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Processo n.º 164/99
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência na 2ª Secção do Tribunal Constitucional I. Relatório
1. Nos presentes autos, proferiu o relator em 16 de Março do corrente a seguinte decisão nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
«L..., identificado nos autos, foi condenado, por Acórdão de 24 de Junho de
1998, do 1º Juízo do Tribunal de Círculo do Funchal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Do assim decidido, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas motivações de recurso com as seguintes considerações:
'1. Desatendeu-se o facto de ser primário, ter apenas 19 anos de idade à data dos factos, do apoio da família, do relatório favorável por parte do IRS...
2. a prisão efectiva não significa que o sentenciado se ressocialize se sentir, desde o princípio, que houve um exagero, uma desmedida, e que lhe irá prejudicar, e muito, esse mesmo processo de ressocialização, iniciado desde a sua libertação em Janeiro de 1997...
3. desatendeu-se, outrossim, os arts 1º e 4º do D.L. n.º 401/82, já que o recorrente, à altura dos factos (actividade ilícita iniciada em 11-10-94) não tinha ainda 21 anos de idade;
4. tinha tão só 19 anos nessa data;
5. sendo um primo-delinquente, com emprego como segurança garantido enquanto não arranjar colocação laboral no sector agrícola, sendo finalista do curso de gestão agrícola, o D.L. n.º 401/82 deverá aplicar-se-lhe, pois, no seu sentido de atenuação especial da pena, o que aponta apara medida não tão grave quanto a formulada;
6. isto porque o fundo deste Dec.-Lei. é dar uma primeira e única oportunidade ao jovem;
7. Consideramos terem sido violadas pelo douto Acórdão recorrido as normas seguintes: arts. 71º n.º 1 e 2 als. a), d) e f) e 72º n.º 1 do Código Penal e arts. 1º e 4º do DL 401/82, de 23 de Setembro, porquanto:
8. O Tribunal ‘a quo’ interpretou os arts. 71º n.º 1 e 2 als. a), d) e f) apenas no sentido da determinação da pena em função das exigências de prevenção geral
(‘são muito fortes as exigências de prevenção geral em especial na área deste Círculo dado o elevado número de arguidos julgados e condenados por actividades relacionadas com o narcotráfico), olvidando quaisquer considerações relativamente ao agente, quando deveria ter relevado essas mesmas condições pessoais, em termos de prevenção especial e ressocialização do agente, considerou a ilicitude dos factos elevada, quando se trata de uma droga leve, quando do modo de execução dos factos releva fragilidade do projecto criminoso, não tendo relevado as condições pessoais quando o deveria fazer, e bem assim, tendo interpretado a al. f) do n.º 2 do art. 71º do C.P. no sentido de falta de preparação para manter uma conduta lícita, quando o recorrente possui condições actuais de progresso no mundo laboral, com ordenado a rondar os 120.000$00 cento e vinte mil escudos (Vd. Relatório do IRS e recibo de ordenado de Abril de
1998).
9. O Ac. recorrido fez errónea interpretação do art. 1º e 4º do DL 401/82 de 23 de Setembro omitindo a aplicabilidade ou não desse ‘regime especial para jovens’, devendo interpretar esse art. 4º do referido diploma 401/82 no seu verdadeiro alcance, ou seja, deverá o juiz aplicar esse regime e em consequência atenuar especialmente a pena quando existirem sérias vantagens para a reinserção social do jovem delinquente, não referindo a lei quaisquer razões de prevenção geral na inaplicabilidade, por parte do juiz, dessa atenuação especial.
10. Pelo que, no entender do recorrente, deverá ser aplicado o regime previsto no art. 401/82 de 23 de Setembro, tendo sido violado expressamente o disposto no art. 72º n.º 1 do CP, pois seria de aplicar, como caso expressamente previsto na lei que é, o regime especial para jovens delinquentes, não se verificando em concreto razões para não aplicar, no caso concreto, esse regime.
11. Ao invés, a situação pessoal do arguido, primário, jovem, recentemente casado e a constituir o seu próprio agregado familiar e possuir, desde meados de
1997, colocação no mundo laboral, possuindo forte apoio familiar, aconselham vivamente a redução especial da pena.
12. Sendo de aplicar ao recorrente, concretamente, pena de prisão não superior a
3 (três) anos, aplicando-se o regime previsto no art. 50º do CO, suspendendo-se a execução da mesma, e obrigando-se a fazer-se acompanhar regularmente por técnico de reinserção social.' Na sua resposta, o Magistrado do Ministério Público, pugnando pela manutenção do julgado, concluiu, designadamente:
'(...)
