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Proc. nº 82/96
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. N... foi acusado, em 6 de Janeiro de 1994, da prática de um crime de emissão de cheque sem provisão. Dessa acusação foi notificado em 10 de Fevereiro de 1994.
2. No dia 17 de Fevereiro de 1994, o arguido requereu a abertura de instrução. No entanto, apenas enviou o requerimento, por telecópia, às 17 horas. O requerimento só chegou à secretaria judicial às 17 horas e 1 minuto, pelo que somente deu entrada no dia 18 de Fevereiro de 1994.
Por despacho de 15 de Abril de 1994, foi indeferido o requerimento para abertura da instrução, por ter sido apresentado fora do prazo previsto no artigo 287º, nº 1, do Código de Processo Penal (cinco dias) e por não ter sido paga a taxa de justiça devida.
3. O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora do despacho de 15 de Abril de 1994, invocando a inconstitucionalidade material, por violação do disposto no nº 1 do artigo 32º da Constituição, da norma contida no nº 1 do artigo 287º do Código de Processo Penal, '... por não permitir aos arguidos requerer a instrução com a devida ponderação, isto é, o processo criminal não assegura, dada a fixação de um prazo tão curto de 5 dias para requerer a instrução, todas as garantias de defesa'.
Por acórdão de 28 de Novembro de 1995, o Tribunal da Relação de
Évora negou provimento ao recurso e confirmou o despacho recorrido, considerando que o artigo 287º, nº 1, do Código de Processo Penal (na sua redacção originária) não era inconstitucional.
4. É deste acórdão que vem interposto o presente recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 287º, nº 1, do Código de Processo Penal
(na sua redacção originária).
5. A ora relatora elaborou exposição prévia, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, propugnando o não conhecimento do objecto do recurso, em virtude de entender que a questão de constitucionalidade normativa não foi suscitada durante o processo de forma adequada.
O recorrente pronunciou-se no sentido do conhecimento do objecto do recurso, afirmando que a questão de constitucio-nalidade foi suscitada durante o processo de modo adequado.
O Ministério Público sustentou que o Tribunal Constitu-cional não deveria tomar conhecimento do objecto do recurso, em conformidade com o disposto na parte final do nº 2 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional.
O Tribunal Constitucional decidiu admitir o recurso, por Acórdão de
9 de Julho de 1996 (Acórdão nº 875/96). Nesse Acórdão a ora relatora apôs uma declaração de voto, de onde constam os fundamentos do não conhecimento do objecto do presente recurso.
6. Admitido o recurso, recorrente e recorrido apresentaram alegações.
O recorrente tirou as seguintes conclusões:
1ª - O prazo de cinco dias úteis para requerer a instrução na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 317/95 infringia o disposto no nº 1 do art.
32º da Constituição da República Portuguesa.
2ª - Tal conclusão foi reconhecida implicitamente pelo legislador quando alargou tal prazo para 20 dias úteis para requerer a instrução.
3ª - O referido prazo de cinco dias ditado por ra-zões de celeridade processual diminuía a defesa do Arguido, não lhe possibilitando o tempo necessário para requerer a instrução.
4ª - Pelo exposto, conclui-se que ao Arguido não eram concedidas todas as garantias de defesa como impõe o nº 1 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
Por seu turno, o Ministério Público concluiu as suas contra-alegações do seguinte modo:
1º - Não constitui, numa hipótese com a configuração da dos autos - em que está em causa a simples emissão de um cheque sem provisão, discutindo-se a existência de dolo - prazo insuportavelmente exíguo para requerer a abertura da instrução o de 5 dias, previsto no nº 1 do artigo 287º do Código de Processo Penal, na sua redacção originária;
2º - Na verdade, tal prazo era perfeitamente sufi-ciente para permitir ao arguido, de forma ponderada, a tempestiva apresentação de um requerimento do teor do que consta de fls. 7/9 dos autos - e que satisfaz inteiramente os requisitos prescritos no nº 3 daquele artigo 287º.
