao convite de aperfeiçoamento, devido a «erro grosseiro» (cfr. requerimento, 21.º e 26.º). Invoca ainda, em suma, que as normas cuja constitucionalidade pretende ver apreciada e que no seu entender foram «violadas ao longo de todo o processo» decorrem do teor de diversas peças processuais por si apresentadas e que vem agora elencar nos n.ºs 1) a 7) do artigo 24.º do seu requerimento de reclamação para a conferência.
7. Não assiste razão ao recorrente e ora reclamante quanto aos fundamentos de reclamação para a conferência.
O reclamante reconhece expressamente que não indicou o requisito essencial do requerimento de interposição de recurso em causa quer no requerimento de interposição de recurso, quer na resposta ao convite de aperfeiçoamento – destinado, sublinhe-se, exclusivamente a esse efeito. Afirma o recorrente, quanto à resposta ao convite de aperfeiçoamento, que «No entanto, por manifesto erro, o ora Reclamante, indicou, não as normas cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional, indicando novamente os Princípios Constitucionais que considera violados ao longo de todo o processo.» (cfr. requerimento de reclamação, 16.º) e, mais adiante, quanto a ambas as peças processuais relevantes, que «O ora Reclamante, apesar de reconhecer que não indicou, nem no seu requerimento inicial de interposição de recurso, nem quando para isso foi convidado pela Exma. Senhora Juíza Conselheira Relatora, as normas que pretendia ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional não concorda com a Decisão Sumária proferida.» (cfr. requerimento de reclamação, 19.º).
Com efeito, o reclamante foi notificado para aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal e expressamente convidado a indicar as normas cuja inconstitucionalidade pretendia que este Tribunal apreciasse, nada tendo respondido, como expressamente agora reconhece, ao convite expresso quanto a este ponto – quer na sua primeira resposta, quer na sua segunda resposta. Assim, verifica-se a falta de indicação de um requisito do requerimento de interposição do recurso para este Tribunal – indicação, pelo recorrente, das normas cuja constitucionalidade se pretende que este Tribunal aprecie –, o que constitui um pressuposto essencial do conhecimento do objeto do recurso.
O reclamante vem agora invocar que se tratou de «um erro grosseiro», mas certo é que, tendo sido dada ao recorrente expressamente, no processo, anteriormente à prolação da Decisão Sumária, oportunidade de o corrigir, este não o fez nas duas oportunidades processuais próprias – pelo que a invocação, após a Decisão Sumária, de que ocorreu, e por duas vezes, «um erro grosseiro», não tem agora relevância processual.
Tanto basta para indeferir a presente reclamação.
8. Quanto ao pedido, formulado pelo recorrido C., de aplicação de multa com fundamento no artigo 456.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC) – a que corresponde o artigo 542.º, n.º 2, d), do novo CPC aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho (cfr. resposta de fls. 1668-1670, em especial 18.º, 19.º e 20.º) – por, em síntese, considerar que a conduta processual do reclamante se afigura dilatória e visa protelar o trânsito em julgado da sentença, deve atender-se ao processado neste Tribunal.
Ora tendo a conduta do recorrente, nesta fase, correspondido apenas ao exercício do direito de reclamação da Decisão Sumária do relator para a conferência, previsto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, entende-se não ser de tomar conhecimento do pedido.
III – Decisão
9. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, nos termos do artigo 7.º, e ponderados os critérios previstos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 9 de abril de 2014.- Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.