3º-A atenuação especial da pena p. pelo artigo 42 do D.L. 401/82 de 23/9, não opera automaticamente, exigindo-se, para a sua aplicação, que o julgador formule um juízo favorável sobre o carácter evolutivo da personalidade do jovem condenado, bem como da suas capacidade de ressociabilização.
4º-As circunstâncias do caso militam contra o arguido que pelo menos entre Outubro de 1994 e Julho de 1996 vendeu doses consideráveis de estupefacientes, pelo menos ao co-arguido José Nélio, engendrando um sistema de remessas via postal e sistema de depósito bancário para recepção do preço das vendas.
5º-Nada se provou quanto à personalidade do arguido que permita realizar um juízo favorável acerca do seu comportamento, nem há sérias razões para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a sua ressociabilização.
6º-São grandes as necessidades de prevenção geral neste tipo de ilícito e se bem que a pena concreta não deva exceder a medida da culpa, há que ter em conta a necessidade de tutela dos bens jurídicos violados, sendo no caso vertente intensa a culpa do recorrente, que apesar de ter a sua subsistência garantida, enveredou pela comercialização de estupefacientes na mira de obtenção de lucros fáceis, mostrando-se a pena criteriosamente aplicada.
7º-0 Acórdão recorrido não violou o disposto nos artigos 71º n.º l e 2 alíneas a), d) e f) e 72º n.º l do C.Penal e artigos 1º e 4º do D.L. 401/82 de 23/9.' O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 3 de Fevereiro de 1999, negou provimento ao recurso, salientando, como fundamentação desta decisão:
'Ao reclamar a aplicação do regime especial para jovens adultos alega o recorrente ter apenas l9 anos na data da praticado ilícito. Sem esquecer que tal regime não é de aplicação automática, o certo é que a invocada idade de 19 anos era a que se verificava no início da actividade delituosa que decorreu desde Outubro de 1994 até Julho de 1996. Ora, nesta última data já o recorrente havia completado 21 anos e vinha exercendo, há mais de dois anos, através de um esquema planeado e organizado com o arguido N..., uma já bastante desenvolvida actividade de tráfico de estupefacientes, nomeadamente de haxixe. Por isso, não é rigoroso afirmar-se que, na data da prática dos factos, não completara, ainda, 21 anos. Assim, não tinha o acórdão recorrido de explicitar as razões da sua não aplicação. Como já se referiu, a actividade de tráfico desenvolveu-se durante um período de mais de dois anos e só foi interrompida pela intervenção policial com a detenção dos arguidos. O modo como se processava a remessa do produto, através dos CTT, desde Lisboa até ao Funchal variando os destinatários das encomendas postais, os quais desconheciam o seu conteúdo, com a finalidade óbvia de dificultar a identificação dos interessados no negócio, bem como o já grande volume das transacções efectuadas revelado pelas importâncias envolvidas, demonstram, claramente a gravidade do ilícito e a grande intensidade do dolo do arguido L.... Não obstante concorrerem circunstâncias favoráveis como a sua boa inserção familiar, o facto de estar para breve a conclusão do curso agrícola que frequenta, e a de ter boas perspectivas de poder iniciar, brevemente uma actividade profissional no sector agrícola, que permitem perspectivar com optimismo a sua ressocialização, a verdade é que nenhuma delas permite uma atenuação especial nos termos dos artºs 72º e 73º do CP por forma a possibilitar a suspensão da pena. Elas constituem, quando muito, factores de atenuação geral dentro da respectiva moldura penal. E foi assim que procedeu o colectivo ao fixar a pena em 4 anos e 6 meses de prisão que, afinal, numa moldura de 4 a 12 anos, quase coincide com o seu limite mínimo.'
2. Inconformado, L... interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), pretendendo a apreciação de constitucionalidade. No requerimento de recurso lê-se:
'1. O recurso é interposto ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de
26 de Fevereiro de 1998;
2. Não obstante o recorrente não ter arguido ‘durante o processo’ a questão da inconstitucionalidade da norma sobre a qual adiante se debruçará, tal não era exigível em virtude da total surpresa e imprevisibilidade ao ver-se deparado com a interpretação desse normativo dado pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça ao caso concreto dos autos.
3. A questão de cuja constitucionalidade se pretende ver declarada tão só surgiu com a prolacção do Douto Ac. final daquele Tribunal.