3º - Não tendo o arguido suscitado a única questão de inconstitucionalidade normativa que consideramos relevante para dirimir um caso com a configuração do dos presentes autos - reportada ao 'bloco normativo' integrado pelo nº 1 do artigo 287º, em articulação com o nº 2 do artigo 107º do Código de Processo Penal, interpretado em termos de repudiar a aplicação em processo penal do regime de excepcional prorrogabilidade de prazos peremptórios, decorrente do artigo 145º do Código de Processo Civil - não pode o Tribunal conhecer de tal questão de inconstitucionalidade.
4º - Na verdade, não se trata apenas de conhecer do objecto do recurso com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada - inteiramente lícita face ao preceituado no artigo 79º-C da Lei nº 28/82 - mas de ampliar o objecto do recurso a uma questão normativa que claramente ultrapassa e transcende a delineada pelo recorrente.
7. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
8. Na pendência do presente recurso de constituciona-lidade, o artigo 1º do Decreto-Lei nº 317/95 alterou, como se viu, o prazo previsto no nº
1 do artigo 287º do Código de Processo Penal, dilatando-o para vinte dias. O legislador foi certamente sensível às acusações de exiguidade formuladas contra o prazo de cinco dias originariamente previsto. Daí, porém, não se pode extrair nenhum argumento decisivo a favor da inconstitucionalidade da norma.
Por outro lado, a circunstância de o prazo ter sido alterado não retira o interesse no conhecimento do objecto do presente recurso. Com efeito, o novo prazo não é aplicável retroactivamente. O acto jurídico-processual que originou o presente recurso é regulado pela lei que vigorava à data da sua prática. Importa, por conseguinte, conhecer o objecto do presente recurso.
9. A questão de constitucionalidade normativa suscitada pelo recorrente é a da contradição entre o prazo de cinco dias para a abertura da instrução, previsto no artigo 287º, nº 1, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que resultou do artigo 1º do Decreto-Lei nº 317/95, de 28 de Novembro, e as garantias de defesa consagradas no artigo 32º, nº 1, da Constituição.
Uma tal questão resulta da alegada insuficiência daquele prazo para assegurar à defesa a compilação das 'razões de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação' ou ainda para a eventual indicação dos actos de instrução que o requerente desejaria que o juiz levasse a cabo ou 'dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros se espera provar'.
10. Na sua abstracta dimensão normativa, independentemente das particularidades do caso, poderá afirmar-se que o prazo de cinco dias é exíguo para o fim aludido, não podendo invocar-se a celeridade processual em detrimento nítido das possibilidades objectivas da defesa.
Poderia dizer-se que a verdadeira questão de constitucionalidade resultaria da articulação do artigo 287º, nº 1, com o artigo 107º do Código de Processo Penal - interpretado este de modo a não permitir a aplicação, em processo penal, do regime de excepcional prorrogabilidade de prazos peremptórios, decorrente do artigo 145º do Código de Processo Civil, como bem sugere o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional. Na verdade, a questão normativa suscitada pelos interesses processuais do recorrente, tal como podem ser interpretados, poderia conduzir a essa conclusão.
11. Todavia, esta limitação da questão de constitucio-nalidade, enquanto problema de articulação de factos, interesses e direito, não impõe a conclusão sustentada pelo Ministério Público de que a incorrecta delimitação pelo recorrente da questão de constitucionalidade implicaria, necessariamente, a não tomada de conhecimento do objecto do recurso.
Com efeito, no caso de a questão de constitucionalidade ser aquela outra referida pelo Ministério Público, a verdade é que, ainda assim, não fora a exiguidade do prazo, desapareceria a causa da deficiência de comunicação do arguido com os serviços judiciais.
12. Embora o núcleo central das garantias de defesa permita considerar o prazo de cinco dias insuficiente por razões atinentes às necessidades de precisão e exaustividade na formulação das pretensões de quem requer a abertura da instrução, não deixam de ser acessoriamente atribuídas à exiguidade do prazo as próprias vicissitudes da comunicação entre o arguido e o Tribunal.
Deste modo, pode concluir-se que a questão particular de constitucionalidade (na sua dimensão fáctico-normativa) suscitada pelo recorrente ainda cabe na questão geral de constitucionalidade que o artigo 287º, nº 1, do Código de Proceso Penal suscita em face do artigo 32º, nº 1, da Constituição.