4. Desta forma considera-se suprida essa exigência processual constante do art.
70º n.º, al. b) da Lei 28/82, de 15/11, (Vd. Acs. do T.C. 569/95 e 596/96);
5. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1º e 4º do DL. n.º 401/82 de 23 de Setembro, quando interpretado tal normativo no sentido dado pelo Tribunal ‘a quo’ e constantes do douto Ac. proferido a fls., ou seja, que não era de aplicar o ‘Regime Especial para os Jovens’ ao recorrente por já ter completado os 21 anos de idade à data da prática dos factos, nem tendo o Tribunal da 1ª Instância de se pronunciar sobre as razões da sua não aplicação;
6. Quando é certo que o recorrente foi condenado por uma actividade de tráfico que desenvolvia desde os 19 anos de idade, logo, devendo aplicar-se-lhe esse Regime atenuativo especial, uma vez que se encontravam reunidos os outros requisitos, a saber, ser primodelinquente e haver sérias razões que da aplicação desse regime resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, tanto mais que é foi o Tribunal da 1ª instância que expressamente referiu que
‘os arguidos são primários e que os arguidos N... e L... dispõem de condições sócio--profissionais que permitem admitir que, uma vez expiada a pena, percorrerão com êxito o percurso da reinserção social’ (Vd. art. 4º do DL 401/
82) - Sub. Nosso;
7. Tais normas, quando interpretadas no sentido em que o foram pelo Tribunal ‘a quo’ violam o disposto nos arts. 13º, n.º 1, 16º, n.º 1 e 2 e 70º, n.º 1 da Constituição;
8. A questão de inconstitucionalidade prende-se, por um lado, no tratamento desigual dado ao ora recorrente quando comparado com decisões judiciais aplicadas a tantos e tantos outros jovens primodelinquentes que beneficiam de condições sócio--profissionais (sendo o caso sub-judice) e sendo-lhes aplicado aquele ‘regime especial para jovens’;
9. Com aquela interpretação do Tribunal ‘a quo’ foi igualmente violado o disposto no art. 16º n.º 1 e 2 da Constituição que estende os direitos fundamentais consagrados na Constituição a outros constantes de leis e regras aplicáveis de direito internacional, como é o caso do Direito a tratamento criminal diferenciado e especial quando se trate da privação da liberdade do jovem delinquente;
10. Pode ler-se no ponto 6. do preâmbulo ao D.L n.º 401/82 de 23/09 ‘Diga-se que a consagração de toda esta orientação legal, para além de ir na esteira de uma nobre tradição do nosso ordenamento penal, não deixa de ser iluminada pelos trabalhos e obras mais recentes desta problemática, que encontram importantes apoios nas publicações do Conselho da Europa’;
11. Igual violação constitucional verifica-se no que respeita ao art. 70º n.º
1... é visível a preocupação constitucional pelo o que é ser-se jovem, preocupação essa que abrange, por maioria de razão, o direito à liberdade, enquanto Direito Fundamental.' Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, visando a apreciação da
'inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1º e 4º do DL. n.º 401/82 de 23 de Setembro, quando interpretado tal normativo no sentido dado pelo Tribunal ‘a quo’ e constantes do douto Ac. proferido a fls., ou seja, que não era de aplicar o ‘Regime Especial para os Jovens’ ao recorrente por já ter completado os 21 anos de idade à data da prática dos factos, nem tendo o Tribunal da 1ª Instância de se pronunciar sobre as razões da sua não aplicação'. Constituem requisitos específicos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, além da aplicação pelo tribunal recorrido da(s) norma(s) cuja constitucionalidade se impugna e do esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, a suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo. Ora, resulta da análise dos autos – em particular, das alegações do ora recorrente no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça e do teor desta decisão – que este último requisito não pode considerar-se preenchido no presente recurso, pelo que é de proferir decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro. Na verdade, não se encontra nos autos, até ao requerimento do recurso de constitucionalidade, imputação alguma de inconstitucionalidade a qualquer das normas impugnadas sub specie constitutionis nesse requerimento. Isto, apesar de logo o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ter como objecto central a aplicabilidade ao recorrente das normas dos artigos 1º e 4º do Decreto-Lei n.º
401/82, de 23 de Setembro, defendendo o recorrente que 'deverá o juiz aplicar esse regime e em consequência atenuar especialmente a pena quando existirem sérias vantagens para a reinserção social do jovem delinquente, não referindo a lei quaisquer razões de prevenção geral na inaplicabilidade, por parte do juiz, dessa atenuação especial'. O recorrente não suscitou, porém, perante o Supremo Tribunal de Justiça, qualquer questão de constitucionalidade, que este pudesse apreciar e decidir, de forma a poder desencadear a intervenção do Tribunal Constitucional para reexame da questão de constitucionalidade normativa. É, aliás, elucidativo que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido não faça qualquer referência à questão de constitucionalidade das normas que o recorrente pretende ver apreciadas. Apenas depois deste aresto, no requerimento de interposição do presente recurso, o recorrente invocou a 'inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1º e 4º do DL. n.º 401/82 de 23 de Setembro, quando interpretado tal normativo no sentido dado pelo Tribunal ‘a quo’ e constantes do douto Ac. proferido a fls., ou seja, que não era de aplicar o ‘Regime Especial para os Jovens’ ao recorrente por já ter completado os 21 anos de idade à data da prática dos factos, nem tendo o Tribunal da 1ª Instância de se pronunciar sobre as razões da sua não aplicação'. Como se decidiu no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República, II série, de 6 de Setembro de 1994), deve, porém, entender-se a exigência de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo, 'não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)', mas 'num sentido funcional', de tal modo 'que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão', 'antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita'.
É este o único sentido do dito requisito que corresponde à natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso, para reapreciação, portanto, de uma questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado
(ver também os Acórdãos n.ºs 560/94, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Janeiro de 1995, onde se escreveu que 'a exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois, [...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão' e 155/95, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Junho de 1995). O requerimento do recurso de constitucionalidade não é já, pois, como este Tribunal repetidamente tem afirmado, momento idóneo para pela primeira vez suscitar uma questão de constitucionalidade (v. também, além dos Acórdãos citados, por exemplo o Acórdão n.º 166/92, publicado no Diário da República, II Série, de 18-09-1992).
4. A orientação descrita, como também se salientou no referido Acórdão n.º
352/94, sofre restrições apenas em situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final ou não era exigível que o fizesse, por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo em todo insólita e imprevisível da norma impugnada. Todavia, não é este, manifestamente, o caso dos autos, não procedendo, nomeadamente, a alegação dos recorrentes de que 'não obstante o recorrente não ter arguido ‘durante o processo’ a questão da inconstitucionalidade da norma sobre a qual adiante se debruçará, tal não era exigível em virtude da total surpresa e imprevisibilidade ao ver-se deparado com a interpretação desse normativo dado pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça ao caso concreto dos autos' e de que 'a questão de cuja constitucionalidade se pretende ver declarada tão só surgiu com a prolacção do Douto Ac. final daquele Tribunal'. A própria identificação no requerimento de recurso das disposições impugnadas remete logo para um sentido segundo o qual 'não era de aplicar o ‘Regime Especial para os Jovens’ ao recorrente por já ter completado os 21 anos de idade
à data da prática dos factos, nem tendo o Tribunal da 1ª Instância de se pronunciar sobre as razões da sua não aplicação', ou seja, para a decisão de 1ª instância, não tendo, todavia, sido suscitada no recurso desta decisão a questão de constitucionalidade. Na verdade, no requerimento de interposição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os recorrentes atacaram o facto de a decisão de 1ª instância ter desatendido os artigos 1º e 4º do Decreto-Lei n.º 401/82, de
23 de Setembro, sem, porém, referir qualquer inconstitucionalidade. E isto, apesar de já então o recorrente defender que 'seria de aplicar, como caso expressamente previsto na lei que é, o regime especial para jovens delinquentes, não se verificando em concreto razões para não aplicar, no caso concreto, esse regime' e de, portanto, o recorrente dispor de todos os elementos para, em face do decidido pela 1ª instância, suscitar a questão de constitucionalidade. Ainda, portanto, que os restantes requisitos para o presente recurso estivessem verificados, não se poderia dele conhecer, por falta de suscitação durante o processo da alegada inconstitucionalidade. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decido, nos termos do artigo 78º-A, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional, não tomar conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 5 UC.»