13. Colocada a questão de constitucionalidade normativa no puro confronto entre o artigo 287º, nº 1, do Código de Processo Penal e o artigo 32º, nº 1, da Constituição, impõe-se um juízo de inconstitucionalidade.
Com efeito, tal como o Tribunal Constitucional entendeu no que se refere ao artigo 328º, 2ª parte, do Código de Processo Penal de 1929 (Acórdão nº
41/96, de 23 de Janeiro de 1996) também a norma agora em análise não permite ao arguido que 'organize de modo efectivo, a sua defesa ... ponderar os factos recolhidos ... e não em função dessa reflexão ponderada, apresentar as suas razões e requerer as diligências pertinentes'.
Na realidade, tal como a norma do Código de 1929, a norma em crise conta o referido prazo a partir da notificação da acusação (ou do arquivamento) e, embora a instrução seja facultativa no Código de Processo Penal de 1987, ela está reservada para os processos mais complexos, que seguem a forma comum
(artigo 286º, nº 2, do Código de Processo Penal), pelo facto de o respectivo objecto exibir maior dignidade punitiva (cf. artigos 381º e 392º do Código de Processo Penal).
É certo que a instrução prevista no Código de Processo Penal de
1987, quando requerida pelo arguido [artigo 287º, nº 1, alínea a)], não tem qualquer função investigatória autónoma da comprovação da acusação deduzida pelo Ministério Público ou pelo assistente. Mas, ainda assim, é uma actividade da qual pode resultar a confirmação da acusação ou a sua rejeição como até a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação. Não tem, pois, menos importância, na perspectiva das garantias de defesa, do que a instrução contraditória no Código de 1929, sobretudo se tivermos em conta a irrecorribilidade do despacho de pronúncia quando confirme a acusação do Ministério Público.
14. Por outro lado, tem o Tribunal Constitucional entendido que o prazo de cinco dias para a motivação do recurso previsto no Código de Justiça Militar é insuficientemente adequado à plenitude das garantias de defesa (cf. Acórdãos nºs 34/96, D.R., II Série, de 28 de Abril de 1996 e 611/96, D.R., II Série, de 6 de Julho de 1996).
Ora, a motivação, enquanto tarefa de definição da questão jurídica e das razões que justificam o recurso, apresenta analogias, nas suas estruturas lógica e jurídica, com o requerimento de abertura de instrução, que delimita as questões sobre as quais deve recair a actividade instrutória e pode debater a qualificação jurídica dos factos constantes da acusação e prepara a estratégia da defesa.
O facto, já sublinhado, de o despacho de pronúncia ser irrecorrível quando confirme a acusação do Ministério Público (artigo 310º, nº 1), diferentemente do que acontecia com o Código Processual Penal de 1929, torna a instrução uma fase muito importante do processo. E é-o, não só pelas repercussões na fase de julgamento e na fixação do objecto do processo, como também por ser o último meio de o arguido evitar a sujeição a julgamento com o efeito sociologicamente estigmatizante que, pese embora a presunção de inocência, está associado a essa fase e com a aplicabilidade de medidas de coacção e de garantia patrimonial, que constituem, inequivocamente, restrições de direitos, liberdades e garantias.
Por outro lado, a possibilidade de requerer novas diligências de prova [artigo 61º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal] ou de o tribunal dever proceder a todas as diligências necessárias à comprovação da acusação (artigo 287º, do Código de Processo Penal) não diminui o valor do requerimento de abertura da instrução na perspectiva das garantias de defesa num modelo essencialmente acusatório. É através das razões de facto e de direito que, naquele requerimento, se poderão articular que a defesa tem o seu espaço fundamental de iniciativa processual em tal fase preliminar do processo. Um estreitamento de garantias nesta fase é sintoma de uma inversão da relação de importância entre os princípios do acusatório e da investigação, com a subordinação, constitucionalmente inadmissível (artigo 32º, nº 5, da Constituição), do primeiro ao último. A estrutura acusatória do processo penal exige, claramente, garantias de um efectivo poder da defesa gerir as suas iniciativas e estratégia.
Finalmente, também o facto de a instrução ser facultativa não implica que, por razões de celeridade, se justifique um prazo exíguo. Com efeito, a celeridade não é um valor que se sobreponha às garantias da defesa, nem que, neste caso, sirva, por si, as próprias garantias de defesa, pois sempre o arguido que deseje renunciar ao prazo previsto para a abertura de instrução poderá fazê-lo (como é, aliás, prática corrente nos tribunais criminais).
É, assim, em suma, o próprio imperativo da construção das condições da presunção de inocência, inerente à consagração constitucional de um tal princípio, que impõe uma acentuação do valor garantístico das fases preliminares no processo penal e justifica que seja atribuída uma importância ao requerimento para a abertura da instrução que os requisitos formais não sugerem. E deste modo se justifica a caracterização como exíguo e atentatório das garantias de defesa do prazo de cinco dias para a respectiva apresentação. III Decisão
15. Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar incons-titucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição, o artigo 287º, nº 1, do Código de Processo Penal de 1987, na versão anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 317/95, de 27 de Novembro, enquanto fixa em cinco dias, contados da notificação da acusação, o prazo para o arguido requerer a abertura de instrução.Em consequência,concede-se provimento ao recurso.
Lisboa, 2 de Junho de 1998 Maria Fernanda Palma Artur Maurício Alberto Tavares da Costa Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida(vencido conforme declaração de voto que junto) Paulo Mota Pinto(vencido,nos termos da declaração de voto que junto) Luís Nunes de Almeida DECLARAÇÃO DE VOTO
Não acompanhei a tese que fez vencimento, a qual, em meu entender, não afasta os fundamentos da posição que tomei no Acórdão nº 337/94, publicado no Diário da República, II Série, de 4 de Novembro de 1994, de que fui relator.
Nessa decisão, apesar de o Tribunal não ter tomado conhecimento do recurso, sustentei que não constitui obstáculo ao pleno exercício do direito de defesa a natureza imperativa do prazo de cinco dias para requerer a abertura da instrução, sendo que doutrinal e jurisprudencialmente, se vem entendendo a instrução como uma fase judicial, de estrutura também acusatória. Porque continua a não deixar de ser assim, não vislumbro motivos para não continuar a manter tal perspectiva.
Efectivamente, ao arguido, durante a instrução, está aberta a possibilidade de indicar novas diligências probatórias, fazer requerimentos, pedir para ser interrogado, apresentar quaisquer provas não proibidas por lei. Portanto, o prazo de cinco dias, para a prática de um acto que se traduz na apresentação de 'uma súmula das razões de facto e de direito de discordância da acusação', é, por esta via, complementado do ponto de vista da manutenção e respeito do direito de defesa. O juiz de instrução não está assim limitado, no decurso dessa fase, ao material probatório apresentado pela acusação pois se trata apenas de comprovar ou de infirmar, por decisão judicial, a decisão do Ministério Público de acusar ou de não acusar.
Não colhem os paralelismos e analogias que no acórdão se pretendem estabelecer com os prazos para a motivação do recurso previstos no Código de Justiça Militar. Quanto ao Acórdão nº 41/96, citado, não o subsrevi, mas parece-me que a situação apesar de poder ser assimilada à do caso em apreço, todavia, não deixa de ter 'marcas' que apontam para a perspectiva que acima deixei descrita.
É certo que, sendo a instrução facultativa, 'as razões de facto e de direito' para se discordar da acusação ou não acusação não devem, em princípio, poder ser revistas e/ou ampliadas no decurso da intrução - isto é: devem constar sempre de requerimento inicial.
Porém, como o requerimento inicial 'só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do Juiz ou por inadmissibilidade legal de instrução', o carreamento de novos factos e diligências tendentes a demonstrar que não há fundamento para a acusação ou para a não acusação não pode deixar de conter as razões de tal alegação, quer para servir de motivação do requerido quer para mostrar a sua necessidade, pelo que sempre o arguido pode, adjuvantemente, trazer novos argumentos ao inicialmente aduzido.
Por outro lado, não pode esquecer-se que da própria instrução podem surgir elementos novos, não considerados no despacho inicial acusatório ou de arquivamento e quanto a estes não pode negar-se o direito de argumentar nessas razões, quer de facto quer de direito, que possam vir a influenciar a decisão final de manter ou não quer a acusação quer a não acusação.
O que me parece é que a fase de instrução visando unicamente a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito (artigo 286º, nº 1, do Código de Processo Penal), não pode deixar de ser uma fase maleável com amplas possibilidades de carrear novos factos
(relevantes) e novas razões que possam repercutir-se na decisão final de um juiz, qual seja, a de submeter ou não a causa a julgamento.
Esta fase não pode prolongar-se indefinidamente, mas não devem ser coarctados os direitos do arguido de pôr em causa a acusação. Há que haver prazos peremptórios e curtos para a abertura desta fase do processo, mas sem retirar a possibilidade de fazer a comprovação de que a acusação não tem fundamento, ou de que o despacho de arquivamento devia ser alterado. Vítor Nunes de Almeida Declaração de voto Considero que a norma do artigo 287º, n.º 1 do Código de Processo Penal, na sua redacção de 1987, ao fixar um prazo de cinco dias úteis (artigo 6º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e artigo 144º, n.º 3 do Código de Processo Civil, este aplicável por força do artigo 104º, n.º 1 do Código de Processo Penal) para o requerimento de abertura de instrução não é inconstitucional, assegurando ao arguido todas as garantias de defesa exigidas pela Lei Fundamental, no respeito pela finalidades do processo penal. Na verdade, na estrutura do processo penal posterior a 1987, a instrução destina-se a comprovar judicialmente a decisão acusatória (artigo 286º, n.º 1 do Código de Processo Penal), tendo de conter-se dentro dos limites dos factos constantes desta acusação (artigos 303º e 309º, n.º 1, do mesmo Código). Como fase processual com autonomia, mas facultativa em todos os processos comuns
(exiba ou não o respectivo objecto maior dignidade punitiva, como resulta da leitura dos artigos 390º e 396º do Código de Processo Penal), na instrução não se admite porém, segundo o Código de 1987, qualquer alargamento substancial da investigação, para além dos factos delimitados na acusação. Trata-se, tão-só, de um suplemento dirigido à confirmação ou rejeição desta acusação. O requerimento de abertura de instrução, por outro lado, não pode ser rejeitado por não conter os elementos referidos no n.º 3 do artigo 287º, salientando-se que
'manifestamente, ‘um certo conteúdo’ não foi arvorado em condição de admissibilidade do requerimento'(José Souto de Moura, 'Inquérito e instrução', in Jornadas de direito processual penal. O novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1988, p. 119). Apenas pode esse requerimento ser rejeitado com os fundamentos previstos no n.º 2 do artigo 287º. Deve, aliás, entender-se (como o artigo 287º, n.ºs 2 e 3, conjugado com o artigo 61º, n.º 1, alínea f) permite, e, de todo o modo, se necessário, sempre uma interpretação conforme à Constituição imporia) que a omissão dos elementos referidos naquele não tem efeito preclusivo, prazo foi alargado para 20 dias pelo Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de Novembro (alteração ,esta, cuja bondade obviamente me dispenso de apreciar, mas que, de todo o modo, considero sem relevância para a questão de constitucionalidade, podendo perfeitamente corresponder a uma mudança de orientação do legislador dentro do espaço de conformação constitucionalmente admissível) - ao arguido todas as garantias de defesa exigidas pela Constituição
(sem, do mesmo passo, sacrificar o importante valor que no processo penal é também a celeridade processual - do qual o arguido, aliás, com frequência não é o menor beneficiário -, por evitar que o processo 'fique à espera' de um requerimento para uma fase do processo que pode nunca vir a existir, por ser facultativa). Isto, sendo seguro que a lei claramente pode - e, numa certa perspectiva, deve - ser interpretada no sentido de o arguido poder limitar-se a deduzir o requerimento de abertura da instrução, motivando-o bem ou mal - pois, como se sabe, este só pode ser rejeitado com os fundamentos do artigo 287º, n.º
2, nos quais não se inclui a sua falta de fundamento, ainda que manifesta -, exercendo posteriormente o direito de requerer diligências instrutórias, que lhe
é conferido pelo citado artigo 61º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal. Não me parece, aliás, que um juízo de inconstitucionalidade seja minimamente inculcado pela anterior jurisprudência do Tribunal, designadamente, pela que se pronunciou sobre a inconstitucionalidade de outros prazos de cinco dias em processo penal - Acórdãos n.ºs 34/96, 611/96, (respectivamente in Diário da República, II série, de 29 de Abril de 1996 e 6 de Julho de 1996), e n.º 41/96, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 453, pág. 142 (já para não falar das decisões que têm julgado não desconforme com a Constituição a irrecorribilidade do despacho de pronúncia - ver, por todos, o Acórdão n.º 147/97, publicado no Diário da República, II série, de 15 de Abril de 1997 -, ou da possibilidade de alteração de qualificação jurídica no despacho de pronúncia, cuja invocação se me afigura deslocada na apreciação da conformidade constitucional do artigo
287º, n.º 1). A avaliação da compatibilidade do prazo para requerer a abertura de instrução com as garantias de defesa do arguido não tem, a meu ver, paralelo com a de um prazo para recurso, dada a evidente diferença de consequências do não cumprimento do respectivo dies ad quem - enquanto num caso o arguido será sujeito a julgamento, no qual se poderá ainda defender, no outro a decisão tornar-se-á definitiva, transitará em julgado (isto, mesmo sem considerar as diversas exigências de conteúdo para admissibilidade do recurso e os efeitos do sua falta de satisfação). A similitude, sob o ponto de vista da constitucionalidade, com o prazo para o requerimento do réu para abertura da instrução contraditória em processo de querela, previsto na 2ª parte do artigo 328º do Código de Processo Penal de 1929
(prazo, esse, julgado inconstitucional pelo citado Acórdão n.º 41/96), esfuma-se, como mera aparência, após consideração atenta das diferenças de função e regime entre, por um lado, a instrução no actual processo penal comum, e, por outro, a instrução contraditória no processo de querela. É que, como é sabido, segundo este diploma, a instrução contraditória, que tinha sempre lugar nos processos de querela, não visava apenas comprovar a acusação, mas também
'esclarecer e completar a prova indiciária da acusação' (artigo 327º do Código de Processo Penal de 1929), tratando-se de um verdadeiro suplemento de investigação, também com o de objectivo recolher elementos que se não puderam obter no decurso da instrução preparatória e de completar os factos constantes da acusação (assim, na chamada acusação provisória, por natureza e intenção do acusador, que podia na instrução contraditória ser alterada, infirmada ou confirmada - ver, por exemplo, João Castro e Sousa, A tramitação do processo penal, Coimbra, 1983, págs. 223-4, e já José Osório, 'Instrução contraditória – conceito e função', in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 1, págs. 18-9; salientando a diferença entre a concepção da instrução como instância de controlo e como instância de investigação, Anabela Rodrigues, 'O inquérito no novo Código de Processo Penal', in Jornadas..., cit., págs. 78-9). Além disso, no requerimento previsto no artigo 328º, 2ª parte, do Código de 1929, o réu devia 'articular os factos que pretenda provar, juntando logo todos os documentos que devam ser apreciados, indicando todos os meios de prova que queira produzir e oferecendo o rol de testemunhas com menção dos factos a que devam depor'. A omissão destes elementos no requerimento para abertura da instrução contraditória tinha, pois, um efeito preclusivo bem diverso do actual, que, a meu ver, não pode deixar de ser considerado relevante para a questão de constitucionalidade. Torna-se, portanto, evidente (designadamente, pelos diversos efeitos da falta ou da deficiente motivação do requerimento) a diferença de consequências para a posição processual do arguido da fixação, no actual Código de Processo Penal e no Código de 1929, de prazos para o arguido requerer a abertura da instrução - diferença, essa, que, aliás, foi já devidamente salientada por este Tribunal, no Acórdão n.º 337/94 (publicado no Diário da República, II série, de 4 de Novembro de 1994, e que acompanho) e que não deve ser escamoteada, nem por verdadeira inversão, nem sequer por simples omissão da aplicação do cânone de interpretação conforme à Constituição. Com estes fundamentos, não me teria pronunciado pela inconstitucionalidade da norma sub iudice. Paulo Mota Pinto