[por lapso material, escreveu-se ainda na 1º frase do ponto n.º 1 do Relatório da decisão sumária: 'como autor material de um crime de furto previsto e punido pelo artigo 201º, n.º 1, alínea d) do Código de Justiça Militar, na pena de', lapso, este, que expressamente se corrige, sendo certo que o segmento em causa manifestamente nada tem a ver com a matéria dos autos]
2. L..., notificado da decisão sumária, vem dela reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção da Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (Lei do Tribunal Constitucional), com os seguintes fundamentos:
'(...) Quanto à posição do Ex.mo Sr. Dr. Juiz Relator, diremos que, aquando do recurso da decisão proferida pelo Tribunal da 1ª Instância, não foi invocada a alegada inconstitucionalidade, em virtude de se ter entendido que esse Tribunal tão só olvidara de aplicar o ‘Regime Especial para Jovens’, não tendo expressamente afastado essa aplicabilidade, por o recorrente já ter completado os 21 anos de idade (falecendo desde logo o pressuposto objectivo de aplicação desse regime), como veio a suceder com a prolação do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde, não obstante se verificar que o recorrente tinha menos de 21 anos de idade quando praticou os factos criminosos, não se atendeu a esse facto, antes se interpretando o art. 1º e 4º do D.L. 401/82, de 23 de Setembro, no sentido do recorrente já ter completado esses 21 anos de idade, e logo, o Tribunal da 1ª instância não tinha de se pronunciar sobre as razões da sua não aplicação.
É que, a prevalecer essa interpretação do S.T.J. do D.L. em questão, estará a reduzir-se os casos de eventual aplicabilidade desse normativo, assim se cerceando profundamente os mais fundamentais direitos e garantias dos jovens cidadãos delinquentes primários. Constituindo esse entendimento, que se pretende ver declarado inconstitucional, um grave precedente, que levará a que em futuros casos, como o dos presentes autos, sejam negados esses mais elementares Direitos! A questão fulcral que aqui se discute, e, salvo melhor entendimento, com alguma acuidade, á a de saber se ainda é ‘jovem’ (com tudo o que lhe está inerente para a eventual aplicabilidade do n.º 1 e 4 do D.L. 401/82, de 23 de Setembro) quando se pratica o crime com menos de 21 anos de idade, ou se, na sequência da prática de diversos actos desse crime (que se iniciou em 11-10-94 – tinha então o recorrente apenas 19 anos de idade), veio o agente a completar os 21 anos de idade. O que será relevante para a aplicabilidade desse pressuposto objectivo
(entendemos que quanto ao pressuposto subjectivo o Tribunal da 1ª Instância não poderia ter formulado melhor opinião sobre as condições pessoais do jovem arguido L...): saber se ‘a data’ da prática do crime é quando o mesmo tem o seu início, e aí o agente tinha menos de 21 anos (devendo o Tribunal da 1ª Instância de se pronunciar obrigatoriamente sobre a aplicabilidade, ou não, desse regime), ou essa data será quando se verifica o ‘termo final’ do crime, e aí o agente já tinha completado os 21 anos de idade? A verdade é que a Lei Penal não permite o recurso à analogia e/ou interpretação extensiva quando, face a uma lacuna da lei, tal venha a resultar em grave prejuízo para o agente, como é o caso dos presente autos. Daí a razão de ser do presente recurso para esse Venerando Tribunal Constitucional, e ficando nós, a Defesa, verdadeiramente surpreendida com o entendimento e interpretação (inexistente anteriormente de forma expressa com a decisão do Tribunal da 1ª Instância) que o Supremo Tribunal de Justiça veio a dar a esta questão de enorme relevância para todos os jovens primo-delinquentes em Portugal. A omissão do Tribunal da 1ª Instância em aplicar o D.L. 401/82 de 23 de Setembro abrangeu não só o ora recorrente (nascido em 1 de Fevereiro de 1975) mas igualmente o arguido José Aldónio Rodrigues Paixão, nascido a 31/10/77, o qual, em 26 de Setembro de 1996 (data da busca domiciliária efectuada pela polícia) ainda tão só tinha 19 anos de idade, devendo, quanto a este arguido (pelo menos) o Tribunal de se pronunciar pela aplicabilidade, ou não, desse diploma legal... o que não fez!!! Essa ‘omissão’ do Tribunal tratou-se tão só de um lapso, não de uma interpretação da lei que afirma que o recorrente já tinha 21 anos, não sendo de se lhe aplicar esse regime atenuativo, nem tendo o tribunal de 1º instância de fazê-lo! A interpretação do S.T.J. considera que o recorrente, aquando da prática do crime já tinha, afinal, completado os 21 anos de idade não devendo o Tribunal de
1ª Instância de se pronunciar sobre a aplicabilidade, ou não, do ‘Regime Especial para Jovens’, e nós, Defesa, entendemos que o recorrente ainda não tinha completado essa idade, antes se devendo relevar a data da prática do ilícito ao seu ‘termo inicial’. Só perante a decisão proferida pelo ST.J. se viu o reclamante na possibilidade de arguir a inconstitucionalidade em causa, tendo-o feito logo no 1º momento que se lhe impunha fazê-lo, ou seja, no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional. De resto, tem sido esta a jurisprudência consagrada em diversos Acórdãos pelo Tribunal Constitucional.'
3. O Ministério Público, em resposta à reclamação deste modo deduzida, defendeu a sua manifesta improcedência, 'já que o reclamante não suscitou, podendo perfeitamente tê-lo feito, qualquer questão de inconstitucionalidade durante o processo', 'sendo evidente que a questão da aplicabilidade ao arguido do regime penal dos jovens delinquentes já se havia suscitado face à decisão proferida em
1ª instância, constituindo aliás, argumentação essencial da motivação do recurso que o arguido interpôs perante o Supremo Tribunal de Justiça'. Concluiu que 'não pode, pois, neste quadro normativo e processual, sustentar-se que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça – que conformou o decidido em 1ª instância – constituía ‘decisão-surpresa’, de conteúdo insólito ou imprevisível, com que o recorrente não pudesse razoavelmente contar'. II. Fundamentos
4. A decisão sumária sob reclamação recusou tomar conhecimento do presente recurso por não se verificar o requisito de suscitação durante o processo, da questão de constitucionalidade que se pretendeu trazer, em recurso de constitucionalidade fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, à apreciação deste Tribunal. Esclareceu-se, aliás, em tal decisão, que o caso dos autos não é, manifestamente, um dos casos de dispensa do ónus de suscitação perante o tribunal a quo da questão de constitucionalidade,
«não procedendo, nomeadamente, a alegação dos recorrentes de que 'não obstante o recorrente não ter arguido ‘durante o processo’ a questão da inconstitucionalidade da norma sobre a qual adiante se debruçará, tal não era exigível em virtude da total surpresa e imprevisibilidade ao ver-se deparado com a interpretação desse normativo dado pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça ao caso concreto dos autos' e de que 'a questão de cuja constitucionalidade se pretende ver declarada tão só surgiu com a prolacção do Douto Ac. final daquele Tribunal.'» Na verdade, é desde logo a identificação no requerimento de recurso das disposições impugnadas que remete para a decisão tomada na 1ª instância, pois impugna-se o sentido das normas em causa segundo o qual 'não era de aplicar o
‘Regime Especial para os Jovens’ ao recorrente por já ter completado os 21 anos de idade à data da prática dos factos, nem tendo o Tribunal da 1ª Instância de se pronunciar sobre as razões da sua não aplicação'. Todavia, não foi suscitada no recurso desta decisão a questão de constitucionalidade em causa, apesar de já então – como se salienta na decisão reclamada – o recorrente defender que 'seria de aplicar, como caso expressamente previsto na lei que é, o regime especial para jovens delinquentes, não se verificando em concreto razões para não aplicar, no caso concreto, esse regime' e de, portanto, o recorrente dispor de todos os elementos para, em face do decidido pela 1ª instância, suscitar a questão de constitucionalidade. Ora, na presente reclamação, o recorrente não aduz qualquer argumento novo susceptível de infirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso. Designadamente, não pode considerar-se relevante qualquer 'entendimento' pelo recorrente da decisão de 1ª instância firmado no pressuposto do puro e simples esquecimento da aplicação do regime penal especial para jovens, quando foi desde logo essa aplicação ao ora reclamante que se discutiu no recurso dessa decisão. Nem pode dizer-se que só perante a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça o reclamante se viu na possibilidade de arguir a inconstitucionalidade em causa – antes pelo contrário, como bem salienta o Ministério Público, 'a questão da aplicabilidade ao arguido do regime penal dos jovens delinquentes já se havia suscitado face à decisão proferida em 1ª instância, constituindo aliás, argumentação essencial da motivação do recurso que o arguido interpôs perante o Supremo Tribunal de Justiça.' Mantendo-se, pois, válidos os fundamentos da decisão sumária em reclamação, esta não pode ser atendida, e, uma vez que não se verifica o requisito de suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade, o Tribunal não pode tomar conhecimento do recurso. III. Decisão Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional, desatendendo a presente reclamação e confirmando a decisão sumária, decide não tomar conhecimento do recurso e condenar o reclamante em custas, fixando a taxa de justiça em 15 UC. Lisboa, 5 de Maio de 1999 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa